quarta-feira, setembro 30, 2020

Biden perdeu uma grande oportunidade

Nunca é muito evidente e óbvio o efeito que um debate pode ter no desfecho de uma campanha eleitoral. Mas, como frequentemente acontece, há, entre dois candidatos, quem espere mais de um debate do que o outro. Joe Biden tinha absoluta necessidade de usar este seu primeiro momento para marcar uma imagem “presidencial”. Tentou-o, mas não o conseguiu. Desestabilizado por Trump, que, não obstante a sua indisciplina no exercício, demonstrou uma supreendente calma e até contenção, Biden deixou-se resvalar para o insulto fácil. Ao longo de todo o debate, Biden projetou uma imagem de fragilidade física - na voz, na expressão, nas hesitações e na própria cara - que não foi compensada pelo sorriso complacente com que aturava as provocações de Trump. O baixar de cabeça e um ar, por vezes, angustiado, retiraram-lhe a assertividade que era essencial ter projetado. Se a ideia de Biden era ali afirmar a ideia de um presidente “a sério”, por contraste com aquele que a América teve nos últimos quatro anos, a tentativa falhou. Trump soube contê-lo e, em particular, conseguiu passar para o seu eleitorado todas as mensagens que queria. Percebendo que não iria retirar nenhum voto ao campo democrático, falou apenas para “os seus”. Esta foi uma oportunidade perdida por Joe Biden e ninguém parece esperar que, nos próximos debates, as coisas lhe corram melhor. Pelo contrário, digo-o com pena.

Falando de diversidade


Com ironia, costuma dizer-se que alguma justiça, em matéria de paridade de género, apenas existirá quando mulheres incompetentes - leram bem, incompetentes - conseguirem chegar a lugares de elevada responsabilidade.

É que tendo havido, desde sempre, homens desqualificados a ocupar esse tipo de cargos, ver ascender mulheres capazes a essas posições seria apenas um reconhecimento mínimo. Mas, como sabemos, mesmo este passo está muito longe de concluído.

Alterar o "statu quo" em matéria de representação, de género ou de minorias, é um trabalho de longo curso. Durante muito tempo, vi algum paternalismo nas ações afirmativas em matéria de paridade ou na política de quotas. Hoje, estou convicto de que, nesse domínio, um certo tipo de imposição é essencial.

Há dias, a SIC colocou um locutor negro a apresentar um seu jornal. Espero que seja um bom locutor. É que, se acaso o não fosse, cairia o Carmo e a Trindade, porque se iria dizer que tinha sido escolhido por cedência ao "politicamente correto". É assim que as coisas estão, gostemos ou não.

O novo locutor da SIC não foi o primeiro negro a ler um noticiário na televisão portuguesa. Com a pele mais ou menos escura, outras figuras, homens e mulheres, surgiram, desde há anos, nas nossas televisões. Quase todos, por sinal, bons profissionais. Mas foram sempre muito poucos.

Para um país com a nossa diversidade, temos um défice muito evidente de etnias, diferentes da branca, em várias áreas da nossa vida pública: da política à diplomacia, das Forças Armadas à justiça, dos média a lugares elevados da vida empresarial. Ah! E não nos deixemos iludir pela presença de negros na música e no desporto, sabendo também que, para esta "guerra", não contam as figuras de origem indiana.

Não acho que tudo isto se deva apenas ao racismo, embora reconhecendo a óbvia presença deste na sociedade portuguesa. O racismo existiu, existe e existirá, as mais das vezes escondido, mas ressurgindo a espaços, tornando-se mais perigoso se legitimado por vozes com estatuto democrático.

As etnias não-brancas de origem africana, muito pelo modo como a nossa descolonização se processou, foram condenadas a uma exclusão económica que tem dificultado a sua plena afirmação social. Mas não nos iludamos: no dia em que essa afirmação vier a ter lugar, ela acabará por funcionar como uma alavanca para novas atitudes de sectarismo racista.

Esta é uma das lutas, talvez eternas, que não podemos perder, se quisermos garantir a sanidade da nossa vida cívica democrática.

terça-feira, setembro 29, 2020

IV Conferência de Lisboa


De amanhã, dia 30, a sexta-feira, dia 2 de outubro, sempre a partir das 14.30, levamos a cabo a IV Conferência de Lisboa, um evento bienal sobre temas geopolíticos de natureza global.

Pode assistir e participar por via informática, inscrevendo-se em www.clubelisboa.pt . A inscrição é, naturalmente, gratuita.

Esta IV Conferência tem como tema geral “A Aceleração das Mudanças Globais - e os Impactos da Pandemia”.

Contamos com especialistas oriundos de 10 países, distribuídos por oito painéis de debate.

Como presidente do Clube de Lisboa, convido os leitores deste espaço a visitarem o site que antes indiquei.

Terei muito gosto em os “ver” por lá!

“Prós e Contras” (take two)

Escrevi ontem um post sobre a minha experiência pessoal com o programa “Prós e Contras”. Verifiquei - ia a dizer, com surpresa, mas estaria a faltar à verdade - que a esmagadora maioria dos comentários ao post, nomeadamente no Facebook, acabou por derivar para o próprio programa, com a produção de alguns juízos de valor sobre a respetiva responsável, com os quais, de todo, me não revejo.

Nunca fui um telespetador muito atento ao P&C, tanto mais que vivi no estrangeiro durante anos da existência do programa. Mas vi-o, creio, um número suficiente de vezes para poder concluir, sem sobre isso alimentar a menor sombra de dúvida, que Fátima Campos Ferreira, como jornalista, o não geriu de uma forma tendenciosa, como alguns por aqui alegaram.

O facto de não gostarmos do rumo que seguem algumas coisas não nos dá o direito de lançar um labéu de suspeição sobre as motivações de quem sublinha aspetos que nos desagradam ou com os quais, definitivamente, não concordamos.

Sempre considerei uma temeridade fazer um programa desta natureza, com a intensidade semanal de edição, porque seria sempre muito difícil garantir uma qualidade razoável no tratamento dos temas, alguns deles muito complexos e de forte componente polémica. 

A minha crítica essencial ao trabalho de Fátima Campos Ferreira - e, repito, pela mera amostragem do que assisti - reside na regular tentativa de “tirar conclusões”, as quais, às vezes, me pareceram um pouco impressionistas e forçadas, tratando-se de assuntos muito delicados e dificilmente sumariáveis. Eu teria preferido que o público ficasse com as duas (ou mais) opiniões e delas extraísse a ideia que lhe aprouvesse. Mas também posso perceber que a tentação de um moderador é sempre tentar desenhar uma possível bissetriz num debate, mesmo que não fechando a porta a ulteriores contribuições.

Temas houve, tratados pelo P&C, em que aprendi bastante, pela voz de gente muito qualificada, sobre realidades técnicas muito distantes dos meus interesses habituais. E, por falar em habituais, algumas vezes pareceu-me menos adequado insistir em alguns convidados que já funcionavam como “habitués”. Mas posso imaginar que isso se deva à indisponibilidade de muitos e à fácil disponibilidade de outros, o que na convocatória de um programa desta natureza é sempre uma condicionante limitativa.

Mas, repito, nunca detetei, da parte da responsável do programa, uma deliberada orientação enviesada, no plano político ou outro. Essa é a minha sincera opinião.

Os programas de televisão nascem, vivem e, em geral, têm um momento em que se “cansam”, em que esgotam o respetivo modelo. Vi essa realidade por cá, como assisti a isso em outros países em que vivi. Acho que o P&C foi um programa de que a RTP tem toda a razão para estar orgulhosa, mas que fez o seu tempo, pelo que o formato ganhará agora em ser revisitado.

Como membro do Conselho Geral Independente (CGI) da RTP, não me parece adequado emitir em público juízos críticos sobre um determinado programa da empresa, durante o seu tempo de emissão. Mas posso agora fazê-lo, agora que o P&C fecha portas. 

E gostava de dizer a Fátima Campos Ferreira que, no que me toca, e olhando para o saldo daquilo que é o imenso património da informação produzida na RTP, considero que o seu trabalho foi marcado por uma linha de permanente seriedade, na tentativa de fazer o melhor que lhe era possível.

segunda-feira, setembro 28, 2020

O novo anormal


Esta manhã, estive a coordenar um debate. Era este o cenário, antes da chegada das pessoas. Que raio de coisa nos havia de acontecer!

Prós & Contras


O “Prós e Contras”, um dos mais conhecidos programas da RTP 1, vai acabar, tendo hoje a sua derradeira emissão. A Fátima Campos Ferreira, que o dirigiu desde o início, terão sido destinadas novas tarefas jornalísticas dentro da empresa, as quais desejo que, para ela, possam ser profissionalmente tão estimulantes como foi o “P&C”.

Consta que Salazar, nos anos finais do seu longo reinado, quando lhe falaram de alguém que só conhecia de nome, com potencial para um cargo ministerial, mas a quem ele não queria “dar a confiança” de um encontro prévio de avaliação, terá dito: “Passem-mo na televisão”.

Quantas caras, que viriam mais tarde a surgir em cargos governamentais, em democracia, não terão sido descobertas para a política porque Fátima Campos Ferreira as “passou” no seu programa? É que devem rondar as muitas centenas os seus convidados de painel, ao longo destas mais de duas décadas de programas, sem contar com os participantes na plateia.

Tive o gosto de ir, creio que por duas vezes, a edições do “P&C”. Recordo-me de ter sido obrigado a recusar, por qualquer impedimento ou inconveniência, outros tantos convites.

Porém, uma outra minha mais não participação num “P&C” tem uma história curiosa.

Uma noite, creio que há mais de 15 anos, numa ligação aérea entre o Porto e Lisboa, fiquei sentado, por mero acaso, ao lado de Fátima Campos Ferreira (que, simpaticamente, com o seu marido, me daria depois boleia do aeroporto para o hotel onde eu estava hospedado). Na conversa, perguntou-me por que razão eu não aceitara, tempos antes, um convite que me tinha formulado para ir a uma determinada edição do P&C. 

Ora eu não me recordava minimamente de ter recusado tal convite! Mas ela lembrava-se bem: fora a minha mulher quem referira, no contacto telefónico que fora feito para minha casa, que eu não estaria disponível para ir a esse programa. Quando, dias mais tarde, falei à minha mulher do assunto, ela, com o ar mais normal do mundo, comentou apenas: “Disse que não, em teu nome, porque me pareceu que não devias ir a esse debate”. É assim a vida, veem?

domingo, setembro 27, 2020

Eu e o infinito


Eu não teria mais de quatro anos. Na saleta da “casa das tias”, irmãs da minha avó que viviam nas Pedras Salgadas, alguém analisava, em pormenor, fotografias antigas, com a ajuda de uma lupa.

O meu tio Fernando tinha-me mostrado, minutos antes, no terraço, como era possível incendiar um jornal com a lupa, posta ao sol. Eu estava fascinado com o instrumento, mas ninguém me deixava usá-lo, com medo de que eu o partisse.

“Posso ir com a lupa à cozinha? É só para ver uma coisa”, pedi eu, imagino que sem grande esperança. E tinha razão: ninguém permitia que eu tocasse na lupa.

A minha mãe, que sempre recordava esta história, dizia que me viram então desaparecer lá para dentro e, instantes depois, surgir com uma lata de fermento Royal na mão. “Quero ver esta lata com a lupa, para saber quantas latas lá estão”.

Passado um instante de perplexidade coletiva, todos compreenderam. O que eu pretendia era descobrir o mistério do rótulo, onde surge representada uma outra lata que, por sua vez, traz a imagem de outra, e por aí adiante.

“Ah! Queres descobrir o infinito?”, disse o meu pai. “Aqui na lata ele acaba cedo, mas se se colocar um espelho em frente ao outro, pode-se ir muito mais longe”.

O que ele foi dizer! Nunca tinha ouvido falar do infinito, mas logo esqueci a lupa, não descansando enquanto não se montou ali uma operação com dois espelhos paralelos. Para eu ver o infinito. E vi, claro.

Do que nos lembramos quando, num restaurante, como hoje me aconteceu, a conta chega numa lata de fermento Royal!

sábado, setembro 26, 2020

“Bullying” diplomático

O embaixador americano em Portugal, numa pouco profissional entrevista ao “Expresso”, enunciou algumas nada subtis ameaças ao Estado português, no caso do nosso país não alinhar na “guerra santa” contra a China, obrigando a escolher o lado dessa nova “cortina de ferro” que Washington pretende decretar pelo mundo.

O diplomata não se deu sequer ao cuidado de disfarçar o seu desconhecimento das dimensões técnicas das questões que aborda. Já teve, entretanto, a resposta devida do ministro dos Negócios Estrangeiros português.

O mundo ocidental tem poderes diferenciados a representá-lo, mas não tem tutelas a orientá-lo. A Aliança Atlântica é uma coligação de países livres cuja leitura dos respetivos interesses estratégicos tem de ser levada em conta para a definição da posição comum, que não cabe a um único país definir e, muito menos, impor. Além disso, em prioridade, Portugal coordena com os seus parceiros da União Europeia a sua relação geopolítica com países terceiros, sejam eles aliados militares de alguns, como é o caso dos Estados Unidos, sejam as relações económicas e políticas de todos, como é o caso da China. Mas, em derradeira instância, a definição da posição portuguesa é feita em Lisboa.

Ficamos a aguardar agora a reação de quantos, deste lado do Atlântico, desde há muitas décadas têm “a voz da América” como um oráculo acima de qualquer crítica. Não nos obriguem a recordar o “catering” na cimeira das Lajes.

O “Expresso” e Balsemão


Ser leitor do “Expresso” desde o primeiro destes seus 2500 números, tendo a absoluta certeza de nunca ter falhado a leitura (muitas vezes “à vol d’oiseau”, confesso) de nenhum desses números, não me confere nenhum direito. Nem mesmo me dá a menor autoridade para emitir uma opinião autorizada sobre o papel desempenhado por esse semanário na história da imprensa em Portugal. Mas também não me impede de a ter.

O “Expresso” cavalgou uma réstia de abertura ainda vislumbrada no extertor do “marcelismo”. Se o “Expresso” tivesse aparecido em 1968/69, colado à “ala liberal” com que Marcelo Caetano procurou dar um sinal de potencial democratização, a sua história poderia ter sido outra e, quem sabe, o jornal poderia ter contribuído bastante mais para a História do país. Da forma e no tempo em que emergiu, pouco mais de um ano antes do 25 de abril, o “Expresso” acabou por ser mais um reflexo do mal-estar que então atravessava o país e, muito menos, um verdadeiro ator na mudança que se processou nessa noite de 1974.

Marcelo Rebelo de Sousa, que teve um papel importante no “Expresso”, antes e depois do 25 de abril, não parece ter razão quando, há uma semana, atribuiu ao jornal um papel relevante no desencadear da Revolução. O principal, e verdadeiramente determinante, papel do “Expresso” acabou por ser durante o processo revolucionário e, muito em particular, durante o período democrático subsequente. O “Expresso” foi um ator de grande relevo ao longo destas mais de quatro décadas - qualquer que possa ser a opinião que tivermos sobre aquilo que protagonizou.

Neste momento em que se assinalam os 2500 números do “Expresso”, um jornal que, sobranceiramente, muitos dos seus antigos leitores fazem gala de dizer que deixaram de ler, quero deixar uma mensagem de forte respeito democrático pela figura de Francisco Pinto Balsemão. 

Na história do nosso jornalismo, e na nossa história política, Balsemão tem hoje um lugar cativo, por muito que isso desagrade a muitos dos que se politicamente se lhe opõem. Portugal seria um país democraticamente bem mais rico se dispusesse de muitas mais figuras com a estatura cívica de Francisco Pinto Balsemão. É o que penso, muito sinceramente.

quinta-feira, setembro 24, 2020

Gréco


Estava de passagem por Paris, no dia de 2018 em que morreu Charles Aznavour. Recordo-me bem de estar sentado numa esplanada, ao lado de uma senhora e de uma adolescente francesas, com esta última a perguntar “esse Aznavour era quem?”. Se a miúda não conhecia Charles Aznavour, que atuou até muito tarde, com muito maior probabilidade deveria desconhecer Juliette Gréco, que já saíra dos palcos bem antes. Ou, quem sabe, talvez o modo negro de vestir de Juliette Gréco, afinal muito “à la page” com certos padrões contemporâneos, pudesse ter algum dia chamado a sua atenção e assim se tivesse preservado na sua memória. 

Posso estar errado, mas fico com a sensação de que há um maior apagamento do passado recente na memória das atuais gerações. Se isso significa que olham com mais atenção para o seu presente, invadidos que são por uma imensidade quase infinita de mensagens de informação, assim ficando melhor preparados para as coisas do futuro, então isso é, com certeza, uma coisa boa. 

quarta-feira, setembro 23, 2020

“A Imagem de Portugal”


Animada pelo Professor Luís Valente de Oliveira, existe, desde há vários anos, a Tertúlia dos Carrancas.

O nome fica a dever-se ao facto das reuniões da tertúlia terem lugar no Palácio dos Carrancas, onde está instalado o Museu Soares dos Reis, no Porto. Uma das “almas” da organização é precisamente o presidente do grupo de amigos do museu, Álvaro Sequeira Pinto.

A Tertúlia dos Carrancas não tem uma composição fixa. Dependendo das temáticas, organiza-se em grupos diferentes de pessoas, que refletem e debatem um determinado assunto. O Professor Valente de Oliveira dirige o debate e é o relator dos trabalhos, que são depois passados a livro, editados e vendidos com o jornal “Público”.

Há já alguns anos, tive o gosto de participar no primeiro daqueles exercícios, intitulado “Os Interesses permanentes dos Portugueses”, um trabalho que deu origem a um livro que, creio, está há muito esgotado. Mais recentemente, fiz parte da “formação” da tertúlia que provocou o novo volume que vai sair, “A Imagem de Portugal”.

Quem estiver interessado no livro pode adquiri-lo com o jornal “Público”, no dia 30 de setembro.

A voz da América


As arengas dos líderes nacionais, nas assembleias-gerais anuais das Nações Unidas, raramente despertam interesse. Salvo se oriundas de um "trouble-maker", costumam ser catálogos de platitudes. 

Um país "normal" diz ali o que tem de ser dito, porque se algumas coisas não forem ditas ou reafirmadas isso nota-se. Sei do que falo, porque ajudei a escrever algumas dessas intervenções.

Não é isso, contudo, que se passa com os discursos dos presidentes americanos. O que um líder dos EUA escolhe para dizer acaba por ter uma forte relevância.

A América é o grande poder "condicionador". Outros terão força regional ou setorial, mas os EUA detêm um poder único, à escala global. E isto não é uma opinião, é um facto.

Os discursos americanos começam por ter importância para a própria ONU. Engendrada pelos Estados Unidos, a organização depende da boa vontade americana para funcionar com eficácia, o mesmo é dizer que funciona mal ou paralisa quando os EUA dela se desligam ou a obstaculizam. As mensagens a este respeito são assim interessantes de seguir, embora Washington, não raramente, se sinta pouco presa à sua própria palavra, o que é típico de quem tem a força do seu lado.

Ao serem alinhadas as prioridades externas da América, o "resto do mundo" fica também a saber com o que pode contar. Amigos e adversários de Washington leem com atenção esse elenco geopolítico, sopesando as palavras e as regiões escolhidas. E notam o que não é dito, nem sequer mencionado ao de leve - como, no discurso de ontem, as palavras Europa ou Rússia. Ou África.

Num ano eleitoral como este, atente-se nas mensagens para consumo interno. Com naturalidade, no dia em que passa de 200 mil o número de americanos mortos pela pandemia, o seu presidente sublinha o "êxito" da estratégia nacional seguida.

Em contraponto, surgem notas positivas sobre o comportamento da economia. E também foi relevada a importância, inigualável, do poderio militar americano, numa espécie de nota pouco subliminar de que "não nos desafiem".

É que o desafio - da China, claro - perpassa todo o discurso, desde o "vírus chinês" às ameaças comerciais. Esse perigo esteve por toda a parte no discurso de Trump, porque este sabe que o eleitorado americano, republicano ou democrata, está adquirido para aceitar ser esse o novo desafio nacional.

Trump terminou com um "God bless the United Nations". De facto, se a sua reeleição se confirmar, o mundo multilateral ficará, definitivamente, nas eventuais mãos divinas. Só um milagre o salvará.

terça-feira, setembro 22, 2020

É verdade?

 


Então é mesmo verdade que vem por aí o outono?

O teste

Por uma rotina ligada a um exame médico, fiz o teste do Covid. Sem nenhum sintoma evidente, fui bastante confiante e desprendido, muito na lógica de um ateu que pensa para si mesmo: seja o que deus quiser!

Voltei para casa, tendo deixado o meu email, para ser informado do resultado. Dizia para dentro: não há-de ser nada! Nessa noite, dormi bem, mas acordei, confesso, a pensar no assunto. Assobiei para o ar, li jornais, vi um filme, falei com pessoas. Ao final do dia, lá surgiu o email do hospital na caixa de entradas. Não o abri, por um minuto.

O que faço se tiver sindo infetado? Tenho que me isolar, montar uma vida de auto-reclusão, recomendar o teste a quem andou à minha volta, colocar já a senha na app “Stayaway Covid”, como ato mínimo de respeito cívico. Mas a quem mais conto o que me aconteceu? E que faço? Telefono à Saúde 24 ou ao meu generalista? Com a idade que tenho, a possibilidade das coisas correrem mal é bastante elevada.

Para travar a angústia de hipocondríaco militante, passado que foi o minuto a olhar o email, sem tocar o anexo, decidi abri-lo. O teste era negativo. Não foi desta. Bebi o malte em balão, sem gelo.

segunda-feira, setembro 21, 2020

Michael Lonsdale


Era um excelente ator, embora muitas vezes se deixasse utilizar demasiado como “character”. Mas não terá sido só isso que pensaram realizadores como Buñuel, Truffaut, Resnais e até Oliveira. O facto de ser bilingue, em francês e inglês, deu-lhe imensas oportunidades. Aproveitou bem algumas, fez pela vida em outras, às vezes em papeis menos gloriosos. Para mim, contudo, será sempre o dono da sapataria casado com a lindíssima Seyrig, a quem Antoine Doinel faz a folha, ou vice-versa, no “Baisers volés”. Michael Lonsdale morreu hoje.

As Necessidades do Caetano

O meu amigo Caetano da Cunha Reis, homem de barba patriarcal e de humor fino, perdoar-me-á, com certeza, que eu transcreva hoje aqui, a propósito de nada, um post que, há mais de 15 anos, surgiu num blogue que o tempo há muito levou, subscrito por um pseudónimo coletivo que era então usado por alguns. O texto foi-me ontem lembrado e fui às catacumbas de uma “pendrive” para o desencantar.

Viviam-se os primeiros dias (e as primeiras noites, no Procópio) do primeiro governo Sócrates, em 2005. Freitas do Amaral tinha entrado para ministro dos Negócios Estrangeiros e, nessa noite, soube-se na Mesa Dois o Caetano iria assessorá-lo. O Caetano era “one of us” e, por isso, a sua nomeação não passou despercebida. Não assisti à cena que o tal blogue relatou, por viver, à época, no Brasil, pelo que não posso jurar sobre a sua verosimilhança.

Estava a Mesa Dois posta em sossego, de seus copos colhendo doce "fruito", quando a notícia explodiu, como uma bombarda das que o Carlos Antunes costumava pôr nos Unimogs destinados a combater os "turras", perdão, os Palop: o Caetano da Cunha Reis, o nosso Caetano das entradas tardias no Procópio, esse Afonso Henriques (o fundador...) da Juventude Centrista (onde ela vai, não é, ó Caetano ?), havia entrado para o aparelho do governo socialista. A dúvida instalou-se, célere como uma epidemia: "vai para o Ambiente ?" aventou o Luís Coimbra, coroado de inveja; "deve ir para o Desporto", rematou o João Paulo Bessa, ainda não refeito do trauma do Laurentino; "às tantas, dão-lhe alguma coisa na Comunicação Social", editou o João Paulo Guerra, já a ver-se exilado na liberal "Folha de Alvaiázere"; a Graça Vasconcelos ficou numa apoplexia, quase  a entrar de baixa autoridade; "qual quê, ele vai é para a Ciência !", lavrou a Sara, sob o sorriso esfíngico e ferroviário do António, figurando já o Caetano num cenário com o Gago, plantado entre nabos transgénicos. Quebrando este ambiente de angustiante dúvida, o Vilhena resmungou um comentário impublicável e fez mais uma das suas tradicionais retiradas diuréticas. O Zé Vera murmurou uma coisa cifrada a uma juíza de oportunidade, que trazia à ilharga desde a 13ª vara. O Nuno impavidou-se, num eloquente silêncio, por todos lido como assaz significativo. De pé, o Chico não confirmou, com o habitual acenar da poupa que lhe ficou como herança do IPE, se Belém teve alguma coisa a ver com a nomeação. Agitado, o Jójó saltou para telefonar ao Balsemão, o Solnado achou que era piada e, sem surpresas, o Zé Medeiros abençoou com um "não me parece mal, sendo amigo do Cruz..." Afastada por todos a ida para a "Qualidade de Vida", pasta que assentava que nem uma luva ao nosso Caetano (mas que o facto de ter sido assumida em acumulação pelo PM cessante deixava fora do âmbito das hipóteses), a verdade acabou por emergir como o azeite, dita pela sabedoria da Alice, que sempre bebe do fino (ou da imperial, tanto faz) : "O Diogo chamou o Caetano para as Necessidades" !!! A mesa estarreceu ! A Teresa só pôde balbuciar "Ó Luís, traga-me qualquer coisa, seja lá o que for!...", o Durão arfou um inconveniente "Porra ! Por esta é que eu não esperava !", o Zé Augusto deu-lhe uma urgência estefânica, e arrancou com a São e saiu à procura da confirmação da amiga Edite. O Luís, já batido por muitas noites da política da Dois, acantonou-se na "bilheteira" e começou a tirar as contas, porque a debandada crítica estava aí à bica. Aqueles a que alguns, pouco imaginativos e algo sardónicos, chamaram de "diplocópios" (ou pior, os diplomatas do Procópio), cujos nomes não pretendo revelar por razões que a razão óbvia das coisas torna dispensável, reagiram com assinalável garbo e proverbial prudência: "O Caetano no 3º andar ? Ora bem, vamos lá a ver, podia ser pior ...", insinuando logo alternativos tsunamis políticos que poderiam ter ocorrido e agregando de imediato a nova função, com estudada familiaridade, à geografia arquitectónica do poder na "casa". Mas deixemo-nos de histórias: para a História, Caetano da Cunha Reis está, de pedra e cal, no Ministério dos Estrangeiros, assessorando (em quê, Caetano, diz-nos já!) "o Diogo". Quando a classe “Navigator" lhe der folga, o nosso Caetano rumará uma noite da sala VIP da Portela para o Procópio (sempre tarde, que é como se entra...), requisitará um banquinho junto à Dois, dará um gole no JB* da praxe (“em balão, ó Luís!”) e amesquinhará os tais Diplocópios com um "estão vocês bem enganados, quem vai para Pyongiang afinal já não é o Meireles !". Ganda Caetano, agora passaste a "boy" ! Acautela-te nas bordas do Caldas, que os do taxi podem dar-te uma arrochada pela Madalena abaixo, qu'inda vais parar à Mouraria ! Mas olha, filho, ouve o que eu te digo: inda vais ser chorado... Um dia perceberás onde e porquê. Agora é cedo, melhor, já é tarde...

Este é o texto. Algumas referências podem ser crípticas para alguns, mas seria ocioso fazer aqui pés-de-página para explicar muitas das coisas e das pessoas que ali figuram. Fica assim, tal como saiu, esperando que o autor se dê ao trabalho de o reler. 

*Um dia, há muitos anos, perguntei ao Caetano se tinha achado graça ao texto: “Imensa! Tem, porém, um erro imperdoável: eu só bebo Bushmills, com duas pedras, nunca em balão”. Passei o recado ao escriba desatento. Nunca me respondeu.

domingo, setembro 20, 2020

Apoiar os restaurantes portugueses


Nestes tempos de pandemia, os restaurantes portugueses têm feito um esforço extraordinário para sobreviver, adotando regras de segurança sanitária, procurando manter a qualidade da oferta e do seu serviço, assim assegurando postos de trabalho, importantes para o sustento de muitas famílias. Apoiar a restauração portuguesa, que, nos últimos anos, tinha crescido em prestígio e afirmação, é algo que entendo deve continuar ser feito, promovendo quem honra o setor.

No meu blogue “Ponto Come” tenho divulgado alguns restaurantes a que vou regressando, neste período pós-confinamento. Trata-se de casas muito variadas, em várias zonas do país. Passe também por lá.

sábado, setembro 19, 2020

MRPP


Há 50 anos, em 18 de setembro de 1970, nascia o MRPP. 

Com exceção do MRPP, toda - repito, toda - a restante constelação de grupos marxistas-leninistas que viria a surgir em Portugal “descendeu”, por via direta ou enviezada, de um primeiro núcleo de dissidência “de esquerda” do PCP que foi o CMLP - Comité Marxista-Leninista Português. 

Um dos companheiros de Álvaro Cunhal na fuga de Peniche, Francisco Martins Rodrigues, protagonizou essa histórica dissidência que, em Portugal, tal como aconteceu em outros países, refletiu a conflitualidade sino-soviética, que se estabeleceu após o XX Congresso do PCUS, que consagrou a desestalinização.

O organograma dos MLs, como então chamávamos a um conjunto infinito de organizações que por aí andava, era de uma imensa complexidade. Se isso já confundia, e muito, os cudadãos portugueses no pós-25 de abril, a quem era muito difícil perceber a diferença entre o PCP-ML “fação Mendes” e o PCP-ML “fação Vilar”, bem mais confusos estavam, nos tempos da Revolução de 1974, os estrangeiros que nos procuravam, fosse por mero “turismo” político, fosse para reportar profissionalmente a “Revolução dos Cravos”. 

O José Rebelo, à época correspondente do “Le Monde”, em Portugal, recordar-se-á de uma longa e “pedagógica” conversa a que me chamou, num quarto do Hotel Mundial, com esse “monstro” do jornalismo político francês que era Marcel Niedergang, a quem eu procurei detalhar as diferenças e importância real de todas aquelas siglas. À época, eu era um “expert” autodidata nessa área. 

E recordo-me bem da surpresa do celebrado autor dos “Les Vingt Amériques Latines” quando lhe expliquei que o grupo ML mais “na moda”, que era o MRPP, que enchia as paredes de Lisboa com vistosos murais, pouco ou nada tinha a ver com a origem dos restantes grupos, em especial que não recebia qualquer apoio chinês (nem da Albânia), nem político nem em espécie.

O MRPP (Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado) surgira por uma via diferente. Lembro-me bem de ter detetado, no auge das polémicas emergentes nas reuniões oposicionistas no Palácio Fronteira, no caminho para as “eleições” do “marcelismo” que tiveram lugar em outubro de 1969, uma linha política “de novo tipo” (para usar um termo leninista), cujo discurso já então me soava a diferente do dos MLs tradicionais. 

Daí viria a surgir, como mais tarde se apurou, muito assente na Faculdade de Direito de Lisboa, aquilo que seria designada por EDE (Esquerda Democrática Estudantil), uma organizaçao que, durante muitos anos, o MRPP considerava insultuoso que pudesse ser identificado como sendo a sua origem. Mas foi. 

Era gente que já tinha andado pelo PCP, com atividade nas lutas universitárias e anti-coloniais, na esmagadora maioria dos casos estudantes e alguns escassos operários, numa época em que ter estes últimos nas hostes de qualquer grupo dava imenso “cachet” revolucionário. O MR, como simplificadamente nos referíamos então ao grupo, lá acabaria por ter os seus operários, e até alguma residual presença sindical.

O PCP viria a ser o principal ódio de estimação do MRPP. Nisso não se diferenciava muito dos restantes ML, que igualmente contestavam que o partido de Cunhal pudesse reivindicar o estatuto de ser o “partido comunista”. Mas enquanto alguns MLs já se consideravam a si próprios essa mesma “vanguarda da classe operária”, o MRPP afirmava que ainda não estavam criadas as condições, “objetivas e subjetivas”, para dar o passo para a criação do “verdadeiro partido da classe operária”.

Após ter sido criado em 1970, o MRPP foi progressivamente ganhando força junto de jovens setores intelectuais, bem como de uma juventude universitária, e mesmo liceal, que, “à esquerda” do PCP, se opunha à guerra colonial. O movimento não apenas se tornou na “bête noire” dos comunistas de Álvaro Cunhal como entraria em rápido confronto com os restantes ML, um conflito que chegou a assumir aspetos fisicamente violentos, anos mais tarde. Tinha então o seu famoso jornal “Luta Popular” e, como órgão teórico, o “Bandeira Vermelha” (sou proprietário de um exemplar do seu nº 1). Além disso, as suas múltiplas declinações sectoriais mantinham outros órgãos clandestinos de propaganda.

Por alturas do 25 de abril, o MRPP estava no auge das suas ações de rua. Manteve-se na clandestinidade, como algumas outras organizações congéneres, e confontrou-se com a ala do MFA que mais próximo estava do PCP. Fez então uma aliança tática com setores menos radicais das Forças Armadas e, sempre na sua lógica anti-PCP, assumiu uma prática política que o levou a muito polémicas ligações com setores conservadores (aliás, nada que o PCP-ML “fação Vilar” não tivesse também praticado). No período mais tenso do PREC de 1975, o MRPP esteve do lado do PS e do então PPD, “to say the least”.

Depois, ao ter sido impedido, por decisão política, de concorrer à Assembleia Constituinte, o MRPP iniciou o que viria a ser um percurso de crescente declínio. Daria ainda, no entanto, o passo político de se transformar formalmente em partido - o chamado PCTP-MRPP. 

Desde 1970, o líder incontestado do MRPP, e do partido em que este se transformaria, havia sido sempre Arnaldo Matos, um madeirense, licenciado em Direito, que advogou em Lisboa. Chegou a estar afastado alguns anos do partido, mas acabaria por regressar à respetiva liderança. Até à sua recente morte, manteve um registo de expressão discursiva que se colou à caricatura que a história política portuguesa dele guarda.

Os antigos militantes do MRPP tiveram destinos muito diversos. Como regra que pode ter a suas exceções, mas que a meu ver resiste bem ao teste, pode dizer-se que quem entrou para o MRPP antes do 25 de abril, quando a prioridade da sua luta era a ditadura e a recusa da guerra colonial, está hoje politicamente à esquerda, como é, por exemplo, o caso de Fernando Rosas. Quem se ligou ao movimento após o 25 de abril, e nele foi aculturado na luta contra o PCP, acabou, em geral, à direita. O exemplo mais flagrante deste último grupo de pessoas será Durão Barroso.

Uma coisa é certa: dos partidos que por aí andam, ainda que alguns num registo quase apenas formal, só emergindo nos períodos eleitorais, aparentemente para poderem manter a subvenção financeira estatal anual, o PCTP-MRPP é hoje o segundo mais antigo, depois do PCP. O PS só viria a surgir em 1973.

sexta-feira, setembro 18, 2020

Nos 81 anos de um grande Senhor

 


Conselho sobre a pandemia

Creio nunca por aqui ter dado o menor bitaite sobre o modo de encarar a pandemia. 

Hoje decidi romper com essa atitude e oferecer, finalmente, um conselho técnico: cuidem-se!

Doutrina dividida


De há muito que, cá por casa, a doutrina se divide. Eu gosto de ver folhas secas caídas sobre a relva, ao mesmo tempo que há quem deteste esse cenário de clima declinante, que parece que “polui” o verde. Eu entendo que a chegada do outono e da chuva me dá um alibi mais para gozar o conforto caseiro, essa perspetiva contrapõe-se à de quem gosta do sol e dos dias cálidos, para sair por aí. Às vezes concedo, só que logo se abre um novo “chantier” de debate: há quem prefira andar a pé, eu inclino-me para “andar” bem sentado no carro. É um debate antigo, com décadas. Porém, enquanto as divergências forem só estas...

“Mesa Marcada”


“Mesa Marcada” é, desde há vários anos, o mais importante site de informação e comentário sobre restaurantes em Portugal. 

Dirigido por Duarte Calvão e Miguel Pires, por ali tem sido acompanhada a fantástica evolução que, nos últimos anos, se processou na oferta restaurativa nacional, com particular destaque para a área da “alta gastronomia”, onde Portugal começou a “dar cartas”.

Neste que está a ser um tempo muito difícil para os restaurantes portugueses, parte dos quais fortemente afetada pelo recuo do mercado turístico, o “Mesa Marcada”, com um belo e novo “endereço”, a que pode chegar clicando aqui, ajuda a manter a atenção sobre este importante setor económico nacional, do qual dependem muitos milhares de empregos e a sobrevivência de imensas famílias.

Os restaurantes portugueses estão a fazer um esforço notável, sem recuo na qualidade e no serviço, e tentando seguir, como regra geral, estritas condições sanitárias, para conseguirem atravessar este tempo de crise. 

Continuar a frequentar os restaurantes é ajudar a manter vivo um setor que faz parte da nossa cultura nacional. É imperativo não deixar que a conjuntura da pandemia destrua o processo de afirmação da identidade da gastronomia que hoje se pratica em Portugal, como internacionalmente é crescentemente reconhecido.

Parabéns ao “Mesa Marcada” por ter tido o sentido de responsabilidade de saber renovar-se, precisamente neste tempo complexo e exigente.

quinta-feira, setembro 17, 2020

IV Conferência de Lisboa

 


Gostam do cartaz da IV Conferência de Lisboa? Porque não se inscrevem e participam? 

Saber ler


Há dias, publiquei por aqui uma frase comentando que a mediocridade temia a competência, referindo-me à jornalista Cândida Pinto.

Por misteriosas razões, os chamados “precários” da RTP, um grupo de profissionais que pretende a integração nos quadros da empresa, entenderam (!!!) que o meu comentário lhes era dirigido. E daí a enveredarem por comentários insultuosos o passo foi pequeno.

Se acaso estivessem um pouco mais atentos à realidade, esses “precários” teriam percebido aquilo que eu quis dizer no meu post nem por sombras lhes respeitava. Saber ler é uma virtude.

Zé de Bragança


Zé de Bragança é o pseudónimo que o advogado José Luis Seixas (não, não é parente!) utiliza, desde há muitos anos, para escrever deliciosas crónicas na imprensa. 

São notas do quotidiano e reflexões sobre a sociedade portuguesa, com muito humor e ironia, servidas por uma excelente escrita - culta, rica, ritmada, apelativa. Corajoso na afirmação das suas ideias, muitas das quais fora do “mainstream” do “politicamente correto”, com caricaturas fortes de algumas figuras e figurões da praça, os textos são um retrato, num tom que nem por ser divertido deixa de ser sério, sobre o Portugal que por aí anda. 

Vivendo em Lisboa, com Bragança no coração, o Zé Luís, aliás, o Zé de Bragança, tem um olhar sempre empenhado, e por isso também sofrido, sobre a sociedade em que vivemos - da política ao futebol, dos costumes às ideias em voga.

Agora, decidiu juntar alguns desses textos num livro editado pela Horizonte, prefaciado por Isabel Stilwell, que ontem foi lançado, embora sob fortes restrições pandémicas, no belo jardim do Palácio Galveias. 

Tive um imenso gosto de intervir, ao lado do professor Ernesto Rodrigues, na apresentação deste livro do meu querido amigo José Luís Seixas.

(Quem tiver interesse em ler o texto da minha apresentação pode fazê-lo aqui.)

Governo

A convivência num governo provoca sempre algumas tensões, que o tempo pode potenciar em algumas das equipas ministeriais. Perguntar se algum secretário de Estado quer sair e inquirir dos ministros se os querem manter pareceu-me uma atitude muito inteligente e saudável. E inédita.

Comentários

O “Público” estabeleceu novas regras para as caixas de comentários. As caixas de comentários, que, em tese, poderiam ser um espaço interessante para aferir reações do público leitor, estão hoje transformadas num esgoto impune de alarvidades, sob a cobardia do anonimato.

Ainda a lista

Vieira retira Costa da Comissão de Honra. Pior a emenda do que o soneto. Quem quer alimentar o folhetim aqui tem um novo episódio. Gerir pior tudo isto era muito difícil, convenhamos.

Já era tempo...

 


quarta-feira, setembro 16, 2020

Visitantes

Há já uns bons anos, introduzi por aqui dois “contadores” de visitantes. Raramente os consulto, mas hoje deu-me para tal.

Um é um registo de visitas que oferece números diários ou em outros quadros temporais. Através dele se constata que, nos ultimos tempos, visitam diariamente este blogue entre 1300 e 1800 pessoas, com variações significativas ao longo do ano. Não “trabalho” aqui para inflacionar os números, que aliás já foram muito superiores, mas naturalmente as estatísticas de leitura não são indiferentes a quem aqui escreve.

O segundo registo refere-se aos países de onde o blogue foi acedido. Sendo este escrito em português, é natural que a esmagadora maioria dos visitantes regulares sejam portugueses ou de países de expressão portuguesa. Outros leitores regulares há que são residentes em diferentes países (em especial EUA e países europeus), como se constata da consulta ao respetivo “contador” (basta clicar nas bandeiras para poder consultar). Tendo plena consciência de que muitas dessas visitas foram puramente acidentais (algumas nunca mais se repetiram), constato que, dos 193 países que fazem parte da ONU, se registaram visitas de 177. É próprio “contador” que indica que apenas não houve visitantes, mesmo acidentais, dos seguintes Estados independentes: Tchad, Lesotho, Serra Leoa, Eritreia, Djibuti, Micronesia, Kiribati, Tuvalu, Vanuatu, Nauru, Samoa, Palau, Tonga, Sudão do Sul, Turquemenistão, e, sem surpresa, Coreia do Norte.

Enfim, curiosidades, em especial interessantes para quem por aqui escreve, diariamente, vai para 12 anos.

Sintomas de regime


Andando três décadas para trás, por esta altura do ano, terminava a "saison" social do Algarve. A Comporta ainda não estava na moda, o norte, exceção feita a Moledo, cujo nevoeiro nobilitava, nunca foi muito dado a essas coisas.

A sul, nos clubes e locais badalados, cavalheiros sorridentes, de calças encarnadas (raramente tidas por vermelhas) e camisa aberta, acompanhados de senhoras douradas, surgiam pelas páginas das revistas sociais. 

O regime, que espero que ninguém se ofenda que eu chame de "cavaco-soarismo", espelhava ali o "novo Brasil", a riqueza da Europa, a que o país aportara tempos antes. Ministros, empresários, "socialites", "cromos" e penetras, alguns e algumas servidos por "petits noms", ilustravam, de copo na mão, as páginas da "Olá Semanário", publicação que inaugurou o álbum de glórias efémeras do "star system" à portuguesa. 

Noutro registo, consonante com este, surgiam as quintas, os casamentos e batizados de famílias sonantes, os automóveis de luxo, às vezes os helicópteros e os iates, sinais exteriores de uma riqueza que, nem por invejada, ou talvez por isso, deixava de ser mostrada. Cavalos, golfe, ténis e coisas assim faziam parte do cenário. Uma figura aristocrática ou real à mistura, em especial se estrangeira, ajudava muito a compor o ramalhete.

Regressemos ao presente. Pandemia à parte, olhem-se, nos tempos de hoje, as revistas "sociais": os políticos sumiram, os poderosos entraram na clandestinidade social, a que agora se chama discrição. Futebolistas, apresentadores e atores de telenovela ocuparam o espaço de financeiros, da gente "bem" do "tout Lisbonne". Estes não desapareceram, mas vivem hoje sob um outro perfil: mostram menos piscinas e mansões, "glicerinam" as caras dos filhos nas fotografias, acham mesmo "cafona" quem ostenta uma riqueza recente. 

Mas nada de equívocos: o Portugal social não se democratizou, porque as relações de poder e de riqueza não se alteraram por aí além. O que mudou, e radicalmente, foram os modelos de exposição social. E não há nenhum efeito geringonça neste recolhimento, o qual já vem de há vários anos. 

Aliás, algumas famílias e personalidades com poder sempre cuidaram em preservar a sua intimidade, nunca se deixando seduzir, ao contrário de outros, pela vaidade das revistas sociais. Intuíram que as perceções estavam a mudar, que a inveja, cedo ou tarde, seria um sentimento protegido pelo "politicamente correto", que era preciso respeitar o choque provocado pelos contrastes de riqueza.

terça-feira, setembro 15, 2020

Frase

Somos responsáveis pelo que escrevemos, não pelo modo como os outros nos leem.

domingo, setembro 13, 2020

“Tal & Qual”


A história da imprensa de um pais ajuda muito a percebê-lo. Os jornais, com a sua ocasional ou prolongada popularidade, acabam por ser o reflexo do modo como foi possível encontrar fórmulas para responder mediaticamente às ondas, episódicas ou sustentáveis, de interesse por parte do público, neste caso leitor.

É na novidade, pelo rompimento com o que até então existia, que reside sempre o êxito das novas propostas. Foi assim com o “Expresso”, repetiu-se com o “Independente”, iria ser o caso do “Público”. Mais recentemente, o “Observador”, na era digital, surgiu um pouco nessa linha de rutura. Nuns casos, a neutralidade política é tentada, noutros impera aquilo que já vi qualificado como “jornalismo de seita”.

Se bem que não catalogável no mesmo clube de jornais, o “Tal & Qual” representou também, na sua época, uma forte novidade, em termos de modelo. Assumiu, em regra, uma assinalável independência no sempre rentável terreno “anti-establishment”, o que, com o peso de alguns nomes que surgiam a fabricar o produto, lhe garantiu, logo no lançamento, uma certa credibilidade.

Com um preço apelativo, o jornal era, esteticamente, um produto algo artesanal, tendo como trunfo o chocante das capas e algumas boas e inventivas “caixas”, num jornalismo que então esgravatava nichos nunca antes navegados, pelo menos daquela forma, servido por reconhecidos profissionais e jovens e talentosos jornalistas, à cata de uma oportunidades de realce, nem que fosse pelo chocante das propostas. Sempre me pareceu haver por ali muito do “tabloidismo” britânico, somado à herança implícita da ousadia do “Reporter X”, de muitas décadas anteriores.

Claro que o “Tal & Qual”, até pela própria natureza do jornalismo que fazia, não resistiu a prestar-se, algumas vezes, a ser instrumento de algumas “vendettas” (mas muito, muito longe desse “benchmark” do género que foi “O Independente”) quase sempre enroupadas por algum humor e ironia (sei do que falo, por experiência própria, por mais de uma vez). Mas não hesito em reconhecer que a sua iconoclastia representou, claramente, um tempo marcante no jornalismo português. Valeu muito a pena ter existido o “Tal & Qual”.

Gonçalo Pereira Rosa - cujo nome, neste caso equivocamente, traz memórias da família que foi dona de “O Século” - e José-Paulo Fafe lançaram-se agora à tarefa de recordar a aventura que foi o “Tal & Qual”. Para tal, convocaram memórias de muitos que estiveram ligados ao processo de criação e feitura do jornal.

Pereira Rosa tem-se revelado um prolífico e notável inventariador das memórias do jornalismo português, José-Paulo Fafe é um “vieux routier” da profissão, nela assumindo, como imagem de marca, um temível estilo acerado de escrita. Começou no “Tal & Qual”, daí encetando um percurso por vária imprensa e artes correlativas.

Com apoio das imagens de algumas primeiras-páginas marcantes da história do jornal, o livro - e aqui regresso ao que disse a abrir este texto - ajuda-nos bastante a perceber (ou a recordar) o Portugal desse tempo, da “jovem democracia portuguesa” (para utilizar uma expressão comum no Dr. Cunhal).

Por aquelas páginas, fotografias e textos, andam Soares, Cavaco e os respetivos séquitos e sucessores, os tempos do deslumbre com os dinheiros europeus e as negociatas anexas, os “cromos” da época, os escândalos e alguma coscuvilhice, inócua ou não.

Na minha opinião, sobrevivem hoje, no “Correio da Manhã”, reflexos de alguma herança jornalística do “Tal & Qual”, servida talvez por uma leitura diferente dessa coisa, às vezes despicienda, que é a verdade dos factos. Sei que a frase que acabo de escrever está longe de ser consensual, pelo que fica já aqui um pedido preventivo de desculpas às duas publicações, em especial à “falecida”.

Ao tempo do “Tal & Qual” vivia-se apenas um esboço tímido do ataque aos “famosos” e aos “poderosos” do mundo económico, atitude mediática que agora se banalizou, porque então tudo era feito com muito “respeitinho” por quem tinha “o bago”, termo que João da Ega dizia a Palma Cavalão, diretor de “A Corneta da Diabo”, jornal que, nem pelo facto de não ter existido, não deixou de ser um inspirador do “Tal & Qual”, particularmente em algumas fases deste - e mais não digo! 

(O Zé Paulo Fafe não deve ter gostado mesmo nada, em especial, dos dois últimos parágrafos, mas discutiremos isso numa não-tertúlia que consta que por aí anda).

Este livro, que li de um fôlego, é um interessante testemunho daquilo que foi um fresco jornalístico de um país e de um regime que então andava à procura de um registo para, em paz e democracia, poder “viver habitualmente” (para citar o Dr. Salazar), o que, feliz ou infelizmente, não está na nossa matriz de “um povo que não se governa nem se deixa governar”, como escreveu um general romano que, já desde os tempos da Ibéria, nos topava à légua.

sábado, setembro 12, 2020

Uma nova diplomacia?

 



Creio não ser muito clara, para muita gente, a importância da Assembleia Geral anual das Nações Unidas que, por esta altura do ano, tradicionalmente se iniciava em Nova Iorque. Em 2020, o evento inaugural, preenchido com as declarações nacionais, terá lugar apenas por via telemática.

Para além da própria ONU já suscitar muitas dúvidas quanto à sua real eficácia, sempre imaginei que aquele imenso fluxo de chefes de Estado e de governo, acompanhados de ministros e de séquitos infindáveis, num ambiente prenhe de retórica, conferia alguma imagem de inutilidade àquele exercício ritual. Alguma razão podia existia nesse juízo comum, mas o evento não era, necessariamente, uma mera perda de tempo. Esse período comum em Nova Iorque era regularmente aproveitado para uma imensidão de encontros bilaterais, que poupavam muitas viagens e gasto de tempo, no resto do ano.

O período ministerial da AG da ONU é, em especial para muitos pequenos e médios Estados, que não dispõem de uma rede relevante de relações externas, um tempo importante para objetivarem os seus interesses face a outros parceiros, na ausência de uma máquina capaz de assegurar uma presença contínua e eficaz pelo mundo, no resto do ano.

Mas é uma evidência que os dias da vida internacional estão muito diferentes. Permanecerão assim? Por quanto tempo uma AG da ONU, em forma “física”, estará condicionada? Não sabemos, ainda hoje, em que medida a prática telemática passará a ser a regra e a deslocação a exceção. A diplomacia vai assim mudar os seus métodos? Mesmo que o não faça de forma radical, quantos dos seus modelos tradicionais de operação vão ser afetados?

A pandemia que marca o mundo é uma incomensurável tragédia, mas todos aprendemos que é quase sempre nos momentos de dificuldade extrema, em que a gravidade das situações convoca a agudeza das atenções, que acabam por ser descobertas as soluções mais inventivas para os problemas.

Quem sabe se um aperfeiçoamento radical dos mecanismos de comunicação à distância, que a crise atual seguramente incentivará, não nos poderá vir a trazer, sem perda de eficácia, um salto qualitativo nos instrumentos de representação e de operação diplomática?

Se isso acontecer, vai seguramente acabar, ou atenuar-se muito, algum “glamour” que estava associado ao mundo tradicional da representação externa. Isso, aliás, já vinha a acontecer aceleradamente nas últimas décadas. Se isso puder vir a ser feito sem perda relevante de eficácia, com poupanças interessantes para o erário público, a vida diplomática poderá ganhar novos contornos.

É que, ao contrário do que alguns possam ainda pensar, é a defesa dos interesses nacionais, públicos e privados, que, em derradeira instância, justifica a existência da máquina de relações externas de um país. E em tempos de uma saudável exigência de transparência, cada vez mais a representação externa vai ter de se sujeitar a constantes juízos valorativos de custo-benefício. Uma nova diplomacia pode, assim, estar a caminho.

12 de setembro de 1973


Pela rádio, naquele dia 12 de setembro de 1973, tinham-nos chegado algumas notícias sobre o derrube violento do governo de Allende, no Chile, com a morte do próprio presidente e a tomada do poder pela junta militar.

(Meses depois, quando por cá se ouviu falar de “Junta de Salvação Nacional”, muitos de nós ficámos algo inquietos com o uso do termo).

Longe estávamos então de poder prever a onda de barbárie que iria ocorrer no Chile, nos anos seguintes.

Eu estava então na Escola Prática de Administração Militar, no Lumiar, prestes a concluir o segundo ciclo, logo passando a “aspirante a oficial miliciano”. Seria, aliás, o único daquele grupo que continuaria naquela unidade até junho do ano seguinte, como instrutor militar, com o 25 de abril pelo meio. 

Pelo meio da tarde, como era de regra, os soldados-cadete das especialidades de “Ação Psicológica” e de “Licenciados em Direito”, que somados não chegavam à vintena, “formavam” juntos na parada, antes de poderem ser autorizados a sair da unidade (a imagem reproduz o local). O Miguel Lobo Antunes, que era um de nós, lembrar-se-á bem desse ritual.

Naqueles escassos minutos em que nos alinhávamos antes de poder “destroçar”, dois dos nossos colegas, gente de uma direita radical extrema, crítica ‘pela direita” do regime de Marcelo Caetano, que acusavam de tibieza, manifestaram, em comentários, o seu vivo contentamento com a queda do regime de Allende, rejubilando com a instauração da ditadura militar em Santiago. 

Conhecendo-me, a mim próprio, à época, presumo que lhes terei lançado, como reação, alguns pouco carinhosos impropérios qualificativos. Tudo, diga-se, num ambiente de cordialidade que, não obstante, as profundas divergências políticas, marcava esse nosso convívio.

Um desses colegas foi então ao ponto de convidar quem, de entre nós, estivesse disponível, para ir a sua casa, não muito longe dali, beber uma “taça de champanhe” (ainda não tinha imperado a ditadura das “flutes”), para celebração da chegada dos militares ao poder no Chile.

Aquilo era dito num tom de brincadeira, convocando comentários e gracejos, mas os sentimentos de fundo de cada um de nós eram bem claros.

Nesse mini-pelotão, perfilado em frente à caserna, ouviu-se então uma voz forte, num comentário dirigido ao mais radical daqueles ultra-reacionários: “Tu tens muita sorte, sabes?”. Ele não sabia porquê. “É que se eu não tivesse entregado já a minha G3 no armeiro, não sei se não te dava um tiro!”. Todos sorrimos, até o visado.

Tudo aquilo era retórica. Mas o colega que se saiu com aquela frase quis mostrar como estava chocado com os defensores despudorados do golpe militar. O seu nome era António Franco, viria a ser um dos meus grandes amigos de vida e morreu há muito pouco tempo.

sexta-feira, setembro 11, 2020

A desordem dos trabalhos

Faço parte de uma tertúlia que não existe. Eu explico. Há um grupo de pessoas que, desde há meses (com a pandemia pelo meio), se reunem com o propósito de pôr de pé um determinado projeto. Encontramo-nos num escritório ou almoçamos num restaurante. Como é da lógica destas coisas, a conversa começa por generalidades, com historietas e comentários divertidos pelo meio. Só que a “desordem de trabalhos” é, por ali, a regra do jogo. Isto é: 90% do tempo conversamos, rimo-nos, divertimo-nos e, nos 10% de tempo que, a muito custo, nos resta, vamos levando alguma água ao moinho comum que inicialmente nos juntou. Aquilo é uma tertúlia? Pelo tom dos encontros, é mesmo uma bela tertúlia. Mas, com os diabos!, não devia ser só isso. Que fazer? - como dizia o velho Ulianov, a fingir-se de modesto. Não sei, mas nós lá vamos andando.

“Alô Nuno, passo às Antas!”


Acaba a “Tarde Desportiva” da Antena 1. Para alguns, começou por ser a “Tarde Desportiva da Emissora Nacional”, com a “Semper Fidelis” de John Philip Sousa como música de fundo: https://youtube.com/watch?v=okjN2krWDPw…. “Alô Nuno, passo às Antas!”, dizia quem?

11 de setembro, sempre!

Em 11 de setembro de 2001, eu era embaixador junto da ONU, em Nova Iorque A Assembleia Geral das Nações Unidas, cujos trabalhos deveriam iniciar-se no dia seguinte, sofreu uma forte perturbação e só se organizou quando a cidade e a segurança nos Estados Unidos recuperaram um mínimo de normalidade.

Em data que não posso precisar, mas ainda antes do Natal desse ano, numa livraria numa esquina da Park Avenue, cruzei-me com uma cara conhecida. Era Jose Miguel Insulza, então ministro do Interior do Chile. Três anos antes, ao tempo em que ele dirigia a diplomacia do seu país, eu tinha-o recebido como representante à Expo 98 e, no ano seguinte, como presidente interino, ele tinha-me acolhido no Palácio de la Moneda, numa visita oficial que fiz ao Chile.

Falámos, naturalmente, do trauma que Nova Iorque e aquele país atravessavam, depois dos acontecimentos de 11 de setembro. Nunca esquecerei uma frase que me disse: “Nosotros también tuvimos nuestro 11 de septiembre”. Era verdade. 11 de setembro de 1973 foi a data do sangrento golpe de Estado no Chile. Insulza fora membro do governo de Allende e esteve exilado vários anos, antes dos chilenos recuperarem a sua democracia. Como muita gente da minha geração, eu também não esquecia isso. 

Ao final do dia 11 de setembro de 2001, com as torres gémeas derrubadas, com Nova Iorque sob uma núvem infernal de poeira e o choque da bárbara agressão de que a América acabara de ser vítima pelas mãos do fanatismo, um jornalista português, de Lisboa, que me entrevistava para uma rádio, comentou: “Estou certo que, depois da experiência por que está a passar, o senhor embaixador nunca mais vai esquecer a data de 11 de setembro”. Acho que ficou surpreendido pela minha resposta: “Há muitos anos que eu não esqueço o dia 11 de setembro. Em 1973, foi a data do golpe fascista no Chile”. 

Posso revelar que, nos dias seguintes, recebi de Lisboa, desde logo do MNE, alguns remoques sobre aquela minha inusitada reação. É a vida de quem tem memória!

Pê Ésse

O PS tem por tradição ser extremamente generoso, no que toca a eleições presidenciais: dele emergem vários candidatos, mas ele próprio não tem candidato nenhum.

2020

"Deixa o moleque trabalhar, poxa. Eu trabalhei. Outro dia eu falei que aprendi a dirigir com 12 anos de idade. Eu já engraxei sapatos. Molecada quer trabalhar, trabalha" - Jair Bolsonaro.

2020. O ano em que o Brasil tem um presidente que diz, impunemente, este tipo de barbaridades.

Notícias de Fénix


Na última década, raramente a palavra Europa deixou de estar associada à ideia de crise. A “crise europeia” tornou-se uma expressão corrente, que, ao mesmo tempo, contribuía para absolver alguma impotência dos governos nacionais e associava as instituições comunitárias a um destino marcado pela irreversível incapacidade de estarem à altura daquilo que delas, dessa Europa, se esperava.

O tom dramático das cimeiras europeias, os sinais de desunião e de falta de sintonia entre os parceiros, a lentidão das respostas aos problemas, tudo isso foi dando da Europa comunitária a imagem de um paquiderme irrecuperável, marcado pelo gigantismo da sua máquina, pelo fim dos consensos que suportavam os antigos modelos de solidariedade.

A relativa surpresa que foi Brexit e o surgimento, no seio dos Estados membros, de alguns atores que colocavam em causa os próprios fundamentos do projeto europeu, que eram dados por comummente adquiridos, alimentou bastante essa ideia de declínio inexorável, pelo menos no seu modelo de destino coletivo.

A palavra “refundação” surgiu várias vezes, as sugestões de fórmulas de trabalho com integração diferenciada dos Estados em matéria de políticas foram muitas. A questão sobre se ainda estávamos todos “no mesmo barco” e, em caso de resposta negativa, se não seria oportuno tirar consequências institucionais disso, pairou muito por essa Europa. A bem dizer, ainda anda na cabeça de alguns, podemos ter a certeza.

A Europa tinha sido lenta e pesada na reação à crise financeira de 2007. Em sequência, por falta de vontade política, tomou decisões que muito contribuíram para o desencadear da crise das dívidas soberanas, que fraturou o continente, não apenas em termos de riqueza, mas igualmente no que toca ao discurso sobre a solidariedade, que se foi perdendo, de uma forma quase obscena. Essa mesma crise de solidariedade voltou a estar em causa aquando da questão dos refugiados e continua, aliás, a ser patente na debilidade das respostas face às pressões migratórias.

O Brexit parecia poder vir a ser uma machadada dramática no projeto, e as suas consequências estão ainda longe de medidas. A Europa era amputada de um membro que, nem por ser um parceiro relutante, deixava de ser um componente essencial do seu poder como entidade económica e política à escala global. Um tanto surpreendentemente, contudo, os 27 juntaram-se para responder ao Reino Unido, com uma agenda firme, bem estruturada e, essencialmente, comum.

Mas com as dúvidas sobre a China a adensarem-se no seu seio, com o “amigo americano” a minar décadas de cooperação e a ameaçar o sistema multilateral em que a Europa jogara todas as cartas, com a persistência de sensibilidades divergentes face aos “infratores” internos, com tensões de vizinhança fortes (Rússia, Turquia, Médio Oriente, Líbia) a testarem a sua vontade externa, a Europa mantinha-se num limbo político.

De súbito, surgiu a pandemia. As economias pararam, as sociedades entraram numa crise quase existencial, os medos aceleraram, os governos enquistaram-se no essencial, os sacrossantos limites macro-económicos foram esquecidos, o caleidoscópio das respostas sanitárias ameaçou a própria liberdade de circulação.

E, contudo, acabou por ser no meio desta imensa ameaça, aliás muito por virtude dela, que, quase como um coelho tirado da cartola, a Europa, sob liderança alemã e francesa, promoveu e conseguiu impor um modelo de resposta financeira, com contornos inéditos, que combina instrumentos clássicos com fórmulas inovadoras, rompendo tabus como a mutualização europeia de dívida e a possível criação de novos recursos.

Três mulheres, há que sublinhar, lideraram visivelmente esta resposta: a chanceler alemã, com uma coragem que lhe pode valer a História, uma presidente da Comissão Europeia com a vantagem pontual de ter a nacionalidade certa para dar força às suas propostas e uma líder do Banco Central Europeu que, parecendo embora estar longe do rasgo de um Draghi, soube encontrar soluções no seu âmbito, em consonância com o projeto.

Fénix renasceu?

quinta-feira, setembro 10, 2020

Toponímia


Aqui deixo uma historieta que um amigo português, residente em Londres, me contou um dia. 

Havia decidido oferecer à sua mulher uma estada e um passeio pela zona sudoeste da Inglaterra, por Cornwall. 

Desafiou um casal amigo, também português, a juntar-se-lhes. No "Michelin", ele havia descoberto um hotel que parecia muito simpático, numa pequena localidade, já próxima do cabo mais ao sul do Reino Unido.

Cornwall é uma região com paisagens magníficas, onde ainda nenhum dos quatro viajantes tinha ido. Esse meu amigo, contudo, já se deslocara bastante pela Inglaterra. Durante os meses que haviam antecedido a chegada da mulher a Londres, tinha passeado sozinho, quase todos os fins de semana, por várias zonas do país.

Porém, esse "sozinho" era um conceito que a mulher nunca "digerira" por completo, porque sempre alimentou uma suspeita residual sobre todo aquele afã turístico fora de Londres, a montante da sua chegada. Coisa de mulheres ciumentas, claro!

Nesse tempo sem GPS dos anos 90, as pequenas cartas das localidades que os Guias Michelin traziam eram de grande utilidade, para evitar perdas de tempo. A vilória onde iam alojar-se não era grande e o meu amigo havia-se dado ao cuidado de decorar o caminho que, desde a entrada no pequeno burgo, era preciso fazer para chegar ao hotel. E, por essa carta, até ficou a saber que o hotel ficava à esquerda, no fundo de uma determinada rua.

A viagem foi agradável, com uma conversa divertida, entre casais que, não sendo íntimos, se davam bem. Chegados à localidade, esse meu amigo, que conduzia, começou a cortar à esquerda e à direita, nas esquinas das várias ruas, recordando-se com precisão do mapa para que tinha olhado com atenção, na véspera. Os companheiros de viagem estavam surpreendidos com tanta destreza. A mulher ia em silêncio. A certo passo, o meu amigo teve um derradeiro momento de "glória", ao anunciar: "o nosso hotel fica na segunda rua do lado direito; ao fundo da rua, à esquerda". E ficava mesmo.

O casal acompanhante estava siderado! Como é que ele tinha "dado" com o hotel, conduzindo, rua a rua, sem hesitação, sabendo mesmo de que lado da artéria se situava? Não, não era possível que ele nunca tivesse ido àquela localidade! O meu amigo, para gozar o momento, ia adiando a revelação do truque que tinha utilizado. 

No hall do hotel, a mulher, de cara muito fechada, disse-lhe: "Com que então nunca cá tinhas vindo?" E disparou para o quarto, amuada, antes que ele tivesse tempo de revelar o engenhoso método de orientação utilizado. As explicações que depois lhe tentou dar caíram em saco roto.

O fim de semana havia ficado, em definitivo, estragado. O ambiente do jantar a quatro ressentiu-se também. Ao café, os dois maridos encostaram-se ao bar a tomar um whisky, tendo comentado entre si o incidente. 

Foi aí que o companheiro de viagem do meu amigo, críptico, se saiu com esta: "Será que a sua mulher foi influenciada pelo nome português desta zona?". O meu amigo hesitou um leve segundo, antes de se juntar ao companheiro numas boas gargalhadas, cuja razão não revelariam nunca às cônjuges. É que, em português, Cornwall, traduz-se por Cornualha...

(Já um dia aqui contei esta história. Por uma razão que não vem ao caso, repito-a hoje)

Carlos Antunes

Há uns anos, escrevi por aqui mais ou menos isto: "Guardo (...) um almoço magnífico com o Carlos Antunes, organizado pelo António Dias,...