O “Delito de Opinião” é um excelente blogue coletivo, com uma existência de quase uma década.
Para uma antologia de textos que decidiu agora publicar, o “Delito” convidou dois prefaciadores - Ferreira Fernandes e eu próprio - e um pósfaciador, João Taborda da Gama.
Eis aqui o meu texto, a que chamei “Palavras liminares”
Daqui a uns anos, quando o mundo digital vier a fazer a sua arqueologia, estou certo de que dedicará um capítulo generoso ao tempo dos blogues. Neles distinguirá aqueles que, com genuinidade, os utilizaram para o debate de ideias, às vezes integrado na luta política conjuntural, de quantos, de forma mais ou menos ostensiva, os colocaram ao serviço da promoção de negócios. Mas até o sucesso destes últimos é, em si mesmo, revelador da eficácia deste modelo de plataforma. Mesmo a montante desse inventário crítico, não hesito em constatar que a blogosfera representou - no Portugal do início do século XXI - um valioso espaço alternativo para confronto de perspetivas, um inesperado e criativo complemento da comunicação social tradicional. E não deixa de ser interessante notar que muitos cultores do jornalismo encontraram nos blogues um espaço para exercitar uma outra linguagem e muitos “bloguistas” iniciaram por aqui um caminho que os viroa a conduzir à expressão na comunicação social.
O “Delito de Opinião” surgiu semanas antes da primeira publicação que fiz no blogue diário que eu próprio alimento desde 2009, inaugurado no dia em que assumi o cargo de embaixador em Paris (embora tivesse já outras experiências no “ramo”). Aliás, o “Delito” foi dos primeiros blogues a acolher e referenciar o meu “Dois ou Três Coisas”, o que desde logo achei muito simpático, tanto mais que os seus autores, na sua ampla diversidade, eram e viriam a confirmar situarem-se em escolas de pensamento, e particularmente de atitude política, um tanto distantes da minha - e isto é um eufemismo.
Com algumas exceções, verifico que o “Delito” é escrito por gente de uma geração bem diferente da minha, creio que, na maioria, já oriundos de experiências anteriores na blogosfera. Para quem, como eu, tinha voltado a viver fora de Portugal, neste caso há mais de uma década, o “Delito”, até pelo seu saudável hábito de citar e fazer links para outros blogues, sempre funcionou como uma janela sobre um país digital que me era alheio. E como tenho o “vício” de dar prioridade na leitura àqueles com quem sei que não vou concordar, eu recolhia, e ainda recolho, no “Delito” o alimento para essa minha faceta masoquista.
Ao longo deste tempo que (caramba!) caminha para uma década, fui “zurzido” por mais de uma vez em posts e comentários no “Delito”, o que é da lei da vida. O Acordo Ortográfico foi um tema recorrente nesses embates, mas outras contradições continuam a emergir, permanecendo em autores do blogue alguns sobrolhos carregados (“to say the least”) quanto à minha pessoa. Isto só torna mais nobre o gesto de me terem convidado para escrever este breve prefácio.
Os blogues coletivos com sucesso têm, em geral, uma “alma” motora por detrás, um “teimoso” que não deixa que a máquina esmoreça. No que me é dado ver, no “Delito”, o Pedro Correia encarna essa figura, ele próprio um criativo que inaugura e alimenta linhas sequenciais de posts (músicas, palavras detestadas, etc.) que exigem pesquisa, constância e uma pertinaz vontade para prosseguir. Por ser escriba de um blogue individual, com publicação insistentemente diária, sei por experiência própria a dificuldade inerente a este tipo de trabalho. E daí a grande admiração que o “Delito” me merece.
Fiquei muito honrado com este convite do “Delito de Opinião” a alguém que vem de “outra freguesia”, para deixar umas palavras na abertura desta sua antologia. (Não sei mesmo se não vou aproveitar a ideia...). Ao blogue e aos seus autores só posso desejar determinação para prosseguir, no fundo, o mesmo que (até ver!) imponho a mim mesmo.
ps - em homenagem ao “Delito”, decidi, por uma vez, evitar contradições ortográficas...
Convido-os a visitar o “Delito de Opinião”, clicando
aqui.