domingo, fevereiro 24, 2019

Finalmente, a sensatez!


"A Mulher, o feminismo e a lei da paridade", um artigo tirado de uma nova parceria entre o "Observador", o suplemento feminino do "Diário da Manhã" e a "Modas & Bordados", que prova que "isto" começa a compor-se!

A ler, sem falta! Aqui.

Um passeio pela Europa


Fernando d’Oliveira Neves é um dos diplomatas portugueses com maior experiência europeia. Esteve ligado ao processo de adesão e integração de Portugal desde o seu início, com postos em Bruxelas - na representação permanente de Portugal e nas instâncias comunitárias - e uma experiência como secretário de Estado dos Assuntos europeus. 

Desse seu tempo diplomático, dentro uma carreira profissional riquíssima, decidiu agora publicar em livro uma memória crítica. A distância temporal deu-lhe maior perspetiva de análise, ajudando a ponderar a contextualização política de certos factos. Alguns dos textos refletem coisas vividas, outros um olhar sobre as circunstâncias que marcaram a história contemporânea da Europa - e nós dentro dela.

O livro é muito bem escrito, num estilo sem floreados e de leitura apelativa, às vezes com o humor que as situações suscitaram ao autor ou que este entendeu dever induzir-lhes para fugir à ideia de que a realidade europeia é apenas um ambiente burocrático abafante. E Fernando Neves, um europeísta convicto que o não esconde, olha sempre essa realidade a partir do lugar de Portugal, dos nossos interesses. E um deles, iniludível, como o livro bem o revela, é o sucesso do projeto europeu.

sábado, fevereiro 23, 2019

O diabo veste farda


Alguns governos da ditadura militar brasileira (1964/1985) tiveram menos militares do que agora tem o governo Bolsonaro. Num país em que a classe política dá a imagem de quase não dispor de quadros qualificados sobre os quais não impendam suspeitas ou acusações de improbidade, os militares emergiram, nos últimos anos, como um espécie de setor imaculado, tocado por um odor de santidade ética, que pretende colocá-los acima de qualquer suspeita. 

Noutras geografias, tivemos já a “república dos juízes”. No Brasil, também com juízes à mistura, há agora esta espécie de moralidade fardada, desfilando para o exercício impoluto do poder. Estaria “descoberta a pólvora”, por todo o mundo, se o recurso aos militares pudesse ser assumido como a solução para os problemas éticos da política. Ora é preciso não esquecer que os oito, repito, oito ministros militares que agora enxameiam o palácio do Planalto não dispõem da menor “accountability” democrática, respondem apenas perante um presidente que, como se está a ver dia após dia, sendo uma criação sua, é um homem com imensas limitações, enredado numa teia familiar que já se constatou pedir meças ao pior da política brasileira. O facto das duas mais importantes forças na Câmara de Deputados serem o PT, nos dias de hoje sujeito a uma quarentena política de que será muito difícil sair, e o PSL, o partido que foi “barriga de aluguer” de Bolsonaro e cujo presidente foi já obrigado a demitir-se do governo, faz com que o escrutínio parlamentar esteja, por ora, muito atomizado, o que favorece pontualmente esta preeminência militar.

Os militares brasileiros têm uma história recente de relação com o poder. No auge da Guerra Fria, a exemplo de outros sinistros exemplos na região, montaram um regime de arbítrio, com perseguições, torturas, prisões e muitos mortos – um retrato que só fica menos mal perante o incomparável terror de outras ditaduras latino-americanas. O processo de transição pactuado, onde intervieram muitos políticos que haviam sido homens de mão dos militares, permitiu que a tropa brasileira escapasse a um escrutínio transparente já em tempos de liberdade, com as “comissões de verdade”, criadas na última década, a serem objeto de forte reação do mundo das fardas. Os militares brasileiros costumam tentar absolver-se a si próprios com o argumento das mortes provocadas pelos “terroristas” da extrema-esquerda, deliberadamente escondendo os números bem mais gravosos das suas próprias atrocidades e o facto da reação clandestina armada desses grupos corresponder à contestação da ascensão violenta, ilegítima e anti-democrática dos militares ao poder.

Num país com flutuações políticas muito contrastantes, os militares brasileiros foram capazes de gerar, ao longo dos anos e por cima desses ciclos, uma curiosa doutrina estratégica, com peculiares dimensões de política económica. Trata-se de uma espécie de nacionalismo desenvolvimentista que, no passado, teve laivos estatizantes e de apelo a um forte protecionismo, assente num sentimento de independência nacional que passava pela apologia da preservação de um importante setor público, numa espécie de recuo assumido para o modelo da autarcia, tido como viável em função da existência de um forte mercado interno.

Ouvindo e lendo agora com atenção alguns dos “criadores” militares de Bolsonaro, fica a sensação de que essa doutrina pode, entretanto, ter evoluído. Desde logo, no tocante à aceitação das virtualidades das receitas liberais, quer no comércio externo, quer, em especial, no que toca ao peso das empresas públicas, que os tempos democráticos vieram a confirmar como antros privilegiados de corrupção. Logo veremos como será possível acomodar alguns fortes interesses económicos instalados com o custo imediato das medidas liberais, bem como com o tropismo nacionalista que marca muito a identidade brasileira.

As soluções políticas com intervenção militar são, pela sua natureza, de exceção. Este verdadeiro governo militar “soft“, pode, a prazo, vir a funcionar contra a democracia. Por isso, no Brasil, é preciso dizê-lo: o diabo veste farda, mesmo quando anda à paisana.

(Artigo publicado no “Jornal de Negócios” em 22.02.19)

sexta-feira, fevereiro 22, 2019

Frei Bernardo Domingues


Há alguns meses, num artigo, escrevi isto:

"Eu havia cruzado aquele sacerdote há já alguns anos, em tempos seus bastante difíceis, porque as maleitas tocam a todos, ele não escapara a elas e eu fora ocasional testemunha desses seus dias complexos. Guardei, de então, a sua serenidade magnífica perante o que a vida podia trazer-lhe ao virar da esquina, desde logo, a hipótese da morte. Impressionou-me a calma com que, em contexto de total incerteza, olhava as coisas e as pessoas. Admirei-lhe a cultura sem alardes, o humor e o espírito fino de ironia consigo mesmo, a postura de quem se olhava sem magnificar o seu papel – e tenho visto como a sua figura é, afinal, tão importante para muitos. Percebemo-nos desde o primeiro instante, desenhando com facilidade o terreno que nos era comum, que afinal era imenso. Criámos amizade, visito-o, desde então, sempre que posso, leio muito do que publica."

Frei Bernardo Domingues morreu hoje. Vou sentir a falta das nossas conversas, sobre tudo e sobre nada, nas quais ele nunca procurou, nem por um instante, contrariar (nem sequer ironizar) o ateu muito convicto que sou. Aliás, pensando bem, creio que religião foi um tema sobre o qual nunca falámos.

Arnaldo Matos


Aos 79 anos, morreu Arnaldo Matos.

Nos "anos da brasa" de 1974/75, Arnaldo Matos foi um nome bem conhecido dos portugueses, como líder do MRPP. Dirigente associativo universitário nos tempos da ditadura, este jurista madeirense viria a criar, em 1970, o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, mais tarde qualificado de PCTP/MRPP.

Era um movimento maoísta de tipo novo, numa linha completamente independente - e abertamente oposta - das correntes tradicionais.

Em 1974, num comício do MRPP, no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, imediatamente após o 25 de abril, foi anunciada, a certo passo, a chegada ao palco do "representante do Comité Lenine, comité central do MRPP". A sala ficou em "suspense". Quando vi subir, em passo lesto, essa anónima figura, saiu-me, bem alto, um "Olha! É o Arnaldo Matos!". Reconheci-o dos tempos da luta académica e de algumas reuniões políticas oposicionistas em 1968/69.

Fui logo silenciado por um coro de protestos dos circunstantes, escandalizados por eu estar a "expor" alguém que estaria "na clandestinidade". Sabia lá eu, que estava por ali, não por qualquer militância partidária, mas por mera curiosidade, e que estava longe de saber que, embora na completa liberdade que então já se vivia, ainda havia quem se mantivesse nesse mundo de sombras.

O nome de Arnaldo Matos acabaria por ser divulgado meses mais tarde e a ele ficou ligado o título de "grande educador da classe operária", na linha grandiloquente da inigualável propaganda do MRPP. Por muitos meses, titulou uma linha que se opunha fortemente ao Movimento das Forças Armadas (MFA), acusando este de ser uma "correia de transmissão" do PCP, numa "tropa" onde curiosamente dispunha de alguns aliados, o mais proeminente dos quais era o major Aventino Teixeira. Uma proximidade a Ramalho Eanes, fruto da convivência comum no seu serviço militar em Macau, também o terá protegido, em especial aquando da sua detenção em 28 de maio de 1975, numa operação do MFA destinada (sem sucesso) a desmantelar o MRPP.

A Revolução entraria, entretanto, em perda de velocidade, o MRPP foi-se tornando cada vez mais diminuto e, um dia, deixou de se ouvir falar de Arnaldo Matos, que terá ingressado na advocacia. 

Nos últimos anos vi-o, por diversas vezes, em eventos públicos, ao lado do lider que lhe sucedeu no partido, o também advogado Garcia Pereira. Depois, foi público um dissídio entre os dois, com este último a ser expulso do MRPP, onde Arnaldo Matos regressaria, em moldes informais e que me pareciam pouco claros, a vários títulos.

Seria a propósito de eu ter referido por aqui esse seu ambíguo estatuto, que o “grande educador da classe operária” me viria a zurzir, tempos mais tarde, nas redes sociais. Nada que eu não levasse à conta da belicosidade polémica de alguém cujo nome, reconheça-se, fica ligado a um período importante da vida política em Portugal.

O diabo veste farda


Leia aqui o artigo com o título em epígrafe hoje publicado no “Jornal de Negócios”.

quinta-feira, fevereiro 21, 2019

Porque sim!


Portugal já quase não tem bancos com capitais portugueses. O Santander e o BPI são espanhóis, o BCP tem maioria chinesa e angolana, esta a mesma do capital do BIC. O Novo Banco, até daqui a uns meses, é de um fundo americano. O Montepio é o que é. 

Ah! Mas nós temos a Caixa Geral de Depósitos! Este “nós” não é majestático: a Caixa é minha, como o é de qualquer cidadão, porque o seu capital é 100% público. A Caixa é portuguesa! Quando se ouve um político dizer que, perante este panorama, “é bom que o Estado tenha, pelo menos, um banco”, sentimo-nos automaticamente solidários. A maioria dos leitores, estou certo, também concordará.

E, no entanto, nestes tempos em que tanto se fala da Caixa, não ouço ninguém fazer uma pergunta simples: mas para que é que o cidadão contribuinte quer ter um banco como hoje é a Caixa? Na Caixa, pagamos comissões mais baratas do que em qualquer outro banco? Não, não pagamos. A Caixa mantém balcões em zonas onde não obtém lucro, por razões apenas de interesse regional? Não, não mantém. Dá a Caixa crédito bonificado, com critérios ligados ao interesse público, em condições mais favoráveis do que outros bancos que operam por cá? Não, não dá. Mas a Caixa segue uma orientação consonante, com toda a certeza, com as políticas públicas definidas pelo Estado, que detém o seu capital, que lhe são ditadas pelo governo, não é? Não, não segue. 

Mau! Mas os contribuintes, isto é, nós, não tiveram que fazer, há pouco, um reforço dos capitais da Caixa, para dar liquidez e sustentação financeira à instituição, que pertence a todos nós? Claro que sim. Alguma coisa esses contribuintes devem ter tido em troca desse esforço, ou não? Tiveram apenas a garantia de que o banco que é a Caixa ficou mais equilibrado financeiramente. Óptimo! Mas, em contrapartida, para poder efetuar esse reforço de capital, a Caixa comprometeu-se a atuar, no mercado, exatamente como qualquer outro banco da concorrência privada. Alguém que explique o benefício que o Estado, e o cidadão contribuinte, que é o “dono” da Caixa, tirará do facto desta ser de capital público - ou talvez só os lucros que o negócio vier a render, sempre uma gota de água no dinheiro investido.

Será que, com este artigo, se está a sugerir a privatização, parcial ou total, da Caixa? Nem por sombras! Recuso, em absoluto, a ideia de que a Caixa venha a ser “passada a patacos”, para alguém que por aí surja com uma mão cheia de euros, dólares, yuans ou kwanzas. Porquê? Eu cá sei! Porque sim!

(Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 20.02.19)

quarta-feira, fevereiro 20, 2019

terça-feira, fevereiro 19, 2019

Lagerfeld


As companhias com que Karl Lagerfeld. o diretor artístico da Chanel, surgia nas mesas do Café de Flore, raramente eram femininas, pelo menos a avaliar pelas muitas vezes em que o vi por lá. Por isso, mais se justifica esta sua fotografia com belas modelos, neste que é o dia da sua morte, aos 85 anos.

segunda-feira, fevereiro 18, 2019

A política externa e a política


No mundo crispado da política portuguesa, o relacionamento externo do país tem vindo a beneficiar de uma réstea de relativo consenso de Estado. Como é sabido, há quem se queixe disso, sob a ideia de que afinal vivemos numa espécie de “diplomacia reiterada“, que apenas passa por ser uma política externa. Mas há quem valorize esse facto, argumentando que, para um país como o nosso, com algumas persistentes fragilidades, essa imagem de continuidade e quase unidade na frente externa é um valor a cultivar.

O facto de PS, PSD e CDS terem tido responsabilidades partilhadas no palácio das Necessidades, e dos presidentes da República constitucionais terem revelado uma atitude basicamente comum face aos interesses internacionais do país, criou uma matriz condicionante, que tem evitado aventuras desviantes. A Europa, o Atlântico e a lusofonia, diáspora incluída, constituem o triângulo temático básico, intocado mesmo por algumas divergências ocorridas.

É verdade que, aqui ou ali, a alguns protagonistas mais sectários fugiu o pé para o dissenso, mas fica a sensação de que o país mede essas atitudes dissonantes pelo seu valor real, no mercado das ideias que vale a pena respeitar. Mas, atenção!: nada garante que este estado de coisas se prolongue eternamente. O tema europeu e, nele, as áreas da segurança e defesa e a questão migratória já mostraram que o risco de derivas existe e pode emergir de novo, a qualquer passo.

Caso diferente são os dois partidos do sistema que, em tempo constitucional, nunca tiveram as menores responsabilidades governativas: o PCP e o Bloco. 

Os comunistas, numa indiscutível e conservadora coerência, vivem na fidelidade ao que sobeja de um mundo que já desapareceu, cujos rituais de confronto formal persistem em observar, agora estimulados por uma administração americana que lhes fornece oportunas munições para o maniqueísmo. Moscovo já não é a União Soviética mas Putin é o sucedâneo possível para congregar as vozes contra o “satã” americano. A Europa, atravessada agora pela vaga populista, surge como aquilo que os comunistas sempre pensaram que era: um cúmplice subordinado da estratégia de Washington. Deve ser bom sentir o conforto das peças que encaixam num puzzle já antigo.

O Bloco, em termos de política externa, acaba por ser um fenómeno mais interessante. Nos debates estratégicos essenciais, tem, com o PCP, uma similitude na atitude face a Washington e à Nato, coisa que, convenhamos, se torna relativamente fácil, nestes sombrios tempos de Trump. Porém, ao contrário dos comunistas, a Rússia não serve de “farol” automático para o Bloco. Mais do que isso, sente-se que por ali se vive alguma “balcanização” interna de opiniões que, por vezes, obriga o partido a ser sensível a essa coisa complexa de identificar e de mobilizar para a sua defesa que é a liberdade. O esforçado equilíbrio retórico que o Bloco teve na questão da Venezuela, como já acontecera no caso de Angola, só não entra pelos olhos de quem não quer ver.

É impossível isentar a política externa das crises e das conjunturas. Mas, se queremos que ela seja um instrumento coerente para a construção do poder nacional, devemos cuidar em preservá-la das emoções cíclicas e, em especial, da demagogia.

(Artigo publicado no “Jornal Económico” em 15.2.19)

domingo, fevereiro 17, 2019

Palma Carlos


Há horas, em Faro, deparei com uma avenida dedicada a Adelino da Palma Carlos. Se se perguntar quem é, muito poucos, nos dias de hoje, saberão identificar esta cara e esse nome como o primeiro chefe do governo após a Revolução de abril. 

Palma Carlos foi um advogado escolhido, aos 69 anos, para chefiar esse I Governo Provisório. Figura relevante da “barra” dos tribunais, ex-bastonário da sua profissão, tinha sido afastado de funções docentes por razões políticas e só muito mais tarde foi contratado como antigo professor da Faculdade de Direito de Lisboa. Era-lhe associada uma aura liberal. Embora lhe não fosse creditada qualquer atividade relevante contra o Estado Novo - que se sabia que o detestava, sempre sem o incomodar muito - Palma Carlos, que fora membro da Maçonaria, tinha frequentemente defendido opositores políticos da “situação”. A sua forte aceitação nos meios económicos privados terá também sido um dos fatores na base da sua escolha pelo presidente António de Spínola.

O seu percurso na política ativa ia ser muito breve. Deixar-se-ia rapidamente enredar numa tentativa de reforço do poder de Spínola (que ficou conhecido, no jargão da pequena História, como o “golpe Palma Carlos”), ao que se diz, inspirado por Sá Carneiro, o que fez com que o Movimento das Forças Armadas rapidamente retificasse o erro de “casting” e forçasse a sua substituição pelo coronel Vasco Gonçalves. Palma Carlos só voltaria a ressurgir na política muitos anos mais tarde, associado a Ramalho Eanes, na efémera aventura do Partido Renovador Democrático (PRD).

Ontem, ao ver o nome de Adelino da Palma Carlos naquela artéria da cidade onde nasceu, dei comigo a pensar que ele será, com forte certeza, a personalidade política com relevo institucional que hoje está mais esquecida, dentre todas as que surgiram nesses primeiros anos de democracia.

sábado, fevereiro 16, 2019

Caídos em tentação



A direita democrática espanhola decidiu atravessar uma linha vermelha. A fotografia que mostra os líderes do Partido Popular e do Ciudadanos, lado a lado com responsáveis do Vox, um grupo de extrema-direita ainda sem presença parlamentar, representa um tempo novo e triste da vida política na nossa imediata vizinhança. Tudo isto fora já prenunciado no anterior entendimento regional na Andaluzia, mas este “dar de mãos” a nível nacional tem um significado substancialmente diferente.

Por décadas, as forças políticas saídas da sábia transição espanhola tinham conseguido evitar a sua mistura formal com quantos propunham políticas de ódio e de discriminação, feitas da exploração dos medos e de sentimentos mesquinhos. Mas havia quem dissesse que, escondido nas catacumbas do PP, vivia sempre algum franquismo envergonhado. A verdade é que conseguir arrancar a um espanhol ”de derechas”, em conversa, uma condenação aberta de Franco e do franquismo foi sempre uma quase impossibilidade – ou então sou eu quem tem andado em estranhas companhias. 

Da trágica Guerra Civil dos anos 30 do século passado, haviam sobrado as famosas “duas Espanhas”: a vencedora e a humilhada. Franco não se havia limitado a ganhar o conflito interno, em que as atrocidades se dividiram, com “vantagem” para o seu lado. Após a guerra, efetuou uma terrível barbárie seletiva, à sombra do nacionalismo e da cruz. E isso não foi esquecido.

O caráter sinistro do regime do ditador galego conduziu a que, mesmo no auge da “realpolitik” da Guerra Fria, a sua aceitação acabasse por ser lenta. Salazar, apesar de não conseguir fazer ingressar Portugal na ONU em 1945, iria obter, pela mão da paternal Albion e pela utilidade das Lages para a América, um irónico “slot” no “mundo livre” da Nato, em 1949. Franco não. 

A Espanha, contudo, era demasiado importante, económica e estrategicamente, para que a quarentena se mantivesse. Com a recuperação económica, a benção americana e o pragmatismo europeu, somados à sua normalidade democrática sob instituições pujantes, o país regressou naturalmente ao “mainstream“ das nações. Tudo isto tendo, como pano de fundo, tensões autonómicas e um terrorismo defrontado com admirável coragem. 

Com os anos, o sistema partidário crispou-se a níveis insuspeitados, hoje com o nacionalismo centralista e os nacionalismos separatistas a confrontarem-se. Mas não deixa de ser uma má surpresa ver alguns por lá derivarem agora para o vale dos caídos em tentação anti-democrática.

quinta-feira, fevereiro 14, 2019

MFA


Hoje, estive no Instituto de Defesa Nacional, na sala onde reuniu a mítica Assembleia do MFA, em 11 de março de 1975, a recordar, com alguns “camaradas de armas” da época, como testemunhas presenciais, essa noite que mudou o curso da Revolução de abril. 

Tratou-se de um rememorar, para um documentário televisivo, esse tempo de alguma turbulência e muita esperança, onde os confrontos, felizmente, foram reconduzidos a uma decantação num regime de liberdade.

quarta-feira, fevereiro 13, 2019

O euro e nós


Fundação


Nasceu há dez anos, que ontem se comemoraram. É incontroverso que a Fundação Francisco Manuel dos Santos ganhou já um espaço próprio na sociedade portuguesa. António Barreto foi o seu primeiro presidente, seguido de Nuno Garoupa, agora de Jaime Gama. É uma estrutura leve, de gente empenhada, onde David Lopes é a alma inquieta e imaginativa que faz mexer toda a máquina. Todos os portugueses conhecem a Pordata, que nos ajuda a conhecermo-nos melhor como sociedade. Muitos de nós comprámos, lemos ou consultámos algumas das pequenas monografias em livro, ou os "Retratos" tirados a temas insuspeitados, editados nesta década pela Fundação. E aprendemos bastante com isso.

Gostava aqui de deixar um abraço a dois amigos cujo entusiasmo esteve na origem desta magnífica iniciativa: a José Soares dos Santos, o membro da família proprietária do grupo Jerónimo Martins que é diretamente responsável pela Fundação, e. muito em especial, a Alexandre Soares dos Santos, seu pai, um homem determinado, com ideias próprias e firmes, por vezes controversas, uma grande figura de empresário que me habituei a admirar e respeitar. Por estes dias, ambos têm fortes razões para estarem orgulhosos com o trabalho que a Fundação que tiveram iniciativa de lançar e apoiar.

A FFMS, com o seu impressionante património de realizações, dá uma bofetada diária a quantos, querendo iludir a importância desta iniciativa de responsabilidade social de um grupo económico central na economia portuguea (e não só), se entretêm na ironia depreciativa em torno de tudo quanto tem sucesso e prestígio.

Cair na tentação


Este é o título do artigo que hoje publico no “Jornal de Notícias” e que pode ser lido aqui.

terça-feira, fevereiro 12, 2019

ADSE

A ADSE não é financiada pelos nossos impostos. É totalmente suportada pelos descontos dos funcionários públicos. Se estes viessem a ter de usar o SNS, caso a ADSE acabasse, o SNS implodiria, a prazo. 

Quem hoje usa o SNS, por não poder pagar a medicina privada, deve assim “rezar” pela sobrevivência da ADSE. Quem, estando nestas condições, por meras razões de chicana ideológica, tomar as dores dos donos dos negócios da saúde contra o Estado ou é masoquista ou ainda não percebeu nada.

segunda-feira, fevereiro 11, 2019

Rio de Janeiro


Nunca percebi (para se ser percebido, no Brasil, tem de se dizer “entendi”) a geografia do Rio de Janeiro. A imbatível beleza daquela cidade tem a ver precisamente com a bizarria do seu desenho urbano, que é, também ela, uma das razões que explicam muitos dos seus problemas sociais. Quando, nas muitas idas por lá, me coube em sorte ter de me deslocar a um lugar fora dos sítios mais comuns e conhecidos, senti-me quase sempre perdido. E, porque frequentemente distraído num “bom papo” com quem me transportava, rapidamente perdia as referências mínimas de orientação. Hoje, continuo a conhecer muito mal o Rio.

Por isso, não consigo dizer, nem aproximadamente, o local da cidade onde ficava o estúdio de televisão onde, há bem mais de uma década, fui para uma conversa noturna sobre a língua portuguesa e o Acordo Ortográfico, com o linguista Evanildo Bechara e, imaginem!, Fáfá de Belém. 

Foi o Araújo, o excelente potiguar (nascido no Rio Grande do Norte) que é (ou era) o motorista do nosso consulado-geral no Rio, quem me levou. Já nem recordo como o debate decorreu, mas apenas que, à saída, notei que não havia grande pressa em que abandonássemos o local. Vi o Araújo preocupado, no hall de entrada: “É melhor esperar um pouco. Há uma confusão na vizinhança”.

“Confusão” era o “understatement” para um tiroteio intenso que, com um pouco mais de atenção, comecei a ouvir lá por fora. Não eram tiros isolados, eram disparos de metralhadora. “É bandido contra bandido”, disse alguém, com naturalidade. Um outro conhecedor esclareceu: “Aquilo é lá ao fundo da rua”. Foi nesse instante que acordei para uma realidade preocupante: o “fundo da rua” era a ladeira por onde tínhamos entrado e por onde, em princípio, devíamos sair. 

Olhei a cara experiente do Araújo, que me pareceu não ter a serenidade habitual. Mas logo chegou um outro suposto “expert”, que me recordo ter aconselhado, para minha imensa surpresa e, devo confessar, algum súbito desconforto: “Sigam pela rua em direção ao sítio de onde vêm os tiros, mas voltem logo na primeira à esquerda. Não se assustem, aquilo é só lá no final, as balas cruzam de um um lado para o outro, vêm dos dois lados, mas nunca entram neste rua”. Anotei aquele “nunca”, definitivo, pretendidamente “rassurant”. E fiz por acreditar.

Já não me lembro da reação de Bechara, mas a Fáfá, que tinha um táxi à espera, continuava, ou tentava parecer, divertida, naquele seu imparável sorriso da brasileira que mais ama Portugal. E eu lá fui, com o valente e dessa vez silencioso Araújo, pelas ruas que acabaram por nos conduzir, sãos e salvos, de volta ao palácio de São Clemente, o edifício que alberga o nosso Consulado-Geral. 

Não anotei a espécie, nome e graduação do álcool forte que o nosso cônsul-geral, António Almeida Lima, então me deve ter dado a beber, à chegada. Só sei duas coisas de ciência certa: que foi, com certeza, uma dose dupla e que a não bebi na varanda traseira onde, por mais de uma vez, haviam chegado no passado tiros saídos da vizinha favela Dona Marta, como a parede atesta.

Ao ler, há pouco, notícias sobre a (in)segurança no Brasil, lembrei-me deste episódio ocorrido no Rio que passou pela minha vida, para citar alguém conhecido.

O meu dia 24 de abril

Saí de manhã de casa, em Santo António dos Cavaleiros, onde vivia, desde que casara, quatro meses antes.  No meu carro, entrei na Escola Prá...