sexta-feira, abril 05, 2019

Eleições

A pré-campanha para as eleições europeias revela já que elas não vão ser muito mais do que uma “primeira volta” das eleições legislativas. 

É pena. Este é talvez o ano em que as questões europeias são verdadeiramente decisivas e é triste ver os partidos políticos portugueses ausentes deste debate.

“Jornal Económico”




A farda


Nesta imagem antiga, que ontem apareceu no Facebook, o meu amigo e colega José de Bouza Serrano surge, elegantíssimo, na sua farda ou uniforme diplomático, prestes a apresentar credenciais junto de uma das várias cortes por onde muito bem representou Portugal como diplomata.

Mas os diplomatas têm farda?, perguntarão alguns. Existe, em algumas carreiras diplomáticas mais antigas, como é o caso da portuguesa, um uniforme histórico, que acompanha com um chapéu de bicórnio e um espadim. 

Não se trata, de forma alguma, de um traje de uso obrigatório. Cabe a cada diplomata decidir se adquire ou não a farda, tendo como única limitação, ao que me lembro, o facto das “ramagens” douradas incluídas no traje só poderem ir aumentando em “densidade” com a respetiva progressão na carreira. Mas é de “bom tom”, segundo sempre ouvi a alguns colegas mais ritualistas, manter a farda apenas com a quantidade de “dourados” que o seu proprietário tinha direito a usar nos seus tempos de juventude profissional.

Poucos diplomatas, contudo, têm hoje uma farda. A mim, por exemplo, nunca me passou pela cabeça adquirir uma, embora reconheça que se trata de um belo uniforme e que confere grande dignidade formal o surgimento público de colegas, nas ocasiões mais solenes em que tal se justifica, vestidos com aquele traje. 

As fardas, que são bastante caras, herdam-se ou compram-se, mesmo usadas, sendo vulgar ouvir, nos claustros das Necessidades, que “fulano usa a farda que foi de beltrano”. Peculiaridades de uma profissão muito peculiar...

O José Bouza Serrano, que muito estimulei a que entrasse para a carreira diplomática, como ele às vezes lembra e com o que eu sempre muito me congratulo, é uma pessoa que tem dado grande atenção às “liturgias” da casa. Chegou mesmo a chefe do Protocolo do Estado, sendo autor de uma obra de referência sobre o tema. 

Desde muito novo que o Zé usou uniforme diplomático. E eu sei a origem da sua primeira farda. Num dia de 1980, o Zé Bouza foi à Noruega, onde eu então estava colocado, preparar uma visita de Estado do presidente Ramalho Eanes. Numa conversa com o embaixador português em Oslo, António Cabrita Matias, este referiu que tinha uma farda diplomática, que pretendia vender. O Zé, de imediato, mostrou-se interessado em adquiri-la. E assim aconteceu.

Não testemunhei os pormenores quantitativos da transação, mas recordo que o embaixador logo referiu que, antes da entrega da farda ao seu novo proprietário, gostaria de tirar algumas fotografias com ela vestida, para guardar como recordação. 

Ora eu tinha comprado, poucos dias antes, uma sofisticada máquina fotográfica, cujo funcionamento me entretinha a estudar. E, naturalmente, ofereci-me para ser o autor desses retratos.

No dia seguinte, munido do novo aparato, lá apareci para a tarefa na residência do embaixador, que surgiu, garboso, nesse uniforme engalanado. Em várias poses, com ele a descer e a subir escadas, em cenários diversos dessa moradia na Drammensveien, fiz uma reportagem completa, destinada aos arquivos do meu chefe. O Zé Bouza testemunhou esses meus momentos de artista. E, depois, regressou a Lisboa, satisfeito com a farda adquirida ao embaixador.

Dias depois, passei pela loja onde tinha mandado revelar o rolo, para levantar as fotografias. Fiquei gelado, mais do que era vulgar naquele país, quando me foi dito que, por um qualquer erro mecânico meu, nenhuma imagem tinha ficado gravada. O embaixador iria assim ficar sem qualquer recordação da sua velha farda e lá tive eu de dizer-lhe, “de corda ao pescoço”, a penosa notícia. Já não recordo como a recebeu, mas registo que, aparentemente, o infausto episódio não veio a influenciar a minha carreira...

A minha única curiosidade é saber se a farda que o José Bouza Serrano exibe na fotografia que acompanha este texto é ainda aquela que o meu antigo embaixador lhe vendeu há quase quatro décadas! Alargada, claro!

quinta-feira, abril 04, 2019

Bouteflika


Em 1997, fui à Argélia, representar Portugal numa reunião do Forum do Mediterrâneo. A cidade vivia num ambiente de forte tensão securitária. Como era então de regra local, e tinha já acontecido numa anterior visita, fomos colocados numa “guesthouse” fortemente protegida. Ali se passavam também todas as reuniões, o que conferia ao exercício um ambiente de exceção, que não favorecia a narrativa de normalidade que o governo argelino pretendia transmitir pelo mundo, por aqueles dias. 

Salvo a vinda e o regresso do aeroporto, sempre sob escolta, a única surtida durante a nossa estada foi uma inesperada visita ao presidente da República de então, Liamine Zéroual, com cada chefe de delegação num carro blindado, num cortejo silencioso por ruas de Argel tornadas desertas por nossa causa. Ainda guardo algures uma fotografia desse momento, que não teve grandes palavras, com um pesado ambiente protocolar.

O nosso embaixador local, José Stichini Vilela, num dos escassos períodos livres que tínhamos entre as reuniões, foi-me buscar à “guesthouse” para um almoço no hotel Hilton (curiosamente, em todas as vezes na minha vida em que fui a Argel, acabei sempre por almoçar ou jantar por ali, o que revela que se trata de um incontornável ponto social dos roteiros locais). 

Conhecedor dos meus gostos políticos, o Zé levou consigo uma antiga figura política argelina, que tinha tido contacto com a resistência democrática ao Estado Novo. Argel, nos anos 60, havia sido como que a “capital” no exterior da oposição portuguesa. Era um homem idoso, loquaz, que conhecera fugazmente Humberto Delgado, sobre quem não tinha uma opinião muito lisonjeira. Não fixei o nome do nosso interlocutor e, até hoje, não consegui sabê-lo.

A certo ponto da conversa, perguntei-lhe por Abdelaziz Bouteflika, o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros dos tempos do presidente Boumédiène. 

O nome era bastante conhecido pelo mundo, tendo para sempre ficado, até para a história, a sua fotografia (na imagem, ao centro, de escuro, com bigode e cabelo farto) no aeroporto de Argel, em dezembro de 1975, ao lado de “Carlos”, (à direita, de boina), o revolucionário venezuelano que acabara de liderar o ataque à sede da Opep, em Viena e que por ali negociava a libertação dos reféns, depois desse ato terrorista. O meu companheiro de conversa reagiu então de forma imperativa: “Bouteflika? Anda por aí! É um cadáver político, na Argélia atual. Não tem o menor futuro!”.

Lembrei-me para sempre dessa espantosa “previsão”, que, até para mim, pouco conhecedor da trama política local, me surpreendeu. E com alguma razão: dois anos depois, Bouteflika viria a ser eleito presidente da Argélia, lugar de onde apenas saiu ontem... vinte anos depois ! Para “cadáver”, há que convir que não se saiu mal...

A China que aí chega


A China foi sempre um parceiro incomum na cena internacional. Por muito tempo, o maior país do mundo projetou uma imagem à qual vinham associadas algumas peculiaridades culturais que, manifestamente, se tornavam de difícil leitura na esfera ocidental. Os “sinólogos” prosperavam nessa exegese nunca unívoca, com o gigantismo do país e o desconhecimento das suas várias realidades internas a tornarem difícil uma qualquer previsão de atitudes do lado de Pequim. A China era um mistério mas, por muito tempo, não era vista como uma ameaça, não obstante a premonição atribuída a Napoleão: “quando a China acordar, o mundo tremerá”.

Com escassas exceções na sua história contemporânea, a China não revelou um pendor de agressividade militar externa, muito embora a sua atitude perante a vizinhança geopolítica tenha sido sempre caraterizada por uma marca de inflexibilidade. Uma diferente gestão histórica do tempo, que não é um mito mas uma evidência, contribuiu para adensar o mistério sobre os desígnios estratégicos de Pequim, sendo visivelmente neste registo que se enquadra a sua relação com Taipé.

Os EUA tentaram cavalgar o conflito sino-soviético promovendo a cooptação de Pequim para a primeira linha da cena internacional. O “realismo” de Kissinger mudou a realidade internacional mas, curiosamente, acabada a Guerra Fria e consagrada a humilhação de Moscovo, não se viu a China, por quase três décadas, exagerar na afirmação do seu papel como ator político global. 

O que se viu foi o seu interesse em explorar um intenso bilateralismo com determinadas áreas, mais visivelmente em África mas igualmente noutras zonas do mundo, como a Europa, tendo a economia como base determinante. O acesso da China à OMC, que hoje alguns se arrependem de ter facilitado, ajudou muito. O crescimento e o bem-estar tinham passado a estar no posto de comando de um modelo político que, bizarramente, combina o rigor centralista do socialismo com os genes do capitalismo. Uma fragilidade continua, no entanto, evidente: a demanda energética, que obriga a China a desenhar um padrão de relações externas muito heterogéneo.

A China é hoje um indiscutível gigante tecnológico, depois de anos de caricatura como produtor de quinquilharias baratas. É um poder adversarial – político, económico, militar? Para os EUA, isso é uma evidência. A Europa, neste domínio, vive ainda um momento esquizofrénico: olha com apetite aquele que é o seu principal mercado, mas começa a acordar para o desafio estratégico que vê chegar.

(Artigo ontem publicado no “Jornal de Notícias”)

quarta-feira, abril 03, 2019

Capela do Rato

Na sua atividade incessante, Leonor Xavier organizou hoje, na Capela do Rato, uma leitura de textos tendo como mote a Mulher. Convidou para participarem umas dezenas de amigos.

Na maior parte dos casos foram lidos poemas, mas houve pessoas que optaram por textos em prosa. Outras cantaram.

Hesitei bastante. Pensei em coisas alegres como “A mulher que passa”, que Vinicius de Morais escreveu uma década antes de eu nascer. Ou no romantismo contemporâneo de José Luis Peixoto, com “A mulher mais bonita do mundo”.

Por fim, decidi ler um belíssimo poema triste, de Eugénio de Andrade, intitulado “Pequena elegia de setembro”:

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

Eça e as mulheres de Vila Real


Na escolha de uns textos para um determinado fim, surgiu-me hoje este conhecido texto de Eça de Queiroz, incluído no conto “Singularidades de uma Rapariga Loira”, que é a maior elegia que conheço às mulheres da minha terra, de Vila Real (que o escritor coloca no Minho...) Aqui deixo esse extrato:

“A minha curiosidade começou à ceia, quando eu desfazia o peito de uma galinha afogada em arroz branco, com fatias escarlates de paio – e a criada, uma gorda e cheia de sardas, fazia espumar o vinho verde no copo, fazendo-o cair de alto de uma caneca vidrada: o homem estava defronte de mim, comendo tranquilamente a sua geleia: perguntei-lhe, com a boca cheia, o meu guardanapo de linho de Guimarães suspenso nos dedos – se ele era de Vila Real.

– Vivo lá. Há muitos anos, disse-me ele.

– Terra de mulheres bonitas, segundo me consta, disse eu.

O homem calou-se.

– Hein?, tornei.

O homem contraiu-se num silêncio saliente. Até aí estivera alegre, rindo dilatadamente, loquaz, e cheio de bonomia. Mas então imobilizou o seu sorriso fino.

Compreendi que tinha tocado a carne viva de uma lembrança. Havia decerto no destino daquele velho uma mulher. Aí estava o seu melodrama ou a sua farsa, porque inconscientemente estabeleci- me na ideia de que o facto, o caso daquele homem, devera ser grotesco, e exalar escárnio.

De sorte que lhe disse:

– A mim têm-me afirmado que as mulheres de Vila Real são as mais bonitas do Minho. Para olhos pretos Guimarães, para corpos Santo Aleixo, para tranças os Arcos: é lá que se vêem os cabelos claros cor de trigo.

O homem estava calado, comendo, com os olhos baixos.

– Para cinturas finas Viana, para boas peles Amarante – e para isto tudo Vila Real. Eu tenho um amigo que veio casar a Vila Real. Talvez conheça. O Peixoto, um alto, de barba loira, bacharel.

– O Peixoto, sim, disse-me ele, olhando gravemente para mim.

– Veio casar a Vila Real como antigamente se ia casar à Andaluzia – questão de arranjar a fina- flor da perfeição. – À sua saúde.

Eu evidentemente constrangia-o, porque se ergueu, foi à janela com um passo pesado, e eu reparei então nos seus grossos sapatos de casimira com sola forte e atilhos de coiro. E saiu.”

A China que aí chega


Este é o título do artigo que hoje publico no Jornal de Notícias e que pode ler aqui

Geopolítica e mobilidade

Uma conferência que hoje profiro nas Infraestruturas de Portugal, em Lisboa

terça-feira, abril 02, 2019

Leonor (3)


Uma historieta deliciosa que, já não sei a propósito de quê, Sérgio Godinho relatou, na conversa que teve com Leonor Xavier, durante a apresentação do livro desta última, no CCB, hoje à tarde.

Havia, há muitos anos, uma tasquinha pequena, numa determinada localidade da província portuguesa, propriedade de um casal muito idoso de beirões. A senhora estava na cozinha, o marido servia na sala e os pratos, sendo de grande simplicidade, eram de uma qualidade magnífica. Tinham poucas mesas, mas a casa estava quase sempre cheia.

Havia um senão: não serviam café. Quem por ali comia tinha, no final da refeição, de atravessar a rua e ir a uma confeitaria em frente, para ir tomar a bica. Alguns clientes começaram a embirrar com a lacuna e, um dia, confrontaram com isso o simpático proprietário, a quem estimularam a munir a casa de uma máquina de café.

O homem respondeu que não era nada que ele e a sua mulher não tivessem já pensado, acrescentando: “Mas já decidimos que não vamos comprar. Nós não temos filhos nem herdeiros. Quando isto acabar, para quem haveria de ficar a máquina?”

Leonor (2)


Leonor Xavier, durante a apresentação do seu livro, na tarde de hoje, contou uma magnífica história ocorrida com Nélida Piñon, a grande escritora brasileira, sua grande amiga.

Um dia, em Lisboa, Nélida apanhou um taxi, cujo motorista se revelou uma figura incomodativa e mal-educada. O seu comportamento agravou-se durante toda a viagem, roçando o insuportável. A escritora conteve-se até ao final. 

Depois de pagar a corrida, para imensa surpresa do homem, cujo primarismo não ia ao ponto de não entender o nível do seu próprio comportamento, ofertou-o com uma gorgeta de 10 euros. Mas acrescentou: “Estes 10 euros é para agradecer várias coisas: você não ser meu marido, não ser meu amigo, não ser meu conhecido e eu ter ficado com a certeza absoluta de que nunca mais o vou ver!”

Leonor (1)


Fomos muitos, com bastantes a ficarem em pé, a estarem hoje à tarde do CCB na apresentação do novo livro de Leonor Xavier “Há laranjeiras em Atenas”.

Andava intrigado em tentar perceber de onde vinha o estilo literário da Leonor. Hoje entendi. Foi o Brasil, o modelo de crónica que por lá se pratica com grande maestria que enformou a sua escrita. É aquele jeito, ao mesmo tempo simples e sensível, que ela transporta para as suas observações riquíssimas do quotidiano, que nos agarra até ao fim de cada um daqueles textos. 

A Leonor é minha amiga, mas a recomendação que faço de que leiam este livro não tem, a sério!, nada a ver com essa circunstância.

Pouco Comuns


Estive poucas vezes na galerias da Câmara dos Comuns, em Londres. Sempre para assistir a debates que eram anunciados como importantes, nos tempos de Margareth Thatcher e do “game, set and match” que John Major disse ter ganho em Maastricht. 

Eram momentos interessantes que, ao vivo, nos permitiam apreciar a coreografia das figuras cimeiras (e outras um pouco menos) da vida política britânica de então. Recordo ter assistido a uma cena em que o famoso reverendo protestante irlandês, Ian Paisley, foi expulso, por ordem da “speaker”, conduzido para fora da sala pelo “serjeant-at-arms”. Um espetáculo! 

A visão da sala, na zona do público, lá do alto, não é muito favorável. Apesar disso, as regras eram muito estritas, Não sei como são hoje as coisas por lá mas, nesse tempo dos anos 90, não se podia sequer tomar notas, nem levar um jornal debaixo do braço.

Ao ver ontem esta fotografia, da bizarra manifestação naquelas “sacrossantas” galerias, imagino o que sentirão os britânicos mais tradicionalistas. E o que os outros se divertirão.

A verdade é que o atual “speaker”, John Berkow, tem hoje um estilo (e umas gravatas, que lembram as do jornalista televisivo Jeremy Paxton) bastante mais solto do que então era mantido pela sua antecessora do meu tempo, com ar de mestre-escola, Betty Boothroyd. Mas, convenhamos, há limites!

Schengen


A geração Interrail já quase não soube o que eram fronteiras dentro da Europa comunitária. A geração Ryanair nasceu sem elas. A geração Erasmus nem sonha o que isso era.

Sem a menor saudade - era só o que faltava! -, noto que a minha geração foi ainda a dos passaportes azuis, das filas nos postos de “aduana”, de um friozinho indefinível de incómodo a correr pela espinha quando os agentes nos olhavam, saltitando entre a nossa cara e a fotografia a-preto-e-branco no documento de viagem, verificando o selo branco da declaração militar que fazia o favor de nos deixar, por tempo bem determinado, ir a um país estrangeiro. O fim da ditadura, a entrada para a União Europeia e, em especial, a entrada em vigor do espaço Schengen acabou com tudo isso.

No sábado, num debate sobre refugiados em que participei, foi com agrado que vi a jovem moderadora declarar-se uma “fã” incondicional de Schengen. E outras pessoas na sala e no painel a concordarem com ela. Eu também. 

A experiência tem demonstrado que o fim das fronteiras e a livre circulação de pessoas entre grande parte dos países da União Europeia constituiu um importante fator de facilitação das relações económicas, de promoção do turismo, de multiplicação de contacto intercultural. Schengen tem alguns riscos? Claro que sim, mas as suas vantagens sobrelevam-nos em muito.

segunda-feira, abril 01, 2019

Ainda há boas notícias


Na passada semana, estive presente na cerimónia durante a qual o príncipe Aga Kahn, fez oferta ao Museu Nacional de Arte Antiga de dois belos quadros que faziam parte do recheio do Palacete Mendonça, adquirido pela instituição Aga Kahn para sua sede em Lisboa. Um outro quadro será oferecido, dentro de semanas, ao Museu Soares dos Reis, no Porto.

Num mundo onde a solidariedade anda pelas horas da morte, é um gosto ver Portugal a poder acolher esta como outras meritórias iniciativas da instituição "do bem" como é a Fundação Aga Khan, a qual, sem grandes alardes, promove uma notável obra internacional de cooperação e de difusão cultural, com forte sentido universalista.

A transferência para Portugal das estruturas institucionais ligadas ao líder ismaelita foi uma das boas notícias dos últimos anos.

A comunidade ismaelita portuguesa, uma orientação muçulmana com raízes em Moçambique, constituiu-se em Portugal, em especial após 1974, como um setor dinâmico, muito respeitável e com um profundo sentido de responsabilidade social.

A figura tutelar de Nazim Ahmad, que no nosso país dirige a Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, é uma personalidade que honra, simultaneamente, a Fundação e o nome de Portugal, representando, de forma exemplar, o trabalho dessa comunidade de prestígio, cujo percurso acompanho, desde há muito, com sincera admiração. Tive o gosto de ver o príncipe Aga Khan receber o prémio do Conselho da Europa, quando exerci as funções de diretor executivo do Centro Norte-Sul, daquela organização internacional.

Num tempo de tropismo para a crítica, vale a pena destacar - e lembrar, porque normalmente não são notícia - as coisas positivas que por aí ainda ocorrem.

1 de abril, dia da verdade


Foi ainda nos anos 60 que me recordo de ter comprado e lido um livro brasileiro que contava em detalhe o golpe de Estado militar de 1964, que inauguraria uma ditadura que se prolongaria por mais de duas décadas. O título era “Os idos de março e a queda em abril”. O volume ainda deve andar pela minha casa, em Vila Real. Era um relato feito por jornalistas, num estilo vivo, que nos dava a impressão de estar a assistir a uma espécie de filme dos eventos. A minha curiosidade pelo assunto iniciou-se com essa leitura, e nunca mais parou.

Os brasileiros que ainda hoje se identificam com esse movimento militar, a que chamam “revolução”, costumam celebrá-lo no dia 31 de março. Este ano, como é sabido, atendendo a que o presidente Bolsonaro é um reconhecido fã desse período da vida brasileira, o assunto acabou por ter, com naturalidade, uma visibilidade ainda maior, provocando vasta polémica no país. Recordo-me que, quando vivia no Brasil, apenas os militares mais conservadores faziam gala de celebrar a data, que passava despercebida.

Ora é precisamente essa data que está errada. Como o livro que referi demonstra à saciedade, o movimento só se efetivou um 1 de abril, mas, temendo o caricato da data, do “dia das mentiras”, a historiografia favorável à “revolução” sempre procurou iludir isso e tentou fixar 31 de março como o dia para a história registar. Assim, no tocante ao golpe militar de 1964, o dia 1 de abril acaba por ser, ironicamente, o dia da verdade histórica.

domingo, março 31, 2019

Indignação

Gerou-se por aí uma indignação “azul” pelo facto de eu ter qualificado o comportamento do treinador do Futebol Clube do Porto, numa reação instantânea no Twitter, com palavras duras e que, com serenidade, reconheço que foram exageradas. Confesso que, de há muito, me desagrada bastante o modo como figuras de relevo do nosso futebol se comportam em público, dando mostra de uma imensa falta de respeito pelos adversários, servindo de exemplos negativos que ajudam à degradação do nosso futebol. A minha reação, neste caso particular, como já aconteceu face a atitudes de pessoas de outros clubes, entre os quais o meu próprio clube, foi a expressão extrema dessa minha indignação. Mas não me custa reconhecer que os termos não terão sido os mais felizes.

Assim, assim...


Fui lá jantar ontem. O serviço é muito agradável, as empregadas são bastante atenciosas. A anterior vez que lá fui não me tinha deixado uma particular impressão. Como gosto muito de restaurantes italianos, cuido sempre em dar um desconto ao “granel” que neles se cria, tentando perceber o que daquilo é mero teatro e o que resulta do endémico culto do improviso “típico”, mais ou menos profissionalmente conseguido. Como teste, por contraponto, à inevitável coreografia “solta” - em Roma, como é sabido, é ela de regra, em Florença parece-nos requintada, em Messina ou Palermo ou Siracusa ou Taormina aprendemos que é só displicente, em Turim é arrogante, em Milão tem dias (em especial, noites), em Trieste sofre dos “blues” balcânicos, em Ancona tem delírios adriáticos, em Bologna rimos, em Ravello a vista cega-nos, em Veneza afogamo-nos na conta, em Génova sonhamos, em Sienna ou San Gemignano esquecemos tudo, em Nápoles - bom, em Nápoles...! - há sempre esse “detalhe” que é a comida, a qual, as mais das vezes, até é bastante boa. Ontem, foi apenas assim-assim - desculpem a minha sinceridade. Um destes dias, porque um dia não são dias, para “re-checkar”, vou regressar ao “Il Matriciano”, o restaurante em frente do nosso parlamento. Repito: ontem, não tendo sido mau, mas olhando o elevado preço que paguei, confesso que estava à espera de um pouco melhor...

O Brasil de Carmen


Ruy Castro, o excelente escritor brasileiro, escreveu a biografia de Carmen Miranda, a vedeta lendária da canção brasileira, que Hollywood acolheu. 

Carmen Miranda nasceu no Marco de Canavezes, a poucos meses da República ser implantada. Os pais de Carmen emigraram para o Brasil em 1909. 

É sobre o Rio de Janeiro desse tempo, que aposto que a esmagadora maioria dos portugueses desconhece (mesmo alguns que por lá vivem), que Ruy Castro escreve hoje, no “Diário de Notícias” (o leitor ainda não compra este excelente semanário? nem sabe o que perde!), um belo artigo de que extraí este pedaço:

”No Rio a que a pequena Carmen chegou, os portugueses dominavam o comércio de azeite, sardinha, bacalhau, cortiça e vinhos, as associações comerciais, o mercado de casas para alugar, os serviços de táxi, as casas de pasto, os secos e molhados, açougues, armarinhos, casas de ferragens e até os teatros, tanto dentro como fora do palco. Estavam também nos serviços de rua, como jardineiros, estivadores, cocheiros. Ao desembarcar do navio na Praça Mauá, todo jovem português já tinha outro a recebê-lo, alojá-lo e até dar-lhe emprego. José Maria, pai de Carmen, tornou-se barbeiro; sua mãe, Maria Emília, lavadeira.

Era normal que um português recém-chegado, ao andar pelas ruas do Rio, reconhecesse não apenas patrícios aos magotes, mas gente de sua aldeia ou freguesia, já aclimatada ou bem posta na vida. O Rio tinha cinco jornais diários portugueses. Vivia-se entre os patrícios como na metrópole. Tudo isso aconteceu com os pais de Carmen. Até aos 5 anos, ela não conheceu outra criança que não fosse filha de portugueses e a única canção que aprendeu a cantarolar foi uma pecinha folclórica da região de seus pais. Os quais, por tudo isso - e como a maioria de seus amigos -, nunca se preocuparam em se naturalizar brasileiros. Não precisavam. Em compensação, de anos em anos, deviam comparecer ao consulado português para renovar seus registos de permanência e atualizar seus endereços particulares e profissionais.”

E esta?

“El País”, Castilla, Iberia...



“Ana Paula Vitorino, hoy ministra del Mar, es hija de António Vitorino, ministro en 1995 y hoy director de la Organización Internacional de las Migraciones en la ONU, dirigida por António Guterres, marido de la concejal de Cultura de Lisboa, Catarina Vaz Pinto”.

(Acho miserável esta imputação! Toda a gente sabe que Ana Paula Vitorino é filha do cantor alentejano Vitorino, o qual, aliás, é também açoreano, por parte da mãe. Foi lá que nasceu o irmão mais velho, o falecido Vitorino Nemésio. Por que outra razão havia Ana Paula Vitorino de ser ministra do Mar, não é?)

O outro lado do vento

Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...