quarta-feira, maio 29, 2019

Cobranças

Num país em que um grande devedor à banca pública passeia impunemente a sua arrogância pelo parlamento, ter brigadas pelas estradas para cobrar pequenas dívidas fiscais é um ato de incompreensível e escandaloso autoritarismo.

Rui Rio

Ontem, ao falar de Rui Rio a uma figura social-democrata, referi-o como o “líder do seu partido”. A resposta foi elucidativa: “O Dr. Rui Rio é o presidente do PSD, não é o líder do PSD”. Calei-me, para não “explorar o sucesso”, como dizem os militares.

segunda-feira, maio 27, 2019

Balanço ao correr da tecla


O PS teve um bom resultado. Não se pode dizer, contudo, que tenha sido um resultado excelente, porque denota que o partido começa a ter um teto que, mesmo em conjunturas bem favoráveis, o deixa longe de uma maioria absoluta. Mas, para quem lidera o governo, ainda que não tenha sido o partido mais votado nas últimas eleições legislativas, a noite de ontem garantiu um forte banho de legitimidade.

O episódio dos professores foi decisivo nesta campanha. Mário Nogueira, bem como as trapalhadas feitas pelo PSD e pelo CDS, na Assembleia da República, neste dossiê, deram uma sensível ajuda ao PS. Sem ela, talvez o resultado obtido por António Costa (porque a campanha passou a ser quase só ele, depois do incidente) se aproximasse mesmo do “poucochinho” (para utilizar a sua frase contra António José Seguro, há cinco anos). Mas Costa demonstrou ser um formidável jogador político e, tal como no judo, sabe utilizar em seu favor o menor desequilíbrio do adversário.

O PSD teve uma estrondosa derrota. Rangel optou por uma estratégia caceteira, a qual, no entanto, talvez possa ter travado um pouco os efeitos da fraca adesão do eleitorado do partido à pessoa de Rui Rio. Se não houver fortes fogos de verão ou algo de inesperado na área do governo (nunca subestimemos a capacidade do PS para dar tiros nos pés), as legislativas vão ser outro calvário para Rio. Se repetir uma distância face ao PS de uma dimensão idêntica a esta (mais de 11 pontos), a sua liderança cairá e Montenegro está já a preparar-se, ao virar da esquina. Nesse caso, poderemos dizer adeus, por muito tempo, a um PSD social-democrata, aberto a compromissos de regime.

É uma péssima notícia para o PS a subida do BE nesta eleição. Os números do Bloco são responsáveis, em parte, pela “travagem” da subida eleitoral do PS. A ala esquerda socialista sabe isto bem e, agora mais do que nunca, vai ser tentada a mostrar as credenciais “de esquerda” do partido, o que a fará contrapor-se aos “possibilistas”, que não são grandes fãs da Geringonça e preferem manter intocável o cumprimento estrito dos compromissos financeiros bruxelenses. António Costa vai ter de fazer a “quadratura do círculo”. Mas se o BE pensa que, com esta subida, fez aumentar as suas possibilidades de entrar para o governo, bem pode “tirar o cavalo da chuva”. 

Ainda pior que a subida do BE é, para as contas do PS, a quebra do PCP. A Geringonça, é sabido, tem fortes críticos no seio dos comunistas e o resultado por estes agora obtido fragiliza a aposta feita por Jerónimo de Sousa no apoio ao governo PS. Costa parece confiar bastante mais em Jerónimo de Sousa do que em Catarina Martins, no que tem toda a razão. O PCP, ficando agora mais fraco, fica também mais acossado, mais permeável ao radicalismo e, por isso, mais tentado a deitar mão, como arma política, das movimentações sindicais, que são a sua força de reserva. Um ainda pior resultado dos comunistas em outubro seria, assim, uma nova péssima notícia para António Costa. E, de caminho, para a Geringonça.

O CDS de Assunção Cristas deve ter percebido - mas talvez o não tenha - que o seu estilo trauliteiro de oposição, afinal, não lhe rende grandes apoios, num tempo em que o CDS parecia poder vir a beneficiar da quebra do PSD (mercado em que, também sem o menor êxito, procuraram pescar o Aliança, o Basta e a Iniciativa Liberal). Nuno Melo, apoiado numa juventude do partido que não está muito longe da extrema-direita, fez uma campanha radical, populista, a tocar, irresponsavelmente, agendas já perigosas para a ordem democrática. A sua derrota nesta eleição pode, no entanto, prefigurar um futuro desafio a Cristas para a liderança, com as “tropas” da Juventude Popular a seu lado.

O PAN é um fenómeno interessante e um sucesso, à sua escala. Se abandonar as agendas bizarras do combate ao mundo “antropocêntrico” e a colagem a teses a-científicas e charlatãs, concentrando-se nas questões ambientais, pode ter um nicho político a explorar, tanto mais que o PEV já provou ser uma bengala tipo MDP-CDE, mas sem história, que existe apenas para ajudar à diversidade na CDU.

O Aliança de Santana Lopes, com um excelente e não merecido cabeça de lista, mostrou que a sua aposta falhou redondamente. Vai, com certeza, tentar ainda as legislativas, onde a imagem do líder pode ser residualmente apelativa para alguns PSDs desiludidos. Mas, sendo improvável que a Aliança venha a eleger qualquer deputado fora de três ou quatro grandes círculos eleitorais, os votos que obtiver no resto do país serão sempre retirados ao PSD, fazendo perder a este, para o PS, uma mão cheia de deputados. Não nos admiremos se Santana Lopes, dando-se ares de “rassembleur”, para esconder a fragilidade intrínseca da Aliança, vier a propor listas conjuntas, numa espécie de “frentismo” de direita, estendendo a mão à Iniciativa Liberal.

Tenho pena que Rui Tavares, uma das cabeças mais “frescas” na classe política portuguesa, não tenha sido eleito. A sua voz e a sua inteligência fazem falta em Bruxelas. Mas já se percebeu queo Livre, um partido unipessoal, não descola.

É uma excelente notícia o “espetanço” eleitoral da Iniciativa Liberal. A sua postura arrogante-agressiva e o seu anti-estatismo demagógico representaram do pior que esta campanha nos trouxe. Levados “ao colo” por alguma imprensa conservadora, deram-se ares de partido já com lugar na cena política. Espera-se que possam tirar conclusões rápidas do facto de 99,2% dos votantes os não terem escolhido, colocando-os ao lado MRPP e coisas políticas análogas.

André Ventura o o seu Basta/Chega não fizeram mossa. Mas convém continuar atento à sua demagogia e ao aproveitamento oportunista de futuras inseguranças urbanas.

Com calma, há que refletir sobre a imensa abstenção.

domingo, maio 26, 2019

Nostalgias


O meu Sporting, um clube essencialmente católico (só ganha quando deus quiser e andou por aí ao deus dará...), deu-me ontem uma alegria. Como quase nunca vejo os jogos da equipa em direto (as eventuais derrotas, em diferido, são menos penosas), estava a entrar para um restaurante precisamente no momento em que se iniciavam os decisivos penáltis. E, porque tinha pedido às pessoas que estavam comigo que tivessem os telefones desligados, só quando se ouviu um berro - um rugido! - de contentamento leonino é que percebi que o Jamor era nosso. Assim, a primeira nostalgia estava cumprida: o Sporting, que nos últimos anos, só me havia dado homeopáticas doses de alegria (eu sei que, em matraquilhos e coisas assim, somos o máximo!), e que, há precisamente um ano, esteve prestes a ser destruído por atos de insanidade, ganhara a Taça!


A segunda nostalgia era devida ao local onde estava a comer: o Faz Frio. Há mais de meio século que, embora com grande irregularidade, sou cliente daquele espaço de tabiques decorados com figuras da história popular de Lisboa, junto ao Príncipe Real. Lembro-me de um tempo em que se ia lá pela paella, servida para grupos, que se encomendava horas antes (a paella andou na moda lisboeta dos anos 70, com a Saisa a esmerar-se então no prato). O Faz Frio teve épocas, mas, confesse-se, nunca foi um “benchmark” da restauração lisboeta. Digo isto com todo o à-vontade, porque ontem comi lá muito bem: dos pasteis de massa tenra ao bacalhau à Zé do Pipo, passando por uma bela mousse de chocolate que eu e o Pedro Falcão, o simpático (e sportinguista, o que é quase sinónimo) empregado crismámos de “mousse leonina”. A sangria estava a preceito e eu só decidi fazer um “upgrading” para um bom vinho porque o Sporting tinha acabado de ganhar. Até pensei pedir um verde!

Saídos do Faz Frio, apenas umas dezenas de metros adiante, fomos acabar a comemoração ao Snob, outra “catedral” nostálgica. Admito que estava com alguma curiosidade para ver a cara do Senhor Albino, um dos mais seguros “andrades” da capital. Cavalheiro como é, estava como se nada tivesse acontecido para os lados de Oeiras. O Snob nunca foi a minha “praia” como bar, mas, de quando em quando, calha passar por lá para um bife noturno ou apenas para um destilado das ilhas britânicas, como foi o caso de ontem. Estive mesmo para perder o amor à carteira e pedir um Johnny Walker ... Blue Label! Mas achei que era demais...

Três nostalgias cumpridas na noite de ontem, preparando-me para uma alegria ao final da tarde de domingo. Já tenho tido fins de semana bem piores...


Preconceitos


Sou um fã do voto eletrónico. No Brasil, um dos grandes eleitorados do mundo, e salvo para alguns residuais adeptos das teorias da conspiração, a fiabilidade do sistema não merece nenhuma séria contestação - a qual, dado o ambiente político, seria bem fácil e natural. Em qualquer eleição brasileira, minutos depois de encerrado o tempo de voto - do Rio Grande do Sul ao Amapá, da Rondónia a Espírito Santo - os resultados são logo conhecidos.

É, contudo, evidente que, para se optar pelo voto eletrónico, é necessário haver uma conjugação de vontades políticas, de sinal contrário, que, por cá, a teimosa crispação partidária dificilmente permitirá.

Nos anos em que andei pela OSCE, em Viena, uma organização também dedicada, embora com êxito limitado, à promoção da democracia, falava- se de um sistema de voto eletrónico que tinha sido inventado na Bielorrúsia. O governo de Minsk bem se esforçava por promover a sua venda a outros Estados mas, ao que constava, apenas o Casaquistão o adquirira. 

Atentendo às intocáveis credenciais democráticas do regime do senhor Lukashenko, sou levado a concluir que só por indesculpável preconceito é que o voto eletrónico bielorruso tinha tantos detratores.

O meu voto, há meio século


Naquele ano de 1969, eu tinha pela primeira vez a possibilidade legal de votar. E era ano de eleições legislativas, as únicas a que um cidadão português tinha então direito, depois da ditadura ter abolido, anos antes, a eleição direta para o presidente da República, assustada que ficara com o "fenómeno" Humberto Delgado. E eleições autárquicas era coisa nunca vista: todos os autarcas eram nomeados pelo regime.

Um dia, indo a Vila Real em férias, inquiri como poderia inscrever-me nos cadernos eleitorais. Foi-me dito que isso se fazia na Câmara Municipal. Na respetiva secretaria, ao colocar a questão, vi a interrogação circular por vários funcionários. Aparentemente, eu era a primeira pessoa, desde há anos, a suscitar o problema, porquanto a atualização dos cadernos se fazia, por regra, por via oficiosa. Vislumbrei algumas caras conhecidas a manifestarem curiosidade pelo meu zelo cívico. Um deles, amigo da família, baixando a voz, segredou-me, através do balcão: "Não vale a pena votar. Ganham sempre os mesmos!". Outros, mais alinhados com a "situação", pressentindo claramente a razão pela qual eu queria exercer o direito de voto, olhavam-me com um ar algo jocoso, partilhando entre si ironias, à distância. A agitação entre os estudantes universitários, como eu era à época, era conhecida e já havia uns zunzuns de que eu andava metido nessas coisas "associativas" e com o "reviralho". "Sai ao pai", ouvi dizer que alguém do regime comentara um dia, numa tertúlia da "Pompeia".

"Tem de falar com o Sr. Barreira. É ele quem trata disso". Aparentemente, o sr. Barreira era quem "tratava" dos cadernos eleitorais. Era uma das figuras mais conhecidas da cidade. Defesa central histórico do Sport Clube de Vila Real, com uma altura a rondar os dois metros, trabalhava, se não estou em erro, nos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade, que acolhia sempre muitos futebolistas. Como andava bastante em serviço externo, o sr. Barreira era pessoa difícil de encontrar. Andei dias até conseguir reunir com ele, o que teve lugar numa pequena sala da Câmara. Levei toda a papelada necessária para o ato de inscrição, que não era pouca. Estava tudo em ordem, podia "ir descansado". 

Mas eu não estava descansado. O sr. Barreira ficou claramente surpreendido, e até algo abespinhado, quando lhe disse que necessitaria de uma certidão da minha inscrição. "Aqui não passamos isso!". Respondi-lhe que, por lei, tinha direito a esse documento e mostrei-lhe as disposições legais que obrigavam as autoridades a atestarem, se assim fosse requerido, a inscrição nos cadernos eleitorais. "Mas se eu lhe garantir que está inscrito, não lhe chega?". Não, não me chegava. Nada tinha a ver com a palavra dele, derivava da minha desconfiança face ao regime (mas, claro, isso não lhe disse). "Vou falar com o chefe da secretaria. Mas o senhor está a criar um problema, sem necessidade". Expliquei que não prescindia da certidão (tinha aprendido isso num livro sobre legislação eleitoral, de José de Magalhães Godinho), que, se acaso me a não quisessem emitir, recorreria por requerimento para o Governador Civil. O sr. Barreira olhou para mim e, já mais sério, não se escusou a deixar cair: "Veja lá no que se mete!" Eu sabia no que me metia. E, alguns dias e outras diligências depois, lá obtive a desejada certidão. Que ainda guardo. E espalhei a notícia: depois de mim, várias foram as pessoas que, em Vila Real, se inscreveram nos cadernos eleitorais, nesse ano de 1969, embora não saiba quantos pediram uma certidão. Meses mais tarde, era tempo de "eleições" legislativas e eu por nada do mundo perderia o ensejo de exercer o meu direito de voto. Mesmo tendo a perfeita certeza de que então ganhavam "sempre os mesmos".

É também por isso, porque agora já não ganham "sempre os mesmos", porque lutei e corri riscos para poder ter uma palavra na escolha de quem me representará, que exerço o meu direito de voto. Que é também um dever, mesmo para aqueles que votam em sentido oposto ao meu, para quantos legitimamente decidem deixar o boletim em branco, como forma de marcarem o seu desagrado pelo leque de opções que lhes é proposto. Mas quem opta, pura e simplesmente, por não votar, por não "dizer" algo da sua vontade, perde um pouco a razão para depois vir a protestar contra as políticas que (quem vota) lhes impõem, torna-se num irrelevante "zero à esquerda" (ou "à direita") na vida cívica. 

sábado, maio 25, 2019

Dia de reflexão


Leonardo Padura


O escritor cubano Leonardo Padura esteve em Portugal. Por compromissos fora de Lisboa, e com muita pena minha, não consegui ir ouvi-lo.

Há doze anos, tive em Havana uma longa e interessante conversa com Leonardo Padura, num jantar proporcionado pelo então embaixador português em Cuba, Mário Godinho de Matos. Padura é uma personalidade suave, com um sorriso amigável e tinha um modo muito sereno de olhar para a complexa realidade do seu país. Teria gostado muito de o ouvir falar sobre a Cuba dos dias de hoje, das suas dificuldades e atuais desafios.

Nessa conversa, demos conta de que ambos havíamos vivido, simultaneamente, em Luanda, na primeira metade dos anos 80. O escritor fizera parte dos "cooperantes" que Cuba enviava para apoio ao regime angolano. Nessa troca de recordações, perguntei-lhe se, como então se especulava, esses cubanos expatriados tinham fortes incentivos económicos, bem como de apoio às famílias que deixavam para trás, como compensação pela execução da sua missão. Confirmou-me que essas atividades lhes proporcionavam, de facto, algumas vantagens mas, enfatizou, nesse tempo havia em Cuba um alargado espírito de "missão internacionalista", que mobilizava muitos dos seus compatriotas. Para acrescentar, muito realisticamente, que, nos dias que então corriam, esse sentimento havia desaparecido quase por completo, pelo que era praticamente impossível recrutar técnicos cubanos para ações no exterior numa base predominantemente ideológica. As alternativas, nos dias de hoje, também não devem ser muitas...

Nessa bela noite de Havana, recordo bem que Padura nos falou num trabalho em que andava envolvido, em torno de documentação de Ramón Mercader, o homem que, no México, em 1940, assassinou Trotsky, às ordens de Stalin. Mercader viveu a parte final da sua vida em Havana, onde morreu, em 1978, tendo mais tarde sido sepultado, com honras soviéticas, em Moscovo. O livro que Padura estava então a escrever, centrado na figura de Mercader, viria a chamar-se “O homem que gostava de cães” e foi um grande êxito. Mas a obra de Padura não se ficou, desde então, por aí.

sexta-feira, maio 24, 2019

A Europa depois de domingo

                                             
A integração europeia foi, desde o início, uma aventura que combinou objetivos práticos com ideias generosas. Consolidar a paz e a democracia e, ao mesmo tempo, promover o bem-estar e a prosperidade de um número crescente de habitantes do continente eram finalidades que apontavam para um saudável modelo de sociedade transnacional. Até à queda do Muro de Berlim, os sucessivos alargamentos, uns mais do que outros, foram mudando a natureza daquilo que unira os “seis” fundadores, mas o essencial continuava preservado. A Europa ia sendo capaz de viver com as suas diferenças e idiossincrasias nacionais, talvez porque o grau de aprofundamento das suas políticas, à época, ainda não testava ao limite as suas soberanias.

Se a Guerra Fria havia funcionado como um cimento inicial do projeto europeu, as decorrências do seu termo vieram a consagrar um tempo em que este passou a ter perante si desafios de inédita dimensão. O mundo que aí vinha ia ser muito diferente e as lideranças europeias pressentiram isso: Maastricht, com o aprofundamento político que desenhou, foi a resposta ousada e ambiciosa. A Europa procurava dotar-se de meios para se afirmar como potência, num tempo em que Moscovo parecia ter mudado de natureza e em que a relação com o outro lado do Atlântico podia, finalmente, processar-se num registo menos tutelar do que aquele que, por razões securitárias, as últimas décadas tinham determinado. 

Por coerência e imperativo geopolítico, a Europa comunitária foi obrigada a absorver, no seu projeto, os Estados que, no centro, leste e sul do continente, lhe batiam à porta, alguns recém-saídos de traumáticos tempos. Há a certeza de que ninguém teve então a noção de quanto esse imenso alargamento iria mudar a sua natureza. Aquilo que inicialmente parecia ir ser uma espécie de “colonização política”, sob o “template” do projeto antes aculturado a ocidente, acabou por revelar-se um fator de pressão sobre a própria génese da União.

Numa outra dimensão, as coisas correriam um pouco à revelia do desejado. O facto do aprofundamento de políticas, que saíra de Maastricht, ter começado a tocar em alguns aspetos ligados ao “core” tradicional da soberania dos Estados (da moeda à política externa e outras áreas) fez soar campainhas de alarme em alguns países, suscitando reflexos nacionalistas e pulsões para a repatriação, ou, pelo menos, para a travagem na cedência de competências. A assimetria de alguns efeitos das políticas contribuiu para agravar esses reflexos.

A mágica agregadora da União foi-se, assim, perdendo. No passado, o projeto comum tinha ambições limitadas no âmbito das políticas públicas. À medida que estas se assumem como “europeias”, o grau de exigência das opiniões nacionais, mobilizadas por agendas diversas e até contrastantes, mas todas ansiosas por respostas satisfatórias a esse nível, foi aumentando. Face às dificuldades, muitos governos nacionais foram “passando a bola” à Europa, tornando-a “bode expiatório” das suas insuficiências. A Europa perdeu em popularidade o que ganhou em críticos.

Com tudo isso, a ideia da “bondade” natural do projeto europeu foi-se desvanecendo. Reticências residuais, passíveis de controlo, foram tratadas com alguma sobranceria. Sopradas por agendas demagógicas, exploradoras de inseguranças, cedo se transformaram em tendências bloqueantes, em vários Estados membros, condicionadoras das vontades nacionais, já com forte impacto nas instituições europeias. O Brexit está aí a prová-lo, as posições desafiantes que emergem em países como a Itália ou a Hungria também. E a emergência de reflexos radicais noutros Estados é um magma hoje com forte significado político à escala da União.

O Parlamento Europeu que sair destas eleições dar-nos-á melhor a medida da Europa que se afastou da ideia europeia. E vai permitir avaliar em que grau as forças de sinal contrário serão capazes de nele encontrar um denominador comum para se oporem ao projeto integrador. Se isso acontecer, em termos que também afetem a capacidade futura da Comissão e do Conselho, então o caso muda de figura.

Forum Demos



Uma excelente iniciativa de Álvaro Vasconcelos, que nos reuniu em Viana do Castelo para um estimulante debate, envolvendo pessoas oriundas de vários países, com experiências diversificadas. Este texto representa um esforço para refletir em conjunto o que devemos ajudar a construir na Europa.

Se isso o motivar, leia o texto aqui.

Televisões amigas


Foi mais uma campanha eleitoral em que a maioria das televisões, em lugar de apresentarem verdadeiras reportagens, com planos reveladores da real dimensão das mobilizações, fizeram quase sempre o frete às candidaturas, filmando de molde a criar a ilusão de multidões. É muito triste.

Comissão para lamentar


Se a Comissão Parlamentar de Inquérito à Caixa (e as outras também) fosse conduzida sem comunicação social a sua eficácia seria bem maior.

Assim, aquilo não passa de um palco para os deputados mostrarem as suas "habilidades" retóricas, candidatando-se às listas eleitorais futuras

Tomar nota


Em Portugal, com escassas exceções, os partidos que estão no governo costumam perder as eleições autárquicas e europeias. Ora o PS já ganhou as primeiras e prepara-se para ganhar as segundas. O segredo estará nos adversários?

quinta-feira, maio 23, 2019

Desventuras


Estou certo de que a grande maioria dos adeptos do PSD recusaria, com grande sinceridade, que o seu partido fizesse uma aliança com o Chega/Basta. 

E, contudo, é capaz de ter esquecido que André Ventura foi o candidato do PSD, confirmado por Pedro Passos Coelho, à presidência da Câmara de Loures.

Fora dos carris



Detesto parecer rezingão, mas, como passo o tempo a dizer coisas bem simpáticas sobre este país, acho que tenho algum crédito para poder ser crítico quando é preciso sê-lo.

Não haverá ninguém, lá pela CP, que, de uma vez por todas, ponha a funcionar, de forma decente, o WiFi que é anunciado nas carruagens do Alfa Pendular, entre Lisboa e Porto, uma coisa que qualquer tasca tem?

E que perceba que oferecer “A Bola” ou o “Vida Económica” a turistas de outras línguas é quase ofensivo e revela desdém? Ter um jornal inglês ou espanhol seria o mínimo!

Ontem disse aqui mal dos atrasos da TAP (e podia ter falado do caos dos nossos aeroportos) e logo tive comentários, no meu blogue, de que o fazia pelo facto da empresa ter sido aberta ao capital privado.

Hoje digo mal, com convicção, desta terceiro-mundista CP, com carruagens incómodas, refeições abaixo de qualquer classificação, casas de banho imundas, ar condicionado muitas vezes a não funcionar. E trata-se de um serviço público.

Há anos que isto é assim, não muda. E o que ouço, de muitos dos frequentadores, é um “não é mau de todo”! Não é mau de todo?! Só se o “benchmark” forem os bancos de sumopau da antiga linha do Corgo! Já andaram de comboio pela Europa? Sejam exigentes, caramba!

Há décadas que anseio por um governo que, de uma vez por todas, ponha a CP “nos carris”. E, já agora, a Refer, que me dizem responsável pelo estado das linhas férreas.

quarta-feira, maio 22, 2019

Declaração de voto


Nasci para a política a desconfiar da Europa comunitária. Por anos, olhei-a como um braço do domínio americano, um instrumento da Guerra Fria destinado a limitar as escolhas de vida dos europeus. Como as liberdades “burguesas” pouco me diziam, via os nossos europeístas “a soldo de” alguém, na melhor das hipóteses uns ingénuos reformistas, num tempo em que a palavra estava proscrita por onde eu andava. Não tendo Portugal vivido a Segunda Guerra, não entendia o cimento que essa memória traumática havia representado para muitos. A aventura da unidade europeia era, para mim, uma ideia estrangeira.

Um dia, comecei a andar bastante por essa Europa. Fui-me apercebendo da importância do seu modelo social, das garantias e direitos que os cidadãos ganhavam com o progressivo aprofundamento das suas políticas, do bem-estar coletivo que visivelmente ela ia construindo, dos ganhos de escala em crescimento que a integração induzia, da filosofia de solidariedade que então estava subjacente ao projeto. O pedido de adesão de Portugal, não me tendo galvanizado, pareceu-me uma opção geopolítica imperativa. Dei comigo a pensar que iria ser sempre tão europeísta quanto os interesses de Portugal o justificassem. Nem mais, nem menos.

É que a Europa continuava a inspirar-me alguma precaução. Inquietava-me deixar que parte importante da soberania do meu país fosse “raptada” por uma “casa comum” onde os condóminos tinham um poder muito diverso na sua gestão. Eu era ainda produto de uma certa escola defensiva de pensamento, a qual, ironicamente, combinava os meus preconceitos ideológicos com uma filosofia de sinal inverso que Franco Nogueira deixara a pairar pelos claustros das Necessidades.

Com alguma surpresa, fui um dia convidado a integrar um governo. Ofereciam-me a pasta dos Assuntos Europeus. Amigos meus, conhecedores das reticências que eu nunca escondera, mostraram a sua perplexidade pela minha aceitação do cargo. Decidi assumir o risco. Passei, a partir de então, a conhecer as coisas europeias mais intimamente. Perdi algumas ilusões mas ganhei bastantes convicções. Aprendi que a Europa é um espaço de luta e confrontação de projetos mas é, sem a menor dúvida, o melhor terreno para a defesa e promoção dos interesses portugueses, um fator essencial para a sobrevivência do nosso modelo democrático, dos valores que cultivamos e sob os quais quero continuar a viver. Esta Europa é o outro nome da nossa liberdade.

Domingo, vou votar pela Europa que foi de Mário Soares. A Europa de António Costa.

(Artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias”)

terça-feira, maio 21, 2019

Camões


A Chico Buarque acaba de ser atribuído o Prémio Camões.

Uma excelente, justa e oportuna decisão.

Atrasos


Atraso de 45 minutos à saída de Lisboa. Um tripulante não se apresentou ao serviço e largas dezenas de pessoas ali ficaram, pelo atraso de sua excelência.

Atraso de uma hora à saída de Faro. Devido “à chegada tardia do avião”. Ou podia ser congestionamento de tráfego aéreo ou outra desculpa qualquer.

Que saudades tenho da TAP que conhecemos e de que nos orgulhávamos.

Só para lembrar