segunda-feira, setembro 24, 2018

Portugal no Brasil (2)

Aqui deixo a segunda polémica.

Prezado Senhor Mino Carta
Director de Redacção da Carta Capital

Leitor atento da vossa revista, acabo de ler o artigo do vosso colaborador Miguel Sanches Neto, sob o título de ‘Brasil recolonizado’, no último número da Carta Capital. Gostaria de ter o direito de réplica a essa peça, pelo que lhe envio em anexo um texto cuja publicação muito agradeceria. Com os melhores cumprimentos.

Francisco Seixas da Costa
Embaixador de Portugal no Brasil

*** 

Quem tem medo de Inês Pedrosa?

No Brasil há menos de um ano, aprendi rápido que a abertura ao mundo constitui uma das matrizes deste país, fruto da sua permanente convivência descomplexada com a diferença. A brasilidade fez-se e firmou-se sobre todas as marcas e referências que aqui chegaram, usando-as e transformando-as num magma cultural original, com uma identidade fortíssima, que hoje não precisa de defesas artificiais para se afirmar.

Por tudo isso, foi com alguma surpresa que li o artigo de Miguel Sanches Neto, ‘Brasil recolonizado’, onde é feita uma aberta apologia do proteccionismo linguístico, do fechamento da fronteira cultural do Brasil à nova literatura portuguesa, tida por poluente veículo de uma estética convencional, apoiada numa norma escrita já decrépita, fechada à sacralização da oralidade. A crer no autor, urge afundar no horizonte, pela crítica profilática, as novas naus de letras que agora trazem por aí Inês Pedrosa, Sousa Tavares, Lídia Jorge, Lobo Antunes, Hélder Macedo, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Francisco José Viegas, Rui Zink e tantos e tantos outros, com o usurpador nobélico Saramago na proa. Por que não se deixa que sejam os leitores brasileiros a usar a sua maturidade para separar o trigo do joio, o que gostam ou não, sem necessitarem de filtros tutelares preventivos?

Faço a justiça de não colocar Sanches Neto nos cultores do despeito atávico pelo que vem da ‘terrinha’, coisa velha em algumas mentalidades residuais, onde o anti-portuguesismo – essa doença infantil da brasilidade – se mantém recorrente, espreitando pelas esquinas do preconceito, sobrevivendo em algumas vozes e penas, no desespero em tentar fazer do Brasil e de Portugal dois países separados por uma língua comum. Mas é bem triste ver adubada e ajudada essa mesma deriva por figuras da cultura, dando verniz ideológico e intelectual ao preconceito.

Deixo apenas uma nota mais.

Na minha juventude em Portugal, a ditadura não se atrevia a privar-nos de Amado, Guimarães Rosa ou Veríssimo, a afastar-nos da Pasárgada da esperança acenada por Bandeira, que nos ajudava a sonhar longe dos ‘mortos de sobrecasaca’ que nos rondavam os dias. Se alguém hoje ousasse por lá dizer que Nélida Piñon, Ferreira Gullar, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, João Ubaldo Ribeiro ou o outro Veríssimo afectavam a estética literária caseira teria, como resposta, uma gargalhada do tamanho do Atlântico, ouvida no Além pela velhinha de Taubaté*.

(*) A "velhinha de Taubaté" foi uma figura suscitada em textos de Luiz Fernando Veríssimo, que, à época, era muito conhecida no Brasil

Portugal no Brasil

Ao "limpar" mensagens antigas no email, depararam-se-me os textos de algumas polémicas que, enquanto embaixador português no Brasil, por lá fui tendo.

Porque o blogue da Embaixada em Brasília, onde estes textos estavam registados, já foi apagado, decidi recuperá-los para este meu blogue.

Aqui fica o primeiro "caso", uma polémica com um jornalista brasileiro, ocorrida em 2006. 

Tudo começou com um texto de Políbio Braga:

"Portugal não merece ser visitada e os portugueses não merecem nosso reconhecimento"

Há apenas uma semana, em apenas quatro anos, o editor desta página visitou pela quinta vez Lisboa, arrependendo-se pela quarta vez de ter feito isto.Portugal não merece ser visitada e os portugueses não merecem nosso reconhecimento. É como visitar a casa de um parente malquisto, invejoso e mal educado. Na sexta e no sábado, dias 24 e 25, Portugal submergiu diante de um dilúvio e mais uma vez mostrou suas mazelas. O País real ficou diante de todos. Portugal é bonito por fora e podre por dentro. O dinheiro que a União Européia alcançou generosamente para que os portugueses saíssem do buraco e alcançassem seus sócios, foi desperdiçado em obras desnecessárias ou suntuosas. Hoje, existe obra demais e dinheiro de menos. O pior de tudo é que foi essa gente que descobriu e colonizou o Brasil. É impossível saber se o pior para os brasileiros foi a herança maldita portuguesa ou a herança maldita católica. Talvez as duas.

Esta Nota mereceu a seguinte resposta do embaixador português no Brasil, em 8 de Dezembro de 2006

Senhor Políbio Braga

Um cidadão brasileiro, que faz o favor de ser meu amigo, teve a gentileza de me dar a conhecer uma nota que publicou no seu site, na qual comentava aspectos relativos à sua mais recente visita a Portugal. Trata-se de um texto muito interessante, pelo facto de nele ter a apreciável franqueza de afirmar, com todas as letras, o que pensa de Portugal e dos portugueses. O modo elegante como o faz confere-lhe, aliás, uma singular dignidade literária e até estilística. Mas porque se limita apenas a uma abordagem em linhas muito breves, embora densas e ricas de pensamento, tenho que confessar-lhe que o seu texto fica-nos a saber a pouco. 
Seria muito curioso se pudesse vir a aprofundar, com maior detalhe, essa sua aberta acrimónia selectiva contra nós.

Por isso lhe pergunto: não tem intenção de nos brindar com um artigo mais longo, do género de ensaio didáctico, onde possa dar-se ao cuidado de explanar, com minúcia e profundidade, sobre o que entende ser a listagem de todas as nossas perfídias históricas, das nossas invejazinhas enraizadas, dos inumeráveis defeitos que a sua considerável experiência com a triste realidade lusa lhe deu oportunidade de decantar? 

Seria um texto onde, por exemplo, poderia deter-se numa temática que, como sabe, é comum a uma conhecida escola de pensamento, que julgo também partilhar: a de que nos caberá, pela imensidão dos tempos, a inapelável culpa histórica no que toca aos resquícios de corrupção, aos vícios de compadrio e nepotismo (veja-se, 
desde logo, a última parte da Carta de Pêro Vaz de Caminha), que aqui foram instilados, qual vírus crónico, para o qual, nem os cerca de dois séculos, que se sucederam ao regresso da maléfica Corte à fonte geográfica de todos os males, conseguiram ainda erradicar por completo. 

Permita-me, contudo, uma perplexidade: porquê essa sua insistência e obcecação em visitar um país que tanto lhe desagrada? Pela quinta vez, num espaço de quatro anos ? Terá que reconhecer que parece haver algo de inexoravelmente masoquista nessa sua insistente peregrinação pela terra de um "parente malquisto, invejoso e mal educado". Ainda pensei que pudesse ser a Fé em Nossa Senhora de Fátima o motivo sentimental dessa rotina, como sabe comum a muitos cidadãos brasileiros, mas o final do seu texto, ao referir-se à "herança maldita católica", afasta tal hipótese e remete-o para outras eventuais devoções alternativas. 

Gostava que soubesse que reconheço e aceito, em absoluto, o seu pleníssimo direito de pensar tão mal de nós, de rejeitar a "herança maldita portuguesa" (na qual, por acaso, se inscreve a Língua que utiliza). Com isso, pode crer, ajuda muito um país, que aliás concede ser "bonito por fora" (valha-nos isso!), a ter a oportunidade de olhar severamente para dentro de si próprio, através da arguta perspectiva crítica de um visitante crónico, quiçá relutante. 

E porque razão lhe reconheço esse direito ? Porque, de forma egoísta, eu também quero usufruir da possibilidade de viajar, cada vez mais, pelo maravilhoso país que é o Brasil, de admirar esta terra, as suas gentes, na sua diversidade e na riqueza da sua cultura (de múltiplas origens, eu sei). Só que, ao contrário de si, eu tenho a sorte de gostar de andar por onde ando e você tem o lamentável azar de se passear com insistência (vá-se lá saber porquê!), pela triste terra dessa "gente que descobriu e colonizou o Brasil". Em má hora, claro! 

Da próxima vez que se deslocar a Portugal (porque já vi que é um vício de que não se liberta) espero que possa usufruir de um tempo melhor, sem chuvas e sem um "dilúvio" como o que agora tanto o afectou. E, se acaso se constipou ou engripou com o clima, uma coisa quero desejar-lhe, com a maior sinceridade: cure-se! 


Com a retribuida cordialidade do 
Francisco Seixas da Costa
Embaixador de Portugal no Brasil

domingo, setembro 23, 2018

Conversas ao lado

As histórias são como as cerejas. Atrás de umas vêm outras.

O “Expresso” traz ontem na sua Revista um artigo sobre os prémios Nobel. E lembra que o escritor Boris Pasternak não foi autorizado, pelas autoridades da União Soviética, a deslocar-se a Estocolmo, em 1958, para receber o prémio da Literatura. 

Neste instante, lembrei-me que também a Andrei Sakharov, físico russo, foi, em 1975, atribuído um Prémio Nobel. Não foi igualmente autorizado a recebê-lo pessoalmente, desta vez em Oslo - porque, ao contrário de todos os outros Nobel, que são da competência da Academia Sueca, o Prémio Nobel da Paz, com que Sakharov foi então galardoado, é da responsabilidade do Comité Nobel norueguês, em cuja capital é entregue, em cada dia 10 de dezembro.

Veio-me então também à memória um episódio sobre Sakharov que Hedrick Smith conta no seu livro “The Russians”, que li numas férias que passei em Ialta, na Crimeia, em 1980 (levei o livro encapado com papel de embrulho, o que causava uma curiosidade, nunca satisfeita, aos meus vizinhos de praia). 

Sakharov, que era imensamente diabolizado pela imprensa (oficial e oficiosa, porue outra não havia) do seu país, não era uma cara minimamente conhecida na URSS. Essa mesma imprensa nunca publicava a sua fotografia, pelo que o físico era, na verdadeira aceção da palavra, um “ilustre desconhecido”.

Conta Hedrick Smith (lembro de memória, porque já perdi há muito o rasto do livro) que, a certo passo, encontrando-se Sakharov, com a sua mulher, numa praia (no seu caso, creio que em Sochi), ouviu, num grupo ao lado, falar no seu nome. E pôde assistir então a uma conversa em que ele era o principal tema, com muita gente a criticá-lo, nos termos da doutrina oficial, e, creio, ninguém a defendê-lo, porque os tempos eram o que eram. Julgo que não interveio no debate, mas achou a situação bizarra e até divertida.

Porque trago isto aqui? É que isto cruza-se, à minha medida, com o meu almoço de ontem. A certo passo, ouvi falar, na mesa atrás de mim, no meu nome. Pensei ser engano, mas não: o nome foi repetido várias vezes. Discretamente, olhei e não reconheci nenhuma das pessoas. Elas também nunca me tinham visto, pelo que continuaram a comentar o que apenas percebi ser o meu artigo sobre Franco Nogueira, publicado ontem, no “Público”. Como não sou de “escutas”, embora não deixe de ser curioso, não ficou claro se gostaram ou não do texto.

Presumindo que a palermice das redes sociais não vá ao ponto de sugerir que me estou a “comparar” a Sakharov, só posso dizer que é, de facto, uma sensação estranha ouvir falar de nós, na nossa presença, por quem nos não conhece. No meu caso, apressei o almoço, não fosse sentir-me tentado a dar uma opinião sobre mim, mesmo que não fosse muito lisonjeira...

sábado, setembro 22, 2018

Mapplethorpe


Demitiu-se o diretor artístico de Serralves, por não ter concordado que houvesse uma sala reservada a maiores de 18 anos na exposição de obras do fotógrafo americano Robert Mapplethorpe, que acaba de ser inaugurada no museu da Fundação.

Não sou bruxo, mas há dois dias, ao ler uma notícia sobre a exposição, tive um pressentimento: “Isto vai dar bronca!”.

Conheço suficientemente a obra do fotógrafo e as polémicas que, noutras partes do mundo, tem gerado a exibição das suas imagens sexualmente muito explícitas. E, por isso, fiquei à espera. Não foi preciso muito. Às vezes, na vida, há coisas são muito previsíveis...


(Deixo uma fotografia não polémica de Mapplethorpe, representando a cantora Patti Smith, seu regular modelo)

sexta-feira, setembro 21, 2018

PGR

A PGR cessante contribuiu muito para a dramatização que envolveu a sua sucessão. Atempadamente, deveria ter dito que só tinha uma palavra e que confirmava aquilo que um dia afirmou - de que só deveria haver um mandato. Assim, ajudou à “festa” e a agravar o mal-estar criado.

Franco Nogueira - política e diplomacia


Passam 100 anos sobre o nascimento de Alberto Franco Nogueira, o diplomata que foi o último ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar. Quando, em 1975, entrei para as Necessidades, Franco Nogueira tinha deixado de ser ministro há seis anos. Durante esse tempo, foi tido, com fortes razões, como figura relevante dentre quantas haviam resistido, pela direita, à alegada abertura política de Marcelo Caetano, que o suplantara na substituição de Salazar e com quem viria a incompatibilizar-se politicamente, abandonando funções meses depois. 

Numa casa em que, à época da minha entrada, a preocupacão maior era afirmar internacionalmente um regime ainda convulso, gerindo os impactos diplomáticos da descolonização, estava já distante a imagem daquele que conduzira, com inegável brilhantismo formal, uma política externa que ele mesmo viria a ter de aceitar como um fracasso histórico, embora sem nunca renegar, com assinalável coerência, os princípios em que a mesma se apoiava. 

Ao ser visto como alguém ainda mais radical do que Caetano, que acabara de ser derrubado, Nogueira tornara-se já, naquela época, figura de um passado ainda mais longínquo do que realmente o era no tempo. A sua associação à extrema-direita anti-Caetano, após 1969, que o levara a colaborar na revista “Política” e a transformar-se numa espécie de ideólogo dos “ultras”, iria manter abafada, por muito tempo, a memória que dele ficara nos claustros do palácio das Necessidades: a imagem de um ministro combativo, dirigindo com firmeza uma política externa que, nem pelo facto de já não ter o menor sentido no seu tempo, deixava de reclamar empenhamento, competência e qualidade técnica para a sua execução. 

Quando assumiu funções como ministro, em 1961, Nogueira soube rodear-se, para a “missão impossível” que era defender o patético colonialismo tardio de Salazar, de alguns daqueles que eram, de facto, os melhores quadros da casa. Parte importante desses diplomatas viria, aliás, a transitar, com raros sobressaltos, para o novo tempo democrático. É que, salvo alguns profissionais que tinham aliado o seu trabalho diplomático a uma militância estado-novista que os levara a excessos de zelo, a grande maioria dos profissionais do MNE era gente, ainda que em geral de tendência conservadora, que tinha um espírito aberto, talvez produto de um cosmopolitismo induzido pela carreira. Encerrado que fora o tempo da diplomacia de defesa da política colonial, que profissionalmente lhes coubera executar, e de que muitos se orgulhavam tecnicamente, esses quadros que haviam servido com Franco Nogueira viriam a dedicar-se, com idêntico empenho, às novas tarefas que o poder, agora democraticamente legitimado, lhes destinou. 

Franco Nogueira, um homem intelectualmente muito capaz, também fora um desses espíritos abertos, que o tempo se encarregou de ir fechando, passando de um mundo intelectual e literário liberal da juventude a um conservadorismo radical, que o levaria a transformar em hagiografia o que ele pretendia fosse uma biografia de Salazar, com o grau de rigor do que nela escreveu a ressentir-se desse viés. Não obstante, outros testemunhos que deixou, com a clara escrita que era a sua, detalhando a doutrina justificativa da política externa e colonial da ditadura que lhe coubera conduzir, levam a que mereça hoje uma justa atenção, como conceptualizador e brilhante ator diplomático - ele que foi um embaixador que, curiosamente, para o ser nunca precisou de chefiar nenhuma embaixada, mas a quem pouca gente não credita, ainda hoje, um singular talento como político condutor da nossa diplomacia. 

Há dias, alguém me perguntava o que ainda sobrevive dos tempos de Franco Nogueira na nossa cultura diplomática contemporânea. Respondi que praticamente nada, porque essa herança seria, afinal, a de Salazar, de quem Franco Nogueira foi um criativo seguidor e intérprete. Nem mesmo já sobram os resquícios de um tropismo soberanista anti-europeu, da desconfiança no multilateralismo, do anti-americanismo ou do preconceito anti-espanhol, reflexos que, por alguns anos ainda, emergiram aqui ou ali, em democracia, como parte da herança política subliminar da diplomacia da ditadura.

quinta-feira, setembro 20, 2018

Por onde ando

Já há uns anos, vi um anúncio num jornal sobre uma conferência, a ter lugar no mês seguinte. O tema interessava-me. Fui ler a lista dos palestrantes... e lá estava eu! Olhei a minha agenda: era verdade! Era ela que me “lembraria”, uma semana antes (tenho uns alertas para isso).

Hoje à tarde, num alfarrabista, peguei num livro antigo, dedicado a um assunto que também faz parte da minha regular atenção. Creio que nunca tinha visto aquele livro. Olhei a lista dos autores da obra coletiva: sou um deles! Fiz um esforço e recordei-me que, em tempos, me tinham pedido um texto. Não sabia que tinha sido publicado...

Começo a temer dar de caras comigo, um destes dias, ao virar de uma esquina...

Os “nossos” liberais

“A única razão por que os liberais tanto falam no diabo é porque sabem que não conseguem governar sem ele. Nós somos os vencidos do liberalismo. O país com que sonhamos só pode ser posto a andar no meio do pesadelo” - João Miguel Tavares, no “Público”, hoje. 

É preciso dizer mais alguma coisa?

quarta-feira, setembro 19, 2018

Criatividade

Angela Merkel, à frente da enésima “grande coligação” que a Alemanha experimenta (alguém que use o verbo “experienciar” é bloqueado neste espaço, desde já aviso!), que reune os seus conservadores (e os seus aliados bávaros, ainda mais conservadores) e os social-democratas (quem escrever sociais-democratas não é aqui bloqueado, mas merecia), acaba de inaugurar uma fórmula política tão criativa quanto hipócrita: demitiu o chefe dos serviços secretos, por comportamento de declaradamente punível (a pedido dos social-democratas) e, de seguida, nomeou-o para o governo, como secretário de Estado (a pedido dos seus aliados ainda mais conservadores). Extraordinário e revelador da fraqueza política da líder “sortante” (como dizem os franceses) daquelas germânicas terras. O que aliás é pena!

O que quer Marcelo? (2)


Na passada semana fiz aqui um exercício de sociologia empírica sobre o que os portugueses acham do exercício do presidente da República. Hoje, com a liberdade de quem não votou nele, vou dizer o que penso que ele quer.

Marcelo Rebelo de Sousa é uma personalidade que preserva uma sólida leitura institucional do seu lugar. Tem sentido de Estado, é estruturalmente democrata, tem forte visão social. Ideologicamente é um social-democrata à antiga, de matriz cristã. Acredita no papel central do Estado e julgo que está longe de ser um liberal - e ainda bem, digo eu! Construiu-se politicamente em torno de uma ambição de tentar levar à prática "uma certa ideia de Portugal" (para utilizar um clássico que ele não enjeitará). Nunca foi primeiro-ministro, pelo que explora, no seu objetivo de intervir, a leitura algo extensiva que faz dos seus poderes constitucionais. Esse ativismo leva-o a arriscar uma tutela quase "paternalista" sobre o sistema. É um voluntarista: quer "ajudar", criar pontes, apaziguar. Para isso, contudo, parece fazer uma leitura da dinâmica político-partidária "desejável", o que é perigoso. Como perigosa é a deriva de saírem de Belém, cada vez mais, recados interpretativos da vontade do presidente.

Marcelo é genuíno: cultiva todos momentos de euforia nacional, dos "rankings" das agência de notação aos êxitos no vólei de praia. Mas já percebeu que, na realidade, preside a um país ciclotímico. Por isso, acho que o seu sonho é bastante mais modesto, torna-o um "possibilista", alguém que, lá no fundo, percebendo o que isto é, gostaria que Portugal fosse pelo menos capaz de "viver habitualmente" (esta citação não me será perdoada), com bem-estar e serenidade.

O presidente gosta que gostem dele e acha, certo ou errado, que isso contribui para que os portugueses se aproximem das instituições. É, e quer ser cada vez mais, popular, mas não me parece tentado a ser um populista, não vai criar nenhum partido político, não vai "apelar às massas". Sente que se transformou numa espécie de "provedor" dos portugueses. Às vezes, contudo, a sua autoconfiança leva-o a um à-vontade que fica na soleira do erro.

Alguns dizem: e o "outro" Marcelo, que já conhecemos? E se a relação com Costa se deteriorar? Julgo que o presidente já percebeu que o país não lhe perdoaria uma desilusão, ainda que pontual, face à imagem que dele entretanto criou. O melhor que posso dizer de Marcelo Rebelo de Sousa é que, até agora, a sua postura como presidente desta minha República me leva a ser otimista.

terça-feira, setembro 18, 2018

Cacau e chocolate

Ao final da tarde de hoje, tive grande gosto em apresentar, na Penha Longa, o belíssimo livro de Fátima Moura (texto) e Mário Cerdeira (fotografias), “Do Cacau ao Chocolate”, editado pelos CTT.

A quem aprecie chocolate, mas também a queira conhecer a fantástica história do cacau, com as suas peculiaridades na história colonial, nomeadamente na nossa, recomendo este livro. Bem escrito, com excelente fotografia, inclui interessantes contribuições culinárias e algumas curiosidades. Aprendi e recordei muito ao lê-lo.

segunda-feira, setembro 17, 2018

Brasil

As eleições presidenciais brasileiras começam a clarificar-se. 

Bolsonaro, quiçá potenciado pelo efeito psicológico do atentado, consolida a liderança com que chegará à segunda volta. A ausência de cena favorece-o: dá-lhe imagem de mártir, poupa-o às suas próprias gaffes e limita muito o discurso dos adversários, que assentava em ser ele o candidato da violência.

Haddad, que contava com um tempo de dramatização em crescendo do caso Lula, que acabou abafado pelo atentado a Bolsonaro, recupera e parece ter condições para acompanhar este no segundo turno. Nesta fase da campanha, cavalga a onda de um “Brasil feliz de novo”, isto é, a memória, que é positiva para muitos setores, dos tempos de Lula. Para passar à fase seguinte basta-lhe não cometer muitos erros. 

Ciro Gomes, se acaso conseguisse chegar à segunda volta, seria um “challenger” muito mais perigoso para Bolsonaro. Porquê? Porque, na polarização esquerda-direita, em que essa etapa forçosamente se transformará, não sofreria da profunda rejeição que afeta o PT e que vai limitar Haddad. Muitos antigos eleitores de Aécio Neves contra Dilma, mas que não gostam de Bolsonaro, terão muita dificuldade em votar em Haddad.

Alckmin parece ter perdido todas as hipóteses. Num debate polarizado e radicalizado, não parece haver espaço para uma direita moderada, que não é ajudada pela imagem gasta e sem novidades do seu candidato. 

Marina não convence e não arranca. O seu discurso e estilo um tanto bizarros não rimam com este Brasil mergulhado em alto contraste, sem espaço para meias-tintas.

Meirelles é um candidato de outro tempo no tempo errado. 

Se eu fosse brasileiro, estaria muito preocupado. Creio que eles já estão.

Um fascista a sério


“Queres conhecer um verdadeiro fascista?” A pergunta foi-me feita, em tom de gozo, pelo António Ricardo, um colega que há muito desapareceu. 

Estávamos na Sala Verde do edifício da Junqueira onde funcionava o ISCSPU (claro, com “U” de “Ultramarina”). Em novembro de 1968, há quase 50 anos. Com as aulas concentradas na manhã, as tardes no palácio Burnay passavam-se entre essa sala, de grandes janelas sobre o belo jardim e as três ou quatro bibliotecas de que dispunha o Instituto - era assim que chamávamos à casa tutelada por Adriano Moreira, onde eu então estudava.

A política era muito intensa por ali, por esses dias do segundo semestre de 1968. Eram os efeitos do maio francês, o debate sobre os tanques soviéticos a entrarem em Praga, a queda de Salazar da cadeira, o alvoroço com a chegada ao poder de Marcelo Caetano. Por nós, estávamos a preparar uma lista associativa, sem ainda sabermos que iríamos ganhar as eleições e, depois, ver o resultado do sufrágio “não homologado” por decisão ministerial. Também não podíamos adivinhar que teríamos aquela escola cercada e invadida pela polícia de choque, com Adriano Moreira a ser afastado, meses depois.

“Um fascista a sério, militante contra os judeus, apoiante de Vichy, colaboracionista com os alemães, com a cabeça a prémio em França. Não achavas graça conhecê-lo?” A figura parecia tão caricatural que conferia interesse à ideia. 

E lá me explicou que, num edifício pertença da Emissora Nacional, na rua de S. Marçal (passei por lá há pouco, creio ser o que está na imagem), num esconso gabinete, trabalhava Jacques Ploncard d’Assac, um fascista francês, fugido à democracia de Paris, acolhido e protegido por Salazar, a quem os franceses gostavariam de deitar a mão. 

Membro da Action Française e do partido de Doriot, condecorado por Pétain, viria a trabalhar nas emissões em francês da “Voz do Ocidente”, que a Emissora Nacional ajudava a divulgar. Foi um escritor muito prolixo. Nunca escondeu o seu anti-semitismo, odiava a maçonaria e o comunismo, e teve uma imensa obra doutrinária publicada, tendo sempre como pano de fundo uma perspetiva de extrema-direita, que não renegava. Regressou a França depois da Revolução de 1974, morrendo em 2005.

Naqueles seus dias da Emissora Nacional, sabia-se que tinha gosto em falar com estudantes, aparentemente no sentido de os catequizar. Com a substituição recente de Salazar, posso imaginar que devia sentir-se um tanto perdido. O argumento para a nossa visita era solicitar, como estudantes de Ciência Política, livros publicados pelo regime, a cuja edição ele estava ligado, fingindo estarmos a “informarmo-nos”. Hoje pode parecer bizarro. À época, configurava uma experiência curiosa.

E lá fomos, uma tarde - eu, o Manuel Dinis, o Alexandre Chaves e o Daniel Polónio - conhecer o fascista. Dou-me agora conta que ele tinha então 58 anos. Recordo muito pouco da conversa, apenas que foi simpática mas não muito motivante. Com graus diferentes, nenhum de nós tinha a menor proximidade com as suas ideias. Todos fomos urbanos, conversámos uma boa meia hora, lembro-me apenas de ele ser muito cuidadoso sobre Marcelo Caetano, recém-empossado. À saída, ofereceu a cada um de nós o seu “Dicionário Político” de Salazar, que deve andar pelas minhas bem desorganizadas estantes.

Tempos estranhos esses, em que a ditadura portuguesa deu cobertura a fascistas estrangeiros. Deve haver ainda muitas histórias bizarras por contar, nos bastidores da nossa História contemporânea.

domingo, setembro 16, 2018

Copianço


A denúncia - com “name and shame” - de plágios de teses universitárias e de currículos falseados é muito salutar. 

É bom que quem por aí anda na vida pública perceba que não pode mentir sobre o seu passado, sem o que todos ficaremos na dúvida sobre se não nos vai mentir no futuro

São horas?


Assusta-me ver a Europa dar de si própria, aos eleitores, a um ano de um sufrágio decisivo para o Parlamento Europeu, a ideia de que uma das suas preocupações essenciais em matéria política é o fim da mudança da hora. 

Ou não se dão conta que a “hora” já mudou na Hungria?

sábado, setembro 15, 2018

Europa em dois tempos


Foi num verão, logo no início dos anos 70. Eu andava à boleia pela Europa. Vinha de uma semana em Amesterdão. O Dam era então uma espécie de Meca em forma de praça, onde, ao fim do dia, encontrávamos quase todo o mundo que queríamos conhecer e as vidas que, sem o saber, queríamos cruzar. Na véspera, tinha dormido numa pousada da juventude em Bouillon, no sul da Bélgica, perto de Namur. Agora, estava noutro meu objetivo, bem perto, o Luxemburgo.

Depois de me instalar no “auberge de jeunesse”, bem lá no fundo da cidade (passei lá há pouco tempo e ainda existe), fiz o reconhecimento turístico habitual e jantei, muito cedo, na pousada. 

Ia a começar o caminho de subida de Pfaffenthal para a cidade alta (o útil elevador só surgiu bem mais tarde), para por lá testar a noite, quando passei num largo, junto a um café e ouvi falar português. Parei, dei boa tarde (ainda não era noite) e entrei na conversa dos quatro ou cinco compatriotas, sentados num muro, com cervejas na mão. Eram operários da construção civil. Viviam, disseram-me, numas camaratas ali perto. Deitavam-se muito cedo, porque a jornada abria na alvorada, e por lá se alojavam também italianos, que eram muitos mais e de quem se queixavam, pelo barulho e falta de higiene. (A certa altura, porém, passou um italiano e entraram todos numa algaraviada amigável de gestos e palavras soltas). 

Notei que começaram a revelar-se menos abertos quando, por mera curiosidade e para alimentar conversa, lhes perguntei de onde eram, como tinham vindo, há quanto tempo, coisas assim. Distraído, não percebi logo que, muito provavelmente, todos tinham vindo “a salto”, alguns fugidos à tropa e com situações complicadas. Eu, diletante, ao responder à questão de como ali chegara, disse-lhes que andava à boleia. Olharam para mim de soslaio. “Veio de Portugal à boleia?”, interrogou-me um deles. Manifestamente não acreditaram, quando contei que já andava naquilo há umas semanas, que tinha estado em Paris, tinha ido à Dinamarca e à Alemanha, etc. “Mas você vem à procura de trabalho?”. Disse-lhes que não, que só andava a passear. “Sem carro?” A certo ponto, notei que se olhavam entre si, já desconfiados de quem eu afinal era e o que pretendia ao tê-los abordado. Percebi o incómodo, arrumámos cordialmente a conversa e eu fui à vida, imaginando o que teriam ficado a magicar sobre aquele português, que usava pêra, a dar-se ares de intelectual e com uma conversa estranha. Aprendi bastante nessa curta troca de palavras, que, como vêem, me ficou na memória por este meio século.

Voltei a lembrar-me, há pouco, do episódio no Luxemburgo com esses portugueses, mas em especial dos seus parceiros italianos das camaratas, ao ver, na net, a altercação entre o filo-fascista ministro italiano do interior e o ministro dos Negócios Estrangeiros luxemburguês. Este último, farto de ouvir o discurso anti-imigrantes que punha em causa a política de abertura do seu país, não se conteve e, com rudeza justificável, lembrou, interrompendo a litania de Salvini, que o Luxemburgo recebeu no passado muitos italianos que para lá iam à procura das condições de vida que a Itália lhes não dava para alimentar os seus filhos. E terminou com um sonoro: “Merde, alors!”. E, minutos depois, saiu da sala e não compareceu à “foto de família”. 

Grande Luxemburgo!

(Vejam o episódio aqui)

sexta-feira, setembro 14, 2018

Juncker ou uma certa Europa


Este texto foi escrito antes de conhecer o discurso sobre o “estado da União”, anteontem lido por Jean-Claude Juncker no Parlamento Europeu. A menos que uma improvável “bomba” nele tenha surgido, o cenário é bastante previsível: uns dirão que foi um pouco mais do mesmo - apelando às responsabilidades, alertando e elencando riscos, mas sem que daí decorram necessariamente maiores consequências; outros opinarão que, apesar de tudo, ficaram algumas pistas realistas para um futuro sustentado do projeto. E todos dirão que este acabou por ser o testamento político de Juncker, que abandonará a Comissão no próximo ano.

Uma noite de dezembro de 2000, num hotel em Biarritz, Jean-Claude Juncker, acabado de sair de um jantar à porta fechada com os líderes europeus, sentou-se no bar (poupem as graças) numa conversa comigo e com Elmar Brok, figura ainda hoje dominante no seio do Partido Popular Europeu. E ali nos contou, ainda sob a impressão do tom da discussão que acabara de testemunhar, o que nessa ocasião lhe fora dito, em contraponto a uma intervenção sua, por uma destacada figura de um Estado ao qual a História concede quase sempre uma palavra relevante no destino do continente: “se, no futuro, houver uma nova guerra na Europa, o teu país não chegará para acolher todas as sepulturas”. Com isto, a figura em causa queria apenas dizer que o Luxemburgo, tal como todos os restantes países que “contam pouco”, não era mais do que um figurante menor numa peça em que o estrelato estava pré-determinado. Mesmo que a peça acabasse por vir a ser exibida como tragédia. E Junker ficara chocado e eu passei a conhecê-lo melhor.

Sempre tive grande respeito por Jean-Claude Juncker, muito para além das caricaturas de si mesmo que, por vezes, ele ajuda a desenhar. Estive com ele em muitas reuniões, algumas incontáveis, vi-o atuar, de forma coerente e quase sempre do lado certo, em momentos decisivos. Reconheço nele um europeísta, uma bela figura humana e, no que nos toca, um excelente amigo com que Portugal sempre pôde contar. 

Mas Juncker é, em si mesmo, um retrato datado na Europa de hoje. Digo isto sem qualquer nostalgia, mas com alguma pena, se acaso tal for compatível.

Juncker sucedeu a uma singular tríade que, por muitos anos, espelhou bem aquilo que a Europa dos Estados mais poderosos desejava que a Comissão Europeia fosse: Santer, Prodi e Barroso. Quando foi escolhido (o que, para mim, foi uma surpresa), sabia-se que Juncker nunca viria a ser um Delors, porque os tempos já não estavam para aí virados. Mas, apesar de tudo, a sua escolha indiciava a vontade de ensaiar um novo sopro de integracionismo, quiçá menos abrangente, que permitisse à Europa do euro superar algumas fragilidades reveladas. Porém, o Brexit, a falta de vontade para completar a União Bancária, as crises migratórias e dos refugiados, o desafio global titulado por Trump e, acima de tudo, as clivagens internas não ajudaram o tempo europeu de Jean-Claude Juncker. Tenho pena por ele mas, muito mais, por nós.

O que quer Marcelo ? (1)


Todos temos a clara consciência de que hoje se vive um momento singular no tocante à relação do presidente da República com o país. Se a personalidade de Marcelo Rebelo de Sousa já prenunciava que ele poderia vir a ser um presidente atípico, com fatores específicos de natureza conjuntural e o contraste com o seu antecessor a contribuirem para tal, julgo que ninguém previu o cenário que aí está: uma esmagadora maioria de portugueses, num juízo indiscutível de sociologia empírica, vive hoje satisfeita, em maior ou menor grau, com o chefe de Estado que as eleições determinaram. Sendo que essa maioria, visivelmente, é bem superior aos votos que o elegeram, só podemos tirar uma conclusão óbvia: a ação do presidente conquistou muitos daqueles que nele não haviam votado.

Os que apreciam a sua ação dividem-se, no entanto, quanto à sua postura pública. Há os que acham que o presidente se está a expor demasiado, arriscando gerar um cansaço no país (é desses a bela frase “precisamos de férias do Marcelo!”) e os que entendem que “faz ele muito bem em aparecer!”, que acham lindamente a sua quase ubiquidade, os festivais de selfies e os banhos solidários, de água e multidão, nos rios fluviais - num modelo simultaneamente “royaliste” e a roçar o popular.

Entre outros ainda, há um grupo que aqui me interessa. É o dos que acham que Marcelo, com o seu obsessivo comportamento de proximidade, pode estar a tentar alimentar um projeto com laivos quase populistas, com inescapáveis consequências de natureza institucional. Tenho mesmo ouvido a algumas pessoas a ideia, mais sofisticada, de que o presidente está a fazer uma espécie de revisão “subliminar” da Constituição, fixando-se em terrenos tradicionalmente da área exclusiva do executivo, mandando “recados’ para a Assembleia da República que, na realidade, condicionam a atividade legislativa a montante da produção das leis. O facto de não recorrer ao Tribunal Constitucional também reforçaria a evidência dessa deriva. Marcelo estaria assim a ocupar o espaço político muito para além daquilo que o seu papel constitucional prevê. Para os cultores desta filosofia, isso introduziria uma inflexão nos equilibrios constitucionais e poderia mesmo determinar um redesenho do mapa político-partidário.

Será isto verdade? Para a semana continuaremos a conversa.

quinta-feira, setembro 13, 2018

A montra





No sábado, bati com o nariz na porta (férias...) de uma livraria onde, nesse mesmo dia da semana, quase sempre costumo “arruinar-me devagarinho” (a expressão não é minha), como que a “compensar” a barateza (existirá a palavra?) da conta acabada de pagar no local onde nesses dias almoço.

Ao meu lado, a ver uma das montras, estava um cavalheiro mais idoso do que eu, com o nariz desta vez literalmente no vidro, parado, pareceu-me que a olhar os livros, mas não tenho a certeza. Não lhe vi a cara. A senhora, que até um instante antes estivera junto dele, havia entretanto entrado num prédio. O cavalheiro por ali ficou, visivelmente apenas à espera dela, continuando a olhar a montra, estático, com um cuidado de atenção que o que estava nessa mesma montra claramente não merecia. Nem deu por mim, a um metro, nem por ninguém. Achei estranha aquela fixação e mirei-o melhor. Era António Lobo Antunes. 

Não lhe disse nada, porque tive receio que isso pudesse incomodar o seu silêncio. Conheço Lobo Antunes, falámos algumas vezes. Quando eu vivia em Paris, organizei-lhe na embaixada uma homenagem, que incluiu uma sessão de debate com especialistas e jornalistas. Também por lá, almoçámos e jantámos juntos, noutras ocasiões. É um autor altamente apreciado em França. É conhecido por ter um feitio nem sempre fácil ou, como se costuma dizer, tem fama de ser “de luas”. Há poucos anos, já aqui em Lisboa, passámos um bom quarto de hora de conversa a dois, num velório, falando de várias coisas, de França, de dois dos seus irmãos de quem sou amigo, de Melo Antunes, que era um companheiro dele muito querido. Mas, repito, desta vez decidi não o incomodar naquela sua solidão vidrada na montra errada (o conteúdo da outra montra é geralmente melhor) da minha livraria dos sábados. Se soubesse o que sei hoje, tê-lo-ia interpelado.

E o que é que sei hoje que não sabia no sábado? Soube que António Lobo Antunes vai ter a sua obra publicada na Pléiade, a biblioteca editada pela Gallimard, uma verdadeira “montra” em que só entram os grandes génios da literatura. O único português por lá é Fernando Pessoa. Acreditem em mim: a presença de António Lobo Antunes na Pléiade é uma das maiores homenagens internacionais que podiam ser prestadas à literatura portuguesa. Confesso que é uma grande alegria que, como português, acabo de ter.

Parabéns assim a Portugal e, claro, a António Lobo Antunes!


(ps - já sei que alguns comentários a este post vão-se afastar da honra que é ter ALA publicado na Pléiade, acabando por ser sobre se se gosta ou não dele, se Saramago é melhor, coisas assim... É a vida!)

quarta-feira, setembro 12, 2018

A conta!

Sei que ninguém vai acreditar nesta história mas, hoje, vi alguém, depois de um almoço com amigos que tinha convidado para sua casa, pedir um segundo café à empregada e, distraído, dizer “... e a conta, por favor!” Foi uma gargalhada coletiva, a começar pela própria empregada!

Os EUA, a ONU e Gaza

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