quarta-feira, agosto 08, 2018

Palermas

Já alguém pensou em lançar uma campanha de civilidade explicando que quem fala ao telemóvel em público, obrigando os outros a ouvirem as suas desinteressantes conversas - para a família, os colegas ou para o diabo que os carregue -, são apenas uns saloios mal-educados, uns energúmenos deslumbrados por um aparelho que acham que lhes dá estatuto, e que, no fundo e apenas, não passam de uns palermas? 

Quem por aqui me lê e se acaso assim procede quando está nos cafés e restaurantes, em salas de espera, nas praias, nos comboios e autocarros e em outros locais públicos deve “enfiar a carapuça”, porque isto também é eles, desculpem lá!

terça-feira, agosto 07, 2018

Especialistas e “especialistas”

De há uns tempos para cá, surgiu um número inusitado de escândalos com currículos, em especial pela invocação abusiva de títulos académicos e outros. Na verdade, todos sabemos que o mundo dos currículos é um palco para exageros, falsidades, alguns passíveis de fácil desmontagem, outros um pouco mais difíceis de destrinçar, tal o arrevezado de certas designações. As pessoas ficaram um pouco mais alerta, mas os riscos neste domínio continuam.

Mas há outra realidade que por aí anda e face à qual não tenho visto uma suficiente reação: é o surgimento de “especialistas em ...”, quer em jornais, quer principalmente nas televisões. Um título desta natureza confere àquilo que a pessoa diz uma autoridade automática, uma reverência intelectual. Ora o que se passa é que muitas dessas figuras apenas têm (quando têm) um curso ou uma qualificação académica num determinado domínio - o que é muito diferente de serem “especialistas”, que é uma designação que se pressupõe poder ser atribuída apenas a quem tem uma grande (e reconhecida pelos seus pares) experiência de investigação ou em atividade em áreas práticas do setor. 

Assim, convém estar muito atento: há especialistas e “especialistas”.

segunda-feira, agosto 06, 2018

Um fresquinho que corre


Imagino que a idade - e, neste caso, a minha - possa contribuir bastante para o modo como cada um “sofreu” a recente onda de calor. Devo dizer, com a maior sinceridade, que, a certo passo, comecei a preocupar-me sobre se aquilo por que estávamos a passar era compatível com a vida corrente de um país como o nosso, com a nossa situação geográfica, com a nossa pobreza relativa. Um país onde, por exemplo, o ar condicionado não é ainda, infelizmente, um bem comum muito difundido, em que os hospitais e centros de atendimento em matéria de saúde são o que são, em que de há muito se instalou uma visível “orfandade”, em que o cidadão olha para o Estado, e para a palavra deste, com alguma falta de confiança. Parece que isso agora se atenuou ou passou, que o clima “apanhou juízo”, pelo menos até ao dia em que algo de similar volte a passar-se de novo. E é isso que temo: que situações como a que vivemos nestes últimos três dias possam voltar a ocorrer no futuro e que não tenhamos aprendido a lição de que, como diria Dilan, os tempos estão a mudar. É que isso implica planos ativos de prevenção em caso de futuras ondas de calor, medidas de adaptação habitacional para contrariar os efeitos dessa inevitável deriva, educação maciça sobre os modelos de comportamento pessoal a adotar em casos futuros, etc. Um bom instrumento para nos “ajudar” a preocuparmo-nos seria a rápida divulgação de estatísticas fiáveis sobre as mortes “em excesso”, para os valores normais, que possam ter sido derivadas desta conjuntura. A boa notícia é que corre lá fora um simpático “fresquinho”. E, como dizia há pouco um amigo com gosto para o exagero, com ele até já parece setembro...

domingo, agosto 05, 2018

Miguel Chalbert


O Luis Gomes de Abreu, que o tempo já levou, falou-nos um dia de um colega e amigo, como ele também arquiteto, que estava a trabalhar em Angola. O nome dele era Miguel Chalbert.

Eu estava então colocado na embaixada em Luanda, mas nunca me tinha cruzado com ele por lá. Numa vinda a Lisboa, a mulher do tal Miguel, a Filomena, foi-nos apresentada e pediu-nos se podíamos levar ao marido já não sei bem o quê. Da conversa, recolhi a impressão de que ele estava desencantado e infeliz no seu “exílio” angolano. E fiz um retrato mental da personagem: um lingrinhas enfezado, deprimido e macambúzio, um imenso chato, perfil comum de alguns expatriados lusos que paravam por Luanda, à cata dos Kwanzas convertíveis nos então Escudos, que faziam o seu possível contentamento. Por isso, apiedámo-nos do amigo do amigo e levámos a encomenda, seguramente umas vitualhas para acalentar a boca, porque Luanda era então um imenso supermercado “do nada”.

Pouco depois, mandámos recado ao tal “solitário” Miguel Chalbert, convidando-o para jantar. Quando abrimos a porta, chegou-nos um gorducho bem disposto, ótima onda, humor de primeira, com uma gargalhada magnífica, grandes histórias, um companheirão, que passou a ser “peça” indispensável nos fins de semana no Mussulo e em Cabo Ledo, e nos jantares “soltos“ do pessoal da embaixada - pdo António Pinto da França ao Fernando Andresen Guimarães e ao Zé Stichini Vilela, com a Élia Rodrigues à inevitável mistura. E que foi também “adotado” pelo Vasco Correia Mendes, para as noitadas incontáveis da casa dos “Guedais”. 

Ouvir da boca do Miguel os episódios da guerra da Guiné - onde tinha tido um colega que, num grupo que fora a Alemanha e onde ele era “o único que falava alemão”, berrava aos colegas, na travessia das passadeiras “Atchung!”, versão lusa do “Achtung!” - era garantia de excelente companhia, de horas bem passadas, bem comidas e bem bebidas. A estucha que Luanda podia ter sido, nesses anos de recolher obrigatório e prateleiras vazias, acabou por se transformar, também muito graças ao Miguel, num tempo divertido, rico, de muito boa memória.

Falo agora do Miguel, porquê? Ora bem, porque a Filomena, a Mena, que também ficou muito nossa aniga, anunciou hoje no Facebook que o Miguel faz 75 anos. De lá roubei esta fotografia dos dois. 

A vida, nos últimos anos, tem pregado ao Miguel algumas partidas chatotas, mas tenho a certeza de que a sua inseparável gargalhada vai hoje ajudar a compor o dia festivo. Um imenso abraço para ti, “Miguelaço”, como cá na família, como sabes, és também conhecido.

José David



Acabo de saber, pelo facebook do Daniel Ribeiro, que morreu em Lisboa o José David. Conhecia o seu nome mas menos bem a sua obra como pintor quando, em 2009, fui para Paris. 

Pouco depois da minha chegada, o jornalista Daniel Ribeiro transmitiu-me um convite do José David para “uma bacalhauzada” na pequena casa que, com a sua mulher Françoise, ocupava ao fundo de uma artéria sem saída, creio que perto do boulevard Montparnasse. Recordo umas horas de conversa bem divertida, nesse ano de 2009

Falámos então das suas décadas de Paris e da sua obra, que estava ali por toda a parte, e fiz-lhe um desafio: expor na embaixada de Portugal, na rue de Noisiel. O José David ficou entusiasmado e, com a ajuda da Fátima Ramos, então conselheira cultural, montámos a “operação”, uns tempos depois. E foi uma bela exposição. Recordo-me que ele não quis que fosse uma retrospectiva do seu trabalho, como nós tínhamos sugerido, mas sim sobre o seu tempo artístico de então. No final, achei que era ele quem tinha tido razão.

Depois, ainda nos meus anos em França, fomo-nos vendo a espaços, algumas vezes na embaixada, ele com uma eterna bonomia e aquele seu bigode inconfundível, a Françoise com o eterno e terno sorriso que a idade ia tornando ainda mais bonito. Cruzámo-nos, há uns tempos, na Versailles. Abraços e promessas de um almoço que nunca se realizou. Agora já não vai ser possível. “Je vous embrasse, Françoise”.

sábado, agosto 04, 2018

Notícias da estação (3)

A Lena e o Chico têm sempre uns amigos curiosos lá por casa. Ontem, para jantar, numa noite de calor digna de “A noite de Iguana”, embora sem a Sue Lyon, estava lá a Arlinda.

A Arlinda nasceu na estrada da Papanata, mas há muito que vive em Darque, onde tem uma casa de petiscos. Para quem não saiba, Darque está para Viana do Castelo como Gaia para o Porto: fica depois da ponte Eiffel, logo a seguir ao Cais Novo.

Nestes dias em que o lugar onde a Arlinda vive está a “Darque falar” - como se diz em Viana - constou-me que se fala por lá bastante desta mulher, embora por uma razão estranha mas notável: a Arlinda levita.

Isso mesmo, levita! Em determinados momentos de concentração e com ambiente adequado, diz-se que a Arlinda, estando sentada, subitamente se eleva, ainda que apenas ligeiramente, acima do solo, mantém essa posição por uns segundos e depois desce, voltando à postura do comum dos mortais.

Sempre fui um cético quanto à teoria da levitação. Diz-se que alguns monges budistas são capazes desta habilidade, mas eu, cá para mim, sigo sempre a máxima de “ver para crer”. Ainda admiti que a Arlinda pudesse ter apanhado o jeito numa viagem ao Tibete ou ao Butão, mas parece que não! Terá sido mesmo lá em Darque, aprendendo com um convertido budista de Serreleis.

Quando ontem, depois do jantar, alguém me sussurrou que “parece que a Arlinda, daqui a pouco, é capaz de levitar”, fiquei de pé atrás mas de olho curioso na Arlinda, que, sendo uma rapariga bem pesadota de carnes, tornaria o propalado desafio da lei de Newton num caso muito sério.

O jantar já ia lá para a meia-noite quando, finalmente, ouvi uma voz informativa, em tom respeitoso, baixo: “A Arlinda está a levitar”. Olhei então para o sofá onde a Arlinda estava sentada e, de facto, pareceu-me vê-la pouco esticada para cima. Estaria mesmo a levitar? O balandrau que vestia, daquelas coisas largueironas com desenhos de cretones das cortinas, muito vulgar em algumas “velhoquistas” (expressão deselegante de um amigo meu para designar os adeptos do Bloco já entradotes na idade), não dava segurança absoluta de que se tratasse de uma levitação, pelo menos tal como vem nos livros.

A sala, contudo, parecia conquistada, num silêncio respeitoso, à volta da Arlinda, todos deliciados com o fenómeno. Ainda por cima, ocorrido dias depois da noite da lua rosada. Está a ser um Verão mesmo em cheio!

Só o Chico, junto de quem tentei desfazer as minhas dúvidas, é que acabaria por ser mais prosaico: “Levitou o tanas! Aquilo devem ter sido gases!”

Pronto! Com este balde de água fria no encantamento, acabei por ter de prolongar o meu ceticismo. Mas já decidi: daqui a dias, depois das festas da Senhora da Agonia, vou a Darque. É que se diz que lá é que a Arlinda levita mesmo a sério, na casa de petiscos dela, “A Tasquinha da Arlinda”, cujo nome diz-se, está a provocar uma irritação, sei lá bem porquê, na Ribeira de Viana.

Há bocado, falei disto a alguém que também esteve no jantar. Não se lembrava de nenhuma Arlinda por lá. Agora, fico na dúvida. Teria sido do calor? Ou do Muralhas?

sexta-feira, agosto 03, 2018

Que Brasil vem aí?

O Brasil de hoje vive marcado pelo fantasma de Lula. Só um milagre poderá possibilitar a sua candidatura. Se acaso viesse a ocorrer, as suas hipóteses de regressar ao Planalto não seriam poucas. Não sendo assim, há dúvidas de que o velho lema de que “Lula elege um poste” ainda seja válido (foi-o com Dilma Rousseff), que, da cadeia, consiga transferir os seus votos, mesmo para Fernando Haddad, antigo ministro da Educação e prefeito de São Paulo. Resta assim saber se o PT apoiará a candidata do seu eterno “compagnon de route”, o PC do B, que apresenta Manuela d’Ávila.

O PT deverá concentrar a sua luta nos Estados, num jogo de alianças para o futuro, com os territórios do Nordeste como espaço central de influência. Não vai querer perder o controlo da esquerda brasileira, pelo que tudo fará para anular candidaturas fortes que possam vir a crescer próximo dessa área, como seria o caso de Ciro Gomes. Trata-se de uma figura intelectualmente bem preparada, com experiência governativa, mas com uma incontinência verbal e uma arrogância intelectual que sempre o prejudicaram. 

Dizer que Marina Silva, recandidata e antiga ministra do Ambiente de Lula, é hoje uma personalidade de esquerda seria uma afirmação arriscada. Opera num registo charneira, com temas ambientais e um discurso social, que seduz pela genuinidade mas afasta pela relativa vacuidade. 

Marina Silva e Ciro Gomes estão condenados a ser candidatos “solitários” nesta campanha, em termos de apoios partidários – o que, desde logo, os prejudica nos tempos de antena, cuja dimensão temporal, no Brasil, depende do peso dos partidos que lhes formalizam apoio oficial.

No centro do espetro político – mas, ideologicamente, em termos europeus, claramente à direita - surgem as duas candidaturas mais “tradicionais” desta eleição: Geraldo Alckmin e Henrique Meirelles.

Alckmin é o político com mais experiência. Governador e prefeito de São Paulo, foi derrotado por Lula em 2008 e preterido partidariamente em favor de Aécio Neves, nas últimas eleições, ganhas por Dilma Rousseff. Apoiado pelo PSDB, o partido de Fernando Henrique Cardoso, conseguiu garantir o importante apoio do DEM, uma força mais conservadora (que já se chamou PFL e que teve origem na Arena, o partido apoiante da ditadura militar), bem como de um conjunto de outros pequenos partidos do chamado Centrão. Tem assim garantido o maior tempo de antena, o que não é despiciendo. Será isto suficiente para ganhar? Diria que as suas hipóteses são fortes, mas que fraco é o seu carisma, com uma imagem “usada” e sem o fator “novidade” de que Aécio Neves dispunha. 

Henrique Meirelles é um candidato que procura explorar a credibilidade criada junto dos meios empresariais, pelo tempo excelente que teve como governador do Banco Central ... escolhido e apoiado por Lula! Designado pelo MDB (antigo PMDB, que nasceu do MDB, a oposição permitida no tempo da ditadura), do desacreditado presidente Temer, não deve ter um caminho fácil, porque a força política em que se apoia é um partido estranho, que não oferece disciplina política e funciona numa pura lógica de ocupação do poder, sendo talvez esta a sua verdadeira “ideologia”. 

Resta falar do fenómeno Jair Bolsonaro. Dizer que é uma espécie de Trump é talvez demasiado simples. Tem em comum um certo primarismo no eixo do discurso, uma linguagem desbragada e politicamente incorreta, dirigida a um eleitorado simples, eticamente desblindado. O seu “fond de commerce” é o crescente sentimento de insegurança que atravessa toda a sociedade brasileira e a sua reiterada referência é a memória, que afirma como positiva, da ditadura militar que, em 1985, deu lugar à democracia que muitos brasileiros acham hoje que não funciona convenientemente. É talvez o único candidato da rutura, e isso beneficia-o, mas o real apoio às suas teses é uma imensa (mas preocupante) incógnita.

Há agora muitos meses pela frente, cenário de factos futuros que tudo podem condicionar. Mas há uma evidência: é um Brasil visivelmente desencantado, com escassa esperança, que agora parte para esta corrida presidencial. 

Notícias da estação (2)

Acho-o remoçado, o Sebastião Falcato, desde que é secretário de Estado dos Assuntos Sociais. Quem o viu e quem o vê! Conheci-o ao tempo em que era da JS de Sabugueiro, quando me convidou para lá ir falar sobre o “O queijo da serra na construção europeia”. Correu lindamente. Fiquei amigo dos cinco assistentes à palestra, que acabou com uma prova de aguardente de zimbro que o meu fígado ainda às vezes recorda. Cruzei-o ontem, aqui na praia. Disse-me estar a preparar-se para ir a S. Tomé, onde está em construção um centro de formação do CLCC. Eu não sabia o que era. Ele esclareceu: Clube Lusófono dos Crentes na CPLP. “Vou lá para a semana, antes que o Marcelo se adiante”. É prudente. Tem futuro, o Sebastião, podem tomar nota.

Modo e tempo


A ocasião era triste, há uma semana. As palavras do sacerdote, ditas na circunstância, não tinham gongorismos. Encerravam a simplicidade das coisas bem ditas, porque bem pensadas, sem a menor teatralidade. 

Como vivo essas cerimónias “de fora”, sem a menor sensibilidade à dimensão religiosa do ato, procuro isolar a parte da mensagem que resulta universal, isto é, aquilo que pode servir a crentes e não crentes. Aprendi que, das reflexões sobre a vida, quase sempre se pode extrair lições úteis, se o que é dito não estiver encriptado por um irredutível sectarismo filosófico. Sou frequentador apenas episódico dos momentos religiosos, a que sempre e só vou por deveres de respeito social, em ocasiões alegres ou tristes, nunca de obediência ritual. Às vezes, confesso, passo por imensas “estopadas”, que aturo com paciência protocolar. Porém, em outras circunstâncias, dou o tempo por bem empregue.

Foi o que agora aconteceu. O sacerdote falava do caráter “democrático” da vida, do facto de a todos nós serem proporcionadas, por igual, 24 horas em cada dia, competindo-nos, de certo modo, escolher como as usar. Esse foi o mote: o modo de empregar o nosso tempo. O discurso era feito de expressões comuns, não trazia preso a ele nenhum determinismo, eram palavras abertas, para pessoas livres, a quem apenas – o que não é pouco – se pedia sentido de responsabilidade na relação com os outros.

Por um acaso, eu havia cruzado aquele sacerdote há já alguns anos, em tempos seus bastante difíceis, porque as maleitas tocam a todos, ele não escapara a elas e eu fora ocasional testemunha desses seus dias complexos. Guardei, de então, a sua serenidade magnífica perante o que a vida podia trazer-lhe ao virar da esquina, desde logo, a hipótese da morte. Impressionou-me a calma com que, em contexto de total incerteza, olhava as coisas e as pessoas. Admirei-lhe a cultura sem alardes, o humor e o espírito fino de ironia consigo mesmo, a postura de quem se olhava sem magnificar o seu papel – e tenho visto como a sua figura é, afinal, tão importante para muitos. Percebemo-nos desde o primeiro instante, desenhando com facilidade o terreno que nos era comum, que afinal era imenso. Criámos amizade, visito-o, desde então, sempre que posso, leio muito do que publica.

Nesse dia, ouvi-o, pela primeira vez, numa homilia, porque coincidiu ser ele a celebrar a cerimónia a que eu devia estar presente. Foi na igreja do Cristo Rei, no Porto. Gostei muito das palavras do meu amigo frei Bernardo Domingues.

quinta-feira, agosto 02, 2018

Notícias da estação (1)


Ficou bem bonita, e dá imenso jeito, a nova ligação de Tróia a Setúbal, a recém-inaugurada ponte Bocage. Daqui a umas horas, irei por ela comer uns salmonetes de truz ao Poço das Fontaínhas (não vale a pena tentarem, já não há mesas para o jantar de hoje). Pena é que, àquela hora, não se consigam ver os golfinhos no Sado. Mas há, com certeza, gambuzinos pelo ar. Com este calor e em noite de lua cheia, os seus bandos veem-se mais do que bem.

quarta-feira, agosto 01, 2018

Ai não?!

- Olha lá! Não eras tu que te gabavas de ter um post por dia, no teu blogue, sem falhas, desde há cerca de 10 anos? Está a acabar quarta-feira e nada!

- Ai não?!

terça-feira, julho 31, 2018

O prurido dos Espírito Santo

Na zona da Comporta, há quem tenha saudades dos Espírito Santo. 

Não sei se se trata apenas de um mito rural, mas diz-se que, nesse tempo, havia desinfestações anuais dos mosquitos que nascem nos arrozais. E, com razão ou sem ela, credita-se essa ação aos Espírito Santo.

Hoje, quando, por ali, somos mordidos por um mosquito (e eles já chegam a Tróia). num restaurante ou numa esplanada, lembramo-nos logo do falecido grupo financeiro. É o prurido dos Espírito Santo.

segunda-feira, julho 30, 2018

24 horas na vida de uma mulher

Em casa do meu avô materno, no topo de um estante, havia um livro cujo título sempre me intrigou, mas que essa curiosidade, ainda de infância, nunca me levou a ler. Era o "Vinte e quatro horas na vida de uma mulher", de Stefan Zweig.

Há pouco, ao ver anunciada a demissão de Ricardo Robles, o vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, lembrei-me de Catarina Martins, líder do partido. E das suas últimas 24 horas. E pensei em como apenas um dia e um imenso erro podem ter consequências devastadoras. 

Não vou aqui repetir, sobre o episódio imobiliário de Robles, o básico: o cidadão Ricardo Robles tinha todo o direito de fazer o que fez, o militante do BE Ricardo Robles estava moralmente impedido de tentar o negócio, depois do que tem dito sobre a especulação imobiliária em Lisboa. Por isso agora se demitiu.

Mas estas 24 horas, na vida de uma mulher chamada Catarina Martins, acabam por ser um tempo imenso. Ela devia ter cortado cerce o problema, mal se conheceram os factos, retirando de imediato a confiança ao vereador. Ora, ao vir a terreiro apoiar Robles, com os argumentos algo arrogantes que utilizou, a poucas horas dele próprio perceber que tinha de se demitir, acabou por piorar tudo, agravando, por falta de sentido e de "timing" políticos, uma das maiores crises que o BE atravessou desde a sua criação. O partido vai ter agora de lamber as feridas, esperando que o dia de amanhã obscureça a memória dos seus potenciais votantes, que, por estas horas, exibem um penoso embaraço. Uma coisa é certa: o Bloco vai pagar um preço, à esquerda.

É que Catarina Martins deve preocupar-se, e só, com os impactos à esquerda daquilo que se passou. Mas, se quer um conselho, deve "estar-se borrifando" para a turba da direita que lhe caiu em cima, para a "autoridade" moral de quem acha que tem, por herança genético-social, aquilo que poderíamos designar como o "monopólio do usufruto do bago" e há muito se arroga o direito de ser uma espécie de juíz de coerência do outro lado da barricada. 

Vemos agora a direita aproveitar o balanço e contestar uma alegada "superioridade moral" da esquerda. De facto, concordo que invocar isso não passa de uma palermice sem sentido, sendo que é, no entanto, um tema muito antigo, que surge à baila de quando em vez. Mas talvez valesse a pena interrogarmo-nos: por que será que nunca se ouviu, por uma vez que fosse, alguém ousar defender a existência de uma "superioridade moral" da direita? Talvez não seja por acaso...

FHC

Há uns anos, numa livraria de Boston, vi à venda um livro de memórias, em inglês, do antigo presidente brasileiro, Fernando Henrique Cardoso. Como já então vivia no Brasil, optei por não comprar o livro, tanto mais que me parecia ser uma espécie de síntese biográfica, “para americano ler”. 

Nunca mais pensei na obra, até que há semanas, numa excelente livraria de Brasília, na qual passeava com um amigo, ao falarmos de FHC (como no Brasil é conhecido), ele me perguntou: “Leste “O improvável presidente do Brasil?” “. Perante a minha negativa, ofereceu-me o livro - que é a tradução do volume que eu vira nos EUA. E as férias servem para isto: comecei a lê-lo ontem, acabei há pouco as suas quase 400 páginas. E fico muito grato ao Manuel Lousada por me ter proporcionado esta leitura.

Tenho forte admiração por Fernando Henrique Cardoso. Acho que a sua presidência, que antecedeu a de Lula, fez muito bem ao Brasil e à sua imagem no mundo. Tive o gosto de o conhecer relativamente bem quando lá fui embaixador, e ele já não era presidente, e, desde então, com alguma frequência, tenho-o encontrado por Lisboa, cidade de que muito gosta. Ainda há pouco tempo nos cruzámos num restaurante.

O livro é uma obra equilibrada e serena, com o natural auto-elogio de quem vive contente consigo próprio e com aquilo que acha, e bem, que fez pelo seu país. Não encerra grandes novidades (embora a mim me trouxesse algumas), mas o relato ajuda a melhor entender o seu percurso intelectual, académico e político - desde um período mais radical à sua conversão à social-democracia. E apoia-nos bastante, e de forma equilibrada, na leitura da história contemporânea do seu país.

FHC foi amigo de Mário Soares, é-o de António Guterres e de Jorge Sampaio. Porém - e isto representa muito do que é o Brasil, sem quaisquer juízos de valor negativos associados, mas apenas como mera constatação - no glossário do livro, entre os muitos países citados, Portugal não surge mencionado uma única vez (Soares aparece uma vez). São estes pormenores que nos ajudam a educar a nossa perspetiva sobre o que, na realidade, valemos para os outros, Brasil incluído.

domingo, julho 29, 2018

Com reserva de mesa


Com a morte de Jonathan Gold, ouviu-se, um pouco por todo o mundo, um coro de elogios a um dos críticos gastronómicos que terá marcado uma geração do setor. Escrevi “terá” porque, embora, durante alguns anos, eu tivesse metido uma colherada no tema, o meu conhecimento da figura era bastante escasso: havia lido alguns (poucos) belos textos dele, sabia alguma coisa sobre o seu percurso, em particular que era muito bom naquilo que fazia, mas era tudo.

Embora, até um passado recente, eu próprio tivesse escrito, por alguns períodos, sobre restaurantes, em três revistas distintas, nunca tive a menor veleidade de assumir-me como “crítico gastronómico”. Sei as minhas limitações e gabo-me de conhecer o meu “princípio de Peter” (e isto, para quem não saiba, nada tem a ver com o bar de gin da Horta), Quando muito, chamei a mim próprio “gastrófilo”, isto é, alguém que gosta de comer e não se importa de ter a ousadia de partilhar com outros as experiências que vai tendo na restauração profissional. O que agora continuarei a fazer, “pro bono” e do meu bolso, no blogue “Ponto Come”.

Ao ler algumas coisas que, a propósito da morte de Gold, apareceram na imprensa sobre as pessoas que escrevem artigos sobre restaurantes, dei comigo a pensar que fui sempre muito feliz, nos anos em que operei (e fui pago para isso) naquele domínio. É que em nenhuma, repito, nenhuma ocasião fui pressionado para escrever sobre um determinado restaurante (nem sequer a título de sugestão), tive plena liberdade para escolher aqueles que me apetecia visitar e jamais me foi feita a mais leve observação sobre o teor das minhas críticas. 

Vou deixar aqui, com o meu reconhecimento, os nomes das três pessoas que, nos diversos momentos, me “contrataram” para essa gostosa tarefa: Edgardo Pacheco (Sábado), Catarina Carvalho (Evasões) e Pedro Luís de Castro (Epicur). De todos fiquei amigo, o que acho mais importante do que tudo..

sábado, julho 28, 2018

A minha ida à lua


Não sou muito de luas, mas ontem, ao ouvir que a próxima “boa lua” só seria daqui a 105 anos, tive um sobressalto: esta lua, com eclipse e tudo, não me ia escapar! É que, daqui a 105 anos, o céu pode estar nublado e nunca se sabe. 

Porém, o evento lunar coincidia com um jantar em casa de amigos, cujo menu evito detalhar, porque o país, em matéria de inveja, já teve a sua dose de fim-de-semana com “a minha casinha” do Robles. Fui assim para o repasto, mas sempre com a cabeça na lua. Pelo caminho, fui olhando à volta, mas nada de lua! Do lado, no carro, ouvi, a ironizarem: “Não é um eclipse? Então não se vê a lua!”.

Chegámos. O jantar lá avançou, o champanhe que antecedeu um belo alvarinho estava no ponto de fresco. A conversa e as vitualhas (não insistam, não digo o menu!) foram marchando, até que, sobremesa passada (grande ameixas do quintal da casa e umas cerejas de truz, queijos e gelado à parte!), o apelo da lua foi maior do que eu. 

Fui ao jardim e o céu dali nada tinha de excitante. Voltei para dentro, pedi desculpa e saí para a rua. Lua, nada! Meti-me no carro, abri o tejadilho (às vezes, as coisas caem do céu) e fui andando até uma daquelas rotundas sem saída, aí a trezentos metros. Olhei para cima e lá estava ela, ao fundo, rosada como uma moçoila corada perante um piropo (é proibido, eu sei!). Gandalua! Como não sou egoísta, voltei logo à casa, ao pessoal do jantar, e convidei todos a virem comigo (de carro, claro!), ver a lua, cujas maravilhas de aspeto fui descrevendo. Todos se acomodaram, cintos postos e lá fomos, para uma viagem para ver a lua.

Arranquei e, 20 metros depois, não mais!, um dos viajantes do passeio à lua exclamou: “Lá está ela!”.  E estava! A “olhar para nós”! Estaquei o carro. Saíram todos. A gozarem-me. Afinal, a lua via-se dali, quase da saída da porta, e eu, antes, tinha andado 300 metros até levantar a cabeça e olhá-la. A missão lua acabou um minuto depois. Aviada assim aquela bem sucedida expedição astronómica, perguntei se alguém queria “regressar” casa, de carro! E não é que duas senhoras se instalaram no banco de trás, só para terem o gosto de andarem os vinte de metros, conduzidas por um embaixador humilhado?! Saiu-me cara, em dignidade, esta minha ida à lua!

Robles SARL



O excelente negócio feito pelo deputado municipal do BE, Ricardo Robles - se, como parece plausível, tiver cumprido todas as determinações legais - é de uma legitimidade cristalina. Numa economia de mercado, as coisas funcionam assim e as mais-valias obtêm-se dessa forma. Nada, mesmo nada, a objetar. 

(Digo-o com a “autoridade” de quem, há pouco tempo, fez um ”negócio” precisamente ao contrário, isto é, em que fiz menos-valias, em que perdi dinheiro. Mas isso sou eu, que nessas coisas, sou um completo “nabo”...)

Há, porém, um ligeiro pormenor que introduz uma nota de diferença, quiçá de imensa incoerência, a este episódio. É que o BE, e o próprio vereador, na sua (também legítima) contestação radical ao mundo capitalista em que vivemos, que já percebemos que abominam e não aceitam (mas de que, pelos vistos, alguns deles se sabem aproveitar, e bem), têm estado na primeira linha da denúncia do surto de “especulação imobiliária” que hoje se vive na capital.

Ora isto tem um nome, feio. Mas entrei num “zen” de férias, mesmo para a indignação. Deve ser da lua em eclipse que está aí a chegar...

sexta-feira, julho 27, 2018

Vamos a contas


Este não foi um ano fácil para o governo, em especial para António Costa, sendo que o primeiro mostra, a cada dia, ser um quase heterónimo do segundo. A tragédia dos incêndios, e bastante menos a comédia de Tancos, acabou com o estado de graça mas ficou longe de desgraçar o executivo. O otimismo abrandou, mas não afetou a economia, soprada pelas exportações, pelo turismo nas ruas, com ambiente externo e BCE a ajudarem, pelo menos até ver. Centeno, com visível gosto, atou as mãos a si mesmo no Eurogrupo em matéria de défice, embora isso não deixasse de ter consequências nervosas no equilíbrio interno da Geringonça. Empochadas as recuperações salariais, PCP e Bloco, percebendo que algumas margens orçamentais afinal existem e só não são usadas porque é preciso edulcorar a imagem do novo bom aluno europeu (que agora até já tem um sorridente retrato), fazem a coreografia vocal da pré-rotura, mas não passam a soleira de uma crise, cujo efeito de “boomerang” temem. O Bloco é entretido com notas emblemáticas e alguns fogachos legislativos fraturantes, que, aliás, ajudam o PS a sustentar ideologicamente a sua própria ala que dele está mais próxima. No seio dos comunistas, António Costa bem pode acender uma vela a S. Jerónimo, porque o que depois dele virá saudoso aliado dele fará. No meio, o presidente preside, numa filosofia de ação que fica cada dia mais clara e que, no essencial, se pode resumir assim: estar ao lado do que estiver a correr bem, nada fazendo para que algo corra mal e depois logo se verá. E não é que me ia esquecendo da oposição? No CDS, a novidade passou, o discurso é errático, umas vezes mais liberal, outras ultramontano, já a roçar terrenos estranhos. No PSD vive-se um ambiente shakespeareano revisitado por Gervásio Lobato, com boa vontade, por Feydeau. Há por ali dois partidos. A abada eleitoral autárquica afastou Passos Coelho, a província ajudou a eleger Rio mas este não pacificou as hostes, onde a aldeia de Asterix (que tem um incendiário Obelix e tudo!) acantonada no grupo parlamentar vive num sebastianismo que, cada vez mais me convenço, acabará por fazer voltar o governante preferido da “troika”. Vão tentar apear Rio até ao final do ano, temendo a “limpeza de balneário” que este fará em S. Bento. Não sei o que o PS deva temer mais: Rio pode não ter muito jeito, mas exala genuinidade e sentido de Estado, enquanto Passos é um agregador automático da Geringonça. Por mim, não tenho dúvidas: António Costa é um excelente primeiro-ministro. Ponto.

quinta-feira, julho 26, 2018

As férias e eu

Há qualquer coisa de muito íntimo entre as férias e eu. E como já percebi. em definitivo, que não são elas que necessitam de mim, só posso concluir que sou eu quem delas precisa. E muito!

Sá Carneiro


Mário de Sá Carneiro foi uma das mais originais figuras da nossa literatura poética, na primeira metade do século XX. Da geração da revista Orpheu, viria a morrer em Paris.

Quando fui embaixador em França, procurei fazer-lhe uma homenagem, com a colocação de uma placa na casa que sucedeu àquela onde viveu, perto do Jardin du Luxembourg, mas, por razões práticas que não vêm ao caso, isso acabou por não ser possível.

Vejo agora surgir entre nós uma polémica sobre se os seus restos mortais devem integrar o Panteão nacional, a par dos de Mário Soares. Esta ideia, nascida no seio do PSD de Lisboa, parece-me ter pouco sentido, embora seja de louvar este inusitado empenhamento literário da força política que carrega a social-democracia no seu nome. Sá Carneiro tem obra, reconheço que meritória, mas muito inferior à de outros cuja colocação naquele lugar nobre bem mais se justificaria.

Aliás, no caso de Mário de Sá Carneiro, o assunto está, à partida, de certo modo resolvido. O seu corpo desapareceu do cemitério de Pantin, onde fora depositado por ocasião da sua morte, em 1949.

Nestas questões, algum juízo de justiça relativa deve sempre prevalecer. Por essa razão, e com o devido respeito, permito-me estranhar que o senhor presidente da República tenha vindo a terreiro equiparar a figura de Mário de Sá Carneiro à do indiscutível fundador da nossa Democracia. E, talvez ainda mais, que o seu assessor cultural, Pedro Mexia, o não tenha aconselhado melhor, neste “faux pas” (obviamente) literário. Não se compara o incomparável!

Vou ler isto outra vez...