terça-feira, abril 20, 2021

O autoretrato das minhas estantes e também o do Rui Knopfli

Há muito tempo que as minhas estantes de livros são um caos. Mas não um caos relativo, alguma desarrumação: é um caos que se aproxima muito de ser total. 

Vou dar um exemplo elucidativo, para que não achem que estou a exagerar. Descobri hoje, aqui em Vila Real, o segundo volume de “O Homem sem Qualidades”, de Robert Musil. Em Lisboa estão os dois outros volumes e - sei que não vão acreditar! - vivem em estantes opostas, a metros um do outro!

Não me perguntem porque é que isto acontece! Há muitos anos, há mais de vinte (juro!) que não tenho a menor paciência para arrumar livros, nomeadamente os que vou comprando (e compro bastantes). Antes disso, lembro-me que as coisas andavam mais ou menos arranjadas, por áreas temáticas. Creio que foi desde que me mudei para a casa onde vivo, em 1997, que se instalou este pandemónio na minha “biblioteca” (nem lhe ouso chamar isso!). Assumo isto, sem o menor problema, talvez com a atenuante de ter transitado entre 14 casas diferentes e de que estamos a falar, entre coisas nas estantes e em caixotes, à volta de oito ou nove mil livros. (Desde há uns anos, com bastantes deles já recolhidos na Biblioteca Municipal de Vila Real, para onde vai “andando”, ao ritmo dos meus humores, o meu espólio livresco).

Mas, ao longo de todos estes anos, nunca tentei, algum dia, pôr alguma ordem naquilo? Claro que sim. Imensas vezes! Arregacei as mangas, deitei mãos à obra, por uma boa meia hora fiz pilhas de livros, que deviam ficar juntos, desarrumei salas e ocupei o soalho. Só que, num determinado instante (e isto aconteceu-me em bem mais de uma dezena de ocasiões), caiu-me nas mãos algo que me interessava ler logo. E, claro, zarpei para um sofá, onde me alapei para, aí por uma hora ou duas, ler esse livro, até que o acabei ou me cansei dele, coloquei-o de parte. Depois, fui trabalhar (porque trabalho bastante, para que conste), ou fui ver a internet, dali passei a um programa de televisão, escrevi entretanto um tweet ou um texto para o blogue, agarrei num jornal ou numa revista. E, a certa altura, porque viver cansa, decidi ir deitar-me. E logo peguei noutro livro da pilha que, na mesa de cabeceira, começa de novo a subir e abeirar-se de um quadro que é o seu limite em altura. E fui dormir, coisa que também faço, por muito que alguns não acreditem. (Há um ano, no meu quarto, havia cento e tal livros, entre estantes e a mesa de cabeceira). No dia seguinte ao início da “operação” de arrumação, em tom irónico, lá ouvi pela enésima vez: “Estas pilhas de livros era para tu arrumares, não era?”. Era.

Na minha casa de Lisboa, nas zonas onde há livros, há apenas quatro áreas com uma ligeiríssima e tendencial homogeneidade: a poesia (sempre toda junta, honra, ainda sem explicação, aos poetas), coisas sobre o Brasil (mas há caixotes, em Vila Real, atulhados de livralhada brasileira, que já passou incólume por Paris), alguma coisa sobre a Europa de que às vezes necessito para escrever, ao lado de uma zona com alguns livros básicos de diplomacia, uma área de política de Espanha (mas também de alguma ficção de “habla” castelhana) e três prateleiras com Eça e coisas queirosianas, uma mania velha que tenho, desde que me conheço leitor.

Fora isso, e à parte uma orgulhosa coleção (quase completa) de livros de José Vilhena, o caos é, verdadeiramente, total: ficção misturada com “current issues”, livros de turismo no meio de coisas sobre o Brexit ou o colonialismo ou sei lá! Ah! Ia-me esquecendo: há uma zona de dicionários, essa relativamente homogénea.

Mas então, sensatamente, perguntarão: como é que eu descubro aquilo de que necessito? Muitas vezes não descubro, outras vezes lembro-me de que “é uma coisa em tons de azul que andava ali por aquele canto”. Isto é de doidos? É, sim senhor, mas é assim, a sério! (E vivo feliz assim, se querem saber!)

Na casa que tenho em Vila Real é tudo mesmo muito pior. Não há, lado a lado, um único livro que tenha a ver com outro: é um thriller em inglês ao pé de uma coisa sobre o Douro, uma memória de um político francês junto com uma gramática, obras mais do que menores (tanto que me envergonho de dizer os autores) à beira de gigantes do pensamento político. Não tem graça nenhuma, podem crer!, mas não tenho, há muito, e tenho a impressão que nunca irei ter, a menor pachorra para um dia pôr ordem naquilo. No entanto, quer em Vila Real quer em Lisboa (mas esse pelouro não é meu), os livros de culinária estão cuidadosamente arrumados. Mas não me culpem disso, por favor!

Há minutos, passei por uma estante e apanhei a “Memória Consentida”, 20 anos de poesia do Rui Knopfli, que era conselheiro de imprensa na embaixada em Londres quando por lá passei nos anos 90 (eu passei por lá quatro anos e tal, ele esteve 18). E lembrei-me, para os compensar do texto chato (autoflagelante e quiçá francamente desqualificante) que acabam de ler, de lhes deixar este belo poema autoretrato do Rui.





A minha solidariedade

Nesta hora difícil, deixo uma palavra de profunda solidariedade às pessoas que têm a responsabilidade de fazer os alinhamentos dos telejornais televisivos: decidir entre dar prioridade à pandemia ou à “crise” no futebol europeu deve ser um dilema de consciência difícil de superar.

segunda-feira, abril 19, 2021

“Todos à molhada!”

Foi preciso que aristocracia do futebol europeu tivesse revelado, em todo o seu esplendor, a sua insuportável arrogância para que os três principais clubes portugueses (pronto! já sei! há o Braga, o Boavista e os ”loosers” de luxo - a Académica e o Belenenses) conseguissem juntar-se, num gesto de orgulho ofendido, unidos em torno de um novo “mapa cor-de-bola”, que possa resgatar a honra de uma pátria em chuteiras (valha-nos, como nunca, a metáfora do Nelson Rodrigues). Há quem chame desporto àquela belíssima arte coreografada sobre a relva, só que, de quando em vez, eventos como estes mostram-nos, muito claramente, que estamos apenas perante um negócio (estive tentado a escrever “mundo cão”, mas hesitei) de emoções irracionais, arrebanhadas de forma ululante.

O Douro ao longe


 ... ao andar ali por perto.

A beleza do vale do Tua


 ... ontem, do miradouro do Ujo.

domingo, abril 18, 2021

Lema

Recordei hoje um belo lema de um amigo que sofreu na pele a ditadura: um punho fechado - seja ele qual for - é sempre mais honrado do que uma mão aberta num braço estendido.

sábado, abril 17, 2021

“Observare”


Mais um programa “Observare” onde, desta vez, falamos das tensões em torno da Ucrânia, nos sinais que os Estados Unidos crescentemente enviam para a Ásia e no reacender de alguma conflitualidade na Irlanda do Norte, desta vez provocada por um efeito colateral do Brexit. Eu refiro mais um episódio do dissídio histórico entre a França e a Argélia e da comemoração dos 60 anos da ida do primeiro cosmonauta ao espaço, o russo Iuri Gagarine. 

Pode ver aqui:

Memória asiática


Em 1976, fui colocado na “repartição” da África, Ásia e Oceania, da direção-geral dos Negócios Económicos do MNE. 

Ali nos chegavam então, na “mala diplomática” quinzenal, oriundos do nosso consulado-geral de Hong Kong, uns “ofícios” que traziam, em anexo agrafado, recortes de um importante jornal do enclave, o “South China Morning Post”, dedicados a temas económicos.

Líamos aquilo e davamos-lhes, também através de ofícios que tinham de ser assinados pelo nosso diretor-geral, o destino adequado. Os recortes seguiam para os “ministérios sectoriais” (é assim que, nas Necessidades, se tratava, com óbvia sobranceria, o “resto” da nossa Administração Pública - e espero que este bom hábito se não tenha perdido), que o “despacho” do chefe de repartição (tivemos um chefe que “despachava” a lápis, confessando que era para poder emendar mais tarde, se se enganasse...) ou o nosso jovem bom senso determinasse.

Os ofícios de Hong Kong eram assinados por Francisco Manuel dos Reis Caldeira, o cônsul-geral, nome dactilografado no fundo da página, a que se sobrepunha uma assinatura que sempre qualifiquei de “gesticulada”, porque alguns dos extremos do grafismo manuscrito subiam pelo teor do texto, personalizando-o de uma forma que era considerada ímpar na casa. 

Um dia, nesse idos da segunda metade dos anos 70, entrou-nos na sala uma figura baixa, de cabeça levantada, olhar grave, na casa dos quarenta, com uma postura bem afirmativa. Deu dois passos, estacou e sob a atenção coletiva, olhou para o fundo, para a secretária que ficava entre as duas janelas que davam para o pátio central do palácio das Necessidades e, apontando, disse, com voz forte, ao funcionário que aí tomava assento: “Esse lugar já foi meu!”. 

O jovem diplomata que aí oficiava - que, por acaso, era eu - percebeu que estava perante um colega mais velho que ali vinha em missão de memória saudosa. E, porque as regras então eram outras, levantou-se e saudou-o. 

O Reis Caldeira, porque é dele que estamos a falar, deve ter então cumprimentado o resto da trupe que ocupava o espaço: a única beleza da sala, a Ivone de Carvalho, o Mário Santos, o Ribeiro Gomes (tenho tantas saudades do sorriso aberto do Ribeiro Gomes!) e, com escassa probabilidade, o “Ina” Amaral Neto, que raramente nos dava o privilégio da sua companhia, até que um dia se deixou daquilo e rumou aos negócios, onde sei que é feliz.

A figura do Reis Caldeira, que comigo coincidia (e isso era tudo aquilo em que coincidia) em ser oriundo do ISCSPU (com “U”), chamar-se Francisco Manuel e ter uma mulher assistente social, era a tal pessoa que nos remetia, pela “mala”, os famosos recortes do “South China Morning Post”. Ficámos, finalmente, a conhecê-lo! 

Confesso que perdi de atenção o futuro profissional do Reis Caldeira. O facto de, mais tarde, ter publicado um livro com o título “O mito do saneamento ou a contra-revolução silenciosa”, sobre as intrigas internas do MNE, assinado “Francisco dos Reis Sapim”, acabou, sem surpresas, por não se constituir como um “boost” para o resto do seu percurso profissional.

Hoje, deu-me para recordar o Reis Caldeira, os seus ofícios de Hong Kong, graficamente tão expressivos na sua assinatura, que “capeavam” (que bela que era a linguagem burocrática do antanho) os recortes do “South China Morning Post”.

Mas por que diabo estará este tipo a falar tanto daquele jornal? Ora essa!? Porque acabo de dar uma entrevista que me foi pedida pelo “South China Morning Post”. Se isto não é uma razão, não sei o que será!

Veja a capa


Estou seguro que os amigos brasileiros que aqui me seguem concordarão comigo que o facto da revista Veja publicar uma capa como esta tem um forte significado. E julgo que mais não preciso de dizer.

Presidências europeias - uma realidade mutante


Já foi editado o Anuário Janus 2020/2021

Nele publico um artigo sobre as Presidências da União Europeia, cujo texto pode ser lido aqui.

sexta-feira, abril 16, 2021

O meu candidato

Hesitei em escrever sobre a caricata situação protocolar que envolveu a presidente da Comissão Europeia e o presidente do Conselho Europeu, durante a visita conjunta que fizeram a Ancara. Mas vou fazê-lo, para aproveitar para uma declaração pessoal de interesses.

O incidente é conhecido. Em face da oferta pelo presidente turco de uma única cadeira para a representação da União Europeia que ambos ali titulavam, na reunião que iam ter, restando uns sofás e quiçá umas otomanas suplementares, assistiu-se a um espetáculo pouco dignificante: Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, sentou-se logo ao lado de Erdogan, na cadeira do convidado. Ursula Van Der Leyen, depois de emitir uma interjeição de surpresa, foi obrigada a ir para um sofá, numa posição claramente secundária.

Gostava de começar por uma clarificação: é completamente sem sentido, relevando de uma pura ignorância, a ideia de que, por uma questão de etiqueta e simpatia, Michel deveria ter cedido o lugar a Van Der Leyen, por se tratar de uma senhora. A questão não é essa, longe disso. Se Van Der Leyen se tivesse sentado na cadeira, obrigando Michel a ir para o sofá, o caso era precisamente igual.

A União Europeia, pelo Tratado de Lisboa, criou uma bicefalia no seu topo. Para além da pessoa que preside à Comissão Europeia, foi nessa altura decidido eleger uma personalidade para presidir às reuniões de chefes de Estado e de governo, os Conselhos Europeus, dando uma maior continuidade a essa função, assim evitando a rotação semestral. No fundo, era uma resposta à clássica queixa irónica, feita um dia por Henry Kissinger, que afirmava não saber qual era, afinal, o ”número de telefone” da Europa. Passou a ter dois.

As “vítimas” dessa decisão, tomada pelos “tratantes” do Tratado de Lisboa, foram precisamente os chefes de Estado e governo, que deixaram de presidir a quaisquer reuniões. Ao contrário de Cavaco Silva em 1992, de António Guterres em 2000 e de José Sócrates em 2007, nos dias de hoje António Costa não chefia nenhuma reunião dos seus colegas, durante a presidência portuguesa da União Europeia. É o belga (valão) Charles Michel que, tal como já acontecera com o também belga (mas flamengo) Van Rompoy e o polaco Donald Tusk, cada um por dois anos e meio, renováveis, exerce hoje essa função. 

Como antes referi, ao lado desse presidente do Conselho Europeu existe, como sempre existiu, um presidente da Comissão Europeia, neste caso uma mulher. A regra - repito, isto não tem a menor discussão - é que não existe qualquer hierarquia entre os dois. Por exemplo, quando à União Europeia foi atribuído o Prémio Nobel da Paz, o galardão foi entregue simultaneamente a Durão Barroso, então presidente da Comissão, e a Van Rompoy. A equidade protocolar dos dois é indiscutível. E espero que ninguém se lembre de falar do presidente do Parlamento Europeu, que não é chamado para este assunto.

O que se passou em Ancara representou, por parte de Charles Michel, não um deselegante gesto de descortesia perante uma senhora: foi um gesto político, profundamente errado, ao ter-se arrogado uma preeminência hierárquica sobre a presidente da Comissão Europeia. Alguém vir argumentar com erros de protocolo ou com o desprezo dos turcos pelas mulheres é uma perfeita idiotice. Michel, ao ver a cena montada, com apenas uma cadeira para a União Europeia, deveria, pura e simplesmente, ter-se recusado a ocupar essa mesma cadeira sem que ali fosse colocada outra, perfeitamente idêntica, para Van Der Leyen.

Se Charles Michel já vinha a ser considerado, há bastante tempo, o mais incompetente dos três presidentes permanentes que o Conselho Europeu teve até hoje, a cena de Ancara não lhe trouxe um grão mais de popularidade. Bem pelo contrário: ao titular este erro político afastou as possibilidades, que já eram residuais por razões de equilíbrios partidários, de poder vir a ser reconduzido.

Ora eu, depois de tudo o que atrás disse sobre a incompetência de Michel, gostaria imenso que Charles Michel continuasse no cargo: era ele o meu candidato preferido. Porquê? Não digo. Ou melhor, só digo que é por razões estritamente luso-portuguesas...

quinta-feira, abril 15, 2021

“A Arte da Guerra”


As tensões intracomunidades na Irlanda, o crescendo de preocupações em torno da estabilidade da Ucrânia  e a reiteração do compromisso americano quanto a Israel fazem parte da conversa havida esta semana com António Freitas de Sousa no “A Arte da Guerra”, na plataforma multimedia do “ Económico”.

Pode ver aqui.

quarta-feira, abril 14, 2021

Shirley Williams


”A quem é que interessa que morreu Shirley Williams?” Coloquei a pergunta a mim mesmo, claro, antes de iniciar este texto, na certeza de que haverá gente que por aqui passa que hesitará entre duas questões: “Mas quem será a senhora?”

Outros, mais cruéis, repetirão o que andam a pensar há muito: “Este tipo está a transformar a sua página do Facebook numa espécie de obituário”.

Neste caso, haverá talvez uma terceira e mais sofisticada “raça”, constituída pelos que pensarão: “Vá lá! Depois de ter falado ontem do Soares Martinez, ao menos que se lembre da Shirley Williams!” Tentarei, prometo, fazer ”a long story short”.

A baronesa Williams, porque era isso que ela era até ontem, como “life peer” (membro da Câmara dos Lordes apenas para o período da sua vida, ”nobilitada” pela rainha e não por ter tido avoengos recompensados com um título hereditário por um rei que ajudaram à espadeirada) foi uma figura interessante, embora não de topo, na vida política britânica.

Ministra trabalhista na transição dos anos 60 para 70, em governos de Harold Wilson e James Callaghan, pertenceu sempre à ala mais conservadora. Quando a liderança “labour” se começou a esquerdizar, sob a liderança de Michael Foot, Williams e mais quatro figuras dessa “direita” trabalhista titularam uma cisão, em 1981, e criaram o SDP, o Partido Social-Democrata.

Foram acompanhados por um grupo de outros deputados trabalhistas (e até de um deputado conservador), mas o SDP, esmagado pela bipolarização a que o sistema maioritário britânico quase obriga, acabou por ter um sucesso eleitoral muito inferior à importância mediática que acabaria por ter. Uns anos depois, em 1988, o partido veio a fundir-se com uma formação histórica da política britânica, o Partido Liberal, vindo a criar, em 1988, o Partido Liberal-Democrata.

Vale a pena recordar quem eram os três parceiros de Shirley Williams na aventura cisionista: Roy Jenkins, que tinha sido presidente da Comissão Europeia, David Owen, ex-MNE britânico, e William Rodgers, várias vezes ministro.

De comum, e não era pouco, estas quatro figuras alimentavam um forte europeísmo e opunham-se a uma deriva desarmamentista unilateral que, à época, marcava o debate no Reino Unido e fazia escola no seio do seu trabalhismo mais radical.

O grupo ficou conhecido como o “Bando dos Quatro” (na fotografia). O nome advinha, por graça, de quatro figuras políticas chinesas que haviam tido a falta de senso de conspirar contra o poder conjuntural, o que, lá por Pequim, fez com que a sua esperança média de vida útil tivesse sido reduzida de forma abrupta.

Shirley Williams tornou-se, com os anos, uma figura com frequente presença nas televisões e em debates. Tive o gosto de participar, a seu lado, num painel organizado em Brighton, no final dos anos 90, sobre temas europeus. Pode dizer-se que, em termos dos equilíbrios da vida interna do Partido Trabalhista, acabou por ser uma “blairista” bastante antes do tempo.

Morreu agora, com uns respeitáveis 90 anos.

terça-feira, abril 13, 2021

Aviso sério!


Ler pode causar danos irreparáveis à sua ignorância! 

Martinez


Há quatro anos, no Chiado, tirei esta fotografia. A figura retratada é Pedro Soares Martinez, a olhar a montra lateral da Bertrand.

Martinez foi ministro da Saúde de Salazar e morreu agora, aos 98 anos. Durante muito tempo, via-o, com relativa frequência, a almoçar no Círculo Eça de Queiroz, onde ambos éramos sócios. E vislumbrei-o, várias vezes, em restaurantes.

Martinez foi um académico prestigiado de Direito. Fiel defensor da memória do regime que serviu, monárquico por convicção, foi uma figura polémica na vida universitária portuguesa, ao ter sido responsável por políticas repressivas da atividade associativa dos estudantes. Não veio a ter vida fácil no 25 de abril, mas a democracia passou depois um pano sobre tudo isso, com a generosidade que a ditadura, com a naturalidade que lhe estava nos genes, antes não tivera para com os seus adversários.

Não menos polémica era, igualmente, e durante bastantes anos, a forma como se processava a participação de Soares Martinez nos júris dos concursos de acesso à carreira diplomática. Assumindo que afirmo isto com base em testemunhos que colhi de várias pessoas, cujo critério de apreciação tem um grau de subjetividade que há que ter em conta, era voz corrente nas Necessidades que Martinez conduzia as suas temíveis provas orais de uma forma que lhe permitia detetar a orientação política dos candidatos. E que isso poderá não ter deixado de ter as suas consequências na seleção do pessoal diplomático desse tempo - isto é, repito, durante a ditadura.

Com a morte de Martinez (nascido em 1925), restam apenas três ministros que serviram em governos de Salazar: João Dias Rosas (n. 1921), ministro das Finanças (1968/72), Adriano Moreira (n. 1922), ministro do Ultramar (1961/63), e Mário Júlio de Almeida Costa (n. 1927), ministro da Justiça (1967/73).

Desconfiamento

Por que será que, por esta altura deste novo desconfinamento, não consigo dizer, com um mínimo de convicção, nem sequer intimamente, que “vai ficar tudo bem”? Acho que entrei na fase do “desconfiamento”.

Alô!

Digam-me uma coisa: também lhes acontece, cada vez mais, verem as vossas chamadas telefónicas interrompidas, tendo de as recomeçar? E demorar uma “eternidade” entre o momento em que clicamos o número e o início do som de chanada do outro lado?

É que, se bem me lembro, há não muito tempo, isso raramente ocorria. Alguém tem uma explicação para isto?

“E se todo o mundo é composto de mudança...”

A graça da vida depende muito da capacidade que tenhamos em nos confrontarmos, com naturalidade, com a mudança. Em fins de janeiro, lancei-me num novo e regular trabalho, exigente mas divertido e muito estimulante. Há dias, dei por terminada uma tarefa que, também com regularidade, tinha iniciado há seis anos, que me deu muito prazer, mas que chegou ao seu fim natural. Há menos de um mês, meti-me numa nova e leve “aventura” para a qual fui desafiado e de que estou a gostar bastante. Precisamente no dia de hoje, encerrei formalmente, naquele que foi o fim natural de um ciclo, uma relevante tarefa profissional em que me envolvi, com entusiasmo, há mais de cinco anos. Daqui a poucos dias, vou recomeçar a dar aulas, embora por um tempo limitado, numa universidade, a mesma onde, desde o segundo semestre do ano passado, estou envolvido num projeto de investigação, por sua vez ligado a um programa de televisão onde participo desde o início do último trimestre de 2020. Irei iniciar também, daqui a dias, um ciclo de palestras de formação profissional, cuja preparação me está a dar muito prazer mas, confesso, a obrigar também a um pouco mais de trabalho do que eu tinha imaginado.

Alguém me dizia, há dias: “Ainda me recordo, em 2012, quando dizias que tencionavas não ir fazer “rigorosamente nada”, quando te viesses a reformar, no ano seguinte. E já lá vão mais de oito anos...”

segunda-feira, abril 12, 2021

A honra do Convento


O tempo passa muito rapidamente. Em 2007, eu era embaixador no Brasil. Por cá, numa espécie de paroquial concurso da “Lusovisão”, houve a peregrina ideia de escolher “Os Grandes Portugueses”, por votação telefónica. Lá, do outro lado do Atlântico, chegaram-me ecos dessa disputa, a qual, como estava escrita nas estrelas destes certames, acabou raptada pela política de trincheiras.

Agarrei então na tecla e decidi escrever um artigo para o “Diário de Notícias”, a propósito de Aristides de Sousa Mendes, figura que se havia intrometido na guerra entre as “vedetas” que tinham polarizado a discussão. Só lhes posso dizer que esse gesto me valeu duas cartas e um telefonema, de três antigos colegas, todos escandalizados com o facto de eu ter ousado defender nesse artigo, o cônsul rebelde às orientações do “presidente do Conselho”. (Não me perguntem os nomes desses colegas, que o tempo já levou do mundo dos vivos, tanto mais que, como é amplamente sabido, eu tenho muito má memória para nomes, em especial para alguns que quero ter a caridade de esquecer - e ainda bem para eles!).

Há dois dias, cumpri um sonho: ir ver a casa da família de Sousa Mendes, que morreu quase na miséria. 

Passava por acaso numa estrada, vi a placa Cabanas de Viriato, e dei lá uma “saltada” que me fez ganhar o dia, que até ia triste.

Aqui fica a fotografia dessa casa, que, por muitas décadas, esteve em ruinas e em risco de desaparecer e que hoje, felizmente, está recuperada.

E, já agora, aproveito para reproduzir esse tal meu artigo de 3 de fevereiro de 2007, que tinha o título “A Honra do Convento”:

“A presença de Aristides de Sousa Mendes entre os dez nomes mais votados no concurso Os Grandes Portugueses constituiu para mim, ao mesmo tempo, uma surpresa e uma ironia.

Uma surpresa porque, não obstante já muitos conhecerem a história do diplomata que desobedeceu às suas instruções para obedecer à sua consciência, oferecendo vistos aos refugiados judeus que procuravam o consulado português em Bordéus, não estou certo de que a nossa sociedade tenha já, nos dias de hoje, uma sensibilidade ética tão apurada que a leve a optar espontaneamente pelo seu nome. Por isso, só posso louvar quantos se tenham mobilizado para assegurar o voto na figura honrada de Aristides de Sousa Mendes.

A suprema ironia da sua inclusão nesta lista deriva, naturalmente, do facto de, a seu lado entre "Os Grandes", figurar António de Oliveira Salazar, o chefe do Governo cujas ordens ele não respeitou e que, por essa razão, viria a destruir a sua carreira e a sua vida pessoal.

Dirão alguns que Álvaro Cunhal também figura nessa lista, e foi bem mais perseguido que Sousa Mendes. 

São coisas de natureza diferente: Cunhal foi um líder partidário e simbolizava a outra face da vida política portuguesa.

Salazar e Cunhal foram figuras mediáticas, nomes que recolheram emoções e polarizaram o País. Por isso, cada um a seu modo, foram personalidades com poder e influência, seguidos por legiões de prosélitos. Aparecerem agora votados pela nostalgia destes últimos faz parte das leis da vida.

Não era esse o caso de Aristides de Sousa Mendes. Quantos, no Ministério dos Negócios Estrangeiros de então, esboçaram um gesto para defender o colega, a dignidade da sua atitude, a preservação da sua vida profissional? 

Dir-se-á que o ambiente político não ajudava, que a repressão estava ao voltar de cada esquina. Mas, e na oposição? Quem se lembrou então de Sousa Mendes, quem denunciou os arbítrios a que foi sujeito?

Não é com agrado que constato que a minha geração diplomática, a primeira que entrou para o Palácio das Necessidades depois do 25 de Abril, foi habituada a ouvir sobre Sousa Mendes, quase sempre, palavras pouco simpáticas de colegas mais antigos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. 

Repito: tudo isto, depois do 25 de Abril! Não exagerarei se disser que, com muito poucas e bem honrosas excepções, a opinião largamente maioritária entre os poucos que se manifestavam sobre o tema, que durante anos foi sempre "incómodo" nas conversas nas Necessidades, continuava a ser muito pouco generosa para a memória do colega rebelde, como que prolongando no tempo a condenação da sua decisão de não cumprir quanto lhe fora ordenado pelo poder instituído e assistindo, com desagrado, à valorização pública desse dissídio. E isto era tão válido para quem o tinha conhecido como para membros de gerações posteriores, que dele só haviam ouvido falar.

Recordo bem que, quando a Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses criou, ao tempo de uma direcção de que fiz parte, um prémio a que decidiu dar o nome de Aristides de Sousa Mendes, vozes houve que, discreta mas significativamente, tentaram que ele viesse a ser titulado, nos anos futuros, por figuras diferentes da carreira diplomática. A frontal oposição de alguns de nós impediu que tal acontecesse. É que já estávamos a imaginar o que por aí viria em matéria de sugestões, para "compensar" o primeiro nome escolhido...

Há que reconhecer que, se não fosse a acção empenhada da sua família e da comunidade judaica internacional, Aristides de Sousa Mendes permaneceria, para sempre, na galeria dos nossos heróis desconhecidos. Portugal acordou muito tarde para a importância desta figura. Mas, pelo menos, acordou. 

E talvez o surgimento do seu nome entre Os Grandes Portugueses possa significar que há que não perder completamente a esperança de que, na memória coletiva do País, possa vir a sobreviver alguma dimensão ética, ao lado dos clichés politicamente corretos da nossa História e das notas caricatas dos radicalismos contemporâneos de sinal contrário.

Um tanto mais corporativamente, eu diria que fica também salva, desta forma, a honra do convento de Nossa Senhora das Necessidades.“

domingo, abril 11, 2021

Os amigos do Jorge


Ontem, num cemitério beirão, dei comigo a cantarolar intimamente a canção com que Georges Moustaki homenageou Georges Brassens - o conhecido “Les Amis de Georges”. Não se canta num funeral? Cada um “reza” à sua maneira.

Nos amigos de Jorge Coelho não estariam muitos que se pudessem rever, com rigor, no retrato dos compinchas de Brassens. Mas, descontadas as diferenças entre as gerações, o Jorge e muitos dos seus amigos eram também gente que olhava a vida de frente, sempre com olhos de futuro.

Aqui fica a canção 

Carlos Eurico da Costa (1928-1998)



Carlos Eurico da Costa, ou mesmo só Eurico da Costa, é um nome que, nos dias de hoje, poucas pessoas identificam. Desapareceu desta vida há 23 anos. 

À parte os seus familiares e os poucos contemporâneos das suas relações ainda vivos, bem como uns escassos que têm uma (boa) memória ligada ao jornalismo, a alguma literatura de nicho e à história da publicidade em Portugal, trata-se de uma figura que entrou já numa zona cinzenta de esquecimento. Nada que não aconteça à maioria das pessoas, diga-se. Só que há alguns que o não merecem. Este era disso um caso, como tantos outros haverá.

Por razões próprias, que logo verão, entendi recordá-lo. E fi-lo num artigo (que não é curto, aviso desde já, demora cerca de 13 minutos a ler), que subtitulei de “o surreal realista”. Texto a que alguns leitores habituais deste blogue podem achar graça.

Utilizei para isso uma das mais interesssantes plataformas informativas que por aí anda, "A Mensagem de Lisboa", um espaço de bom gosto e boa gente para o qual tive o privilégio e o gosto de ser convidado a ser colaborador. Aqui fica o link, "à toutes fins utiles". 

Refletir na desordem


Quando o mundo, no final da segunda Guerra Mundial, se organizou institucionalmente em torno das Nações Unidas, ficou criada a ideia, do seu lado ocidental, de que os modelos democráticos, nas suas diversas expressões, a que alguns chamavam liberais, acabariam por funcionar como uma espécie de “benchmark”, para o qual, cedo ou tarde, a maioria dos Estados tenderia a evoluir.

Esta atitude encerrava um evidente paternalismo e a convicção de que a razão estava do lado do Ocidente. E expressou-se na tolerância assumida face a certos regimes de matriz autoritária (como foi o caso da ditadura portuguesa), poupados pela “realpoliik”, como se a sua condução ao redil da ordem democrática fosse apenas uma mera questão de tempo, passado que fosse o seu “estágio” de preparação. O modo como a África e até alguma América Latina foram olhadas era também tributário dessa sobranceria, que satisfazia moralmente os seus titulares, que se assumiam como portadores íntimos da verdade política redentora.

O colapso da União Soviética, com a derrota ideológica e prática do comunismo, a pujança da economia de mercado e a afirmação desta como a ordem natural das coisas, reforçaram a tal ilusão do “fim da História”, ou, para utilizar o “slang” marxista, o termo das contradições antagónicas que bloqueavam o curso da humanidade.

Tudo parecia assim encaminhar o mundo para uma resultante democrática, com modelos mais ou menos diferenciados, num quadro de economia global que se impunha como óbvia e da qual todos acabariam por sair vencedores, tal o impulso ao crescimento que a nova ordem iria necessariamente gerar.

Para o bem e para o mal, a História tem muito mais imaginação do que os homens e, ao voltar da esquina, trouxe as suas surpresas.

A globalização não correu exatamente como o previsto. Claro que gerou imensas vantagens e crescimento, arrastando novas geografias e setores para a economia global, reduzindo a pobreza e oferecendo oportunidades.

Mas, ao contrário do que muitos supunham, essa expansão do mercado não foi acompanhada, em variadas zonas, por uma evolução benévola para fórmulas democráticas de gestão do poder político.

Pelo contrário: em alguns casos, e a China é talvez o exemplo mais flagrante pelo sucesso e pela sua visível importância no cômputo global, o que se verificou foi um modelo de economia de Estado ter colocado, se assim se pode dizer, o aproveitamento das vantagens do mercado ao serviço do poder desse mesmo Estado e do aparelho que o controlava, mantendo a máquina totalitária mais ou menos incólume e, porventura, ainda mais eficaz.

Com isto quer-se significar algo que parece hoje evidente: a prevalência do mercado está longe de poder garantir, só por si, um acréscimo automático de liberdade ao comum dos cidadãos.

Mas o grande veneno, para esse mesmo mundo do mercado, estava ainda por surgir. O que não estava nas contas do lado “de cá”, isto é, das democracias instaladas, era o facto da globalização económica ir, tão rapidamente, gerar no seu seio os “seus descontentes”, de que Stiglitz já falava há duas décadas.

Uma séria desafetação, com reflexos políticos, envolvendo largos setores, face aos resultados obtidos, acabou por transformar-se no outro lado da mesma moeda que tinha gerado o sucesso. É que de fora dele haviam ficado muitos perdedores do processo, apanhados entre a abertura dos mercados que lhes abafou antigas vantagens comparativas e as falências tecnológicas que vieram arruinar o seu modo tradicional de vida produtiva. A esses não lhes valeu a mezinha liberal de virem a usufruir das vantagens transformadoras da “destruição criativa”, que alguns incensaram.

E como às trocas e às deslocalizações de bens e serviços se somou a aceleração da circulação das pessoas e da força de trabalho, com as tensões também identitárias - culturais, religiosas e étnicas - daí resultantes, num magma ainda por cima sujeito a redes digitais sem controlo de inverdades, com mitos e temores a dominarem o espaço público, o cocktail para crises, com pulsões protecionistas e atitudes nada generosas, como se viu nas migrações e refugiados, estava criado.

O caldo de cultura que redundou no Brexit foi um pouco isso, Trump é a resultante fulanizada da expressão deste desespero, os “gillet jaunes” revelam a revolta perante um mundo em que os “proletários”, antigos motores da História, se afastam do desenho que a literatura esquerdista deles alimentou.

O grande risco que a nova (des)ordem mundial comporta é o facto de, com a ascensão de uma China autoritária, somada à multiplicação de modelos de deriva totalitária, um pouco por todo o mundo, se vá espalhando uma nova matriz de legitimidade política, assente na eficácia económica, na resposta simplista a medos e mitos, que coloque os valores da liberdade num grau de alguma relativização. E o principal problema é que esse modelo, absolvido moralmente pelo sucesso económico ou pela sua aceitação demagógica, possa vir um dia a afirmar-se, aos olhos de muitos povos. como uma alternativa equivalente ao seu homólogo democrático.

(Publicado na revista “Prémio - revista de economia, negócios e política”)

sábado, abril 10, 2021

E mais não digo!

Respeitando embora os direitos de defesa de José Sócrates, o facto de ter ficado comprovado um reiterado, clandestino e irregular esquema de “subsidiação” financeira de um PM por um amigo constitui uma inapagável mancha ética na nossa vida democrática. E mais não digo sobre isto.

Ou não?

Quem, no dia de hoje, critica o estado da justiça portuguesa são exatamente as mesmas pessoas que a estariam a aplaudir se acaso as coisas se tivessem passado de outra forma. Ou não?

Piccadilly


O dia em que, merecidamente, o príncipe Filipe derrotou, por ali, décadas do Bovril.



sexta-feira, abril 09, 2021

Um a zero

Hoje foi o primeiro dia em que a pandemia começou a perder terreno. Pelo menos, nos alinhamentos dos telejornais.

O adeus de Philip


Morreu o príncipe Philip, marido da rainha britânica. Tinha 99 anos. A série televisiva ”The Crown” terá contribuído para mudar, em muita gente, uma certa ideia que existia sobre a sua personalidade. O saldo dessa perceção não é, contudo, consensual.

Há já uns bons anos, na Noruega, tive uma simpática amiga, diplomata equatoriana, de seu nome Marta Dueñas. Era casada com um norueguês "muito norueguês", daqueles que construíam (não sei se ainda constroem) as próprias casas familiares de madeira, ao longo de vários meses ou mesmo anos. Chamava-se Erik e recordo-me que tinha um humor já algo "sulista", por virtude do convívio com os colegas da mulher, como era o nosso caso.

Um dia, o Erik contou-me uma troca de palavras que teve com o príncipe Philip, durante uma visita de Estado da soberana britânica à Noruega. Como era de regra, após o jantar oficial, o protocolo ia convidando os diplomatas, por uma ordem vagamente próxima da respetiva antiguidade, para se aproximarem do rei norueguês - à época Olav V - e da sua convidada. Numa linha mais atrás, o príncipe Philip exibia o seu sorriso e deixava cair alguns comentários.

Quando a diplomata equatoriana e o seu marido foram apresentados aos reis, o duque de Edimburgo acercou-se de Erik e, num aparte só ouvido pelo dois, comentou: "você e eu temos uma coisa em comum: são as nossas mulheres que trabalham!" Erik não sabia o que dizer: ele próprio tinha uma exigente profissão e vir a ser toda a vida "consorte" da mulher era a última coisa que lhe passava pela cabeça. Mas não quis desiludir o príncipe e deixou escapar: "De facto, é um privilégio estar na nossa posição..." Não contava com a reação de Philip: "Privilégio?! Isto às vezes é muito aborrecido, pode crer! Para si não é?". O norueguês, que detestava cocktails e jantares oficiais, a que só assistia por virtude da profissão da mulher, achou que tinha ganho espaço para uma graça: "Ao menos, bebemos uns copos!" Ao que Philip, sorrindo, respondeu: "Pois hoje, a mim, de nada me valeu ainda ser marido da raínha! Ainda não consegui que me servissem um scotch..."

“A Arte da Guerra”


Com o jornalista António Freitas de Sousa, num ”podcast” do Económico TV, falo das recentes eleições na Bulgária, nos novos equilíbrios no Parlamento Europeu, dos esforços europeus para reconstituir o acordo nuclear com o Irão e do modo como mais recente atentado junto ao Capitólio, em Washington, prova que a América vive sob uma tensão interna que nem a presidência apaziguadora de Joe Biden está a conseguir atenuar.

Pode ver aqui

Por esse Rio abaixo

Parece hoje muito óbvio que Rui Rio, como solução para se libertar de um certo PSD, desenhou uma política interna de alianças que o tornou, em absoluto, refém do lóbi autárquico. O preço ético está a ser elevado: depois do caso dos Açores, a caminho das eleições autárquicas, parece que “já vale tudo”.

Juíz de dentro

Hoje é o dia em que muito português vai revelar o sofisticado jurista que, afinal, vive há muito dentro de si

quinta-feira, abril 08, 2021

Irlanda do Norte

Para já, os acontecimentos violentos em Belfast parecem titulados por adolescentes protestantes em raiva, face ao que entendem ser uma objetiva derrota dos unionistas, que interpretam o estabelecimento de uma “fronteira” marítima entre a Irlanda do Norte e a Grã-Bretanha (Inglaterra, Gales e Escócia), indispensável para que o território se mantenha no Mercado Interno da UE (isto é, sem uma fronteira física com a República da Irlanda), como uma cedência às pretensões dos católicos que desejam a ligação à República da Irlanda. Porém, se os movimentos políticos unionistas, que já informaram, há semanas, os governos de Londres e Dublin de que se dissociavam politicamente do “Acordo da Sexta-Feira Santa” (processo de paz assinado em 1998), vierem a assumir essas reivindicações (e o surgimento de vítimas pode facilmente ser um rastilho) e a assinalar uma espécie de “nil obstat” à retoma de atividade das fações armadas protestantes que, nos últimos anos, se têm mantido em sossego, as coisas podem descambar perigosamente. É que, do lado católico, haverá um mimetismo automático. 

Honra a Joe Biden

Um “bravo!” para a coragem de Joe Biden em lançar uma cruzada para enfrentar a “pandemia” das armas em que os EUA vivem, desde sempre.

Será uma guerra muito longa, com implicações constitucionais, resistências estaduais e lóbis poderosos.

Mas este gesto honra muito a figura de Joe Biden.

quarta-feira, abril 07, 2021

Jorge


Há pessoas que a vida nos oferece o privilégio de, um dia, podermos vir a ter como amigos. Alguém que começamos por conhecer num registo mais ou menos distante, cujo percurso vamos seguindo e de cujas qualidades, pela atitude, pelo exemplo, pelo caráter, nos vamos progressivamente apercebendo. E que passamos a admirar.

Para mim, Jorge Coelho, que agora desapareceu, era uma dessas figuras. Criei com ele uma forte amizade e devo-lhe atenções, no nosso relacionamento pessoal e profissional, que nunca esquecerei.

Entrámos exatamente no mesmo dia para o governo, fomos convivendo por ali aquilo que as nossas funções justificavam, iamo-nos vendo e falando, ao longo desses mais de cinco anos. Havia mesmo, no início, como que uma certa cerimónia entre nós, ainda que sempre marcada por uma forte cordialidade. Fez, há pouco, 20 anos que coincidiu saírmos, também no mesmíssimo dia, do governo. Ele tinha tido então a dignidade de assumir, com frontalidade, a suprema responsabilidade política de uma tragédia ocorrida numa área que tutelava. O país reconheceria, para sempre, esse seu gesto de grande nobreza.

Depois, o Jorge veio a passar por um período muito difícil de saúde. Esteve então nos limites da vida. Recuperou, com imensa coragem, com a Cecília e a força da família a seu lado, que agora comovidamente abraço. Deu a volta à roda da vida, regressou a ela em pleno. Atirou-se, com um génio empresarial que mostrou que era o seu, a funções elevadas no setor privado. A Mota-Engil, com ele, abriu-se e expandiu-se pelo mundo. Sei bem que o seu grande amigo António Mota estará hoje, como muito poucas pessoas, a passar por um luto muito sentido pelo desaparecimento do Jorge.

Tendo abdicado por completo da política ativa, o Jorge não deixava de se interessar pela vida cívica. Nos debates televisivos, durante anos, o país apreciou a sua moderação e seu sentido da medida. Jorge Coelho era uma permanente voz da razoabilidade, sempre à luz da matriz de convicções de solidariedade que eram as suas, desde muito jovem. Pensava pela sua cabeça, era ouvido por quem lhe apreciava o equilíbrio, era um cidadão e um democrata de corpo inteiro. Mas a imagem do Jorge ia muito para além desse mundo: pergunte-se a empresários, sindicalistas e personalidades de vários setores o que o nome de Jorge Coelho lhes suscitava e observarão uma alargada opinião muito positiva.

Mas falar do Jorge, é falar também da sua imensa alegria, das histórias deliciosas que contava, do universo de coisas por que passou, que recordava sempre sem acrimónia, de onde retirava aspetos positivos. Nunca o vi rancoroso, embrulhado na intriga, que a política tantas vezes convoca. Pelo contrário, diluia conflitos e, mesmo na atitude crítica que assumia, tinha um imenso respeito pelos adversários.

Nos últimos anos, o Jorge decidiu voltar às origens. Retomando uma tradição familiar, dedicou-se à sua terra, a Mangualde, onde construiu uma unidade industrial de queijos que era, nos dias de hoje, o seu grande entusiasmo de vida. Que agora tem o seu ponto final. O país perdeu um grande cidadão. E eu perdi um amigo.

Adeus, Jorge!

 


terça-feira, abril 06, 2021

Da Argaçosa ao Pat Boone


A antiga praça de touros de Viana do Castelo começou a ser demolida. 

Já reparei que há quem ache isso um atentado contra o património edificado local e, por outro lado, quem considere que se trata de um sinal saudável dos tempos, em especial numa cidade que, há muito, já havia decidido não realizar, para sempre, touradas. Creio que só estive naquelas bancadas uma única vez, para uma garraiada. 

No lugar, irá surgir um complexo desportivo moderno e, pela imagem que foi divulgada, parece que bastante funcional.

A praça de touros da Argaçosa - quantas pessoas de Viana a conhecerão ainda por esse nome? - fez parte do meu cenário de infância. Era um lugar de namoro, dentro dos carros, com uma fama pouco recomendável para levar raparigas, por se situar numa área distante do centro da cidade. Ficava nas cercanias das Azenhas de Dom Prior, uma interessante estrutura movida pelas marés que entravam pelo Lima acima, e que desconheço se ainda é preservada.

Ainda a anteceder tudo aquilo, logo que se passava por debaixo da ponte Eiffel, havia o Límia Parque. Continua a existir. Ali prendi a andar de bicicleta, que se alugava ao quarto de hora. Chegou a estar bem na moda! Tinha um belo café, lanchava-se por lá, sempre com música. Havia um ringue de hóquei e tudo confinava com o ténis. Durante muito tempo, o Límia Parque foi “o” lugar da modernidade de Viana. Grandes festarolas ali se realizaram.

No café do Límia Parque, recordo-me, havia uma máquina de “pôr discos”. Cada música custava “uma coroa” (50 centavos) e, como bem assinala o “Chico Rendeiro”, um amigo que tem o heterónimo de Francisco Trindade Lopes, carregando no J6 saía o “Anastasia”, do Pat Boone.

Não tenho artes de lhes reproduzir aqui o cheiro, que era único, do “mazagran” (já ninguém sabe o que isso é), que se servia no Límia Parque. Mas, em compensação vou deixar o “cheirinho” musical do J6. Ouça aqui.

O cromo do Maserati


Hoje, pareceu-me vê-lo, numa rua de Lisboa. Ia num Mercedes. Mas o cruzar rápido dos carros não me deu tempo suficiente para ter essa certeza. 

Foi há dois anos, numa determinada cidade portuguesa. Íamos a caminhar por um passeio, com um casal brasileiro, na busca de um local, quando, ao nosso lado, caminhando pela rua, senti que alguém começava a acompanhar-nos. De súbito, um pouco atrás de mim, ouço dizer para a minha mulher: “O seu marido já não me conhece! Mas foram bons tempos!”.

Voltei-me e dei de frente com um homem de estatura pequena, calças vermelhas, camisola de gola alta preta, debaixo de um blusão de boa marca. O cabelo não tinha uma branca, o que só não era extraordinário para alguém com uns bons quatro ou cinco anos mais do que eu porque o trabalho de tintas do barbeiro tinha sido excelente.

A cara dele dizia-me qualquer coisa, mas o nome não me saltava. Se a minha memória o não disse, disse-o ele. Era um velho colega de faculdade, com quem nunca tinha tido uma relação próxima, mas que, dito por ele o seu nome, lembrava desses tempos. Fazia parte daquelas figuras que, nas turmas universitárias, se isolavam por serem um pouco mais velhas, acamaradando preferencialmente com colegas da sua faixa etária.

Cumprimentei-o com genuína simpatia, porque era isso que me merecia um colega que deixara de ver, sei lá!, talvez em 1971 ou 72. 

Para encher o encontro fortuito, para dar conteúdo àqueles raros instantes, falei-lhe de nomes de gente desse tempo, que eu ainda costumava encontrar. Lembrava-se de um ou dois. Sabia bem o que eu tinha feito na vida, vira o meu nome, ao longo dos anos, aqui ou ali e, como acontece nestas ocasiões, a conversa começou rapidamente a esvaziar-se. 

Lembrei-me de perguntar-lhe: “E tu? O que é que fazes? Ou o que é que fizeste, porque já deves estar reformado”. 

Abriu-se-lhe então um sorriso e saiu-se com esta: “Eu acabei aquilo lá em baixo (era o curso), vim para cá e nunca fiz nada!”. 

Curioso, inquiri: “Mas nunca te empregaste? Nunca usaste o curso?”

Ele fez uma pausa e, sempre de sorriso aberto, esclareceu: “Estou cheio dele!”

Por um segundo, não percebi o que quis dizer e, pela minha cara, ele deve ter logo intuído isso. Pelo que detalhou: “De bago, pá, de massa! Vivo à grande! Sempre vivi, nunca fiz nada, não precisava”.

Eu estava aturdido com a deriva da conversa. Os meus companheiros de jornada, a um metro ou dois, esperando por mim, iam ouvindo pedaços do diálogo. Saiu-me então um “Ainda bem, pá!, sorte a tua!”

Mas ele não largava e quis detalhar melhor a ordem da alegada grandeza: “Lá na garagem, tenho um Maserati amarelo e um Mercedes (e citou umas letras e uns algarismos que, para mim, completamente ignorante em carros, não me diziam nada, mas que imaginei deviam ser o máximo). Terei dito: “Ah! Sim? Boa!”. 

Já farto, rematei com um “Tive imenso gosto em ver-te, pá! Olha! E saúde para gozares tudo isso!” Não fiquei sem resposta: “Tenho! Ótima!”. 

Guardei então a sensação de que, se tivesse deixado passar mais um minuto, se a minha mulher e o casal brasileiro não me começassem a dizer que tínhamos de ir andando, a conversa ia descambar, necessariamente, para “gajas”! E aí, tive alguma pena, confesso! Já agora, tinha sido uma dose completa! 

Ele há cada cromo! Mas, como aquele, palavra! nunca tinha encontrado na vida!

(Dedico esta história à Eni e ao António Carlos Portugal, testemunhas presenciais daquela singular conversa. Vão-se lembrar, com toda a certeza!)

A luz da Lusitânia


A Lusitânia é uma estimável e prestigiada companhia de seguros que tenho por vizinha, da rua de São Domingos à Lapa, em Lisboa. 

Ocupa um excelente edifício que, por muitas décadas, foi a chancelaria da embaixada britânica em Portugal. 

Ao que se nota da fachada principal e, muito em especial, da parte lateral do edifício, foram ali feitas, há anos, fartas obras, que dão mostras de terem requalificado o prédio, mantendo a sua clássica dignidade.

Até aqui, tudo bem. Só que, naquilo que só se pode compreender como uma decisão impensada, as varandas fronteiras do prédio são, à noite, servidas por uma iluminação mal engendrada, com um luz branca muito agressiva, nada adequada ao sublinhar elegante das varandas, com a agravante de, nos últimos tempos, haver mesmo por ali lâmpadas fundidas ou tremelicantes de uso.

Estou convicto de que os responsáveis da Lusitânia sabem que há hoje, em Portugal, qualificadas empresas de iluminação capazes de desenhar para o seu prédio um jogo de luz harmonioso, de tons mais serenos, capaz de valorizar muito, nas horas noturnas, a incontestável beleza da sua fachada.

A Lusitânia pode ficar a saber que a sua vizinhança de rua ficaria muito satisfeita se a companhia, com um gesto de melhoria neste domínio, pudesse contribuir para o embelezamento da artéria.

Estou mesmo em crer que alguns de nós encararíamos a possibilidade de transferir para a empresa alguns dos nossos seguros - desde que a preços comparáveis, claro!

segunda-feira, abril 05, 2021

Então, Mário?!

Agora que há o regresso às aulas, não seria tempo do Mário Nogueira marcar uma greve?

domingo, abril 04, 2021

Almeida Henriques


O vírus está a ser mortífero para várias pessoas que fui cruzando pela vida. É agora o caso de Almeida Henriques, atual presidente da Câmara de Viseu. Já o conhecia da política lisboeta, mas voltei a encontrá-lo quando passou a integrar a delegação portuguesa à Assembleia Parlamentar da OSCE, em Viena, onde tive o gosto de recebê-lo e com ele conviver um pouco mais. Era um homem de grande simpatia, de quem guardo uma imagem muito cordial e que, anos mais tarde, veio a revelar-se um autarca fortemente dedicado à sua terra. Deixo aqui meus sentimentos à sua família.

sábado, abril 03, 2021

Fascismo às pingas


Anda aí uma malta, que agora descobriu que é “fino” diabolizar o comunismo, tentando vender (já vai tarde!) que, afinal, não houve fascismo em Portugal. 48 anos de ditadura deve ter sido um passeio dos alegres!

Podemos imaginar que, ao verem esta fotografia, devem achar que aquela rapaziada, com o ferrete do S no cinto, estendia o braço para perceber se estava a chover! 

“Quem lhes atasse um arado”, como se diz na minha terra...

Libertários reaças

A quanto obriga o ter de ser ”do contra”! Uma parte da direita portuguesa, a que abandonou o bom senso conservador e o sentido cívico, descobriu, nos últimos tempos, uma costela libertária e faz proclamações de sentido idêntico aos negacionistas.

Os amigos de Lula

Achei imensa graça à lista de amigos portugueses que Lula elencou na sua entrevista à RTP, a quem quer dar um abraço quando por cá passar. Felizmente para eles, a pandemia desaconselha esse gestos físicos de afetividade, caso contrário podia presumir-se o embaraço de alguns.

Falta de notícias

O desespero com que a comunicação social se quer agarrar ao “conflito” entre Marcelo e Costa por causa das leis que agora vão para o Tribunal Constitucional roça o ridículo. Era tão bom para as audiências que eles se “pegassem” e viesse aí uma crisezeca, não era? Que gente!

Currículos

Num mundo em que toda a gente vai ao Google por tudo e por nada, é surpreendente que ainda surjam pessoas a falsificar currículos (há quem escreva “curricula”, para mostrar que sabe latim), coisa que hoje é, quase sempre, verificável com meia dúzia de buscas. Além de desonesto, quem “melhora” CVs com mentiras é apenas parvo.

Lula e Maduro

Percebo que Lula sinta uma forte gratidão face à Venezuela, por tê-lo apoiado nos piores momentos que viveu nos últimos anos. Mas faz-me impressão que alguém que soube gerir o Brasil em plena democracia, sob aplauso quase generalizado pelo mundo, sem nunca ter então colocado ou deixado colocar em causa, minimamente, a liberdade e a separação de poderes, tolerando as críticas da imprensa e a agressividade política da oposição, não consiga entender quanto avilta a sua imagem estar a colar-se a uma figura como Nicolás Maduro, protegendo publicamente o atual regime venezuelano. 

O presidente venezuelano não é mais do que um autocrata de segunda classe, um “genérico” medíocre de Chavez, que mostra não ter o mais leve respeito por quem dele discorda. Falar da existência de democracia na Venezuela atual não é apenas alimentar uma ficção, é colaborar numa mentira descarada.

Lula tem razão, contudo, ao desqualificar a figura de Guaidó, que se auto-intitulou presidente e que acabou por ser um títere que os americanos adularam, quando estavam convencidos de que a queda de Maduro estava por dias - uma patética aventura em que a União Europeia, na sua “política externa” de trazer por casa, se deixou embarcar.

Há uma coisa que a União Europeia, em termos internacionais, tem de aprender, de uma vez por todas: quando não sabe o que há-de fazer, deve perceber que a melhor resposta para isso não é necessariamente fazer aquilo que os americanos querem que ela faça.

Bolsonaro e os militares

Vou escrever uma coisa que apenas alguns entenderão. Paciência! 

Bolsonaro considerou que o ministro da Defesa que antes tinha escolhido o não defendia politicamente. E demitiu-o. Porque também não apreciava a postura do chefe do Exército, que tinha tido atitudes que ele via como marcadas por uma demasiada independência, demitiu-o também. E, de caminho, para mostrar quem manda, mudou as chefias da Marinha e da Força Aérea e os titulares de outros cargos militares.

Bolsonaro é quem é e o que é. Mas Bolsonaro é o presidente que o Brasil quis e foi eleito em total liberdade. 

(O facto de Dilma Rousseff ter sido afastada do Planalto numa jogada política a que só um cego dá alguma legitimidade e de Lula ter sido impedido de concorrer à eleição presidencial pelos artifícios que hoje se conhecem e são incontestáveis, não altera um facto essencial: na disputa eleitoral com Fernando Haddad, Bolsonaro ganhou de forma clara. Apetecia-me mesmo acrescentar, para alguns amigos brasileiros: “É bem feito!”, mas não quero ser cruel).

Num país presidencialista como é o Brasil, Bolsonaro tem o pleno direito de nomear ou demitir ministros e os chefes militares, como muito bem lhe der na sua real gana. Não existe nenhuma limitação constitucional a que assim proceda.

(Valha a verdade que este princípio tem alguns limites políticos não escritos: foi para acomodar uma pressão do Congresso, de que necessita no seu caminho para procurar garantir a reeleição, que Bolsonaro se sentiu obrigado a dispensar o ministro das Relações Exteriores, cuja manifesta inépcia já tinha passado a fronteira da razoabilidade. Para “compensar” a ala ideológica do governo e o “partido” de Olavo de Carvalho, muito protegido pela sua família, nomeou para o Itamaraty um diplomata de segunda classe e manteve no gabinete da sua assessoria Filipe Martins. Mas isso são “contas de outro rosário”. E alguma desta coreografia também se prende com os compromissos a respeitar com o “centrão”, que conduziram a outras mexidas no executivo, de que a mais espampanante é a entrada de Flávia Arruda).

Mas voltemos ao essencial. O presidente do Brasil mudou todos os poderes militares e colocou lá outros que, pelos padrões profissionais, lhe são basicamente equivalentes e que já afirmaram a sua subordinação institucional. É claro que nomeou um novo ministro da Defesa que, à última hora, decidiu mudar o texto da mensagem que tinha sido preparada pelo seu antecessor, destinada a ser divulgada na data do golpe de Estado (a direita brasileira diz “a Revolução”, como cá os adeptos da ditadura faziam com o 28 de maio). No texto, onde dizia que esse movimento devia ser “compreendido”, ele mudou para “celebrado”. Está tudo dito.

O essencial que aqui hoje quero dizer é que se trata de uma excelente notícia que o presidente do Brasil, escolhido (bem ou mal, isso é outra história) pelo povo brasileiro, tenha podido mudar, a seu bel-prazer, todas as chefias militares sem que isso tenha provocado o “tilintar dos sabres”. O poder político legítimo manda, o poder militar obedece. É assim em democracia. 

Mas imagino que alguns não queiram entender este texto.

São Cristóvão


Só os lisboetas de melhor memória poderão confirmar se a estátua do São Cristóvão, que se vê, à saída para o Norte, naquela que já mereceu o honroso nome de Rotunda do Relógio, já lá estaria no final dos anos 60.

Ontem passei por lá e, embora à distância, fotografei-a. Para quê? Porque me recordou que, no passeio em frente a ela, estive, numa manhã no final dos anos 60, a pedir boleia, de mochila às costas.

Não era nada de especial, para a época. Andar “à boleia”, nesse período, era uma coisa muito comum para gente nova. O que talvez não fosse tão vulgar era alguém ousar partir dali e, não sei quantos dias depois, com paragens numa multiplicidade de sítios (10 dias em Paris, cinco em Amesterdão, entre outros belos poisos), chegar à cidade sueca de Falkenberg, a caminho da Noruega, regressando depois, “para baixo”, procurando não repetir percursos.

Pelas minhas contas, devem ter sido mais 6000 quilómetros, até porque caprichei em escolher, quase sempre, estradas nacionais normais, fazendo ainda bastantes desvios para ir a determinados locais que levava em agenda para ver, o que deve ter aumentado muito o trajeto.

Ao olhar ontem para o São Cristóvão pus-me a pensar o que é que, por essa altura, me passaria pela cabeça. Não cheguei a nenhuma conclusão, salvo a absoluta certeza que tenho de que fui muito feliz nessa aventura, quase sempre, mas nem sempre, solitária.

Lisboa está mais alegre

 


sexta-feira, abril 02, 2021

Viva a Constituição!


Faz hoje 45 anos, em 2 de abril de 1976, foi aprovada a Constituição da República Portuguesa.

Viva o 25 de Abril! Viva a Constituição! Viva a República!

Páscoa

Portemo-nos bem nesta Páscoa, para que esta não seja a nossa Última Ceia.

quinta-feira, abril 01, 2021

Rosa enjeitado

O juíz Ivo Rosa sairá sempre mal do Processo Marquês. Já se percebeu que, se isentar Sócrates de alguns dos crimes de que o MP o acusa, será de imediato pendurado no pelourinho mediático. Se acaso vier a subscrever as propostas da acusação, a vitória “da justiça” (estou só a antecipar o que os jornais de título e estilo grosso trarão) será sempre atribuída a outrem que não ele. Em qualquer caso, Ivo Rosa será sempre ultrapassado pelo “juiz da rua”, o qual, como é sabido, já emitiu, sobre o assunto, uma sentença que há muito transitou em julgado na opinião pública e, em especial, na opinião publicada.

Escrevi isto há sete anos!

Em 2014, publiquei no saudoso “Diário Económico” este artigo. Veremos se sobrevive:

“Falemos claro. Está criado em largos setores da sociedade portuguesa o sentimento de que José Sócrates é culpado. O “esquema” das ligações financeiras, que alguém passou à comunicação social para credibilizar a “operação Marquês”, caiu como “sopa no mel” na convicção de quantos, de há muito, tinham o antigo primeiro-ministro como um potencial, ou mesmo consumado, delinquente. O que agora sucedeu só vem confortar aquilo em que sempre acreditaram. Julgo mesmo que, para essas pessoas, dificilmente é concebível outro desfecho que não seja a prisão por longo tempo de José Sócrates.
José Sócrates não beneficia assim da presunção de inocência, em grande parte da opinião pública. Pelo contrário, há mesmo uma forte presunção de culpabilidade que o afeta e que, nos dias de hoje, leva muitas pessoas a tentar apenas saber como se passaram as coisas e, em nenhuma hipótese, se esses factos são ou não verídicos ou se, sendo-o, pode haver para eles alguma simples e plausível justificação.

A perplexidade perante as acusações a José Sócrates atingem também, não vale a pena escondê-lo, muita gente que tem por ele um real apreço e que valoriza muito daquilo que fez como governante. Gente que não se revê no labéu de um Sócrates “coveiro” do país e que tem a sua leitura para o que aconteceu em termos financeiros até 2011. Inundadas por notícias que remam todas no mesmo sentido, muitas dessas pessoas mantêm a esperança de que Sócrates seja capaz de clarificar tudo e desmontar a operação instalada à sua volta. Outros há ainda que, escudados no que foi a falta de fundamento para outras acusações surgidas no passado, alimentam a tese de uma cabala urdida pelos operadores judiciários.

Muito se tem falado sobre o papel da comunicação social neste processo. Grande parte dos meios de comunicação, confessando-o ou não, já tomou partido e esse partido não é o de José Sócrates. Não vale a pena negar nos editoriais o que os títulos não escondem. 

Sobre este assunto eu sei tanto como o leitor, isto é, nada. Como me recuso a deixar-me cair no “achismo”, vou acompanhando as notícias, sou delas dependente e procuro pensar friamente.
Tenho, porém, duas certezas.

Se José Sócrates fosse culpado por atos que tivesse cometido no exercício das suas funções de Estado, por ações ou omissões dolosas que pudessem ter traído a confiança que milhões de portugueses nele depositaram, tratar-se-ia de algo muito mais grave do que os próprios delitos. A vida pública concede a um grupo restrito de cidadãos a possibilidade de, por mandato de outros, gerirem o país. Quem trai este compromisso merece o opróbrio definitivo.

Se o caso contra José Sócrates não for suficientemente sólido, se do trabalho dos acusadores viesse a sair apenas um novelo de suspeições circunstanciais, um pacote de meras convicções, estaríamos perante uma canalhice sem nome, uma ação miserável sobre um homem, que credibilizaria então todas as suspeições que existem sobre a instrumentalização do setor da Justiça.”

Agora, resta-nos esperar.

Vila


Ao que acabo de ler, lá se foi o Vila, desta para (o que alguns, que não eu, acham que é) melhor!

Nos anos 80, no verão, para arranjar um lugar nas mesas comuns da Adega Vilalisa, na Mexilhoeira Grande, eram precisas “cunhas”. Depois, conhecia-se o Vila, o pintor cozinheiro, e tudo ficava mais fácil.

“So long”!

Toponímia sem imaginação


No meu bairro, já não se sabe o que se há-de inventar para dar nomes às ruas (esta é uma mentira de abril, desde já aviso, para benefício dos bisonhos que levam tudo à letra).

Fake trues

Em tempo de “fake news”, toda verdade inicia o seu curso de afirmação pública como se de uma mentira se tratasse. Depois, com sorte, pode vir a credibilizar-se.

Com a verdade me enganas

Hoje, dia das mentiras, apetece-me lembrar um lema histórico da Guerra Fria: não acreditem em nada que venha da União Soviética a menos que isso tenha sido desmentido pelo Kremlin...

Parabéns, concidadãos !