Há uns
anos, quando era embaixador em Paris, fui convidado a estar presente num determinado
evento que reunia portugueses emigrados em diversos países do mundo.
Fui falando
com vários, inquirindo do modo como as nossas comunidades se integravam nessas
sociedades, quais os seus principais problemas e, muito em especial, procurando
recolher opiniões sobre o tipo de políticas públicas, por parte de Portugal,
que entendiam por mais adequadas à promoção dos seus interesses. Tinha
curiosidade em saber como avaliavam a qualidade da nossa rede consular, num
tempo em que as mudanças na natureza da diáspora e a presença da União Europeia
na área da proteção consular iriam necessariamente alterar alguns do parâmetros
tradicionais da nossa ação externa.
Uma dessas
conversas, recordo-o bem, tive-a com uma senhora que vivia na Venezuela. Era o
tempo de Hugo Chávez e era evidente, não sendo isso minimamente uma surpresa,
que o líder venezuelano estava longe de gozar da simpatia maioritária da nossa
comunidade, "to say the least"...
Ao tempo,
as coisas estavam ainda muito longe daquilo a que o sucessor de Chávez iria
condenar o país. Porém, a desafetação da minha interlocutora face ao então presidente
venezuelano era mais do que evidente - e isso era bem compreensível, dado que a
comunidade portuguesa se sentia um elo fraco naquela sociedade, alvo de ataques
aos seus interesses económicos, numa instabilidade que lhe causava angústias
quanto ao futuro.
A certo
ponto da conversa, a senhora disse-me: "Não compreendo como é que Portugal
(era tempo do governo Sócrates) tem tão boas relações com aquele homem!" E
falou-me, com alguma acrimónia, de Mário Soares e do aproveitamento político-mediático
que o regime tinha retirado de declarações, simpáticas para Chávez, que o
antigo presidente proferira na ocasião de uma visita que fizera à Venezuela.
Eu podia
entender, com facilidade, aquela reação: a senhora detestava o mundo
"bolivariano" que ia conduzindo a Venezuela ao desastre e mostrava-se
chocada com os sorrisos regulares que Caracas trocava com Lisboa. Esse era
também, recorde-se, um tempo em que algumas empresas portuguesas procuravam
aproveitar o mercado venezuelano, visto como seguro pela garantias que o
petróleo parecia conceder.
Não
contrariei a senhora, mas perguntei-lhe, a título de teste: "O que é que
acharia se o governo português denunciasse as violações dos direitos humanos e
os atentados à democracia que são tão evidentes na Venezuela? Como sabe, há
muitos países que estão a ir por esse caminho.”
"Pela
sua rica saúde! Nem é bom falar nisso!" respondeu-me a senhora. "Não gosto
nada de ver o Sócrates com o Chávez juntos, mas, enquanto eles se entenderem
bem, pelo menos isso pode evitar que ele ataque a nossa comunidade..."
Lembrei-me agora
disto, sei lá bem porquê.