domingo, novembro 25, 2018

25 de novembro (2)


Ter hoje as forças políticas que, em 1975, apostavam numa via revolucionária integradas numa solução constitucional de governo é talvez a maior vitória do 25 de novembro.

Obrigado, Ernesto Melo Antunes.

25 de novembro


Não gosto da data de 25 de novembro. E isso nada tem a ver com política, que fique claro. Tem a ver com a vida. Por isso, acho bem que hoje chova. É o clima próprio para uma data de que não gosto.

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Será coisa para comemorar? Talvez. Leio, no contador automático do blogue, que foi passada há dias a marca dos seis milhões de visitantes. Ainda a um pouco mais de dois meses de completar uma década de vida, com publicação diária, isto significa que houve, em cada ano, mais de 600 mil visitantes, o que dá uma interessante média de 50 mil por mês, cerca de 1600 por dia. Nada mau! 

sábado, novembro 24, 2018

50 anos depois: maio em novembro


Os Campos Elísios, em Paris, estão hoje a ferro-e-fogo. O resto da França vive dias agitados, com centenas de milhares de manifestantes nas ruas. O que é que se passa? Que similitude tem isto com as manifestações de maio de 1968? Naquela altura eram os ”enragés”. Os novos “enraivecidos” são hoje estes “gilets jaunes”? Tal como há meio século, a pergunta coloca-se: o que é que, em concreto, querem os manifestantes?

Não parece haver uma resposta única. Aparentemente, a França é atravessada por um mal-estar generalizado, que não é de esquerda nem de direita. Várias das decisões governamentais, de natureza legislativa e administrativa, confrontaram-se com uma forte reação popular. Como resultado, o poder presidencial, que titulou essas decisões, é hoje contestado por muita gente, levando a figura de Emmanuel Macron a ter uma taxa de popularidade bastante mais baixa do que aquela que Trump tem nos EUA.

Quando foi eleito, a postura do novo presidente alimentou uma espécie de populismo “light”, pela deliberada vontade de criar uma espécie de ligação direta com as pessoas. Esse quase desprezo pelos corpos intermédios, dos partidos aos sindicatos, está agora a ter um elevado preço. Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon, respetivamente da direita e da esquerda radicais, têm agora as suas tropas na mesma trincheira. É uma surpresa? Nem por isso. A coincidência de agendas estava a tornar-se, a cada dia, mais evidente.

Macron quis ser o interlocutor único dos franceses, “à la De Gaulle”. Isso funcionou bem enquanto aqueles que o elegeram ainda colocavam as suas esperanças no novo presidente - cara jovem, ar enérgico, com todas as soluções (aparentemente) na ponta-da-língua.

Depois, um dia, surgiu a dura realidade: o discurso de “modernização”, a tentativa de ”racionalização” da imensa máquina pública (num país em que a despesa pública representa metade do PIB), começou a ter um preço visível na vida de cada um. A ideia de Macron, de que é preciso fazer alguns sacrifícios no presente para ganhar vantagens no futuro, não rima com um país tradicionalmente imobilista, que vive de direitos adquiridos, pouco sensível à ideia de que a França tem de ganhar competitividade, sem o que não pode continuar a fazer “papel de rico” pelo mundo, no sistema capitalista em que escolheu viver e que a eleição de Macron sufragou.

Muitas dessas medidas “de rigueur” (em França, esta expressão é sempre evitada no discurso político), estão a revelar-se, pela sua natureza, fortemente impopulares. Para as “vender”, Macron teria necessitado de as negociar previamente com a tal França intermédia, mas que ele desprezou e ajudou a fragilizar. Agora, ao tentar impô-las, de cima para baixo, soltou os demónios.

Hoje, o presidente que não era nem-de-esquerda-nem-de-direita tem nas ruas uma França que não é nem-de-esquerda-nem-de-direita. “Comment il s’en sortira? À suivre”.

“Estrela solitária”


Gosto muito da escrita de Ruy Castro (por cá, podemos lê-lo no “Diário de Notícias”, aos domingos, numa feliz opção editorial do “mestre” Ferreira Fernandes), alguém que domina a crónica com a maestria de um Nelson Rodrigues, naquele jeito único, misto de simplicidade e imaginação, com que as palavras são articuladas, como se de poesia se tratasse.

Mas o meu gosto pelo Ruy Castro cronista é, confesso, suplantado pelo Ruy Castro biógrafo. Leia-se a sua biografia de Nelson Rodrigues, intitulada “O Anjo Pornográfico”, ou a história de Carmen Miranda ou ainda o “Chega de Saudade”, uma “biografia” da Bossa Nova - e digam-me se não tenho razão. E não se perca um livro mais curto, que passou despercebido, o “Era no Tempo do Rei”, uma ficção em que se inventam as divertidas aventuras do então príncipe dom Pedro, ainda criança, com um amigo, pelo Rio dos dias de dom João e Carlota Joaquina.

Todo este intróito é para falar do “Estrela Solitária”, a biografia de Garrincha, que Ruy Castro assina e que acabo de ler. Abordar a vida de um jogador de futebol pode parecer um tema fútil. Mas Garrincha não foi um jogador qualquer, foi verdadeiramente “a pátria em chuteiras” (de que um dia falou Nelson Rodrigues) e a sua existência esteve muito longe da banalidade de um qualquer “craque”. No retrato que dele traça, Ruy Castro projeta, de algum modo, um certo Brasil, um país de altos-e-baixos, de grandezas e de misérias, de sucessos e de derrotas.

Através daquelas páginas, quase que “vemos” Garrinha a jogar as partidas que a carreira lhe trouxe e aquelas que a vida lhe pregou. As aventuras e desventuras amorosas do jogador, a intensidade da sua relação com Elsa Soares, a rivalidade com Pelé, o mundo sórdido e glorioso do futebol, o poder destrutivo da bebida, a fantástica ligação com os amigos Pincel e Swing - é tudo isso e imensamente mais que Ruy Castro nos traz, numa linguagem ágil, fílmica, colorida. Um belo livro.

sexta-feira, novembro 23, 2018

Demasiada memória


(Ontem, ao final da tarde, ao sair de um debate no mosteiro dos Jerónimos, olhei a igreja e decidi entrar. Nunca são demais as oportunidades para apreciar aquele monumento. De um lado está o túmulo de Vasco da Gama, do outro o de Luis de Camões. Uma coroa de flores mostrava que o poeta tinha sido homenageado. Fui ver por quem: João Lourenço, presidente de Angola. Lembrei-me, então, deste texto que, há mais de seis anos, escrevi neste blogue. Os leitores compreenderão porquê.)

Há dias, um amigo dizia-me, levemente crítico, que eu tinha "demasiada memória". Para logo esclarecer: "é que tu lembras-te, às vezes, de certas coisas que mais valia a pena teres esquecido...". Talvez seja verdade. Com frequência, tenho esse tropismo de me recordar de assuntos que outros arquivaram em dossiês de conveniência, que não querem voltar a consultar. Como os leitores deste blogue já se devem ter apercebido, não o faço para visar especificamente ninguém, mas apenas como testemunho de quem acha que, sobre o que conhece, deve tentar "to set the record straight".

Vem isto a propósito de um recente editorial do "Jornal de Angola" que provocou algumas ondas de choque em Portugal, felizmente tratadas já com bom senso e sentido de equilíbrio.

O tema, contudo, fez-me "regressar" a Luanda, aos mais de três anos que por lá passei, entre 1982 e 1986, quando servi na nossa embaixada local. As relações oficiais entre Portugal e Angola eram então muito tensas, fruto da terrível guerra civil que marcava ao quotidiano angolano e da circunstância de certos setores da oposição ao governo de Luanda terem Lisboa como palco privilegiado para a sua afirmação pública. 

A argumentação de que muitos dos titulares das posições do partido do "galo negro", da UNITA, tinham nacionalidade portuguesa e de que, por essa razão, nada os impedia de se reunirem politicamente em Lisboa e daí atacarem, nos nossos media, o governo angolano, não era aceite, porque as autoridades angolanas entendiam que os sucessivos executivos lisboetas tinham o dever político de não permitir a expressão dessas vozes, que davam cobertura a um movimento que combatia, de forma violenta, o poder instalado em Luanda.

Debalde nós tentávamos explicar aos nossos interlocutores locais que a liberdade de imprensa era uma conquista daquele mesmo 25 de abril que abrira caminho à independência angolana e que, no nosso país, nenhuma ideologia, nem nenhum político, estava isento de ácidas críticas, a começar pelos próprios membros dos nossos governos. Mas essa uma "guerra" perdida, nos tempos em que uma certa elite lusitana mantinha um persistente fascínio por Jonas Savimbi, que então organizava os seus "Jamba tours", de onde esses convidados saíam deliciados com tudo o que por lá os deixavam ver, desde logo a começar pelo patético "sinaleiro" (que nos dava um jeitaço, agora, no Marquês!). E ai de quem os tentasse então convencer de que, por detrás da sua suposta bonomia africana, Savimbi era um promotor de atrocidades, hoje bem documentadas e incontroversas.

À época, os editoriais do "Jornal de Angola" contra Portugal sucediam-se. A embaixada portuguesa em Luanda optara por não reagir, deixando que essa catarse mediática não fosse estimulada por um contraditório que se via como de escassa eficácia. Por isso, líamos matinalmente essas colunas agressivas e, através delas, apenas íamos medindo a febre de acrimónia contra Lisboa, esperando que o tempo a atenuasse, como fe facto acabou por suceder.

Um dia, vi publicado um texto de rara violência, já não sei bem a propósito de quê. Nele se referia que Portugal, crismado como o "miserável país das caravelas decrépitas" (nunca esqueci esta flor de retórica lusofóbica), era um colonizador frustrado, porque, contrariamente a outros, não deixara em Angola nenhuma herança positiva.

Sem consultar o meu embaixador, tomei a iniciativa de telefonar ao autor do texto, uma pessoa que eu tinha tido ocasião de conhecer pessoalmente, através de amigos angolanos. Era um jornalista e escritor de bastante mérito, nascido em Portugal, creio que em Loures, que vulgarmente usava um pseudónimo que substituía o seu nome português, como então era vulgar em Angola. Disse-lhe que tinha lido o seu texto com interesse e que queria "felicitá-lo" pelo mesmo.

Do lado de lá da linha, a resposta foi a esperada: "Você está a gozar comigo?". Respondi-lhe que não estava e que o texto, cuja liberdade de apreciação sobre Portugal eu não contestava, comportava, contudo, uma evidente contradição, de que ele talvez não se tivesse dado conta, mas que era a única razão do meu telefonema. O meu interlocutor estava cada vez mais perplexo, até pela deliberada cordialidade que atravessava o meu discurso.

Pelo que decidi explicar: "O seu texto, independentemente do conteúdo agressivo contra o meu país - o mesmo, aliás, onde você nasceu -, está extremamente bem escrito e exprime, de forma brilhante, uma leitura crítica face ao comportamento do meu governo. Embora eu não concorde, rigorosamente em nada, com aquilo que escreveu, quero dizer-lhe que entendo que você está no pleníssimo direito de exprimir o que pensa, embora eu imagine o que "por aí iria" se, lá em Lisboa, o "Diário de Notícias", que nem sequer é um jornal oficioso como o seu, se abalançasse a escrever um coisa de natureza similar sobre o governo angolano. Mas não é essa, hoje, a minha questão. O que eu queria sublinhar é que o texto está redigido num português exemplar, numa escrita de grande elegância estilística. Ora você diz, nesse mesmo texto, que nada ficou em Angola de herança lusitana! E essa língua em que você escreve tão bem? É uma herança de quem? Ou será que você é capaz de escrever um editorial em quimbundo, em umbundo ou em chocué, que qualquer angolano que saiba ler possa perceber? E em que língua se publica o "Jornal de Angola"? Que outra língua une hoje Angola? Essa é ou não é uma herança do tempo colonial?".

Já não me recordo da resposta do meu interlocutor, que terá sido, com toda a certeza, inteligente e informada, porque era alguém com uma grande qualidade intelectual e política. Uma figura infelizmente já desaparecida."

quinta-feira, novembro 22, 2018

Pensar alto


Ao final da tarde de amanhã, dia 23 de novembro, sexta-feira, no auditório B104 do ISCTE, em Lisboa, vou ter o gosto de apresentar o livro “Um Futuro a Construir”, de Francisco Pinto Balsemão e José Maria Neves, tarefa que partilharei com Henrique Monteiro.

A estrela transmontana


Ontem, foi uma grande noite para a gastronomia de Trás-os-Montes. O Restaurante G, na Pousada de Bragança, com a cozinha dirigida pelo chefe Óscar Gonçalves, obteve uma “estrela” atribuída pelo Guia Michelin.

Acompanho, praticamente desde a primeira hora, o esforço feito pela família Gonçalves para requalificar o restaurante da Pousada de Bragança, unidade hoteleira que atualmente gerem. Tenho testemunhado o trabalho notável que o Óscar, bem como o seu irmão António, chefe de sala e magnífico escanção, têm feito para erguer a obra agora justamente galardoada. Mas não devo esquecer a importância do trabalho dos seus pais, a chefe de cozinha Iracema e o seu marido Adérito Gonçalves, que dirigem o restaurante bragançano Geadas, o qual, no fundo, acaba por estar na origem do êxito deste novo projeto. 

Nesta hora muito feliz para toda a família Gonçalves, os seus amigos, nos quais me incluo, congratulam-se por este importante reconhecimento. Mas há alguém, em particular, que sei que partilha bem fortemente esta alegria - o meu amigo José Luis Seixas, a pessoa que me recomendou, pela primeira vez, que fosse comer ao Geadas, há mais de 20 anos. O seu entusiasmo constante pelo empreendimento da família Gonçalves faz com que eu saiba que, nesta hora, esta “estrela” é por ele sentida de forma muito particular.

quarta-feira, novembro 21, 2018

Michelin


Demorou alguns anos, deu bastante trabalho a algumas pessoas que nisso muito se empenharam, envolveu várias entidades, mas, finalmente, concretiza-se hoje: a Michelin organiza, pela primeira vez em Portugal, o lançamento do seu Guia anual para a península ibérica. Nele figuram todas as relevantes indicações de hotelaria e restauração, organizadas por localidades, com indicações dos principais restaurantes - incluindo aqueles a que a Michelin atribui as famosas “estrelas” ou que destaca com a marca de qualidade de “Bib Gourmand”.

Alguns irão dizer - já os estou a ouvir - que tudo isto tem pouca importância, que o impacto global sobre a nossa indústria de restauração não é significativo, que as “estrelas” da Michelin são irrelevantes. Talvez quem conhece melhor os temas do turismo e da promoção da imagem de Portugal possa falar com maior propriedade sobre os efeitos deste evento. 

Neste dia em que uma ideia se concretiza, deixo um abraço a duas pessoas que foram instrumentais nesta questão. Pessoas que, um dia, ao terem falado entre si, fizeram com que o que hoje acontece acabasse por ser possível. Espero não estar a revelar um segredo ao colocar aqui os seus nomes: Fortunato da Câmara, crítico gastronómico do “Expresso”, e Alberto Laplaine Guimarães, secretário-geral da Câmara Municipal de Lisboa e diretor da Academia Portuguesa de Gastronomia.

Missão impossível


Todas as gerações diplomáticas portuguesas foram habituadas a lidar com a máquina oficial britânica, principal e incontornável parceiro de Portugal nos últimos séculos. Pertenço àquela que assistiu a uma mudança muito significativa, quase diria que histórica: daquilo que chegou a ser uma dependência tutelar quase humilhante até uma forte autonomização da nossa capacidade decisória, derivada da adesão do nosso país às estruturas europeias, com a nossa opção por uma linha integracionista que, a partir de certo momento, passou a estar quase nos antípodas da orientação do parceiro na "velha aliança".

Durante os anos em que trabalhei em Londres, testemunhei momentos muito tensos na relação do Reino Unido com Bruxelas, violentos ataques às posições, tidas por centralistas, tituladas por Jacques Delors, chefe de uma Comissão Europeia que nunca deixou de ser a mais diabolizada das instituições. Vi os britânicos exultantes com o que consideraram ser uma imensa vitória no termo da negociação do Tratado de Maastricht, a sua rejeição da moeda única, o orgulhoso isolamento que a não aceitação de Schengen representou, entre outros "opt out" tidos por sucessos protetores do interesse de Londres.

Lidei com diplomatas e alguns políticos do Reino Unido ao longo de quatro décadas e, em todo esse período, adquiri duas certezas: os britânicos nunca abandonariam a sua condição de parceiro europeu fortemente relutante (afinal, foram mesmo mais longe do que isso), ao mesmo tempo que sempre trouxeram, para dentro da União, cujo funcionamento sustentadamente punham em causa, um profissionalismo de primeira água, ao nível do seu notável "civil service", com uma diplomacia que pedia meças a qualquer outro país. O Reino Unido sempre negociou bem, na sua peculiar perspetiva nacional, nos diferentes tempos da vida europeia, levando quase sempre, no essencial, a água ao seu moinho. Às vezes, é verdade, adotando posições que roçaram a perfídia e uma frieza cínica - talvez um revisitar do "Yes, Prime Minister" possa ser educativo.

Olhando o resultado bem pífio que o Governo britânico agora apresenta, no termo do penoso processo negocial com os "vinte e sete", não posso deixar de ter um pensamento de simpatia para com os diplomatas que nele estiveram envolvidos. Se uma diplomacia tão capaz como a britânica foi incapaz de produzir um resultado razoável, só podemos concluir que se tratava de uma missão impossível.

terça-feira, novembro 20, 2018

Observem!

Tem alguma graça olhar o modo como certos operadores mediáticos, criados e mantidos por investimentos puramente ideológicos, ruinosos nas cifras mas que esperam ser recompensados a prazo (cada vez mais longo, pelos vistos...) nas urnas, têm vindo a tratar, “com pinças”, a questão das touradas. Eles sabem bem que os seus aparelhos de proselitismo político caminham, neste domínio específico, por uma linha muito fina e delicada: a que é traçada entre o trauliteirismo ultramontano, aliado neste caso a um marialvismo transversal policrómico, e a imparável frescura mental de uma juventude que nem por se poder sentir conservadora noutros domínios consegue comungar já da simpatia por práticas que sente dizerem respeito a outros tempos, que inevitavelmente olha como meros resíduos de um primitivismo social que só a inércia e o tradicionalismo decadente ainda alimentam, mas que não deixarão, em tempo mais ou menos breve, de passar ao caixote do lixo da História. E como esses “outlets” do conservadorismo da paróquia vivem na angústia de não perder ambos os públicos-alvo, gizam um discurso equívoco, rebuscado na forma e ambíguo na opção de fundo. Que patuscos são! Eles observam, nós topamo-los bem!

segunda-feira, novembro 19, 2018

São Nicolau


É um santo estranho, S. Nicolau, que tanto é o protetor dos guardas-noturnos na Arménia (nunca lhes perguntámos, Luis Castro Mendes, nas nossas noites de trabalho em Yerevan), como serve de inspiração, nas festas Nicolinas, aos estudantes de Guimarães. Hoje, o santo “abençoou-me” uma bela refeição, na sua excelente adega - a “Adega de São Nicolau” - na Ribeira do Porto, onde, na sua nova encarnação, vim pela primeira vez, há bastantes anos, com o meu saudoso amigo “Kiko” Castro Neves. Estou certo que ele teria apreciado as costeletinhas de borrego (gostei que, com profissionalismo, me tivessem dito que as bochechas de porco precisariam de mais meia hora de cozinha) e, no fim, o doce de gila, acompanhado de dois “seminaristas”, coisa a que, na minha terra, se chama “jesuítas” - um “fine-tunning” doceiro em que a província esmaga as metrópoles.

E agora vou trabalhar, porque a boa vida é só para os reformados, e eu não sei o que isso é!

Selassie


O “Diário de Notícias” semanal (está cada vez melhor a edição dominical em papel e, um destes dias, inscrevo-me como assinante pago da edição digital diária) traz ontem esta fotografia do “venerando chefe de Estado”, Américo Tomaz, a receber, na Praça do Comércio, o “negus” da Etiópia, Heile Selassie.

Estava-se em julho de 1959. O governo de Salazar tinha, por essa altura, percebido já que a grande “vitória diplomática” da entrada de Portugal para a ONU, quatro anos antes, estava a “sair-lhe pela culatra”. As Nações Unidas passaram a ser uma espécie de tribunal no qual Portugal era, dia após dia, fustigado perante o mundo pela sua relutância em descolonizar, dando assim lastro aos movimentos independentistas que, em Angola (1961), na Guiné (1963) e Moçambique (1964), viriam a iniciar movimentos de guerrilha que se transformaram nas guerras coloniais que Portugal teve de suportar até 1974.

Trazer o imperador da Etiópia a Portugal, dando-lhe uma receção de Estado com todo o foguetório coreográfico que a ditadura conseguia mobilizar, era uma óbvia operação de “marketing” para tentar cativar um reconhecido líder africano. O tempo viria a provar que o sucesso da iniciativa não iria, contudo, ser muito.

Um “número” quase idêntico havia sido feito à soberana britânica (1957), num tempo em que o regime procurava preservar a tutela protetora do Reino Unido no plano internacional e ainda sonhava que poderia vir a mobilizar a “velha aliança” para as suas pretensões de se manter nas “possessões ultramarinas”.  Anos depois, aquando da invasão de Goa, Damão e Diu (1961) pela União Indiana, Londres deixou claro que não estava disponível para ir nesse caminho. 

Um ignoto e efémero presidente brasileiro, Café Filho (que herdou a presidência por morte de Getúlio Vargas) também já havia tido “restolho” protocolar similar (1955), antecedendo o que mais tarde também seria proporcionado a Juscelino Kubitschek (1960), sempre na tentativa de conservar o Brasil no apoio internacional à política colonial portuguesa. Em vão, como se iria ver, com a ditadura militar brasileira a desprezar as pretensões diplomáticas de Lisboa e a colocar o seu país, de forma permanente, ao lado de quantos, na ONU, se afastavam das políticas do regime salazarista. As duas ditaduras que então monopolizavam o espaço mundial da língua portuguesa nunca se entenderam muito bem.

No plano interno, a legitimidade do regime havia sido, entretanto, fortemente posta em causa nas eleições do verão de 1958, com a candidatura do general Humberto Delgado a provocar um abalo político que demoraria anos a ser digerido. Entre 12 de janeiro e 20 de abril de 1959, o general, temendo ser preso, esteve refugiado na embaixada brasileira em Lisboa, depois de obtido um polémico asilo diplomático. O caso de Delgado, que viria a ser assassinado mais tarde (1965), em Espanha, pela polícia política de Salazar, estava assim ainda muito fresco nesses dias de visita do imperador etíope. 

Nesses dias da visita do “negus” etíope, que a imagem do DN de ontem documenta, alguma imprensa internacional, seguramente adubada por setores oposicionistas portugueses, havia posto em causa a legitimidade de Américo Tomás em poder usar o título de presidente de Portugal, argumentando com a imensa fraude eleitoral que ferira de legalidade o sufrágio. O próprio Humberto Delgado, no Brasil, proclamava então ser o presidente a quem fora usurpado o cargo.

Foi nesse contexto que, aquando da visita do imperador, surgiu então uma anedota, como muitas que, nesses tempos de ditadura, emergiam como uma espécie de resistência “soft”, de denegrimento pelo humor, muito ao jeito do ambiente dos cafés da época. A “história” que se contava é que, ao receber o imperador etíope, no Cais das Colunas, Tomaz se teria apresentado dizendo: “Eu sou Américo Tomaz, presidente de Portugal”. O visitante, segundo a graça, ter-lhe-ia respondido: “Eu Selassié” - soando a “sei lá se é”...

Pequenas historietas de um tempo bem triste da nossa História.

domingo, novembro 18, 2018

A Manuel Alegre

Eu também não coloco os animais acima das pessoas, mas coloco o sofrimento dos animais acima do gozo de um espetáculo para pessoas.

sábado, novembro 17, 2018

Encontros de Cascais


Um belo debate, numa excelente iniciativa do “Expresso”, com muita gente nova, outros menos, muitas mulheres e uma organização exemplar. Foi assim que “ganhei” o meu sábado.

Loureiro dos Santos


Morreu Loureiro dos Santos, um militar de abril que fez incursões pela política, sem aí nunca ter deixado de ser, essencialmente, um brioso militar. Mais tarde, refletiu e publicou sobre aspetos estratégicos da nossa singularidade geopolítica, abordando também as mutações ocorridas, nas últimas décadas, na condição militar em Portugal.

Loureiro dos Santos foi um democrata, um esteio do “grupo dos nove”, que procurou contrariar a deriva radical da Revolução de abril. Exerceu funções políticas na área da Defesa Nacional, em governos de inspiração presidencial, onde sempre projetou uma perspetiva do modelo de transição que uma figura como Ramalho Eanes, de quem era muito próximo, procurou implementar no processo político-militar português. Loureiro dos Santos viria igualmente a assumir elevadas funções na hierarquia militar.

A falta que fazem personalidades como Loureiro dos Santos é melhor realçada pelo facto de, entretanto, não terem surgido muitas figuras militares a destacar-se na reflexão, com qualidade, sobre as temáticas da Estratégia e da reflexão geopolítica.

Sobre Loureiro dos Santos, leia-se, com vantagem, a excelente biografia que Luísa Meireles sobre ele publicou há poucos meses. É uma das melhores homenagens que lhe podemos fazer.

sexta-feira, novembro 16, 2018

Às armas?


Uma palavra pode fazer toda a diferença. Há dias, Emmanuel Macron disse o que não poderia ter dito: incluiu os Estados Unidos entre os adversários cuja existência poderia justificar a criação de um exército europeu. Trump reagiu e teve razão em fazê-lo: a França é um parceiro da NATO e, muito embora hoje seja tudo menos claro o que Washington quer fazer da organização que abertamente controla, nenhum cenário, por mais fantasista que seja, pode colocar a América do outro lado de uma qualquer trincheira oposta ao continente europeu. Quanto mais não seja por meridiano realismo, em termos de capacidades militares.

Macron tem no facto de ser um europeísta a sua maior qualidade. As propostas que fez, no sentido de um reforço institucional da governança da zona euro, foram muito ousadas e corajosas. Resta saber se, chegado a vias de facto, teria hipóteses de conseguir “vender” essas ideias a um país que já demonstrou, por mais de uma vez, que tem uma opinião pública e uma classe política bem mais recuada face à Europa do que as suas lideranças - recordo o fracasso da Comunidade Europeia de Defesa e o Tratado Constitucional Europeu, e também que foi por uma unha negra que Maastricht foi ali aceite.

A saída do Reino Unido vai deixar a França numa esplêndida solidão, no quadro integrado do continente, em matéria de capacidade militar, desde logo nuclear, bem como de afirmação política, no seio das Nações Unidas. Macron já percebeu que Paris tem aqui uma oportunidade soberana para se afirmar no centro de gravidade de uma Europa que, como é evidente para todos, pode ter de viver, por muitos e bons anos, bastante alheada do “amigo americano”, com o interesse em reconstruir uma parceria de novo tipo com o Reino Unido e que ainda não sabe o que vai fazer com Moscovo. A necessidade de uma dimensão europeia de defesa, quanto mais não seja “by default”, é algo que parece óbvio - embora me pergunte se falar em “exército europeu” não ajuda a espantar a caça.

Macron não está sozinho. Na terça-feira, Angela Merkel deu, no Parlamento Europeu, um claro sinal de querer ir a jogo. Em Berlim, vê-se Londres a afastar-se. Ecoando a ideia do “exército europeu”, Merkel terá querido dar, pelo menos, três sinais. E um silêncio.

Desde logo, pretendeu demonstrar que a narrativa alemã sobre segurança e defesa já não vive sob os velhos tabus. Isso vai-se sabendo, mas ela quis dizê-lo, uma vez mais. A Alemanha tem consciência de que, para servir de parceiro e contraponto à França, tem de pesar mais na Europa em termos militares. 

A chanceler também sabe que, para apaziguar as preocupações securitárias que adubam a fação mais conservadora do país, precisa de muscular a sua narrativa, quer em termos de defesa, por conta de inquietações internas face à deriva autoritária russa, quer nas questões de proteção da fronteira europeia comum e do sensível tema do asilo. 

Finalmente, Berlim quer deixar claro que partilhará a autoridade europeia com a França, o que é também um recado para os EUA, que começam a perceber que o “ticket” franco-alemão está para durar – e que a atitude de Trump pode a isso ter ajudado. 

Os discursos, porém, se são eloquentes no que dizem, também dão voz forte ao que silenciam: Merkel deixou em branco os apelos de Macron para a regulação da zona euro, nomeadamente o completar da União Bancária.

quinta-feira, novembro 15, 2018

De cernelha

Afinal, ficou confirmado que, lá pelo PS, existia, na clandestinidade, um núcleo de peões de brega. Os brasileiros têm a “bancada do boi”; nós tínhamos de subir a parada, criando a “bancada do toiro” (com “i” que é mais fino...) Saíram hoje do seu “burladero” ideológico, estavam afinal bem refugiados em tábuas, até que um citar poético lhes concedeu alguma praça. E aí romperam eles, ao toque de um qualquer inteligente que lhes soprou o passo doble, acolitados por uns moços de forcados, arribados pela direita (de onde havia de ser?), para tentar pegar, não de caras, mas de cernelha, a proposta do IVA. 

No final, aposto!, limpando as mãos à terra da praça, como podiam ter feito à parede, será por lá notado um rabejador qualquer. Mas que faena mais triste!

Indo eu, indo eu...


... a caminho de Viseu, já cheguei, neste belo fim de tarde, à capital portuguesa das rotundas. São 127, dizem! Venho por aqui debater a Grande Guerra, numa iniciativa da Câmara Municipal e da Liga dos Combatentes.

Durante muitos anos, quando as auto-estradas não ainda tinham reduzido o nosso trânsito pelas localidades servidas por estradas nacionais, Viseu foi, para mim, uma passagem obrigatória, nas longas viagens entre Lisboa e Vila Real, em tempos de Natal ou Páscoa. 

Se a jornada estivesse muito atrasada, parava-se para tomar “qualquer coisa” no Monte Branco, um café citadino então muito na moda. Se as horas chegassem, jantava-se no Cortiço (mais tarde, também no Trave Negra), com o Dom Zeferino a insistir para que provássemos uma aguardente “caseira”, o que nos preparava para o resto da jornada. É que, de Viseu a Vila Real era ainda um bom “esticão”, com uma estrada curvosa com frequente nevoeiro, por Castro Daire e dali, pela serra de Montemuro, até começar por descer por Lamego até à Régua. Recordo-me de jornadas noturnas de inverno, a ter de abrir frequentemente a porta do carro, para conseguir perceber o limite sa estrada. Nada que o bagaço do Dom Zeferino, nesses anos complacentes da antiga “Brigada de Trânsito”, não ajudasse a resolver... 

quarta-feira, novembro 14, 2018

Derrota pírrica


Quase tudo foi dito sobre as eleições intercalares americanas. Deixo apenas algumas breves notas sobre os resultados, tentando olhar em frente.

Trump foi derrotado. Para quem tinha as duas câmaras do Congresso e perdeu a maioria naquela onde é iniciado o essencial do processo legislativo – a Câmara dos Representantes – é evidente que se tratou de uma derrota. Esse desaire foi, contudo, atenuado: Trump não perdeu o controlo do Senado, onde teve mesmo alguns ganhos marginais e cujos integrantes são eleitos por seis anos (sendo um terço do órgão renovado a cada dois anos), pelo que, ao contrário do que é vulgar acontecer, esta eleição intercalar não resultou no ressurgimento global de uma onda oposicionista. Trump sai enfraquecido mas não tanto como ele próprio temeria e os adversários e comentadores considerariam plausível que pudesse ter acontecido.

Trump reforçou assim bastante as suas possibilidades de ser reeleito em 2020. A América, que pareceu inicialmente aturdida com o seu estilo, não o rejeitou, conferiu-lhe um voto de reticente confiança. Quem elegeu Trump não parece, no essencial, descontente com ele. Eliminada a possibilidade de vir a ser afastado do cargo por um processo de impedimento de funções – dado que o Senado, que continua a dominar, teria sempre a última palavra sobre isso – o presidente pode, contudo, vir agora a ser sujeito a um desgaste político contínuo, se o processo de suspeição sobre as suas relações com a Rússia vier a manter-se.

Percebe-se que Trump vive aqui um dilema. Se optar por afastar o investigador especial que trata do tema, cuja curiosidade se tem alargado a temas para ele tabu, como as contas familiares, o presidente tem consciência de que vai agravar um campo de batalha, que os adversários não deixarão de explorar à saciedade, assumindo-o como uma implícita admissão de culpabilidade. Se o processo de inquirição se prolongar, em termos que sejam credíveis aos olhos dos cidadãos, e se, de facto, começar a ser evidente que há algum fogo por detrás do fumo, a imagem de Trump pode vir a sofrer, com consequências daqui a dois anos.

Mas há uma persistente ilusão que não pode deixar de ser evidenciada. O mundo exterior vive mobilizado contra Trump à luz da atitude de uma América liberal que não representa o país. A CNN, as graças de Stephen Colbert ou os artigos do New York Times ou do Washington Post podem parecer-nos faróis de meridiano bom-senso, mas não espelham um sentimento forte que se vive nos EUA – e que tem tudo menos a ver com isso.

Para esse juízo valorativo, que as eleições refletiram bem, conta essencialmente o sentimento, real ou potencial, de bem-estar económico, adubado por uma retórica de defesa do interesse nacional que cai como sopa no mel em setores de opinião pública que já estão conquistados para a ideia de que o mundo tem sido injusto para com os EUA, de que os estrangeiros ou quem vem de fora são culpados pelos seus problemas de insegurança (pública, de emprego, de competitividade económica) e que olham com esperança para um líder que não tem vergonha de expressar alto os seus pensamentos, por mais primários que estes sejam.

Os EUA saem deste período muito mais divididos do que estavam. Se os democratas vierem a ser culpabilizados, por Trump e no juízo público, por eventuais bloqueios ao funcionamento da administração nos próximos dois anos, através da sua nova posição na Câmara de Representantes, arriscam-se a poder vir a ser penalizados politicamente. Pirro, segundo a História, ganhou uma batalha por um preço tão elevado que, afinal, lhe poderia custar perder a guerra. Resta saber se, a contrario, esta derrota de Trump não pode, no fim de contas, ser o pano de fundo que pode vir a facilitar a sua reeleição.

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