sábado, novembro 09, 2019

Os “amigos” de Marcelo

Descobri, há pouco, este texto de julho de 2016, há mais de três anos. Como ele está atual!

“Encontro-os (mais "as", curiosamente) todos os dias (e noites). São as gentes da direita desencantadas com o presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Emitem ironias, encolhem os ombros, estão "cansados" com a agitação que vai por Belém. Detestam-lhe as "selfies", os beijinhos, a ubiquidade, a palavra a toda a hora. Verdadeiramente, nunca foram "marcelistas": votaram nele porque não havia mais ninguém "do nosso lado". São órfãos de um estilo que já lá vai e que identificavam com a "pose de Estado". Do que eles verdadeiramente gostavam era de um presidente que, passados os seis meses da praxe, tivesse dissolvido o parlamento e colocasse de volta quem lá estava. Marcelo não lhes fez a vontade. Todos sabiam que ele era imprevisível, mas não pensavam que fosse tão longe. Pressentem que está tentado a dar uma oportunidade à "geringonça", para esta levar até ao limite as suas hipóteses de sobrevivência, por forma a que nunca possa ser apontado como institucionalmente culpado pelas crises em que ela possa vir a tropeçar. Se o governo cair, ninguém poderá dizer que foi por culpa de Marcelo. Já o viram ao lado da Costa em momentos complicados para o executivo, com sinais de solidariedade interinstitucional que ninguém esperaria possível. Aquelas cenas de "lua-de-mel" em Paris e por ocasião do futebol colocaram a gente da direita furiosa. "É isto! Que se há-de fazer? É o Marcelo, filha!", ouve-se a gente não conformada nos "dîner en ville". Para esta nossa (salvo seja!) direita, este não é "o seu presidente". Mas não têm outro, que maçada!”

sexta-feira, novembro 08, 2019

Lula


Creio ser uma evidência que a saída de Lula da prisão abre um tempo novo na vida política brasileira, independentemente da opinião que cada um possa ter sobre a sua culpabilidade e os processos judiciais que o envolvem. 

Lula nas ruas vai poder polarizar, à sua volta, muito do crescente sentimento anti-Bolsonaro. Mas é importante não esquecer que há quem não goste do atual presidente e, simultaneamente, se não reveja nem em Lula nem, especialmente, no PT. 

Só podemos esperar que Lula, solto, tenha a sabedoria para atuar de uma forma que não dê razões a que possa ser acusado de potenciar a tensa situação que se vive no país. Olhando o seu passado e a sua experiência política, quero crer que é mais plausível que isso venha a acontecer do que confiar em que os que se lhe opõem possam vir a ter essa mesma sensatez.

Independentemente do caso específico de Lula, é para mim muito óbvio que a decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro de aguardar pelo trânsito em julgado das sentenças, antes de prender os acusados, reconcilia o Brasil com as práticas mais comuns no mundo.

Pena foi que, no passado, o entendimento da justiça brasileira não tivesse sido o mesmo, o que credibiliza a teoria de que Lula foi preso para não poder ser candidato contra Bolsonaro.

Jornalismo de emboscada

Há não muitos anos, fui a uma estação de televisão falar de um determinado assunto de política internacional. Antes de entrar no estúdio, aproximou-se de mim uma jovem que me perguntou se, no final do programa, podia gravar comigo uma pergunta e uma resposta. Dando por adquirido que o tema seria o mesmo, talvez para uma peça de noticiário, anuí.

No final, lá estava ela, de microfone em punho, com um “cameraman” ao lado. O ambiente tinha a redação da cadeia em fundo, para dar ar um ar de informalidade e de “agilidade” informativa. 

Subitamente, sem qualquer pré-aviso, fez-me uma pergunta, em tom provocatório, envolvendo-me numa daquelas intrigas que apaixonam os maluquinhos das teorias da conspiração que, com ar sempre grave e sentencioso, por aí vivem da cultura da indignação das redes sociais e que facilmente encontram quem lhes explore as insídias, numa comunicação social sedenta de escândalo.

Contive-me de dizer à senhora, “injustamente acusada de ser jornalista”, como dela diria Batista-Bastos, o que pensava da sua tentativa de “golpe” filibusteiro. Limitei-me a virar-lhe as costas, tendo pena que, dias depois, não tivesse tido a coragem de pôr essa imagem no programa em que reportou as canalhices.

Lembrei-me desta atitude quando, há dias, vi uma pessoa, que havia sido convidada para ir a uma televisão falar de um determinado assunto, ser quase “assaltada” por perguntas que nada tinham a ver com esse tema específico. A cara dela denunciava o incómodo e a surpresa, por ter sido apanhada num “truque” baixo. Louvei-lhe a contenção.

O jornalismo tem regras claras, mas quem teria obrigação de as lembrar e fazer respeitar seriam os próprios jornalistas. Mas o “corporativismo”, já se sabe, não morreu com o Estado Novo.

Östalgie


Há dias, dei conta de que ainda se publica o “Neues Deutschland”, que foi o mais importante jornal da antiga República Democrática Alemã, lido ainda hoje por quantos nunca se reconciliaram com os efeitos da reunificação. Aquele diário, recorde-se, tem como coroa de “glória” jornalística ter feito uma edição, no dia seguinte à “queda” do muro, sem a menor referência ao assunto!

Lembrei-me então do conceito de “östalgie”, uma “trouvaille” vocabular para simbolizar o sentimento de nostalgia que atravessa alguns setores, saudosos dos tempos da Alemanha de Leste. E que, ao que parece, não são tão poucos como isso. O filme “Adeus, Lenine!”, que vivamente recomendo, é um magnífico exemplo desse sentimento. Também não é segredo para ninguém que um dos suportes do poder de Vladimir Putin é a “saudade” da União Soviética.

Em Vila Real, em casa do meu avô materno, existiu por muito tempo aquilo a que chamávamos a “garrafa do muro”. A divisão forçada de Berlim, em 1961, tinha sido muito marcante, um pouco por todo o mundo, e seguramente também na minha família. Desde essa altura, havia por lá uma garrafa de vinho alemão, oferta de um familiar, que, ao que sempre ouvi, apenas seria aberta quando o muro de Berlim desaparecesse. Verdade seja que, à época, nunca se suspeitou que ele viesse a durar cerca de quatro décadas.

O meu avô morreu poucos anos depois, o muro continuou de pé e a garrafa andou, desde então, em bolandas, tendo ido finalmente parar a casa dos meus pais. Tenho perfeita noção de que, em 1979, quando atravessei pela primeira vez o “checkpoint Charlie”, para ir a Berlim Leste, me lembrei daquela garrafa de rótulo amarelado.

O muro caiu, faz agora 30 anos. Tenho bem viva uma conversa telefónica com o meu pai, naquele mesmo dia. Não me pareceu excessivamente feliz com a unificação alemã, não porque tivesse a menor simpatia pelo regime comunista de Leste, mas porque, como “aliadófilo” ferrenho que havia sido e eterno desconfiado da bondade do poder que a Alemanha continuava a ser, ecoava, por vezes, o dito atribuído a François Mauriac: “Gosto tanto da Alemanha que até prefiro ter duas…”

Tenho a certeza de que, brincadeira à parte, lá no fundo, ele se congratulava com o fim da Guerra Fria e a futura reconciliação germânica, embora, nos seus últimos anos, o visse sem a menor simpatia pela senhora Merkel. Se ele pudesse adivinhar que, nos dias de hoje, o filho já começa a ter saudades dela…

No Natal desse ano de 1989, fomos à procura da garrafa. Era, afinal, um riesling, um vinho branco alemão facilmente perecível, que só o otimismo histórico do meu avô havia considerado poder manter-se degustável. Estava, como era óbvio, uma imbebível zurrapa.

Dou-me frequentemente conta de que, tal como acontecerá na “östalgie”, tendemos a guardar na memória apenas o melhor do passado. Há talvez uma boa razão para isso: é que, no passado, a quase todos nós, o futuro que aí vinha parecia ir ser bem melhor.

quinta-feira, novembro 07, 2019

O meu trauma ferroviário


Ontem, no final chuvoso e já frio da tarde do Porto, ao aguardar em Campanhã o comboio que me havia de trazer de volta a Lisboa, surgiu-me à memória o tempo da infância em que as estações de caminho de ferro constituiam, para mim, um fator de ansiedade e alguma angústia.

As viagens em família faziam-se a partir de Vila Real, onde vivíamos. Íamos ao Porto, frequentemente a Viana do Castelo e, apenas raramente, a Lisboa. Os meus pais, durante anos, não tinham automóvel, pelo que se viajava quase sempre de comboio: de Vila Real à Régua, na velha linha do Corgo, dali até ao Porto, de onde se derivava para os restantes destinos. Ao todo, na vida, o meu Portugal ferroviário, salvo duas idas no Sud a caminho de Paris, um salto, numa tarde, a Cascais e umas viagens na linha de Sintra, esgota-se praticamente aí.

O meu pai era funcionário público, nesse tempo dos anos 50 em que a profissão não admitia o menor laxismo ou “balda”. Viajávamos nos fins de semana ou “queimando” um dia das férias do meu pai, que as contava ciosamente, para poder estar o máximo possível de tempo possível com a minha velha avó, que vivia em Viana. 

Era muita a gente que também viajava nesses dias. O meu pai fazia questão de nos comprar “primeira classe”, mas, mesmo assim, as carruagens iam quase sempre apinhadas e os lugares sentados escasseavam. 

Conseguir a proeza de não perder a ligação dos diversos comboios devia complicado, nesses períodos confusos e de enchentes de Natal, Páscoa ou “férias grandes”. Às vezes, ficava-se bastante tempo nas estações da Régua ou do Porto, num mundo de barulho e apitos, com o fumo e o vapor das máquinas a encher o ambiente, sem lugares nas salas de espera, sentados nas malas que eram então de uma útil dureza, a ver passar gente em correrias. 

Esse ambiente agitado e de pressa contida, sempre com o cuidado com as bagagens, tinha duas faces contrastantes: por um lado, o sentido, quase cosmopolita, do “glamour” de uma viagem (particularmente para quem, como eu, vinha de Vila Real); por outro, a noção, algo inquietante, de que não se conhecia ninguém à nossa volta, o receio face ao que era estranho. 

Absorvido pela tensão que me rodeava, fazia minhas o que achava serem as preocupações maiores do meu pai, que via a mirar constantemente o relógio e uns horários artesanais em papel quadriculado, que sempre elaborava de véspera, e que trazia cuidadosamente dactilografados (partidas a vermelho, chegadas a azul, lembro bem), tentando perceber se o acesso à linha do Minho se faria na estação de origem ou se já só íamos a tempo de “apanhar a ligação em Ermesinde”. 

Por muito tempo, posso hoje confessar, a própria palavra Ermesinde fazia soar em mim uma ideia de correria, de risco de perder um comboio, da angústia de poder ficar em terra. Há meia dúzia de anos anos, acreditem, parei uma tarde o carro em frente à estação de Ermesinde e passeei-me por ali com calma, como que a tentar esconjurar esses demónios de infância.

De outra vez, fiz exatamente o mesmo na estação do Tamel. Onde é o Tamel? É uma estação recôndita, perto de Barcelos, na linha do Minho, que tem, logo ao lado, um túnel. Ora eu, desde miúdo, odeio túneis ferroviários. Nada causava maior temor à criança que eu era do que entrar naqueles buracos negros, numa época em que o fumo das máquinas a carvão se entranhava no ar que se respirava nas carruagens, onde, durante a travessia, só sobrevivia uma escassíssima luz lúgubre, que me deixava em imenso sobressalto. 

Mas porquê o Tamel, em particular? Porque um dia, era eu um pirralho já não sei com que idade, o comboio em que íamos para Viana estacou, sabe-se lá porquê, no meio do túnel do Tamel. E por ali ficou uns minutos que me terão parecido horas, com a minha mãe a colocar-me um lenço para eu poder respirar melhor. Várias vezes ouvi os meus pais evocarem esse episódio, com uma estranha naturalidade, sem, pelos vistos, terem medido o efeito que em mim isso provocou. 

Os comboios nunca me sossegaram! Nem os TGV europeus nem os Amtrak americanos me fizeram reconciliar com aquelas memórias algo traumáticas de infância - embora o leitor já deva ter notado que anda por aqui, por este texto, muito exagero de estilo, para dar alguma cor à banalidade da vida. Mas uma estação de caminho de ferro continua a ser, para mim, o início de uma viagem algo angustiada, que não deixa de ser irónica para comigo mesmo, àquele meu passado. Não há nada a fazer! Ou melhor, há: é ir de automóvel!

quarta-feira, novembro 06, 2019

Tertúlia dos Carrancas


Fizemos hoje, no Porto, mais uma sessão da “Tertúlia dos Carrancas”, reunida no Museu Soares dos Reis, desta vez dedicada à Imagem de Portugal.

Quatro outros exercícios foram já feitos, nos últimos anos, tendo dado origem a publicações que servem de orientação a políticas públicas, sempre sob a orientação do professor Valente de Oliveira.

O tremendismo


Há qualquer coisa estranha no ar. Olhando certa imprensa, lendo alguns comentadores, fica a sensação de que o resultado das recentes eleições não pode ser aceite, que o novo governo socialista está, à partida, ferido de uma insanável ilegitimidade. 

Há que convir, como atenuante, que estas foram umas eleições atípicas. Quem tradicionalmente vota à direita (ou “centro-direita”, para os mais tímidos) sabia que, acontecesse o que acontecesse, ficaria sempre na oposição. Ora isto nunca tinha acontecido no nosso passado democrático. 

Quem vota PSD e CDS tinha perfeita consciência de que, independentemente do resultado que viesse a ser obtido pelo PS, nunca teria hipótese de ver os seus a formar um governo. Essa terá sido, aliás, a razão pela qual parte desse eleitorado se terá dado ao luxo de votar em duas novas formações da direita radical - uma modernaça e chique, outra caceteira e ultramontana. Os dois partidos da direita tradicional acabaram por ser vítimas dessa deriva.

Certa direita sente-se hoje sem soluções, salvo as que derivem de um qualquer “hara-kiri” da esquerda. Rui Rio não garante poder vir a ser o polarizador do seu descontentamento, porque o pressentem tentado a compromissos com Costa. O CDS está em “terra de ninguém”, hesitando entre um discurso trauliteiro, para não deixar escapar adeptos da extrema-direita e da “alt-right” que agora se sentam a seu lado, e um regresso a uma democracia-cristã que, a avaliar pelo resto da Europa, parece ser já coisa do passado.

Se se olhar, com atenção, a narrativa predominante dessa direita na opinião publicada, a sua linha, embora não assumida, é muito simples: os portugueses são um bando de inconscientes, incapazes de escolherem, com critério, as melhores pessoas para dirigir o país. Leia-se: aqueles de quem eles gostam.

Daí parte a tese tremendista: o país, com os socialistas, está à beira de uma catástrofe, pelo que alguma coisa terá de acontecer para que isto mude. Mas não sabem o quê. Como não há eleições à vista, como o presidente da República (de quem visivelmente não gostam) não parece disposto a aventuras para lhes confortar as angústias, como os golpes de Estado não estão na moda, resta-lhes espalhar bílis pelas colunas opinativas ou, como esperança última, aguardar que uma crise externa ponha os socialistas “a pão e água” e, quem sabe, traga de volta a salvífica e saudosa “troika”. 

Uma certa direita portuguesa parece não ter percebido uma coisa muito óbvia: este não é o seu tempo.

terça-feira, novembro 05, 2019

Um país, dois sistemas


A estação é finaça, do Calatrava. À volta, a arquitetura, quase deslumbrante, é sei lá de quem famoso. Logo ali em baixo, a esta hora, no Websummit, fala-se do 5G e das tecnologias de informação mais avançadas. Aqui, no Alfa Pendular, o Wifi não funciona. Que a CP não aprende nós já sabemos. Mas será que não têm um mínimo de vergonha?

segunda-feira, novembro 04, 2019

Restaulgia


Acho que “restaulgia” é um nome adequado para falar de restaurantes que já desapareceram.

O esquerdismo da Globo


Ver a rede Globo, no Brasil, ser acusada por um presidente de ser uma aliada da esquerda, “só contado p’ra você”!

Juvenis


Sei que isto dirá pouco a muitos, mas dirá o essencial a quantos interessam: quem havia dizer que um país que teve o “Diário de Lisboa” Juvenil iria acabar a falar no “Observador” Juvenil!

Quem?!


Alguns parece não entenderem que passar o tempo falar dos deputados “lone ranger” é um imenso favor político que lhes estão a prestar.

Isabel Meyrelles





Chama-se Isabel Meyrelles e nasceu em Matosinhos, em 1929. Conheci-a em Paris, há dez anos. Tinha ouvido falar dela a alguém com quem convivera no Grupo Surrealista de Lisboa - o Carlos Eurico da Costa. Há tempos, durante uma viagem, também o Helder Macedo se referiu a esse tempo de Isabel Meyrelles.

Isabel Meyrelles começou a dedicar-se à escultura no Porto, com 16 anos. Pertenceu ao famoso grupo intelectual do Café Gelo, no Rossio, em Lisboa. Foi para Paris, em 1950. Estudou escultura, na Ecole Nationale Supérieure des Beaux-Arts, e literatura, na Sorbonne. Foi tradutora para francês, entre outros, de Jorge Amado e organizou e publicou, na Gallimard, uma interessante Antologia da Poesia Portuguesa do século XII ao século XX. Tem editadas em Portugal as suas "Poesias", nas Edições Quasi (2004). Considera-se, contudo, mais uma escultora do que uma poeta.

À excepção de alguns textos numa antologia, e de fotografias de algumas das suas esculturas, quando fui viver para Paris desconhecia, quase por completo, a sua obra. E, em termos pessoais, concordámos em que talvez nos tenhamos encontrado em noites do "Botequim", em Lisboa, o bar de Natália Correia, com quem aí trabalhou, entre 1971 e 1977.

Tive o gosto de entregar a Isabel Meyrelles, enquanto embaixador em Paris, uma condecoração - Comendadora da Ordem de Sant'Iago da Espada - com que o Estado português consagrou a sua figura, a quem quis homenagear pelo conjunto da sua obra.

Vai agora ser inaugurada, na Fundação Cupertino de Miranda, em Vila Nova de Famalicão, a exposição “Isabel Meyrelles - como a sombra a vida foge”, pelas 19.00 horas do próximo dia 15 de novembro (ficando patente até 14 de março de 2020).

Tenho imensa pena de não poder estar presente na ocasião, para reencontrar Isabel Meirelles mas, igualmente, para felicitar o meu amigo Aurélio Pinto que, de Paris, contribuiu para a organização deste evento.

domingo, novembro 03, 2019

“A vida de Brian”


Voltei hoje a ver “A vida de Brian”, dos Monty Pithon. O filme tem exatamente 40 anos, mas é impressionante como “sobreviveu” bem à passagem do tempo. Diverti-me tanto quanto me recordo tê-lo apreciado, quando o vi pela primeira vez. Seria possível fazer um filme destes nos dias de hoje? Duvido muito. Se puderem, revejam “A vida de Brian”.

Marie Laforêt (1939-2019)


Quando soube da morte de Marie Laforêt, pensei: “Lá se foi mais uma do meu tempo”. Não era, mas depois percebi por que razão tive esse reflexo: os olhos. Os olhos não têm idade, nunca envelhecem. E as mulheres com estes olhos são todas do meu tempo...

Portalegre, 20/22 de novembro


Jovens músicos


Ao assistir ao Prémio Jovens Músicos 2019, que passa agora na RTP 2, numa organização conjunta da RTP com a Fundação Calouste Gulbenkian, lembrei-me dos frequentes comentários de alguns ignorantes por estas redes sociais, que acham dispensável o serviço público de Rádio e Televisão.

A essas pessoas lembraria, só a título de exemplo, que a Antena 2 da RDP é o único canal de rádio, em todo o país, onde não apenas é difundida música clássica como é dada oportunidade a jovens compositores e instrumentistas, em vários locais de Portugal, para se tornarem conhecidos e projetarem a sua obra.

sábado, novembro 02, 2019

Regressei ao XL


O XL esteve muito na moda nos anos 90 (do século passado, como agora se diz). Lembro-me da dificuldade em arranjar mesa por lá, por esses tempos, da imagem muito “trendy” dos seus jantares, com notas regulares nas colunas sociais, o que era então um chamariz para certas pessoas. 

Tenho uma memória sempre positiva, embora não excecional, do restaurante, recordando a variedade das suas entradas, que ficaram famosas (ainda hoje essa lista é farta e a dos peixes e carnes, tal como a das sobremesas, é bastante cuidada, embora sem rasgos). O espaço das salas continua interessante e o facto (muito raro em Lisboa) de haver alguém para estacionar o nosso carro (fui de Uber) é uma clara mais valia. Com a “explosão” de restaurantes na capital, reparei que deixei de frequentar o XL há algum tempo, embora fosse tendo notícias (de boa fonte) de que continuava uma mesa estimável. Nem sequer uma espécie de terraço exterior, que vi em alguns Verões, me reatraia muito.

Ontem, sei lá bem porquê, decidi regressar. A casa está praticamente igual, o espaço envelheceu um pouco, o serviço é do estilo bastante “seco” (sem tocar o arrogante), mas correto. Talvez porque chegámos cedo (reservar às 20.30 é “madrugar”, na Lisboa noturna de hoje), o ”timing” da refeição funcionou à perfeição. 

Só ter um branco e um tinto “ao copo” (embora ambos bons) é, contudo, uma falha quase tão imperdoável como os copos virem para a mesa já cheios, sem sequer vermos a garrafa de onde foram servidos. 

Para o que mais importa, toda a comida estava excelente - das entradas aos pratos principais, até às sobremesas. Só não merece nota maior porque a apresentação dos pratos foi, em todos os casos, muito pouco criativa, de uma sobriedade demasiado excessiva para um preço que, não sendo barato, acaba por ser justo.

O XL continua bem e recomenda-se. Com um pouco mais de pundonor, este restaurante só para jantares poderia, com facilidade, subir uns furos na lista de mesas muito recomendáveis de Lisboa.

A chamada


Há dias, tirei esta fotografia. É a entrada para uma loja de roupa para senhoras. E, no entanto, ali, à direita, atrás daquela porta, em tempos houve uma bela tabacaria, com muita imprensa internacional. Precisamente por onde caminha aquela figura feminina, havia mesas, numa das quais, em muitos fins de tarde, por lá vi Abelaira, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira. Tanta Lisboa que por ali passou!

Ali era o Montecarlo, um café-restaurante de culto, que desapareceu, creio que nos anos 80. Vivi lá centenas de horas da minha vida, em conversas e imensas discussões, na leitura de jornais e livros, em noites que acabavam com as luzes a apagarem e acenderem, sinal de que o café estava prestes a fechar, já depois da uma da manhã. Muitas vezes, mudávamo-nos, de seguida, para o Monumental, que tinha horários mais boémios, ligados ao ritmo do teatro. E onde já era difícil encontrar lugar, se bem me lembro.

O Montecarlo ficava a dois passos do Saldanha. Hoje é uma Zara. 

A historieta que vou contar passou-se no início dos anos 70. Nos cafés portugueses de então, havia uma velha prática, que os telemóveis entretanto tornaram sem sentido, de permitir aos clientes atenderem chamadas feitas para os telefones fixos (só havia fixos...) dos próprios estabelecimentos. Assim, era muito vulgar ouvir-se, em voz bem alta: "Chamam ao telefone o sr. ....".

No Montecarlo, com uma sala de considerável dimensão, distribuída por ambientes diversos muito ruidosos, havia mesmo um altifalante, de cor dourado baço, para tornar as mensagens mais audíveis.

Uma noite, com o café cheio, alguém se lembrou de utilizar o telefone metálico que existia à entrada para a zona dos bilhares, meteu uma moeda, ligou para o número do próprio café e solicitou: "Podia fazer o favor de chamar ao telefone o sr. general Humberto Delgado?". No balcão, estava um miúdo para quem esse era um nome como qualquer outro, pelo que logo anunciou, pelo altifalante: "Chamam ao telefone o sr. general Humberto Delgado".

Grande parte da sala entrou em divertido alvoroço e comentários. Viu-se um empregado mais maduro ir repreender o rapazote, ensinando-lhe quem era o "general sem medo", talvez lembrando que os cavalos da repressão haviam entrado pelo café dentro, em 1958, aquando da manifestação em favor do candidato presidencial oposicionista, em frente ao vizinho Liceu Camões.

Dias mais tarde, a cena repetiu-se com o nome de Álvaro Cunhal. A gestão do café percebeu o risco e uma figura mais madura passou a atender ao telefone, para que ninguém se aproveitasse da fragilidade em matéria de cultura política do rapazote do balcão.

Mas essa "vigilância" não podia continuar sempre e, se bem me lembro, ainda foram chamados ao telefone, nas semanas ou meses seguintes, Henrique Galvão, Palma Inácio e Norton de Matos, sempre com galhofa pública garantida.

Aparentemente, nunca ninguém se lembrou de olhar para a cabine telefónica do próprio café...

sexta-feira, novembro 01, 2019

Incentivos?


A nova ministra da Administração Pública, pessoa que me dizem ser uma das figuras muito competentes deste governo, constata, numa entrevista ao “Público”, que há um grave problema de assiduidade na Função Pública. E, para o combater, para além das medidas de ataque às baixas médicas fraudulentas, propõe-se reintroduzir “incentivos” à assiduidade. Por exemplo, os funcionários públicos que faltem menos poderão vir a ter um acesso mais facilitado à pré-reforma.

Incentivos à assiduidade? Estar no local de trabalho às horas e dias a que o seu vínculo profissional o obriga é o requisito mínimo de um qualquer funcionário, público ou privado. Digo-o com a autoridade de quem serviu o Estado por mais de 42 anos, sem que ninguém tivesse alguma vez de me premiar por ... não faltar!

Posso mesmo imaginar que, na narrativa sindical, deva haver hoje filosofias neste sentido - o sentido de defesa da calaceirice -, sem o que a ministra não teria abordado o tema da forma que o fez. 

Ver alguém a ser premiado por cumprir o seu dever é próprio de um mundo que me é muito estranho.

A viagem vermelha


Eu devia ter desconfiado. O preço daquela viagem à União Soviética, por duas semanas, uma delas passada na praia de Ialta, com visitas a Moscovo e Leninegrado (era assim que, nesse ano de 1980, São Petersburgo ainda se chamava), era surpreendentemente barato.

Naquele Verão, as nossas finanças familiares tinham batido quase no fundo. Oslo, onde vivíamos, era uma cidade caríssima, eu ganhava ela-por-ela para as despesas e o que sobrava para férias era muito pouco. Passeávamos uma noite pelas montras das agências de viagens quando surgiu esse ensejo de ir ao outro lado da “cortina de ferro”. Repito, por um preço muito simpático.

No ano anterior, de carro, tínhamos cruzado a RDA, a Checoslováquia e a Hungria, sempre em hotéis baratos, com gastos contidos. Agora, a hipótese de ir a três cidades interessantes do “sol da terra”, como os comunistas de fora chamavam à União Soviética, era apelativa. O mundo do chamado “socialismo real” nunca havia sido a minha “praia” política e a viagem no ano anterior tinha confirmado plenamente muitas das minhas perceções negativas sobre aquelas sociedades. Mas a URSS, não obstante isso, continuava a ser um destino histórico. E aquela era uma bela oportunidade de o conhecer.

No dia aprazado, lá estávamos no aeroporto, para o voo da Aeroflot que nos levaria ao primeiro destino, a Leninegrado. Estranhámos encontrar um grupo de gente relativamente idosa, comparativamente connosco, então com pouco mais de 30 anos. Eram pessoas que viemos a constatar serem oriundas de zonas rurais ou de cidades distantes da capital, que quase nada compreendiam de inglês, a nossa língua veicular no país. E nós que não falávamos quase nada de norueguês! Só a guia, uma jovem divertida, e um homem um pouco mais velho do que nós, que viajava sozinho, com ar bastante urbano, tinham um razoável inglês. Pensámos logo: vão ser o nosso apoio no grupo!

Chegados a Leninegrado, a primeira surpresa: quase todos os nossos companheiros de viagem, para os quais, dada a incomunicabilidade linguística, só nos limitávamos a sorrir, colocaram na lapela um emblema com a efígie dourada de Lenine. Curioso! Aquilo prometia!

Fomos para o hotel e logo na primeira refeição, ficámos numa mesa com a guia e com o tal viajante solitário. Notei que este se mostrava curioso com a nossa presença no grupo. O que tinha levado um diplomata português e a sua mulher a virem naquela viagem? Lá fui respondendo, sem dar grandes detalhes, e, a certa altura, perguntei eu: por que coincidência quase toda aquela gente tinha colocado na lapela a imagem de Lenine? A cara do nosso interlocutor iluminou-se com um sorriso, respondendo-me com uma pergunta: “Sabe de quem é a agência que organiza esta viagem?”. Ao meu desconhecimento, ele respondeu: “De gente do Partido Comunista Norueguês”.

Caímos das núvens! Ali estava eu, jovem diplomata de um país da NATO, no meio da Guerra Fria, numa excursão dos comunistas noruegueses à sua “pátria” ideológica. Confesso que fiquei um pouco preocupado. É que, em Portugal, viviam-se os dias da Aliança Democrática, com o anti-comunismo bem à solta.

Os comunistas noruegueses eram então uma organização sem expressão política minimamente significativa. A memória da guerra havia criado, em alguma gente da Noruega desse tempo, um sentimento de gratidão residual à União Soviética, expresso mesmo em alguns monumentos comemorativos. O posterior conflito leste-oeste acabaria por diluir grande parte dessa lembrança, salvo para alguns nostálgicos. Parte deles ali ia connosco...

Com os dias a passarem, aquela minha preocupação foi-se desvanecendo. É que o solitário companheiro das nossas refeições acabou por revelar que era, nada mais nada menos, do que um agente dos serviços secretos noruegueses, “infiltrado” na viagem, e que, talvez por isso, já visitara a União Soviética por mais de uma vez. Detestava aquele país, mas falava russo...

Quando, duas semanas mais tarde, regressámos a Oslo, tendo estabelecido entretanto uma excelente relação com o “espião” e com a guia, que chegámos depois a convidar para casa, eu tinha a certeza de que, no seu relatório, ele atestaria a nossa “inocência” na escolha da viagem e dos nossos “fellow-travellers”, desta vez no verdadeiro sentido. Mas, pelo sim pelo não, não deixei de mencionar aos meus colegas do “Utenriksdepartementet”, o MNE norueguês, a minha incursão soviética, em tão insólita companhia.

Coerência e decência


Sabe bem ler a declaração de voto de Mário Mesquita, vice- presidente da ERC, sobre a proposta de compra pela Cofina da TVI. Aqui fica um extrato significativo:

A concentração numa única empresa de um dos mais seguidos serviços de programas de televisão generalista em Portugal, de um poderoso grupo de rádio (o segundo mais ouvido do país), do jornal diário com maior difusão nacional e alguns dos sites de media mais participados e os riscos inerentes ao desenvolvimento deste grupo de comunicação mediática são motivos mais do que suficientes para que a ERC se recuse a dar o seu aval a esta operação”.

quinta-feira, outubro 31, 2019

Lordes e Comuns


Lembrei-me deste episódio, enquanto assistia pela televisão à sessão de ontem da Câmara dos Comuns.

Em 1993, durante a sua visita de Estado ao Reino Unido, o então presidente Mário Soares fez uma visita informal à Câmara dos Comuns, numa hora em que esta não estava em sessão, passeando-se com parte da comitiva pela sala.

A certo passo, notei que o acompanhante oficial que o Palácio de Buckingham tinha designado para estar com o presidente português, um aristocrata, membro da Câmara dos Lordes, demonstrava um inusitado e quase turístico interesse pelos pormenores do mobiliário e pelo conjunto de símbolos que ocupam a mesa central, em frente aos quais governo e oposição se digladiam.

A certa altura, disse-me: "Sabe, estou um pouco emocionado!". No instante, não percebi bem a razão dessa emoção. "É que, como membro da Câmara dos Lordes, estou impedido de visitar a Câmara dos Comuns e, em toda a minha vida, esta é a primeira vez que consigo entrar aqui."

Os membros da Câmara dos Comuns visitam os Lordes, no início de cada sessão do parlamento. O contrário nunca é possível. Há uma interdição absoluta, que se prende com a hierarquia britânica de poderes. Aquele lorde, que tinha por nome Camoys (Soares brincou com a ideia de que a similitude fonética com Camões talvez tivesse levado à escolha do aristocrata), tinha cumprido um sonho “impossível”.

Peculiaridades do sistema político britânico.

quarta-feira, outubro 30, 2019

Mesas: para acabar...


Durante alguns dias, publiquei por aqui sucessivas listas de 10 restaurantes, referentes a cada zona do país, mesas nas quais sempre penso quando por lá passo e me apetece comer bem. Reitero que podem não ser os melhores restaurantes dessas regiões, sendo apenas os que mais me agradam.

Excluí deliberadamente a “alta cozinha”, as mesas dos chefes, a chamada “cozinha contemporânea”, porque esse é um outro campeonato e creio que é injusto, para ambos os lados, estar a misturar realidades que, em geral, pouco têm a ver entre si. Além do mais, e sem falsa modéstia, considero-me muito pouco qualificado para avaliar esse tipo de cozinha sofisticada.

Optei também por colocar um único restaurante por localidade, o que, de certo modo, provoca sempre injustiças.

Hoje, vou concluir este “trabalho” com a apresentação de três listas.

A primeira, mais longa, é uma espécie de repescagem de mesas que não couberam nas listas regionais dos “10 mais”, mas que aí poderiam ter ficado, com justiça. Não faço isso relativamente a Lisboa, porque duas listas complementares já foram apresentadas, aquando da indicação das “10 mesas” da capital.

A segunda lista é muito curta, e diz respeito ao Algarve. Trata-se de uma zona do país que não visito com regularidade, pelo que não estou suficientemente atualizado quanto à sua oferta restaurativa. Assinalo apenas alguns escassos (bons) restaurantes que conheço.

O mesmo se passa quanto aos Açores e Madeira, onde ficam, numa terceira lista, algumas escassíssimas notas.

Espero que quem por aqui me lê possa ter encontrado alguma utilidade no que deixei assinalado.


RESTAURANTES DEIXADOS PARA TRÁS


Minho

- Abocanhado, Bouro
- Tasquinha da Linda, Viana do Castelo
- O Laranjeira, Viana do Castelo
- Pedra Furada, Barcelos
- Casa Álvaro, Gansei, Valença


Trás-os-Montes e Alto Douro

- Abel, Gimonde
- Cais da Vila, Vila Real
- Aprígio, Chaves
- Chaxoila, Vila Real
- Sus Douro, Régua
- Artur, Carviçais


Porto

- Quinta do Outeiro, Amarante
- Marisqueira Antiga, Matosinhos
- O Sapo, Penafiel
- Aleixo, Campanhã, Porto
- Marinheiro, Póvoa de Varzim


Beira Interior

- Lá em Casa, Gouveia
- Preguiça, Foz Côa
- Adega dos Apalaches, Oleiros
- Santa Luzia, Viseu
- Valério, Mangualde
- Museu do Pão, Seia


Beira Litoral, Ribatejo, Estremadura

- Marquês de Marialva, Cantanhede
- Mugasa, Mealhada
- Taberna do Alfaiate, Cartaxo


Alentejo

- Origens, Évora
- Fialho, Évora
- Dom Joaquim, Évora
- Escola, Alcácer do Sal
- Pompílio, Elvas
- Maçã, Lavre


ALGARVE


- Noélia, Tavira
- António Tá Certo, Garrão, Loulé
- 2 Passos, Ancão, Loulé
- Adega Vila Lisa, Portimão


MADEIRA E AÇORES


- Quinta do Furão, Santana, Madeira
- Fajã dos Padres, Câmara de Lobos, Madeira
- Villa Cipriani, Funchal, Madeira
- Vides, Estreito de Câmara de Lobos, Madeira
- Restaurante JJ, Graciosa, Açores
- Boca de Cena, Ponta Delgada
- Alcides, Ponta Delgada

Os factos


Perguntado um dia sobre aquilo que, como primeiro-ministro, mais temia, o político britânico Harold Macmillan cunhou uma frase que ficou célebre: "Events, dear boy, events!". Quero crer que António Costa não deve pensar algo de muito diferente, depois de um mandato em que foram precisamente factos inesperados que vieram perturbar o curso da sua governação e os frutos, em termos de reforço político, que dela esperava colher, para um mandato seguinte mais sereno e menos dependente.

Como a vida é sempre muito mais imaginativa do que os homens, há uma imensidão do futuro que não se consegue prever: ninguém esperava a violência dos fogos de 2017 ou mesmo a patética incompetência de Tancos. Mas é evidente que, em ambos os casos, foi a falta de prevenção adequada que acabou por dar àqueles factos as consequências graves que tiveram.

Se há um efeito negativo sobre a imagem do Estado que vem a acentuar-se nas últimas décadas esse é a ideia, que está instalada, de que a rede de segurança coletiva que esse mesmo Estado tem obrigação de proporcionar está muito fragilizada. Em muitos cidadãos prevalece a ideia de que o Estado corre atrás dos problemas, não os antecipa, não consegue preveni-los.

É descredibilizante para a democracia ver os governantes, em permanência, a tentarem reagir ao que corre mal, em lugar de revelarem medidas para evitar, a montante, que esse mal possa emergir. Isto tanto é válido para as urgências dos hospitais como para as filas nas Lojas do Cidadão. Ver políticos a tentarem colocar um “penso rápido” nos problemas que não souberam prever, surgindo com ar determinado nos telejornais, resulta num retrato irritante do país oficial.

Salazar dizia que “os portugueses gostam de viver habitualmente”. Salvo alguns inconscientes ou excitados, todos gostamos de viver de forma previsível, de sentir que o nosso quotidiano não é sujeito a disrupções, que colocam sucessivos pontos de interrogação sobre como será o dia de amanhã. A ansiedade que atravessa as sociedades contemporâneas é feita da dúvida sobre se teremos capacidade de enfrentar os riscos, reais ou imaginários, que temos perante nós. Daí os medos, a desconfiança de princípio face ao desconhecido e ao diferente, o recuo para as trincheiras identitárias.

Reconstituir a confiança e a segurança dos cidadãos é o maior desafio da política contemporânea em democracia. Conseguir criar a perceção de que a sociedade está minimamente preparada para o inesperado do futuro é a chave para o crédito da ação política.

terça-feira, outubro 29, 2019

Pérolas a porcos


“Deitar pérolas a porcos” era uma expressão que ouvia muito ao meu pai.

(Quando disse a alguém que ia usar a expressão, ouvi: “Tens que explicar o que significa. Há muita gente que já não sabe”. Pensei para mim: “Quem não sabe não deve ter interesse naquilo que vou dizer, pelo que não vale a pena explicar”.)

Lembrei-me disso no sábado, ao abrir o “Diário de Notícias” e ao deparar com o suplemento “1864” (alguém teve a ideia, desde que o DN passou a semanário, de dar ao suplemento, como nome, o ano da criação do jornal).

O tema do suplemento desta semana é a comida - a história, as tendências, os gostos. Por lá, entre muitos outros, está um texto bem interessante do meu “mestre” gastrónomo Fernando Melo.

(“Deves andar vidrado com a comida”, disse-me a mesma pessoa. “Já deve estar tudo farto das tuas listas de restaurantes, relembraste um guia teu do Porto de 2002, até para falar do Franco referiste um restaurante galego e, não sei se te deste conta, mas o teu artigo para o JN da semana passada falava em “Cepa Torta”, que é precisamente o nome de um restaurante de Alijó!”)

Todas as semanas, os textos do suplemento, do tal “1864”, sendo desiguais entre si, são, no seu conjunto, criativos, informativos, divertidos. Só que, quando abrimos o jornal, aquela oferta jornalística vem num papel de gramagem miserável, sem uma capa decente, num formato que parece um destacável publicitário (daqueles que vão diretos para o lixo quando compramos os jornais), num tom pardacento que parece apelar a que não leiamos o que por ali nos chega. Um belo produto, embrulhado sem cuidado.

Imagino que os excelentes jornalistas que o DN por lá tem - que já tiveram a tragédia de ver o DN sair em papel ao domingo (quem terá sido o génio?), que agora sai ao sábado (em competição com o “Expresso” e o “Sol”), sem que ninguém se lembre que a sexta-feira está virgem de semanários -, ao depararem com o fruto impresso do seu trabalho, devem pensar: “Isto é deitar pérolas a porcos!”

(Eu sei que o Zé Ferreira Fernandes e a Catarina Carvalho não devem gostar muito do que aqui escrevo, mas é o meu amor à bela marca “Diário de Notícias”, de que não desisto, que fala mais alto.)

segunda-feira, outubro 28, 2019

Jaime Ramos


É bem diferente do Maigret, tem muito pouco a ver com Poirot, só aparentemente se pode identificar a Pepe Carvalho. Chama-se Jaime Ramos, mora ali perto do Heroísmo, no Porto, toma o cimbalino no Nova Sintra. Quem o quiser conhecer, leia o Francisco José Viegas.

“Visita Guiada”


São deslumbrantes as “visitas guiadas” que Paula Moura Pinheiro proporciona, na RTP 2, a um Portugal monumental e artístico menos conhecido.

Estes programas ajudam a perceber o conceito de serviço público.

10 mesas do Alentejo

Agora, o Alentejo, onde escolhi as minhas 10 mesas preferidas:

Tasquinha do Oliveira, Évora
Maria, Alandroal
Tomba Lobos, Portalegre
Mercearia do Gadanha, Estremoz
Afonso, Mora
O Chana, Aldeia da Serra
Molhó Bico, Serpa
Dona Bia, Comporta
Bolota, Terrugem
Taberna do Adro, Vila Fernando, Elvas


Na 3ª feira, terminará este exercício de “serviço público” de informação gastronómica.

domingo, outubro 27, 2019

Uma tasca deve ter


1. Toalha de papel. Ponto extra se o empregado a usar no final da refeição para fazer a conta
2. Vitrine com uma travessa com ovos cozidos repousando em cima de um monte de sal
3. Folhas de louro penduradas
4. Fotografia aérea do próprio restaurante emoldurada
5. Azulejo a explicar as condições de fiado do estabelecimento
6. Picantes e aguardentes descritas como "caseiras"
7. Sobremesas caseiras. A mousse pode ser instantânea desde que nos digam que foi feita dentro de casa
8. Azulejo enquanto elemento decorativo dominante
9. Vinho da casa descrito pelo empregado como "muito bom"
10. "Uma dose chega para dois" e se for preciso mais arroz a gente traz
11. Um empregado que resmunga se não limpamos o prato. "O quê? Não gostou? Não estava bom?"
12. Decoração à base de alfaias agrícolas e cabaças; motivos tauromáquicos ou vitivinícolas
13. Cozido à Portuguesa uma vez por semana
14. Couvert composto por azeitonas, pacotinhos de manteiga, patê de sardinha e queijo Quero
15. "Petiscos" e nunca "Tapas"
16. O guardanapo está dentro do copo
17. Um excelente arroz doce
18. Pratos do dia escritos à mão numa toalha de papel
19. Um galhardete do clube local, um cachecol de um dos "três grandes" e uma foto do dono junto a um cliente famoso
20. Um ou vários familiares do dono entre o staff


(copiado com a devida vénia do “Time Out”)

Mesas de Lisboa e arredores


Lisboa é um mundo de excelentes restaurantes (e também de muito maus restaurantes, diga-se). É hoje um “paraíso” da cozinha sofisticada dos chefes (escrevo sempre com “e”) e do cosmopolitismo refulgente da cozinha “étnica” (com referência a diferentes geografias). 

Mas essas não são, necessariamente, as indicações que pretendo por aqui dar.

É difícil (e, por isso, vale a pena começar por tentar) restringir a 10 os meus restaurantes preferidos de Lisboa. Ou melhor: a 10 mais 2. Mas eles aqui vão:



* Horta dos Brunos, Estefânea
* Nobre, Campo Pequeno
* Café de São Bento, São Bento
* Magano, Campo de Ourique
* Salsa e Coentros, Alvalade
* Galito, Luz 
* Poleiro, Entrecampos 
* Solar dos Presuntos, Baixa 
* Solar dos Duques, Campo de Ourique 
* Vela Latina, Belém



Dois casos à parte, de natureza diferente, de que também gosto bastante:


* Gambrinus, Baixa
* Ibo, Cais do Sodré


Dada a imensa oferta de restauração de Lisboa, admito que o leitor possa perguntar: e se acaso tivesse que indicar mais 10 restaurantes, quais seriam? Eles aqui ficam:


* Nunes Marisqueira, Belém
* Mattos, Avenida de Roma
* Café Lisboa, Chiado
* Solar dos Nunes, Alcântara
* Adega da Tia Matilde, Bairro Santos
* Descobre, Belém
* Apuradinho, Campolide
* O Jacinto, Telheiras 
* Faz Figura, Santa Apolónia
* Os Courenses, Alvalade


E se outro leitor, ainda mais teimoso, me desafiasse a indicar mais 10? São estes:


* XL, S. Bento
* Café In, Belém 
* Antigo 1° de Maio, Bairro Alto
* Clube Naval de Lisboa, Belém
* Bem Haja, Praça das Flores
* Clube dos Jornalistas, Madragoa
* Tasca da Esquina, Campo de Ourique
* Dom Feijão, Avenida de Roma
* Miudinho, Carnide
* Chapitô, Castelo


Agora, vou ainda deixar 10 mesas lisboetas bem “menos óbvias”:


* Solar dos Leitões, Buraca
* Delícia, Moscavide
* Imperial de Campo de Ourique
* Tasquinha do Lagarto, Campolide
* Carteiro, Santa Marta 
* O Castiço, Baixa
* Sé da Guarda, Algés
* Raposo, Estefânea
* Zé Pinto, Benfica
* Luís, Alvalade


e, finalmente, indico 10 mesas “à volta” de Lisboa:


* Orelhas, Queijas
* Casa da Dízima, Paço de Arcos
* Cimas, Estoril
* Adraga, Almoçageme
* Solar dos Pintor, Loures
* Búzio, Praia das Maçãs
* Zé Varunca, Oeiras 
* Mar do Inferno, Cascais
* Curral dos Caprinos, Sintra
* Atira-te ao Rio, Cacilhas


Com este conjunto de 52 restaurantes, os leitores ficam com um para cada semana do ano. Não engordem!

Amanhã, ficarão aqui as ”minhas” 10 mesas do Alentejo.

sábado, outubro 26, 2019

Governo


É um governo grande. Agora, só resta esperar - e eu espero - que seja um grande governo.

10 mesas do Ribatejo e alguma Estremadura


Colando a Estremadura com o Ribatejo, embora o conceito de “província” não tenha já hoje a menor consagração institucional, arrisquei colocar aqui alguns restaurantes a sul de Leiria e até às portas de Lisboa, com uma incursão até às bandas de Santarém. Aqui ficam as 10 mesas que gosto de frequentar por essa geografia:


O Malho, em Alcanena
Tribeca, Serra d’El-Rei, em Peniche
Sabores d’Italia, nas Caldas da Rainha
O Traçadinho, em Óbidos
Trás da Orelha, em Torres Vedras
Taberna do Quinzena, em Santarém
Fuso, em Arruda dos Vinhos
António Padeiro, em Alcobaça
Casta 85, em Alenquer
Taberna do Alfaiate, no Cartaxo


Se tiverem outras ideias, sirvam-se à vontade!

Amanhã falaremos de Lisboa.

sexta-feira, outubro 25, 2019

Ferro Rodrigues


Eduardo Ferro Rodrigues foi hoje reeleito para mais um mandato como presidente da Assembleia da República, a segunda figura do Estado.

Como seu amigo, mas principalmente como conhecedor e admirador da sua integridade pessoal e cívica, sinto uma imensa satisfação, e conforto, por ver o nosso sistema político continuar a ser representado institucionalmente por uma figura como ele. E sei que estou muito acompanhado neste sentimento.

Um forte abraço para ti, Eduardo!

Draghi


Ninguém dava nada por ele, quando chegou. Era italiano, o que, a olhos do Norte, significava uma potencial falta de rigor, laxismo, complacência com o despesismo. Mas foi a sua palavra, o seu famoso “whatever it takes” para preservar o euro, que garantiu uma espécie de escudo visível que compensou as hesitações políticas dos líderes europeus, no seu atraso no completamento da União Bancária.

Uma certa escola de pensamento, que por cá também tem os seus cultores, acha que o “quantitative easing” abafou a rentabilidade dos bancos e reduziu a pressão para as reformas nos Estados. É a doutrina de quem sabe que, por si, pode viver bem com inflação e juros altos, de quantos se não importam de ver a austeridade a aplicar-se sempre aos mais fracos, dos que acham legítimo sacrificar a geração que aí está no altar liberal de uma nova espécie de “amanhãs que cantam”. Draghi não foi desses.

Ou muito me engano ou ainda vamos ter muitas saudades de Mario Draghi!

10 mesas da Beira litoral


Hoje é a vez da Beira Litoral. Aqui estão os 10 restaurantes que me saltam à memória, quando por ali passo. Serão os melhores? Essa não é necessariamente a questão: são aqueles de que eu gosto, por várias razões. Se quiserem dar outras dicas, façam favor! 

Ah! E continua a regra: não repetir localidades e centrar a atenção na cozinha tradicional.

Puttanesca, Leiria 

Salpoente, Aveiro

Queirós, Avelãs do Caminho

Tia Alice, Fátima

Parlamento, Arouca

Casas do Bragal, Coimbra

Chico Elias, Algarvias, Tomar 

Vidal, Almas da Areosa, Águeda

Burgo, Lousã

Restaurante do Hotel do Buçaco, Buçaco


No sábado, juntaremos o Ribatejo com a Estremadura.

Até lá, bom apetite!

quinta-feira, outubro 24, 2019

Francamente


Hoje é o dia da exumação do corpo de Franco, o último ditador de Espanha. Sai finalmente do Vale dos Caídos, onde estava desde a sua morte, em 1975, local que se transformara numa romagem dos saudosistas do seu regime.

Aos impenitentes nostálgicos do franquismo, que também por cá os há, aconselho agora duas alternativas: ou uma visita à casa de Ferrol onde nasceu aquele que viria a ser o Caudillo (de que deixo uma imagem, para que não se percam) ou um almoço na Casa Olga, em La Guardia (A Guarda, para quem respeitar o galego). 

Nesta última, um local cheio de memorabilia franquista, irá cruzar-se com a dona, uma fascista ferrenha, a cantar por entre as mesas o “Cara al Sol” e outras canções da Falange. Ah! Mas nem lhe passe pela cabeça trautear por ali versões republicanas do “Ai Carmela”, principalmente as que falam de “la mujer de Paco Franco...” ou sequer entrar com o “El País” debaixo do braço. É que os socialistas (já para não falar dos comunistas) estão banidos por lá. Ou melhor, só como clandestinos “voyeurs” é que podem ir àquele patético parque temático do Fascismo espanhol. E não se come por lá grande coisa, também posso garantir...

10 mesas da Beira interior


Desta vez, vamos para os distritos de Viseu, Guarda e Castelo Branco. Dentre muitos outros pousos gastronómicos que poderia indicar, aqui ficam 10 casas, muito diferentes entre si, que, mesmo sem recurso aos guias da moda, me vêm à memória quando me apetece comer bem nas minhas andanças pela Beira interior, mantendo a regra de não referir mais do que um restaurante em cada localidade:

Cantinho do Tito, Viseu

Cova da Loba, Linhares da Beira, Celorico da Beira

Vallecula, Valhelhas

Restaurante da Pousada, Belmonte

Taberna A Laranjinha, Covilhã

Casas do Coro, Marialva

Entre Portas, Pinhel

Três Pipos, Tondela

Tasquinha do Matias, Ucanha, Tarouca

O Lagar, Herdade do Regato, Castelo Branco


Experimentem e digam da vossa justiça! 

Na sexta-feira, falaremos da Beira Litoral

quarta-feira, outubro 23, 2019

Maçonarias


Achei de muito mau gosto a insinuação oblíqua feita por Rui Rio, aquando do anúncio da sua recandidatura à liderança do PSD, de que Luis Montenegro é membro da Maçonaria. Como se isso fosse um crime ou um fator desqualificador de alguém.

Começo a não ter paciência para as teorias conspirativas sobre a Maçonaria, que por aí surgem com regularidade. Nunca fui tocado pelas "luzes" da subordinação espiritual ao "grande arquiteto universal" e não será por acaso que jamais alguém me aproximou a sugerir que me juntasse a esses rituais. Aliás, embora sendo para mim difícil perceber as razões que levaram muitos amigos meus a enveredar por essa opção, notei que nunca foram tentados a converter-me. Pela minha parte, também nunca lhes perguntei nada, porque nada tenho a ver com as opções filosóficas ou religiosas de cada um. Não me passa pela cabeça interrogar alguém sobre se é e por que é católico ou “testemunha de Jeová" ou se acredita no espiritismo.

A principal razão por que me incomoda esta espécie de suspeição obsessiva sobre a Maçonaria é que, durante a ditadura, sempre vi a diabolização da prática maçónica a ser titulada por quantos combatiam a democracia. Por isso, não posso deixo de considerar algo "salazarento" o movimento de opinião que, em Portugal, tenta forçar o "outing" de quantos se reunem nas várias “obediências”. Deteto neste tropismo, um tanto persecutório, o renascer de um preconceito que, antes do 25 de abril, a ditadura tinha para com as confissões maçónicas, que levou à perseguição de muitos dos seus membros e ao encerramento violento dos seus locais de reunião. E, assumindo o risco de estar a agitar a demonologia "talassa", gostava de lembrar o papel muito positivo que devemos à Maçonaria para a implantação da República, antes e no 5 de outubro de 1910.

Não é por ser mação, católico ou ateu que um cidadão é pior ou melhor que os outros. Bandidos ou pessoas de bem há-os por aí em todas as confissões, crenças ou "fezadas".

Carlos Antunes

Há uns anos, escrevi por aqui mais ou menos isto: "Guardo (...) um almoço magnífico com o Carlos Antunes, organizado pelo António Dias,...