quinta-feira, dezembro 13, 2018

Maria Teresa Lobo


Morreu, no Brasil, Maria Teresa Lobo. Quem era? Foi a primeira mulher que, em Portugal, fez parte de um governo. Em 1970.

Por essa altura, em toda a Europa e não só, já muitas mulheres tinham sido escolhidas para governantes. Por cá, em tempo de ditadura, foi preciso esperar até esse ano para ver uma mulher integrar um governo, ainda que apenas como subsecretária de Estado da Saúde e Assistência.

Recordo bem a novidade, quase "histórica", que a sua nomeação constituiu. Aquela cabeleira enfunada, muito da época, foi uma imagem que encheu então os jornais e a televisão, passando subliminarmente como uma "prova" da "abertura" marcelista. De origem indiana, circunstância que, a partir dos anos 50, se acentuou como uma notória "via" de ascensão na sociedade portuguesa (embora não apenas no seio do regime), Maria Teresa Lobo tinha tido já uma carreira interessante de serviço público, a montante da sua entrada para o governo.

Por ocasião do 25 de abril, Maria Teresa Lobo já não fazia parte do governo, de onde saíra em 1973. Era deputada na Assembleia Nacional. Foi então viver para o Brasil, tal como aconteceu com outras figuras ligadas à Situação (expressão deliciosa que, no vocabulário comum da época, era o contraponto da Oposição), do setor político e de áreas económicas, que se sentiram ameaçadas ou incomodadas com o curso da Revolução. A esmagadora maioria dessas pessoas acabou por regressar a Portugal. Ela decidiu ficar por lá. Como jurista que era, veio a conseguir garantir no Brasil um percurso profissional de mérito. Escreveu também sobre temas tributários e sobre os processos de integração político-económica regional, como a União Europeia e o Mercosul.

Quando fui embaixador no Brasil, e ao contrário do que aconteceu com outros antigos membros do governo de Marcelo Caetano, que encontrei e com quem privei de perto, como Rui Patricio ou Alberto Xavier, nunca tive oportunidade de me encontrar com Maria Teresa Lobo (bem como com Costa André). Tive francamente pena.

Maria Teresa Lobo tinha 89 anos.

Pedro Moutinho


O mundo começa a ficar estranho. Ou melhor: o meu mundo. Há dias, num grupo de gente na casa dos 40 anos, falei de Pedro Moutinho, antigo locutor da rádio portuguesa, com importantes incursões na RTP. Ninguém, repito, ninguém tinha ouvido falar nele, nem remotamente. 

Acho impressionante o modo como se processa o apagamento na memória coletiva de certas páginas da nossa vida contemporânea, com óbvio efeito no grau de informação, e formação, de gerações mais recentes. Imagino que deva ser uma questão de prioridades.

Pedro Moutinho foi uma figura muito conhecida da rádio e da televisão, até ao 25 de abril. Era um dos melhores locutores portugueses, estando a sua imagem como repórter consagrada no famoso relato do Porto-Sporting que integra o filme "O Leão da Estrela" (onde o Sporting ganha, diga-se de passagem...). Fora casado com outra famosa voz da rádio portuguesa, Maria Leonor, de quem entretanto se separara, num "anti-romance" muito falado, à época. Curiosamente, Maria Leonor fora colega da escola primária da minha mãe. Ao tempo, creio que o Pedro era já casado com uma senhora que trabalhava na embaixada britânica, sendo tido, aliás, como um homem sempre com grande sucesso junto do setor feminino.

Com a Revolução de abril, alguém terá um dia descoberto que o Pedro teria estado inscrito, por algum tempo, na Legião Portuguesa. Isso levou ao seu afastamento da Emissora Nacional e ao consequente desemprego. 

Foi Carlos Eurico da Costa (que era oriundo de uma área política bem oposta), jornalista, escritor e publicitário, quem o acolheu na empresa que dirigia, a Ciesa-NCK. Foi aí que o conheci. Eu e o Pedro fomos, por alguns meses, a base do “Serviço de Leitura Seletiva”, um trabalho de "clipping" que organizava, por temas, notícias e comentários políticos e económicos, publicados nos imensos e variados jornais que o 25 de abril tinha feito emergir. O produto da nossa leitura e subsequente escolha era, depois, recortado, fotocopiado e entregue aos assinantes por estafetas ao final da manhã de cada dia útil.

Este serviço viria a ser complementado pela edição, por vários anos, da “Análise da Informação”, um trabalho semanal escrito, de natureza jornalística, de que também fiz parte como redator, desde o seu início, com o jornalista José Silva Pinto (fundador de "O Jornal") e Francisco Vale (que hoje dirige a "Relógio de Água"), por mais de quatro anos. Em ambos os casos, tratou-se de negócios que acabaram por ter bastante sucesso, junto de empresas e de embaixadas estrangeiras. Teve, aliás, um papel importante para a subsistência da empresa, num tempo em que a publicidade não vivia os seus melhores dias. 

À época, eu estava colocado no Estado Maior General das Forças Armadas, no palácio da Ajuda. Trabalhava de manhã na Ciesa-NCK, a poucas centenas de metros, onde entrava às oito da manhã, e, à tarde, "fazia a tropa" no EMGFA, de onde saía depois das sete da tarde. Para quem vivia em Santo António dos Cavaleiros e ainda passava um boa parte da noite em cafés, com amigos, era uma vida cansativa, mas muito divertida.

Eu também andava, por esses tempos, a fazer as várias provas do concurso para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Recordo-me que, quando lhe referi isso, o Pedro me perguntou: "Você tem fortuna pessoal, meu caro?". A questão era estranha e apenas retórica: se tivesse, concerteza não viveria a acumular tarefas profissionais. Ao que logo acrescentou: "É que eu sempre ouvi dizer que, lá pelas Necessidades, pagam muito mal e só para lá entra quem tem bens próprios". De facto, como vim a verificar, e por muito tempo, terá sido um pouco assim. 

O Pedro Moutinho não tinha um feitio fácil, principalmente nessas primeiras horas do dia. Ia depois adocicando com a passagem do tempo, tornando-se um companheirão para o final da manhã, quando "despegávamos". Contava histórias magníficas, que tenho pena de não ter registado.

(Lembro-me apenas de uma. Um dia, foi chamado à PIDE porque, numa reportagem sobre a chegada à estação de Santa Apolónia do presidente da República, Américo Tomaz, vindo de Madrid, identificara o seu chefe da casa civil, general Humberto Pais, por... Humberto Delgado! Verdade seja que esta seria a sua única medalha de "anti-fascismo", ele que, com coerência, nunca renegou as suas convicções fortemente conservadoras.)

Numa daquelas matinais horas, em que estava com um feitio impossível, o Pedro perguntou-me:

- Diga-me lá, Francisco! Você acorda bem disposto, de manhã?

Disse-lhe que não, que, em regra, acordava "irritadiço" e me custava a "arrancar" o dia.

O Pedro não quis ouvir outra coisa e, com o seu magnífico e bem timbrado vozeirão, felicitou-me:

- É isso mesmo! Você é uma pessoa normal! Acordar, para si como para mim, é um ato de violência, uma coisa anti-natural. O que eu nunca compreendi são aqueles maduros que acordam bem dispostos, que cantam no banho e que começam o dia felizes. Imagine! Não passam de uns anormais!

E a nossa amizade e compreensão mútua aumentaram, a partir de então.

Pedro Moutinho morreu em 1999, com 80 anos anos. O "Google" quase não tem imagens suas. Apenas do seu homónimo fadista.

quarta-feira, dezembro 12, 2018

Parabéns, Presidente...


... e bem vindo ao "clube"!

O descrédito da Europa


Há dias, o sorriso impotente de Mário Centeno, no fim da reunião do Eurogrupo, era, em si mesmo, o retrato dos dias desta Europa. Não há consenso para a fixação de modelos comuns para a governação do euro, o mesmo é dizer que, perante a eventual emergência de uma crise económico-financeira, a Europa irá, uma vez mais, correr atrás dos acontecimentos. Nessa altura, como há dez anos, será um “salve-se quem puder”, com a assimetria de efeitos a fazer com que alguns não possam, de novo, escapar a situações dramáticas. Depois, com a solidariedade pelas ruas da amargura, a vontade de ajudar os outros irá variar na razão direta das vantagens que cada país disso retire, seja nos juros dos empréstimos, seja no isolamento do caráter tóxico dos problemas dos vizinhos.

Como chegámos aqui? Pela democracia. Pela democracia? Claro. A Europa é constituída por Estados cujos governos, até ver sem qualquer exceção, dependem da vontade popular e, cada vez mais, os cidadãos de cada país olham para o seu interesse nacional direto. E imediato. Os políticos são escolhidos por terem apresentado respostas, tidas por plausíveis, para as preocupações dos seus concidadãos. Mas não foi sempre assim? Foi. Só que, no passado europeu recente, a generalidade dos governos comungava de um discurso que, com maior ou menor eficácia, convencia os seus cidadãos de que, para além das suas fronteiras constitucionais, existia uma realidade institucional cuja eficácia funcional teria sempre efeitos positivos sobre a vida do conjunto dos países que haviam aderido a esse projeto integrador. 

Havia, claro, quem duvidasse dessa narrativa: eram os eurocéticos, uma espécie estranha, por muito tempo minoritária, vista como retrógrada, alheia ao “patriotismo europeu” que era o politicamente correto vigente - assente na demonstração de que a Europa consolidara a paz (importante para gerações sob o trauma das guerras) e trouxera desenvolvimento (olhem-se fotografias do continente, nos anos 50).

A Europa trouxe, de facto, a paz e o desenvolvimento - desigual mas real. Mas o continente, ao auto-contentar-se com o seu bem-estar, não se deu conta de que perdeu as armas competitivas para sustentá-lo no futuro. E o futuro não é dos que tiveram a memória da guerra real ou da Guerra Fria, é dos que, no dia de hoje, pretendem viver bem e dão as vantagens do passado como adquiridas. Esta Europa, pelo que veem no rosto de Centeno, não lhes traz as soluções. (Mas não se fala por aqui do Brexit, de Macron? Foi mesmo disso que falei).

terça-feira, dezembro 11, 2018

Eugénio Lisboa, Saramago e Londres


Há dias, na apresentação que fiz do primeiro volume do diário de Eugénio Lisboa, “Aperto Libro”, na livraria Ferin, contei um episódio passado em Londres, em 1993. Eu estava então ocasionalmente “encarregado de negócios” (isto é, chefiava a embaixada, na ausência do embaixador). O Eugénio - professor universitário, ensaísta e escritor, com vasta obra publicada - era ali Conselheiro Cultural, um cargo em que muito fez pelo prestígio da cultura portuguesa no Reino Unido, como fui testemunha privilegiada durante mais de quatro anos.

José Saramago tinha ido a Londres receber o prémio do “The Independent”, um importante galardão literário. Como todos nos recordamos, o escritor vivia então nas Canárias, numa espécie de “exílio” voluntário, e as suas relações com o governo de Cavaco Silva eram as que se sabe. 

Sem a menor instrução do meu Ministério, fiz o que entendi melhor na ocasião. Além de estar presente com Eugénio Lisboa na sessão de entrega do prémio, convidei Saramago para fazer uma palestra na embaixada, com edição de uma tradução desse texto em inglês, evento para a qual convidei umas dezenas de interessados locais na obra do escritor. No dia seguinte, não querendo utilizar a residência oficial, na ausência do embaixador, ofereci-lhe, bem como a Pilar del Rio, um almoço num belo restaurante da moda (propriedade de Michael Caine, que, recordo, por ali andava nesse dia), com algumas figuras da nossa comunidade intelectual em Londres, como Paula Rego, Bartolomeu Cid dos Santos, Helder Macedo, Luís de Sousa Rebelo e, da embaixada, Eugénio Lisboa e Rui Knopfli. 

Era já então evidente que a relação entre Saramago e Eugénio Lisboa era marcada por uma certa tensão, mas, talvez um pouco ingenuamente, julguei que o desinteressado apoio proporcionado pela embaixada ao escritor, ainda por cima correndo nós alguns riscos aos olhos do governo, pelo acolhimento proporcionado, teria atenuado as coisas. Enganei-me, como se verá.

Passado que foi sobre a visita creio que um ano, num dos primeiros volumes dos “Cadernos de Lanzarote”, Saramago descreve essa sua estada em Londres de uma forma muito pouco simpática para as pessoas da embaixada e, em especial, para o Eugénio Lisboa - cujo evidente empenhamento no sucesso da visita tinha sido ainda mais meritório, se tivermos em conta a sua completa falta de empatia (e isto é um “understatement”...) com o escritor. Todos ficámos chocados por ver, em letra de forma, uma leitura francamente distorcida do que, afinal, tinha sido um ato profissional muito correto.

Profundamente indignado, em face do que Saramago publicara, nomeadamente um episódio que envolvia umas passagens aéreas, Eugénio Lisboa decidiu divulgar por várias pessoas uma violenta ”carta aberta” ao escritor, que viria a ser publicada tempos mais tarde. Recordo-me que o embaixador Vaz Pereira, posto por mim ao corrente dos factos, não apreciou muito a divulgação da “carta aberta” mas, lá no fundo, creio que compreendeu o gesto de Eugénio Lisboa.

No que me tocou da história, fiquei naturalmente desagradado com o modo como Saramago tratou a embaixada, bem como a sua injusta leitura do meu próprio papel na visita. E fiz-lho saber, por amigos comuns. A questão acabaria por ficar ultrapassada entre nós: “reconciliámo-nos” num jantar em Nova Iorque, uma década depois, e mantivemos, a partir de então, uma boa relação, reforçada mais tarde no Brasil. Ainda o tentei convencer ir a França, mas foi tarde.

O volume do diário de Eugénio Lisboa que apresentei no dia 5 na Ferin não abrange ainda o ano de 1993, mas nem por isso Saramago (como outras tantas figuras, diga-se) sai dele incólume, embora neste caso por outros motivos. Aguardemos um próximo volume...

Eugénio Lisboa é um homem de ideias fortes, sólidas, fundadas, com opiniões que cuida em não esconder, com uma frontalidade e uma honestidade de atitude muito raras. Nesse domínio, faz parte de um Portugal intelectual que, infelizmente, está a desaparecer. Lê-lo é ter o gosto de regressar a esse que foi um tempo magnífico das grandes polémicas intelectuais, de que, devo dizer, sinto hoje alguma falta. 

Foi para mim um imenso prazer apresentar esta obra do meu amigo Eugénio Lisboa, uma grande figura da nossa cultura que admiro e respeito.

segunda-feira, dezembro 10, 2018

De graça?

É triste, mas todos já desconfiamos, “quando a fruta é muita”...

Hoje, à hora de almoço, estacionei o carro num parque público com ar “limpinho”, bem pintado e sinalizado, ali para os lados da Junqueira. A “app” da EMEL dizia que era zona não paga, mas eu, nunca fiando, fui à procura da máquina para pôr as moedas. Que não encontrei.

Perguntei a uma senhora que acabara de estacionar. Estava tão perplexa como eu: “Também me parece que não se paga, mas é muito estranho, não acha?” Eu também achava, por isso andava à cata dos cata-moedas.

À despedida, com um sorriso africano bonito, disse-me: “Eu, se tivesse o telefone do Medina, até lhe telefonava, a agradecer isto...”

Eu tenho, mas não lhe digo nada. Pode ser que a EMEL se tenha esquecido desse parque e não quero dar-lhes ideias.

O Norte e a diplomacia

Era a minha primeira viagem a Portugal, como embaixador em França, no primeiro semestre de 2009. Estava na sala de classe executiva do aeroporto de Orly, em Paris, e, a certo ponto, perguntei à simpática senhora da TAP se não era já hora do meu voo. Sossegou-me, dizendo que ainda tinha muito tempo, que a seu tempo me chamaria. 

Minutos depois, com um vago pressentimento, levantei-me e fui ver o quadro eletrónico na parede: o voo já estava em "dernier appel". Agarrei nas minhas coisas e, de forma apressada, encaminhei-me para a porta. 

A senhora da TAP interrompeu-me:

- Mas olhe que ainda tem muito tempo! Ainda não chamaram para o embarque.

- Essa agora! Está ali bem claro, no voo para o Porto, que já é a última chamada.

- Ah! mas vai para o Porto!? É que o embaixadores portugueses vão sempre para Lisboa...

A senhora ficou a saber que a regra tinha exceções: também há embaixadores do Norte.

domingo, dezembro 09, 2018

Estou farto...

... dos eleitos de qualquer espécie que acham que o facto de terem sido escolhidos num determinado dia lhes dá o direito de, ao longo de todo o seu mandato, poderem permanecer surdos às consequências diárias das suas políticas, pensando só terem de prestar contas no final.

... dos demagogos que acham que o “foguetório” vistoso da expressão da força violenta nas ruas pode, algum dia, vir a substituir a democracia representativa - isto é, a legitimidade essencial do voto popular, ponderada com a atenção permanente à opinião da sociedade civil.

... dos imbecis que, em especial aqui nas redes sociais, acham que aviltar constantemente as instituições da República (do presidente ao governo e parlamento, com o insubstituível papel dos partidos políticos) abre qualquer caminho para um melhor futuro do país - e nesses imbecis (com todas as letras) incluo os titulares de cargos públicos que, ao comportarem-se sem dignidade e com desrespeito por quem os elegeu e lhes paga, ajudam ao desprestígio dessas mesmas instituições.

Bom domingo! Viva a República!

Heseltine


Quando cheguei a Londres, em julho de 1990, para servir na nossa embaixada, Margareth Thatcher atravessava já um tempo bastante complexo da sua governação. Os resultados económicos que tinham feito a sua glória revelavam-se menos sustentáveis, os trabalhistas recuperavam cada vez mais posições nas sondagens e, dentro do partido conservador, havia crescentes vozes que clamavam por uma mudança de liderança. 

Mas não era fácil alguém opor-se abertamente a uma personalidade com o carisma (e a história recente) de Thatcher. Na verdade, ninguém, dentre os “tories”, o fazia abertamente, surgindo essas reticências sob a forma de rejeição a algumas das suas escolhas para cargos de governo, tidas como demasiado concentradas num núcleo fechado de fiéis, ou a certas opções políticas mais discutíveis e cada vez mais discutidas.

Na sombra dos “tories”, mas já sem a menor influência, o antigo primeiro ministro Edward Heath dizia “cobras e lagartos” de Thatcher, proclamando uma fé europeia que, no governo, ia tendo apenas alguns moderados ecos em figuras como Kenneth Clark, Chris Patten, Garel-Jones e poucos mais. A Europa, porém, era um “diabo’ que, dentro do executivo, muitos outros continuavam a alimentar, com maioritário sucesso.

Uma prestigiada figura tinha vindo a criar, entretanto, pelo seu verbo e com um certo “panache”, a aura de poder vir a suceder à “dama de ferro” : Michael Heseltine. A sua ambição era visível, a sua qualidade política indiscutível, muitos meios empresariais sentiam-se por ele seduzidos. Porém, havia a difusa sensação de que, no grupo parlamentar conservador que Thatcher desenhara, as ambições de Heseltine nunca iriam conseguir encontrar apoios suficientes (a escolha dos líderes fazia-se exclusivamente aí), e que o seu proclamado europeísmo, claramente afastado do “mainstream” conservador, iria ser um inultrapassável óbice. Isso veio, de facto, a confirmar-se. Quando, um dia, os astros de conjugaram para pôr Thatcher “com dono”, o equilíbrio interno do partido acabou por inclinar-se para uma figura mais “cinzenta”, John Major, bem menos suscetível de ser visto como um “amigo” de Bruxelas.

Heseltine, feito entretanto Lorde, a prateleira dourada dos “has been”, saiu então de cena, sempre com os seus vistosos cabelos compridos ao vento. Por décadas, perdi-o de vista. Ontem, aos 85 anos, vi-o ressurgir das catacumbas políticas para lançar um vigoroso movimento público para um segundo referendo, afirmando, alto e bom som, que a juventude britânica nunca perdoará a esta geração política se, por estes tempos confusos, lhe tiver feito perder, pelo absurdo do Brexit, a ligação histórica ao projeto de progresso comum europeu.

Se Michael Heseltine pudesse vir a ganhar esta batalha, ela seria a sua grande e bela vitória póstuma, e bem merecida, sobre Margareth Thatcher.

sábado, dezembro 08, 2018

Uma palavra


Quero deixar aqui uma palavra que acho que devo ao deputado do PSD, Luís Campos Ferreira, que acaba de anunciar que deixa a vida parlamentar. 

Há uns anos, quando ele assumiu funções num cargo governativo no Ministério dos Negócios Estrangeiros, lancei por aqui algumas ironias quanto à adequação do seu perfil àquela nomeação. Dias depois, fui surpreendido por um seu contacto para almoçarmos. Não desconheço que, às vezes, esse é um método para diluir as “garras” de um adversário (e nós não navegamos nas mesmas águas políticas, como é público e notório). Sei, aliás, do que falo: quando andei pelas “guerras” governativas, também usei táticas idênticas.

O almoço foi muito simpático. Para minha surpresa, o nóvel governante deu razão imediata a alguns dos meus argumentos (provando, no entanto, eu estar equivocado noutros), tendo-se constituído, a partir daí, uma relação muito agradável entre nós, que dura até hoje, mesmo depois dele ter abandonado funções de governo. 

Luís Campos Ferreira nunca precisou de mim para nada. Eu nunca tive o menor interesse nos seus domínios diretos de atividade, governativa ou parlamentar. As nossas conversas, sempre sem qualquer agenda, iam (e vão) da política internacional em geral à política doméstica, com muito humor pelo meio. 

Mas o “fair play” que esteve subjacente ao primeiro dos vários agradáveis contactos que depois tivemos nunca o esqueci. Como também creio que o Palácio das Necessidades não esqueceu as palavras positivas que ele sempre teve para com a carreira diplomática, coisa que nem sempre acontece a quem por lá passa.

Aqui lhe deixo esta palavra que lhe é devida e os votos de maior sucesso na sua futura atividade, seja ela qual for. Há, de facto, mais vida para além da política, meu caro Luis Campos Ferreira!

sexta-feira, dezembro 07, 2018

O livro ou a vida


Defini o que me parece ser uma legítima ambição (não esperança, claro) de vida: não quero viver nem mais um dia depois de acabar de ler todos os livros que ainda me faltam...

Adeus, Angela!


Nunca pensei que iria ter saudades de Angela Merkel...

quinta-feira, dezembro 06, 2018

O tempo dos Clinton


Em julho de 1999, teve lugar em Serajevo, na Bósnia-Herzegovina, a reunião de lançamento do Pacto de Estabilidade para o Sudeste Europeu. Com a generalidade das delegações instaladas, o presidente finlandês, Martti Ahtisaari, que dirigia a sessão, iniciou o seu discurso de introdução. Não tinha passado um minuto quando observei que muitas caras desviavam a atenção em Ahtisaari e olhavam para o outro lado da sala. Era Bill Clinton que, sorridente, em passo lento, fazia a sua entrada em cena, aproximando-se do lugar dos EUA, na imensa mesa quadrada. Pelo caminho, foi-se entretendo a parar junto de alguns dentre os 50 presidentes e chefes de governos, saudando-os, deixando a alguns uma breve palavra e, com a acumulação desses gestos, provocou um movimento de imparável agitação, que concentrou as atenções coletivas. A face de Ahtisaari mostrava um compreensível desagrado com a estudada coreografia de Clinton, a ponto de se ver obrigado a suspender o seu discurso, até que o presidente americano finalmente sossegasse na sua cadeira. Por estar bem perto, recordo que o presidente francês, Jacques Chirac, furioso, rumorava onomatopeias de óbvio incómodo pelo comportamento de alguém que, habilmente, roubara a cena aos poderes europeus presentes. 

Passaram entetanto 13 anos. Estava-se também no mês de julho. Em Paris, teve lugar a reunião dos "Amigos do Povo Sírio", num tempo ainda de esperança na travagem da guerra que viria a devastar aquele país. François Hollande, que presidia à reunião, iniciara já o seu discurso, de um podium, perante as delegações de 102 países. De súbito, notei que muito olhares divergiam para a entrada na sala. Uma figura, com estudado atraso e passo lento, aproximava-se do lugar que lhe competia, com um esgar feito sorriso que lhe é muito próprio. Na sala, só Hollande e essa pessoa estavam de pé, o que tornava tudo mais notório. O discurso do presidente francês não foi interrompido, mas a entrada da chefe da diplomacia americana, Hillary Clinton, não passou despercebida a ninguém. Estava marcado o ponto.

No teatro do poder, o tempo conta muito.

quarta-feira, dezembro 05, 2018

... e a China aqui tão perto!


Não foi há muito tempo. Ouvir falar da China, nas instituições europeias, era escutar um discurso basicamente economicista, feito de ambições por um imenso mercado de consumo emergente, embora ainda com fortes dúvidas sobre o cumprimento pelo país dos requisitos de uma economia de mercado, em especial pelas regulares acusações de “dumping” e pela utilização de vários outros mecanismos não pautais de distorção das regras de comércio. Um dia, porém, essas reticências diluíram-se, no saldo positivo do deve-e-haver tradicional. Claro que havia a “conversa” sobre os Direitos Humanos, em especial sobre o Tibete, mas esse foi sempre um mantra politicamente correto, nunca um obstáculo decisivo aos negócios ou à sua perspetiva.

Por muito tempo, a Europa, num implícito reconhecimento da sua fragilidade, delegou nos Estados Unidos o papel de interlocutor geopolítico do ocidente com Pequim. Na realidade, havia sido Washington que trouxera a China de Mao para o palco do Conselho de Segurança da ONU, em detrimento do seu regime protegido de Taipé. Na altura, os americanos, pela mão de Nixon e Kissinger, haviam operado por básica “realpolitik”, tentando também por essa via agravar o cisma sino-soviético. Além disso, ao se preocuparem, embora com variável atenção, com a segurança de alguns Estados da região, os EUA assumiam o seu papel de tutores de uma espécie de “linha da frente” de economias asiáticas de mercado, capaz de ajudar a conter eventuais ambições expansionistas da China.

Contrariamente aos seus homólogos europeus, os “ think tanks” americanos cedo haviam mostrado uma atenção preocupada com a China. O 11 de setembro apenas atenuou essas linhas de estudo, pouco ideológicas e muito pragmáticas, que então trabalhavam sobre a emergência do perigo chinês. A dependência financeira americana face à China, embora fosse um “pau de dois bicos” que Pequim teria sempre dificuldade em usar como arma retaliatória, revelava um potencial que nunca sossegou Washington. Acrescia que a China, desejosa de ter a garantia da liberdade dos mares (essencial para uma potência comercial e um ávido importador de energia), dava crescentes mostras de querer reforçar o seu poder naval. Os últimos tempos de Obama e reflexões preparatórias da frustrada administração de Clinton revelam que a China não assustou apenas Trump.

Só a Europa não viu a China chegar. E, no entanto, foi Napoleão quem um dia disse: “Quando a China acordar, o mundo tremerá”. Já está a tremer.

terça-feira, dezembro 04, 2018

Paulo Sande


Leio que Paulo Sande vai ser o cabeça de lista às eleições para o Parlamento Europeu pelo “Aliança”, o nóvel agrupamento político criado por Santana Lopes.

Conheço Paulo Sande há bastantes anos. É, em Portugal, uma das pessoas que aborda, com maior seriedade e conhecimento, as questões europeias. Estivemos juntos em inúmeras iniciativas, comungamos muitas perspetivas, julgo que temos ideias bastante próximas em diversos temas internacionais. Tenho, além disso, por Paulo Sande um grande respeito pessoal. 

Não posso deixar de dizer que foi para mim uma surpresa vê-lo emergir politicamente ao lado de uma figura com o recorte público de Santana Lopes. É isso e mais nada que se me oferece dizer.

segunda-feira, dezembro 03, 2018

Guadalajara


Ontem, terminou em Guadalajara mais uma edição da Feira Internacional do Livro que anualmente tem lugar naquela cidade mexicana. Este ano, Portugal foi o país convidado, pelo que aí contou com a presença de dezenas de escritores e editores, que participaram em inúmeras iniciativas. Livros traduzidos em espanhol, de autores portugueses, estavam à venda por toda a feira. O nome de Portugal andou um pouco por todo o lado.

Mas igualmente se tem falado muito de Portugal, em Guadalajara, por uma outra boa razão: uma empresa portuguesa - a Mota-Engil - acaba de executar, depois de quatro anos de trabalhos, a construção do metropolitano da cidade, uma obra que fica a marcar muito positivamente a imagem da engenharia e da construção portuguesas.


domingo, dezembro 02, 2018

Livros


Quem gosta muito de livros é uma raça de gente especial, por vezes mesmo bem bizarra (como eu). Há quem adore comprá-los, quase tanto como de lê-los (como eu). Há quem leia um livro de cada vez e quem “ande” com mais de uma dezena em simultâneo (como eu). Quem os arrume e os “estanteie” com imenso cuidado e quem os mantenha empilhados, num insuperável caos organizativo, que dia a dia se agrava (como eu). Quem seja maníaco de colecionar primeiras ou raras edições e quem tenha tanto prazer em adquirir um belo “hard cover” na Hatchards como uma edição de bolso, bem usada, num alfarrabista de bairro (como eu). Quem cuide em obter dedicatórias dos autores que apanha à mão e quem se esteja mil por cento borrifando para isso (como eu). Quem só ande por livrarias “standard”, onde as coisas estão bem arrumadas por géneros, e quem “se pele” por descobrir, seja lá o que for, no meio do granel quase ingénuo de uma qualquer tabacaria esconsa de província (como eu). Quem cuide em manter impecáveis os volumes que possui e quem os sublinhe, os dobre, às vezes quase os “trate mal” (como eu). Quem esteja sempre disponível para emprestá-los e quem invente pretextos ridículos para os não deixar sair de sua casa (como eu). Quem só compre um livro “quando o rei faz anos” e quem sofra horrores quando passam dois dias sem adquirir um (como eu).

Cumpri anteontem um sonho muito antigo: visitar a mítica Libreria Regia, na zona histórica da cidade do México (demorei hora e meia, ido do hotel, só para lá chegar!), um dos maiores, mais desorganizados e mais deliciosos alfarrabistas do mundo. Nem imaginam a alegria que senti!

sábado, dezembro 01, 2018

México


Hoje, nesta magnífica e majestosa cidade do México, Lopes Obrador tomará posse do cargo de presidente da República. É a vitória de um político persistente, num país farto de escândalos, que lhe deu um inédito voto de esperança. É essa a solução para o México, um país “tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”, como um dia alguém disse? Não sei, ninguém sabe. É contudo um tempo bem diferente de todas aquelas décadas em que o enquistado Partido Revolucionário Institucional (PRI) dava cartas e era dono do baralho da política mexicana, às vezes com consequências bem nefastas.

Ontem, aqui na cidade do México, tentei contactar um amigo mexicano, antigo diplomata, com quem já não falava há uns anos. Tinha sido ele quem, há quatro décadas, me havia ensinado a frase ácida sobre a vizinhança americana, em conversas nas longas noites da nossa comum estada na Noruega. Fora com ele que eu pensara, pela primeira vez, a realidade mexicana, este povo magnífico, com uma cultura soberba, mas com uma afirmação internacional ainda não à altura do que lhe é devido.

Nicolas - era esse o seu nome - era um homem abertamente de esquerda e dizia-o, alto e bom som. A acrimónia contra os “yankees” era a sua palavra de ordem. Recusava-se a tomar Coca-Cola, essas “águas sucias del imperialismo”, como a qualificava. E criticava então, abertamente, o governo do seu país, o que não deixava de escandalizar os seus amigos, que, com gosto, eu me tornara.

(Por essa época, embora pensando politicamente bastante como ele, eu havia decidido que, como diplomata, não era correto exteriorizar a atitude de íntima oposição que também mantinha face ao governo português de então - o executivo da AD, chefiado por Sá Carneiro, governo que eu detestava. Guardei essa atitude de princípio por quatro décadas, durante as quais nunca nenhum estrangeiro me ouviu uma qualquer palavra contra o governo do meu país, fosse ele qual fosse. E, às vezes, a minha indignação foi muita e, acho, bem justificada. No dia em que me aposentei, essa minha obrigação de silêncio acabou, claro.)

Ontem, procurei o Nicolas. Sabia que continuara a ser um homem de esquerda, o que não fora indiferente para o curso da carreira que tivera, pelo que achava graça encontrarmo-nos, agora para ouvir dele o que pensava sobre a solução Obrador. Sabia como podia contactá-lo, mas não consegui. Constatei que o Nicolas havia morrido do início deste ano. Ainda antes da eleição de Obrador. É a vida, ou melhor (ou pior), é a morte.

sexta-feira, novembro 30, 2018

As vantagens da unidade

Há dias, o ministro dos Negócios Estrangeiros português referia que o desafio do Brexit conduziu a um reforço de posições entre os restantes 27 e que isso funcionou como fator de unidade da própria Europa. Sublinhou ainda que não houve “trânsfugas” entre os parceiros, nenhum deles se terá sentido tentado a quebrar a unidade e que isso terá sido essencial para o bom resultado da negociação conduzida por Michel Barnier.

Augusto Santos Silva tem razão. Foi isso mesmo que aconteceu, mas que podia não ter acontecido se os poderes nacionais mais importantes na Europa a 27 não tivessem cuidado de manter, desde muito cedo, as fileiras cerradas. Lembremo-nos apenas que Londres deu sinais, no início de toda esta novela, do seu interesse em “bilateralizar” certas questões. Em alguns dos 27, setores relevantes chegaram a movimentar-se junto dos respetivos governos, receosos daquilo que poderia resultar do Brexit, fazendo aberto lóbi sobre certos dossiês, nalguns casos, ao que se sabe, por discreta sugestão de Londres. De uma forma mais estruturada, isso também se processou junto da Comissão Europeia. Sem resultados, que não fosse ajudar a construir a narrativa comum que Bruxelas levou para a mesa negocial. O que foi excelente.

Devo confessar que esta atitude firme dos 27 me surpreendeu, que não estava à espera de uma posição tão unida. Tendo testemunhado e participado em alguns outros processos negociais europeus, raramente vi coisa similar. Ainda bem que a Europa começa a trabalhar “a sério”. Isso confere-lhe credibilidade e respeito. E revela que o seu braço executivo, a Comissão Europeia, tem uma qualidade técnica que permite, quando suportada por uma vontade política clara do “backseat driver”, o Conselho, garantir uma boa defesa dos interesses comuns. Num ambiente internacional tão imprevisível, com os EUA numa deriva na sua cultura externa em matéria de comércio e serviços, e que não deixará de influenciar outros atores, essa segurança é hoje um inestimável valor. A procissão ainda vai no adro, mas podemos prever que o executivo bruxelense terá condições para vir a recordar este exemplo e fazer notar que as insuficiências que a Europa integrada mostrou no passado devem-se menos à Comissão e muito mais às conjunturais divisões entre os Estados membros.

A negociação do Brexit teve um outro interessante efeito na Europa a 27. Recordar-se-ão de que, nos primeiros tempos, se instalou algum desespero pelo facto de estarmos em “mares nunca dantes navegados”. Sendo uma “première”, alguns efeitos do divórcio britânico eram basicamente imponderáveis. O curso da negociação, contudo, veio criar um progressivo ambiente de acalmia. Houve tempo para segmentar e refletir sobre as reais consequências da cisão, alguns exageros iniciais, em matéria de impactos potenciais, foram redimensionados e assistiu-se à serenidade a instalar-se progressivamente. Ora isto não deixou de ter consequências moderadoras no ambiente dramático que inicialmente se estabelecera. A Europa foi-se preparando, progressivamente, para todos os cenários. E, ao dar disso mostras aos mercados, como que atenuou, por antecipação, um excesso de reação destes, mesmo face aos prognósticos mais adversos.

O Brexit está longe de ter acabado. Eventualmente, mesmo muito longe. Não obstante a sua obstinação, Theresa May vai ter uma imensa dificuldade em “vender”, na Câmara dos Comuns, o pacote que negociou. Uma conjugação impressionante de vozes críticas, oriundas das suas próprias fileiras, por razões muito diversas, somando-se às da oposição trabalhista, pode tornar impossível que obtenha um voto favorável no dia 11 de dezembro. Nesse cenário, muito plausível, o que a seguir virá está muito pouco claro.

A bola está agora do outro lado da Mancha. Aqui ou ali, não é de excluir que possa haver um retoque no que foi negociado. Mas nada de essencial. Se há poucas esperanças de que o Brexit venha a ser um sucesso para ambos os lados, é justo que o lado que tem mais hipótese de sair menos prejudicado sejam os 27. É que não foram eles quem criou o problema.

quinta-feira, novembro 29, 2018

António Patrício Gouveia


Foi uma bela homenagem a que foi prestada a António Patrício Gouveia, o chefe de gabinete de Francisco Sá Carneiro, que com ele morreu em Camarate, em 4 de dezembro de 1980. Faria este ano 70 anos.

Conheci o António na Escola Prática de Administração Militar, onde fui seu instrutor de “Ação Psicológica”, nos meses que antecederam o 25 de abril. Recordo-me do seu sorriso jovial, do ar brincalhão com que encarava aquela tropa a caminho dos dias do fim do regime. Creio que fomos apresentados pelo Simões Ilharco, como ele um homem do jornalismo. Um dia, numa conversa na parada do Lumiar, concluímos que já nos tínhamos encontrado, no início dos anos 70, nuns colóquios da Sedes (ainda na rua Viriato), onde tinha ido umas poucas noites, até concluir que aquilo era demasiado “moderado” para mim. O ambiente eufórico de 1974 não deu para constatar que, embora da mesma idade, quase tudo nos separava, dos círculos de vida às convicções políticas. Isso não impedia que, sem sermos propriamente amigos, mantivéssemos uma relação de grande cordialidade e simpatia mútua.

Recordo perfeitamente a última vez que falámos, ele no pátio do palácio das Necessidades onde tinha ido por qualquer razão, eu pendurado na janela da minha sala das “Económicas”, que dava para esse espaço. Foi aí por inícios de 1979. Provavelmente, trocámos trivialidades e rimos de alguma coisa - ambos éramos dados ao humor e nada sisudos.

O António era uma pessoa altamente preparada. Era uma figura em ascenção do PSD, com um futuro brilhante à frente, nomeadamente na política externa, onde contava com bons amigos, alguns dos quais cruzei no ISEG, na tarde de ontem, na homenagem que lhe foi prestada. Partiu muito cedo, aos 32 anos.

Fez-me muita impressão a sua morte. Foi bonito ver Marcelo Rebelo de Sousa associar-se à sessão e nela proferir um tocante discurso dedicado a alguém que era um seu amigo pessoal. E foi um gesto muito simpático ver atribuída ao homenageado, pelo presidente da República, a título póstumo, a grã-cruz da Ordem do Infante.

O outro lado do vento

Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...