As minhas primeiras aquisições, na Vila Real da minha infância, foram as revistas, no Albertino dos jornais, vizinho de rua. Todas as semanas, ali ansiava pela chegada do “Cavaleiro Andante” e do “Mundo de Aventuras”.
Ao longo da vida, as lojas de jornais, tal como as livrarias, exerceram sobre mim uma atração única. Sempre me conheci como um consumidor compulsivo de coisas em papel. Compro imensamente mais do que aquilo que consigo ler, atulho-me (o verbo é forte, mas verdadeiro) de publicações que me seguem, atrasadas na leitura, em sacos de plástico, nas viagens, sobrevivendo, por semanas, até ao dia em que discretos “autos-de-fé” familiares fazem desaparecer essas pilhas de papelada, as quais, como sou avisado quando protesto, já estariam “a criar bicho”. (Há tempos, encontrei uma pasta com recortes “para ler”: tinha artigos do “Diário de Lisboa” e do “Jornal do Fundão”, do início dos anos 70...)
Vem isto a propósito da D. Zulmira, que gere uma loja perto de minha casa e que acaba de nos anunciar que, no final deste mês, vai fechar o seu negócio: venda de jornais e revistas. Ora o papel, por muito que o não queiramos aceitar, está pela hora da morte. Eu próprio, viciado nas folhas e no cheiro da impressão, ando cada vez mais pelo “online”. Embora reconheça que uma das coisas boas e simples da vida é estacionar, com um jornal e uma bica, numa esplanada de Verão, a verdade é que até este excelente JN é por mim quase sempre lido, pela manhã, no écran do iPad em que agora dedilho este artigo.
Parte do admirável mundo velho do papel, que era o mundo da D. Zulmira, está a acabar. O bairro está cada vez mais cheio de velhos, não se vê um jovem com um jornal ou uma revista na mão e os novos vizinhos, que agora nos enchem os passeios de “bonjour” e “au revoir”, não devem ser grandes clientes. Vou sentir a falta de uma leitora dos meus artigos, porque, como acontece com alguns livreiros, a D. Zulmira era muito atenta ao que vendia. Sem surpresas, a nossa última conversa foi sobre o Trump.
As coisas são mesmo assim e a D. Zulmira - cujo nome, como um dia lhe ensinei, significa sublime e brilhante – também vai ter de se adaptar. E como não vale a pena chorar sobre o leite derramado, talvez valha então a pena, afinal, aproveitar para celebrar esta nova fase da sua vida com um bom vinho. Um destes dias, prometo! vou-lhe oferecer um magnífico verde branco, cruzamento de arinto e loureiro, que acabo de conhecer. A senhora vai gostar. O vinho chama-se Zulmira!