terça-feira, abril 18, 2017

O passado é uma coisa muito séria

Nós, os portugueses, temos uma relação muito curiosa com o passado. País "com História a mais", vimo-la apropriada de forma despudorada pela ditadura, que a utilizou como pretenso fator da unidade nacional que pretendeu forjar em seu reforço, adubando o nosso orgulho nesses tempos da busca das Índias e dos Brasis, espalhando, na passada, "a fé e o império".
O Estado Novo, ao construir a sua narrativa sobre a "gesta" lusitana por mares e terras nunca dantes navegados ou pouco pisados, instilou-nos, parece que para sempre, a ideia mirífica de que o colonialismo português era "menos mau do que o dos outros", de que, ainda hoje, somos "menos racistas" do que as gentes dos restantes países, de que a miscigenação feita foi a prova provada da nossa tolerância, bondade e moderação enquanto povo. A teoria do "bom selvagem" foi, entre nós, substituída pelo mito do "bom civilizador".
No Portugal depois de abril, logo que exorcizadas politicamente as guerras coloniais através da independência das colónias, foi-se instalando subliminarmente, embora já em democracia, uma surpreendente leitura benévola do colonialismo lusitano. Há que perceber por que é que isso foi feito: tratou-se de uma espécie de compromisso para a reconciliação nacional, entre os que, agora já forçadamente por cá, tinham sofrido com o termo do período colonial e os anti-colonialistas, vitoriosos históricos. Essa leitura de compromisso, concessão destes últimos, conviveu sempre mal com exegeses mais rigorosas do normativo que Portugal impôs, ao longo dos anos, na sua dominação colonial, e que nos não deixam muito bem na fotografia (leia-se a obra de alguém como Charles Boxer para se ter uma ideia melhor disto). E, sejamos honestos, nos últimos anos temos assistido ao país (repito, democrático) a dar-se como que absolvido de todo esse passado, procurando esquecer os seus recortes sombrios, desde que a relação com os novos Estados saídos das zonas colonizadas se "normalizasse". Sem ironia: como se o MPLA e a Frelimo fossem os "legítimos representantes" dos escravos acarretados à molhada pelos negreiros para o Brasil.
Não sou um grande fã das "desculpas" históricas, dos arrependimentos no tempo presente por atos no passado, cometidos em contextos diferentes, à luz de valores da época. Mas há alguns limites para esse "relativismo". A escravatura, as desumanidades decorrentes de se não considerarem os negros como pessoas, da mesma maneira que mais tarde os crimes nazis, não podem nunca ser absolvidos através de uma contextualização benévola. Posso assim perceber o que Mário Soares disse sobre o tratamento dado aos judeus ou o discurso do Vel d'Hiv de Jacques Chirac, sobre o miserável colaboracionismo francês durante a ocupação nazi. E não posso senão saudar o que Emmanuel Macron, para surpresa de muitos, disse sobre o colonialismo francês na Argélia.
É nossa obrigação olhar para a frente, falar para as novas gerações, às quais é importante criar "alertas" éticos e humanistas, induzir noções concretas daquilo que fez avançar a História (como as descobertas), mas igualmente das tragédias que isso implicou (como a escravatura). A melhor defesa para tentar garantir Portugal como um espaço de tolerância, de aceitação da diferença, resistente aos cantos das sereiras populistas e radicais é falar do passado colonial abertamente: da genialidade do Infante ou da coragem de Gil Eanes no Bojador, mas também dos massacres de Wiriamu, da Baixa do Cassange ou de Batepá.
Fernanda Câncio, num excelente artigo no DN de ontem (que pode ser lido aqui), intitulado "Fomos sempre tão amigos dos pretinhos", põe o dedo no lugar da ferida onde ela dói mais. Fá-lo a propósito de uma deslocação do presidente da República a Gorée, no Senegal, um dos lugares mais emblemáticos da barbárie escravocrata. E do que ele por lá disse, que escandalizou muita gente, por alguma ligeireza na abordagem que então fez.
A jornalista tem toda a razão e ao presidente da minha República, cujo comportamento neste primeiro ano de mandato globalmente tenho vindo a saudar (com tanta ou mais autoridade quanto não votei nele), não consigo admitir que, ao enveredar por um tema com esta delicadeza, o tenha feito num registo impressionista que não está à altura do homem culto e sabedor que (felizmente) hoje temos em Belém. E que, como pessoa, é indiscutivelmente um homem sensível e humano.
Há uns anos, quando vivia em Paris, ouvi Nicolas Sarkozy fazer, em Dakar, um discurso vergonhoso sobre a realidade africana e o modo como a França (dele) a olhava. Lembro-me de ter então pensado que, se um qualquer dirigente do meu país ousasse um dia dizer aquelas coisas (Sarkozy pronunciaria, anos mais tarde, em Grenoble, infâmias de idêntico jaez, dessa vez a propósito dos estrangeiros e dos franceses "diferentes", na sua mimetização à extrema-direita), eu me sentiria profundamente envergonhado. Não foi nada disso que Marcelo Rebelo de Sousa disse, convenhamos. Muito longe. E, por essa razão, ao contrário de Fernanda Câncio, não fiquei envergonhado. Mas o chefe do Estado de um país talvez "com História a mais", tem de ser muito mais cuidadoso quando olha, no retrovisor, o nosso percurso coletivo. É que o passado é uma coisa muito séria.

segunda-feira, abril 17, 2017

Vacinas

Lá porque há uns anormais que decidem não mandar as crianças à escola, isso não significa que a sociedade, através do Estado, que representa os nossos interesses comuns, não criminalize os progenitores que o não permitem.

O caráter voluntário de certas vacinas, que se justificava num passado em que subsistiam dúvidas quanto à respetiva eficácia, deve ser questionado nos dias de hoje, quando há uma evidência esmagadora sobre a vantagem desse procedimento. Trata-se de defender a saúde pública e, em especial, o interesse das crianças, que são seres humanos com um corpo de direitos próprio, que não são "propriedade" dos pais e, em especial, não podem ser vítimas dos preconceitos destes. Isto tanto é válido para as vacinas como o é para a questão das transfusões de sangue, no caso das "testemunhas de Jeová".

Confesso que não tenho a menor tolerância para este "liberalismo" pateta no domínio da saúde, que põe manifestamente em risco a vida das crianças, como toda a ciência tende a concordar.

"Saudades nossas"


No Natal passado, escrevinhei umas pequenas memórias familiares, em torno de uma velhas tias que fazem para sempre parte do meu mundo afetivo. Editei-as numa pequena publicação, que dediquei à minha família. Hoje, deixo esse texto à eventual leitura dos visitantes deste blogue. Se quiserem dispensar um quarto de hora do vosso tempo, elas aqui ficam.

domingo, abril 16, 2017

Peregrino de primeira classe


(A minha querida amiga Leonor Xavier publicou em livro os testemunhos de sete dezenas de pessoas, subordinados ao título comum "Peregrinações". Porque a dimensão espiritual não fazia, de todo, o meu género, optei por relatar a minha "peregrinação" pessoal pelas principais cidades onde a vida profissional me levou - um pouco ao jeito daquilo que, há uns anos, a própria Leonor fez sobre as casas por onde viveu. Deixo aqui esse texto, agradecendo à mulher-coragem que é a Leonor este seu convite.)

A minha peregrinação, Leonor, não é “interior”, como a do Alçada, nem “ad loca infecta”, como a do Sena.

Um dia, por um acaso da vida, tornei-me peregrino “de primeira classe”. Descia uma rua, encontrei um amigo engravatado, perguntei-lhe o que fazia, disse-me que era diplomata e de haver um concurso próximo para essa carreira. Fiz o exame, fui aceite e comecei a andar pelo mundo. Não fui à aventura, fui com segurança, como peregrino público, pago pelos nossos impostos, para esse mundo que alguns patetas acham “do croquete”, até se verem numa alhada em terras alheias ou na necessidade de terem uma ajuda para um negócio encravado.

Essa minha peregrinação começou na Noruega, com frio e bacalhau, onde fiz o tirocínio para viver no estrangeiro – eu que sempre tinha achado que o estrangeiro era apenas um lugar para férias. Aprendi por ali o bê-à-bá da diplomacia, porque só fora do nosso país isso é possível. O peregrino começava a sua jornada.

Anos depois, as Necessidades entenderam dever dar-me uma experiência radical. E daquela “righteousness” de vida, sem um papel pelo chão e a 90 km/hora nas autoestradas, fui parar a uma Angola caótica, em guerra, sem uma loja aberta, recolher obrigatório noturno, por meses num hotel sofrível em que havia arroz com peixe frito ao almoço e peixe frito com arroz ao jantar. E não é que me diverti imenso! Pudera, com o António Pinto da França como chefe e o Zé Stichini Vilela como colega, os meses passavam depressa, com o Mussulo e a Barra do Kuanza para atenuar as neuras, que nunca foram muitas.

Regressei, depois, a Lisboa. Portugal iniciava a sua aventura europeia e eu entrei nela desde o primeiro dia. Era um mundo novo. Íamos a Bruxelas como quem ia a Meca. Sabíamos que parte do nosso futuro estava por ali, embora, à época, não sonhássemos quanto a nossa vida coletiva ia depender dessa Europa. Viajei muito pelo mundo, por esses tempos: por todos os continentes (mesmo todos!). Peregrinava em nome e em representação do país, estudando, de caminho, o modo como nos viam lá por fora.

Um dia, porque as peregrinações diplomáticas não podem parar, fui parar à Corte de St. James. Foi um privilégio poder viver no país mais idiossincrático do mundo, que tem de si mesmo uma ideia tão elevada que, às vezes, roça o caricato – e eles sabem! Londres é, foi, uma das mais belas cidades do mundo para viver.

Até um dia. Lisboa de novo. É assim a vida. Fui para o governo. Outra vez as coisas da Europa como destino. E o peregrino, agora tomado de empréstimo pela política, continuou a andar. Muito, talvez demasiado, até se cansar. Aeroportos sobre aeroportos, quartos de hotel como residência precária, falso turismo muito urbano e sempre “à vol d’oiseau”. Fiquei vacinado. Uhf!

Depois, a peregrinação fez-me assentar vida, levou-me para Nova Iorque. Trabalho, mesmo muito trabalho, vida muito diferente, exigente, tensa. Mas com imensa graça, desafiante, naquela cidade que, para nós, é a porta da América e, para os americanos, já “cheira” a Europa. Por lá, nesse tempo, ali ao meu lado, caíram as Twin Towers. Vi mudar a América, pressenti claramente que qualquer coisa de essencial ia acontecer pelo mundo. E assim seria.

Viena foi o destino seguinte da peregrinação. Mas a “música” por lá era outra, o trabalho também, a gestão dos despojos politicos da Guerra Fria. De lá parti várias vezes, em peregrinação acessória, pelas terras fascinantes do Cáucaso e da Ásia Central. E da Ásia mais distante, e do Médio Oriente e de alguma África. E, uma vez mais, viajei imenso, aprendendo bastante – e aprender, aprendi eu, é a melhor coisa da vida.

Depois, Leonor, você sabe: foi o Brasil, uma espécie de descoberta de nós mesmos noutros tempos, uma peregrinação através das viagens que outros, antes, já haviam feito por nós. No Brasil, aprendi que não há nada de mais distante e distinto do que aquilo que temos a tentação de ver como muito próximo. O Brasil foi o deslumbre, a graça de uma existência sorridente, alegre, uma ilusão consentida.

E, finalmente, o meu sonho geracional fez-se. A peregrinação teve Paris como penúltimo porto. O Paris que eu sonhara na juventude, com um pai francófilo e francófono, ali estava, com uma comunidade portuguesa que também peregrinara pela corda da vida, de Champigny à atualidade próspera de muitos. Eram as livrarias, as brasseries, os passeios a beira-Sena ou pela França profunda. Belos tempos.

Um dia, com naturalidade, chega-se ao fim dessa peregrinação privilegiada, de “primeira classe”. Lisboa, o país, onde tudo começou, é onde tudo vai acabar, serenamente, com a família, os amigos, as tertúlias, a boa mesa, as leituras e as escritas. É o olhar para trás que verdadeiramente nos faz ter consciência da peregrinação feita, onde se recorta uma vida onde a sorte, que deu trabalho, nos dá a felicidade possível. Nem mais nem menos. 

sábado, abril 15, 2017

O governo das mulheres...


Foi o meu amigo Elísio Neves - figura a quem Vila Real deve imenso, pelo seu culto de memória das coisas da cidade "e do seu termo", como antes se dizia - quem ontem me ofereceu um pequeno livro que recolhe crónicas de Manuel Cardona. 

Trata-se de uma personalidade referencial do ensino secundário em Vila Real, naquele tempo em que os professores tinham "um nome" e o acesso ao liceu, onde era uma figura marcante de pedagogo, era um bem escasso e para muito poucos. Não cheguei a tê-lo como professor, mas recordo-me bem de o ver assomar à varanda da sua casa, frente ao Barracão, quando, todos os 1° de dezembro, fazíamos a ronda de saudação aos antigos professores.

O motivo da sua "chamada" a este blogue é simples. A Câmara Municipal de Vila Real e o Grémio Literário Vila-Realense editaram recentemente, organizada por Elísio Neves, uma recolha de Crónicas de Manuel Cardona, cuja obra de poeta, cronista e homem de teatro já fora tratada por António Manuel Pires Cabral numa iniciativa anterior do Grémio.

Ao ler no pequeno volume uma carta dirigida à futura mulher, escrita durante período convulso da primeira e grande revolta contra a ditadura militar, o 3 a 7 de fevereiro de 1927, deparei com este delicioso texto, em que se combinam a ironia e uma afetividade elegante, numa espécie de exorcismo lírico do ambiente de forte tensão que então se vivia. Apreciem:

"Os homens não se entendem. Os governos masculinos, mesmo fardados - e estava nestes o último reduto da nossa fé -, arrostam também os seus perigos e vivem horas de intranquilidade e de sobressalto. O que resta, então? Bem o sabes -, e eis a razão do envio destas linhas.

Um governo de mulheres, de mulheres bonitas -, é bom de ver... Nada de violências inúteis, nem de canhões: - vocês próprias terão o cuidado de fazer a seleção...

E só então a paz, a tranquila e santa paz harmoniosa, voltará aos nossos lares! À continência sucede o madrigal; às grades das prisões, a cadeia enternecida de uns braços de mulher... E a já velha frase: - "isto é descer, Marquesa?"  -, será substituída por esta outra, mais deliciosa: "isto é subir, rapazes!"

sexta-feira, abril 14, 2017

Abrantes à vista?


A política externa das principais potências não costuma trazer grandes surpresas. O peso dos interesses, estratégicos ou outros, que define o rumo dos países na ordem internacional raramente é abalado de forma radical. Episódios de conjuntura podem determinar correções de percurso, mas o essencial permanece, numa lógica de “ciclos longos”.

A subida ao poder de Donald Trump indiciou, numa leitura imediata, uma possível rutura com o quadro tradicional da ação externa dos Estados Unidos. Um punhado de bravatas, que roçavam a irresponsabilidade, haviam sido adiantadas durante a campanha e, com naturalidade, os aliados dos EUA preocuparam-se. 

A América não é um país qualquer, é a maior potência mundial, sendo, desde há décadas, o principal “produtor de segurança” para quantos se revêm na ordem demo-liberal ocidental. Ao falar da Rússia e da NATO como começou por falar, Trump fez disparar o “alerta vermelho” nos aliados que tinham Washington como uma constante segura nesse domínio. Mas, por si próprios, pouco podiam fazer, restando-lhes esperar que o peso da realidade e os “checks-and-balances” da democracia americana funcionassem.

Trump construiu uma administração “business oriented”, ou seja, determinada nas suas opções pelos negócios e interesses económicos. Levou para a Casa Branca a agenda simplista de que os EUA vinham de décadas de ingenuidade no plano externo e que era importante corrigir essa “injustiça”, que impactava no orçamento de Washington e nas contas externas do país, deixando-o à mercê de outros. Desconfiado do mundo dos tratados multilaterais, Trump optou pelo confronto bilateral musculado – com o México, com a Alemanha (isto é, a Europa que conta), com a China, etc. Em poucas semanas, terá feito, contudo, um curso intensivo de realismo. 

Há um mundo de dificuldades na política que não se compadece com a ligeireza impressionista do voluntarismo arrogante. E há muitos interesses a ter em conta.

A Rússia terá sido, porventura, a maior lição. Por razões que só o tempo explicará, Trump alimentou a ilusão de que o país derrotado e humilhado pelos EUA, no termo da Guerra Fria, ia poder converter-se num dócil aliado, quiçá passível de ser subcontratado para tarefas de interesse comum, em áreas onde os americanos pretendessem “desengajar” militarmente no futuro. 

Em algumas semanas, os poderes fáticos - militares, económicos e outros – dentro dos EUA encarregaram-se de baralhar os cenários de reversão estratégica do nóvel presidente. E aí está Trump em rota de colisão com Moscovo, com a NATO a deixar de ser obsoleta para passar a indispensável. 

Nem tudo estará exatamente como dantes, mas, neste domínio, o quartel-general já estará a regressar a Abrantes.

quinta-feira, abril 13, 2017

Claques



Não fico minimamente surpreendido com a notícia de que a claque do Porto cantou aos benfiquistas, num jogo de uma modalidade qualquer, um refrão a desejar que fosse o clube da Luz a estar no acidente que matou a equipa do Chapecoense.

Sendo essas trupes dominadas por energúmenos fanáticos, não raras vezes tendo por ali gente ligada ao mundo do crime e ao radicalismo político, acobardados no anonimato ululante e alarve das bancadas (vejam-se, de perto, imagens dessa gente, para se ficar com uma melhor ideia da natureza do pessoal que por ali anda), só mesmo os ingénuos se podem espantar.

Mas o que já me surpreende um pouco mais é a "lata" - e isto é um "understatement", para não ser desagradável - com que alguns comentadores, nos "media" e nas redes sociais, a "armar ao sério", tentam atenuar o escândalo, lembrando a escassez de virtudes das outras claques, num triste "whataboutism" desculpabilizante: "Ai disseram isso?! E então os outros que, naquele outro dia, fizeram e aconteceram?..."

É uma evidência que as claques do Sporting, do Benfica, bem como algumas mais, estão ao mesmíssimo nível rasteiro da do Porto, como se vê todas as semanas pelo seu comportamento e pelos incidentes que protagonizam. Todos pagamos essa javardice coletiva, através do custeio de todo o policiamento que excede as responsabilidades do mundo do futebol, bem como pelo exemplo que dão ao país. Os palermas de Torremolinos são, no fundo, as "jotas" dessa "escola".

As claques clubistas devem ser medidas, aliás, exatamente pela mesma rasa que deve ser utilizada para a consideração devida às "distintas" figuras do respetivo dirigismo "desportivo" - como Pinto da Costa, Vieira ou Bruno de Carvalho -, os quais, ao seu nível, se lhes equiparam, no atiçamento regular das suas turbas, com a vergonhosa cumplicidade com a comunicação social, que lhes magnifica e promove a arrogância pesporrente.

Estão todos bem uns para os outros. Por isso, melhor fariam os respetivos adeptos comentadores se optassem por usar critérios éticos e morais de apreciação deste comportamento das claques, não poluídos por banais fanatismos clubistas. Mas esta é uma esperança vã, como já se verá pelos comentários...

Política "à la française"



De há uns anos para cá, em especial com a intensidade contemporânea dos fluxos de informação, muitos nos sentimos envolvidos nos processos eleitorais dos principais países do mundo. Se a isso somarmos as nossas naturais preferências ideológicas, acabamos por ter nesses sufrágios os nossos favoritos, declarados ou não.

Na política francesa, que sigo com bastante pormenor desde os anos 60, soube sempre "o que queria". Nunca hesitei. Cheguei a ir de propósito a França só para "ver eleições". E, este ano, lá irei de novo, entre as duas voltas. Repetindo Benjamin Franklin: "tout homme a deux patries: la sienne et puis la France".

Nas eleições presidenciais francesas que aí vêm, e pela primeira vez, não tenho o "meu" candidato. O que me interessa é que um determinado candidato perca, e que qualquer um - qualquer um! - dos outros ganhe. Ou melhor, intimamente, "torcerei" pelo candidato que tiver, à partida, mais condições de vencer aquele que eu quero ver derrotado.

É uma sensação estranha, mas muito verdadeira.

Acesso à carreira diplomática





quarta-feira, abril 12, 2017

Morrer na cama

O seu nome não interessa para aqui. Era um grande (imenso) amigo da minha família, lá por Vila Real. Oposicionista declarado ao Estado Novo, assinara as famosas listas do MUD e, por virtude disso, teve problemas sérios na sua carreira de funcionário público. Era uma pessoa muito divertida, alegre, de cuja simpática companhia, em muitas noites lá em casa, ao tempo da minha juventude, me recordo sempre.

Salazar era o seu ódio de estimação. Detestava o ditador com todas as suas forças. A "situação" estragara-lhe a vida, perseguira-o e ele, claro, não perdoava. Na sua linguagem superlativa e colorida de oposicionista radical - não era comunista, era apenas "do reviralho" - apodava o "botas" de Santa Comba de tudo quanto eram nomes depreciativos.

Um dia de Verão de 1968, surgiu-nos visivelmente feliz: "Já sabem a novidade?! Dizem que o "botas" está com os pés para a cova! Caiu, ao que parece".

A tragédia pessoal do ditador, naquele instante, não permitia, humanamente, que comungássemos abertamente da sua satisfação, se bem que, quer eu quer o meu pai, sentíssemos que uma era de esperança podia abrir-se a partir dela.

Mas o nosso amigo, nessa noite, estava imparável. E continuou: "Mas, cá no fundo, estou triste!". Ao ouvir isto, invadiu-nos um sentimento de estranheza. Seria algum remorso pelo gozo que o acidente de Salazar lhe dava?, pensei eu. Qual quê! Não era nada disso! "É que o bandido vai morrer na cama! Devia ter levado com uma bomba, com um tiro, por todo o mal que fez a tanta gente, pelas prisões, pelas torturas, pela miséria a que condenou este país! Mas não, lá está ele no hospital, rodeado daquela canalha política, cheio de médicos à volta. E vai acabar por morrer na cama! É uma grande injustiça!" Rimo-nos muito deste extremismo, com muita verdade pelo meio, que exorcizava uma vida de revolta.

Salazar ainda demoraria mais de um ano a morrer, mas não tenho nota de como esse amigo reagiu, na circunstância. Apenas sei que a alegria com que, anos mais tarde, recebeu o 25 de abril iria ser rapidamente ultrapassada. Por questões no âmbito profissional, entrou em conflito com estruturas sindicais ou de trabalhadores e teve pesados dissabores. De feroz oposicionista passou a ser, em poucos meses, um afirmado direitista, embora, creio, sem a menor atividade partidária. A esquerda transformar-se-ia na sua "bête noire" e o seu espírito azedou muito, com o avançar da idade. De muito divertido passou a sardónico, sarcástico e ácido: a sua intolerância mudara de sinal. Progressivamente, deixou de aparecer lá por casa, e, embora sem um mínimo de acrimónia no relacionamento pessoal, afastou-se bastante. Os meus pais sentiram e lamentaram isso.

Um dia, ao tempo em que eu estava num governo socialista, cruzei-o num restaurante: "Então agora andas metido com esses gajos!" Ele tinha suficiente confiança comigo, a quem conhecia desde criança, para me dizer isso naquele tom. Eu não tive coragem, pela diferença de idades e pelo respeito que lhe devia, para lhe responder o que me apetecia. Sem exceção, toda a minha família que ele conhecia desapareceu entretanto. Ele também mudou há muito de cidade. Nunca mais o vi e, confesso, tenho alguma pena. Afinal, em comum, tivémos alguns anos de forte amizade e muita estima. E isso não é pouco. A ser vivo, o que duvido, será já muito idoso.

terça-feira, abril 11, 2017

O lado onde se está

O Conselho de Finanças Públicas fez uma descoberta: a consolidação das contas públicas em 2016 foi quase toda feita do lado da despesa. E afirma isto em tom crítico.

Não resisto a imaginar o que o venerando CFP diria se a consolidação tivesse sido feita do lado da receita.

Tudo depende do lado onde se está, não é?

O pingo de solda


Na minha infância, o meu pai contava uma história que, na minha família, ficou conhecida como "o pingo de solda".

Uma senhora queixara-se à polícia de que dois trabalhadores, que tinham ido fazer um trabalho elétrico a sua casa, se tinham envolvido numa acesa disputa, com agressões e insultos mútuos, diante dos seus filhos muito jovens. A cena fora tão violenta e a linguagem tão desbragada e vernácula que a senhora entendeu por bem chamar a polícia. (Estamos a falar de outros tempos, em que estas coisas escandalizavam). E os operários foram levados para a esquadra.

Lá chegados, os visados estiveram muito longe de confirmar a versão da senhora. E um deles explicou, cândido: "As coisas não se passaram assim. O que ocorreu é que o meu colega, o Alberto, que estava no alto de uma escada que eu segurava, soldava uns fios. Inadvertidamente, sem a menor intenção, deixou escapar da máquina com que trabalhava um pingo de solda, incandescente, que me caiu no pescoço. Confesso que isso me incomodou um pouco! Daí que eu tivesse exclamado: "Ó Alberto! Vê lá se, para a outra vez, tens mais cuidado! Nada mais!" "

O grau de plausibilidade da cena era mais do que evidente...

Tenho-me lembrado muito da história do "pingo de solda" ao ouvir as angélicas descrições sobre os desacatos produzidos por estudantes portugueses em hotéis no sul de Espanha. E também me vem à memória uma frase que, na minha terra, se usava para este tipo de energúmenos: "Quem te atasse um arado!"

A zurrapa


Ontem, durante uma palestra que proferi no Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, referi um episódio diplomático ocorrido há duas décadas.
Por essa altura, defrontavam-nos com o facto da África do Sul produzir uma espécie de "vinho do Porto", que comercializava para os países vizinhos. No quadro da União Europeia, Portugal procurava proteger aquela sua denominação de origem e fazer pressão para que os sul-africanos descontinuassem a designação de "Porto" associada a esse vinho, conformando-se às regras internacionais. Por tática negocial, a Comissão Europeia propunha um "phasing-out" progressivo, com um certo calendário. Eu defendia uma aceleração desse periodo, que entendia mais consonante com os interesses dos nossos produtores e exportadores. Um dia, a questão subiu ao Conselho de Assuntos Gerais, como então se chamava a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros. Portugal estava nela representada por Jaime Gama, acompanhado por mim. Expliquei ao ministro a política que, sobre o assunto, tinha vindo a seguir nos meses anteriores, no tratamento do assunto.
Sem pôr em causa essa orientação, mas talvez pela importância conjuntural de algum outro dossiê bilateral nosso com a RAS que eu desconhecia, observei que Jaime Gama se mostrava algo contemporizador face à posição sul-africana de calendário, com o qual, aliás, a Comissão concordava e que eu teimava em contestar.
Foi então que lhe ouvi este singular argumento: "Não é de todo mau que os sul-africanos e os seus vizinhos se habituem a beber essa "zurrapa", como você lhe chama. É que isso indu-los, a preços baixos, ao consumo de vinhos generosos, o que não deixa de ser um bom princípio. Assim, quando um dia vierem a ter o ensejo de provar o verdadeiro Vinho do Porto, eles logo perceberão a imensa diferença de qualidade com aquilo a que se tinham habituado, aceitando talvez pagar o verdadeiro Porto a outro preço...".
não me recordo como o assunto terminou, nem sei do eventual sucesso da pressão comunitária no quadro da Organização Mundial do Comércio, mas o argumento de Gama não deixava de ter algum sentido. E graça.

segunda-feira, abril 10, 2017

Ex-embaixador? Antigo embaixador?

A partir do momento em que, por concurso público, ingressa na sua carreira, um diplomata passa por sucessivas categorias, desde que, para tal, tenha tempo mínimo de serviço em cada uma e lhe sejam reconhecidas condições de ascensão: adido de embaixada, secretário de embaixada, conselheiro de embaixada, ministro plenipotenciário e, finalmente, embaixador. Como é óbvio, nem todos os diplomatas ascendem até ao topo da carreira.

Quando um diplomata chega à categoria de ministro plenipotenciário, a penúltima da hierarquia da carreira, fica qualificado para poder chefiar uma embaixada. Se isso acontecer, fá-lo-á "com credenciais de embaixador". Nesse caso, é-lhe atribuído o título de "embaixador em X", sendo o X a capital ou o país onde está acreditado. 

A tradição e a gentileza diplomáticas mandam a que, no âmbito interno do MNE, quem alguma vez tenha exercido essas funções passe a ser tratado no futuro por "embaixador", independentemente das funções que vier a exercer. Mas não é a esses casos que pretendo referir-me.

Por escolha ministerial, alguns ministros plenipotenciários, desde que possuam determinada antiguidade nessa categoria, podem ser promovidos à mais elevada categoria da carreira - a de embaixador.

Para distinguir estes embaixadores daqueles que apenas têm "credenciais de embaixador", havia a tradição de designar os primeiros por "embaixadores de número" (no Reino Unido por "full rank ambassadors" e em França por "Ambassadeurs de France"). O "número" queria significar que o quadro destes embaixadores é muito restrito, apenas com cerca de 30 lugares (varia ligeiramente com as saídas do quadro para a chefia de lugares junto das Organizações Internacionais). 

Pode entender-se a confusão que por vezes ocorre, pelo facto de alguns ligarem a designação de embaixador à chefia de uma missão diplomática, partindo-se do princípio de que, saindo do posto, o diplomata que aí exercia funções como embaixador deixaria de ter direito a essa designação. Isso é verdade para os ministros plenipotenciários que exerceram essas funções "com credenciais de embaixador", mas não o é para os que entretanto ascenderam ao grupo de embaixadores "de número".

Vale a pena lembrar que houve diplomatas que chegaram ao topo da carreira diplomática sem nunca terem chefiado uma embaixada. Um exemplo? Franco Nogueira, que nunca ninguém deixou de tratar como embaixador, designação a que tinha pleno direito, não obstante o posto mais elevado que exerceu no estrangeiro ter sido o de cônsul-geral.

A regra para olhar estes casos é muito simples: um embaixador tem um estatuto exatamente similar ao de um general ou de um almirante. E, que eu saiba, ninguém se lembra de chamar a estes últimos "ex-generais" ou "ex-almirantes", quando se aposentam ou passam à reserva. A um diplomata que já não esteja no ativo pode, em rigor, chamar-se "embaixador aposentado" ou "embaixador jubilado" (são coisas diferentes uma da outra), do mesmo modo que também se pode designar um "general na reserva".

No meu caso pessoal, tendo passado a integrar a categoria de embaixador "de número" desde 2001, tendo depois ocupado e ultrapassado os três escalões progressivos dentro da categoria, de três anos cada um, sinto-me no pleno direito de protestar sempre que alguém me designa por "ex-embaixador" ou "antigo embaixador".

Porque esta questão se coloca, na maioria das vezes, por simples desconhecimento dos factos, aqui os deixo explicados, da forma mais simples possível, "à toutes fins utiles".

domingo, abril 09, 2017

Mel Brooks em Campo de Ourique


"Estás a ver aquele tipo ali? Não é a cara chapada do Mel Brooks?"

Era, de facto. Ainda mais quando se ria, a cara ficava igual à do genial ator e realizador americano, que tantas horas de boa disposição nos dera. (O sósia deve saber isso).

É claro que Mel Brooks tem hoje quase 90 anos e a imagem que dele guardámos, e que achávamos parecida com a do cavalheiro que estava a jantar perto de nós, na segunda-feira passada, num restaurante popular de Campo de Ourique, já não existe senão na nossa memória.

Como as conversas são como as cerejas, lá veio à baila o nome daquela que foi mulher de Mel Brooks, a bela Ann Bancroft, senhora daquela perna que o Dustin Hoffman olha (e não só) no "The Graduate", a "Mrs. Robinson" do Simon & Garfunkel.

O "Mel Brooks" de Campo de Ourique lá continuava, bem divertido, a rir para uma senhora com quem estava. Não sei se notou que a nossa mesa - e éramos alguns e algumas - olhava para ele com muita insistência.

A certa altura, um dos nossos vai à casa de banho. No regresso à mesa, diz-nos: "Ouvi o tipo chamar à mulher Ana! Acreditam?". Eu não, mas também sei que a vida, às vezes, é mesmo assim.

sábado, abril 08, 2017

O trono e os perdigões


A Monarquia acabou em Portugal em 5 de outubro de 1910, com a implantação da República - a segunda surgida na Europa, depois da França, descontado o caso especial da Suíça.

O último rei de Portugal, o jovem dom Manuel, acompanhado da sua mãe Amélia, exilou-se então perto de Londres, onde viria a morrer em 1932.

Não deixou descendentes, tendo, ainda em vida, concordado em que, para o caso de uma hipotética restauração do regime, fosse retomado o ramo familiar do rei dom Miguel. Este, curiosamente, havia sido derrotado no terreno das armas pelo ascendente direto de dom Manuel, dom Pedro IV, sob acusação de usurpador do trono.

Depois de terem tentado sem sucesso, durante a primeira República, derrubar militarmente o novo regime, com o natural apoio do soberano exilado, os monárquicos portugueses colocaram todas as suas esperanças na possibilidade da Ditadura Militar, implantada em 1926, poder vir a abrir caminho à ansiada retoma do sistema.

Durante o Estado Novo, Salazar, cujas simpatias pela Monarquia eram evidentes, jogou com o apoio dos esperançados monárquicos para consolidar o seu poder. Tudo indica que o pragmatismo o terá levado, contudo, a considerar que o risco de provocar um abalo constitucional, pela reintrodução da Monarquia, era grande. Por isso, no único momento da vida do Estado Novo em que a questão se colocou de forma mais clara para alguns setores do regime - aquando da morte do presidente Carmona, em 1951 -, optou por afastar em definitivo a possibilidade de uma restauração monárquica.

Curiosamente, seria Marcelo Caetano, que havia sido um propagandista monárquico, a titular essa sua posição, no Congresso da União Nacional então realizado. Verdadeiramente, a hipótese de restauração da Monarquia portuguesa morreu aí, em termos de exequibilidade.

Essa atitude de Salazar, que foi muito sentida no campo monárquico, o qual, contudo, maioritariamente nunca dele se afastou, viria a abrir caminho à progressiva gestação de uma linha monárquica democrática contra o Estado Novo.

Entretanto, Salazar, depois de ter tido diversos gestos de simpatia para com a mãe do último rei, e em jeito de compensação, autorizou a que o representante da família Bragança regressasse a Portugal, de onde esse ramo fora banido pela República.

O seu descendente, dom Duarte, dito "duque de Bragança" (os títulos nobiliárquicos foram abolidos por lei, logo em 1910, e só subsistem hoje nos círculos saudosistas da Monarquia e por cortesia social que alguns entendem dever manter) é filho dessa figura, de dom Duarte Nuno, do ramo miguelista dos Bragança, nascido na Áustria e que sempre falou mal português (o que, há quem diga, terá sido um argumento mais para justificar a sua não consideração como potencial rei).

Leio hoje na imprensa que um grupo de monárquicos e outras pessoas que, não o sendo necessariamente, a eles se associaram, pretende institucionalizar na lei um lugar protocolar para o representante da família Bragança.

Ao atual representante dessa família, reconhecido pela esmagadora maioria dos monárquicos portugueses (embora não por todos) como a pessoa que, numa hipotética restauração da Monarquia, poderia vir a assumir o trono, tem vindo a ser concedida alguma atenção e a atribuição informal de lugares protocolares, em cerimónias oficiais, facto que, não raramente, provocou reações de desagrado por parte de titulares de cargos da República, confrontados com exageros cometidos nessa discricionariedade casuística.

São sempre decisões "ad hoc", regidas pelas regras da educação e do bom-senso (e às vezes, da falta dele) e, não vale a pena escondê-lo, pela curiosa circunstância de, creio que quase sem exceção, a chefia do Protocolo de Estado, numa divertida e nunca assumida "conspiração", ser quase sempre confiada a diplomatas com propensão monárquica. A regra, contudo, já consuetudinariamente consagrada, tem sido convidar dom Duarte para muitas cerimónias, variando apenas o lugar que lhe é atribuído.

O leitor deve estar a estranhar a palavra "perdigões" no título deste texto. Eu explico.

Ainda ao tempo do Estado Novo, a expressão era utilizada no Protocolo de Estado para designar aquele género de figuras para as quais, não existindo um lugar automático na lista oficial de personalidades, com hierarquia protocolar entre si, havia que "encaixar", em especial nos banquetes e em certas cerimónias de natureza oficial ou semi-oficial. Esse é um problema permanente com que ainda hoje o Protocolo de Estado se defronta, face à frequente delicadeza que decorre das decisões que é obrigado a assumir neste domínio.

Num certo tempo do "marcelismo" dos anos 70, a esse tipo de figuras, cartas "fora do baralho" protocolar, alguém passou a dar a designação de "perdigões". Porquê? Porque Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, era uma das recorrentes personalidades desse género, para as quais sempre era importante encontrar um lugar protocolar, à luz do bom-senso.

De certo modo, o que a iniciativa dos monárquicos pretende evitar é que dom Duarte continue a ser um "perdigão" protocolar e que, de caminho, a importância da sua família para a História de Portugal seja reconhecida de forma oficial nas cadeiras das cerimónias - já que o assento no trono já lá vai há muito.

Um século passado sobre o fim da Monarquia e quase meio século decorrido sobre o termo ao banimento, num gesto de grandeza histórica por parte da nossa República, que decorre da constatação objetiva da inocuidade política atual do herdeiro da família Bragança, acomodando o gosto que isso pode dar aos ainda crentes caseiros na fé monárquica, não me chocaria* que o protocolo da República se livrasse de um "perdigão" e desse um lugar, sem exageros nem excessos, ao primogénito da família que, entre 1640 e 1910, se sentou no trono português. E escrevo isto como "feroz" republicano que sou.

* (escrevi "não me chocaria". Espero que alguns plumitivos que só sabem ler "as gordas" não venham dizer que faço parte dos proponentes da solução)

sexta-feira, abril 07, 2017

Vinhos do Porto e Douro


Isaltino

O regresso de Isaltino de Morais à vida política é um insulto à dignidade da atividade cívica em Portugal.

Isaltino de Morais foi condenado por atos de improbidade cometidos aquando do exercício das mesmas funções a que agora volta a candidatar-se. Dir-se-á que cumpriu a pena e que, num humano processo de ressocialização, deve agora ter uma segunda oportunidade. 

Se assim é, eu pergunto: alguém admitiria que Isaltino de Morais voltasse a ser escolhido para ministro? Claro que não! Mas para a presidência de uma Câmara já serve? E ninguém acha estranho que o comprovado culpado pretenda regressar precisamente ao local e às funções que tinha quando os atos foram praticados? 

Nada me move pessoalmente contra Isaltino de Morais, pessoa que não conheço. Mas tudo me move contra este branqueamento cívico que desonra a democracia e mancha, ainda mais, a já de si regularmente maculada imagem do poder local em Portugal.

Déjà vu

O ataque americano a posições militares de Assad não é uma surpresa. O pretexto do uso de armas químicas junto da população civil tem alguma consistência, porquanto - e não vi até agora alguém lembrar isto - o regime sírio tinha-se comprometido a desfazer-se de todo esse tipo de armas, tendo ficado a Rússia como garante de que isso se concretizaria. Foi, aliás, graças a esse "deal" que a Síria foi então poupada. Washington tinha ali uma oportuna justificação. Resta apenas saber se foi, de facto, o regime de Assad o responsável pelo uso das armas químicas - embora seja plausível que sim.

No atual contexto de "acossamento" político interno, Trump jogou a cartada clássica do embate contra um adversário externo, que, pelo menos num primeiro momento, tem sempre efeitos unificadores garantidos, em especial nos EUA. O facto de isto representar, em absoluto, uma mudança de rumo na política anunciada pelo novo presidente para a área externa é um fator despiciendo neste contexto, como é óbvio.

Trump e a guerra


Muitos nos enganámos no resultado das eleições presidenciais americanas. Mas poucos nos equivocámos quando previmos aquilo que o início do mandato de Donald Trump poderia vir a ser.

A agenda externa de Trump foi, desde o primeiro momento, observada com uma curiosidade preocupada por muitos amigos tradicionais dos Estados Unidos. Os sinais de estranha simpatia para com Putin, a agressividade desproporcionada perante o México, a sobranceria algo agressiva face à União Europeia, algum desdém face à NATO, um discurso com uma ligeireza irresponsável sobre a proliferação nuclear, um total desprezo pelas Nações Unidas e sinais de hostilidade aberta para com a China mostravam uma política externa com a abertura de várias “frentes” de contraste. Os EUA de Trump assumiam uma linha de revisão, não apenas da linha da administração democrática anterior, mas igualmente da América que, desde há quase sete décadas, fora o campeão de uma nova ordem multilateral e da arquitetura institucional e segurança a que aculturara o mundo que se revia na sua liderança.

Trump anunciou espécie de novo isolacionismo, uma agenda nacionalista movida exclusivamente por interesses de natureza económica, que esquece os valores referenciais que, por muito tempo, haviam colocado os EUA na posição de liderança global. A contestação dos tratados em vigor (como a NAFTA, com o México e o Canadá), já assinados (como a Parceria transpacífica com os seus aliados ásio-oceânicos) ou em curso de negociação (como o Parceria transatlântica com a UE) revelou um impulso protecionista pouco óbvio para uma potência que foi sempre um dos grandes ganhadores do livre-cambismo. A cereja no bolo são agora os recuos anti-ambientais na área da energia, que podem colocar em causa compromissos laboriosamente conseguidos à escala global.

Dei a este artigo o título que ele tem porque, para além de todas as incertezas que atrás referi, começam a adensar-se sinais sérios de que não é de excluir que a ação externa de Trump possa vir a assumir contornos de natureza um pouco mais complexa. Aquilo que nos chega da Casa Branca quanto à vontade de empreender uma ação “exemplar” no caso da Coreia do Norte (com as imponderáveis consequências na República da Coreia e na atitude da China) ou uma eventual presença “boots on the ground” na Síria (com o embate expectável com a Rússia e o Irão), são sinais de que pode estar a forjar-se em Washington um tropismo algo aventureirista, uma espécie de “fuga em frente”, que podem confirmar os piores receios que a eleição de Trump suscitou pelo mundo.

quinta-feira, abril 06, 2017

Virgílio Varela



Conheci o Virgílio Varela em outubro de 1974, quando, depois da dissolução da Junta de Salvação Nacional criada em 25 de abril, onde eu assessorava o general Galvão de Melo nas questões da extinção da PIDE/DGS, fui trabalhar para a 2ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas, chefiada pelo então brigadeiro Pedro Cardoso. 

O Varela, como lhe chamávamos, era por ali uma figura agitada e sorridente, sempre bem disposta, de convívio muito agradável, com o seu sotaque madeirense, trabalhador como poucos. Naquele curioso espaço no topo do Palácio da Ajuda (contar a história daqueles meses e de muita gente que ali operou nesses meses "da brasa" dava um belo livro), ambos então sob as ordens diretas do major (depois general) Espírito Santo, vivia-se uma "guerra" feliz, combinando alguma gente mais à esquerda (onde eu me situava) com quantos se mostravam inquietos com o ritmo da Revolução (como era o caso do Virgílio Varela).

(Era um tempo em que havia tempo para tudo: eu trabalhava desde as 8.30 da manhã na Ciesa NCK, ia almoçar à messe de Pedrouços e, entre as 13 e as 19 horas, "fazia a tropa" no EMGFA. Pelo meio, nesse ano de 1975, escrevi com um amigo um livro sobre "O caso República" e ia fazendo as provas de admissão ao MNE, onde ingressei em Agosto.) 

O Varela trazia colada à pele a imagem da heroicidade que revelara nas Caldas da Rainha, em 16 de março desse ano, quando prendeu o comandante do regimento, amotinou a unidade e comandou a coluna que procurou chegar a Lisboa. Como consequência do movimento ter falhado, foi depois preso por algum tempo na Trafaria, de onde sairia no 25 de abril, em que logo teve atividade operacional relevante. Era tido como um fiel spinolista, sendo que o nosso trabalho em conjunto se processou já após a demissão de Spínola de Presidente da República, em 28 de setembro de 1974. Na sequência do 11 de março de 1975, voltaria a ser detido, por algumas semanas, por acusações de implicação no golpe que Spínola encabeçou nessa data.

Perdemo-nos de vista durante muitos anos. Voltei a encontrá-lo apenas uma vez, num café, já depois dele ter sido comandante da PSP de Lisboa. Falámos e eu aproveitei para "arrumar" algum "misunderstanding" que sentia que havia sobrado entre nós, na sequência da confusão do 11 de março, da dissolução da 2ª Divisão do EMGFA e da criação do SDCI (que eu passei a integrar, enquanto ele estava preso). Acabámos a conversa, franca e leal, com um abraço de amizade, coisa que agora não poderemos repetir. Morreu ontem esse generoso capitão de abril, que, para a História democrática, ganhou as sua esporas revolucionárias ainda no mês de março de 1974.

quarta-feira, abril 05, 2017

"Eléments de langage"


Uma noite, numa esquina do Boulevard Saint Germain, em Paris, cruzei-me com um amigo, membro proeminente do Partido Socialista francês (chegaria a ministro), que verifiquei que ia como alguma pressa.

Explicou-me que estava caminho de um debate na televisão e que ia passar pela sede do partido, ali perto, para recolher os "éléments de langage". Perante a minha dúvida sobre o que é que isso significava, explicou-me que, sem exceção, aos comentadores que iam a debates televisivos ou radiofónicos, os serviços partidários forneciam um guião com argumentário sobre a perspetiva do partido relativamente a temas de atualidade, por forma a permitir que as vozes e caras que representassem os socialistas nessas ocasiões dissessem, no essencial, o mesmo.

(Posso imaginar que, nos dias de hoje, com o PSF dividido como nunca pelas eleições presidenciais, deve haver uma grande dificuldade em preparar "éléments de language" lá pela Solferino).

Lembrei-me disto há pouco ao ler algumas notas escritas, deliciosas no estilo e na expectável autencidade subjacente, que o Benfica prepara para os comentadores "encarnados" (o dr. Salazar proibiu-os um dia de serem 'vermelhos" e eles obedecem até hoje) que vão à televisões.

Estou a imaginar o que passará por essas cabeças, na (rara) angústia que os atravessará quando, perante o lance de um seu avançado caído com estrondo coreográfico na área adversária, não foi ouvido o complacente (e de regra) apito arbitral ("andrade" ou "lagarto", pela certa) para a ("justíssima") grande penalidade. "Digo que foi penalti? Ora deixa aqui ver as instruções da rapaziada lá da Luz..."

O profissionalismo é outra coisa...

Ser diplomata


Os portões do Palácio das Necessidades que a fotografia mostra estão fechados mas abrir-se-ão futuramente a quem vier a aceder à Carreira Diplomática, no concurso de admissão que ontem se iniciou com a publicação do regulamento que pode ser consultado aqui.

Como em ocasiões anteriores, a Universidade Autónoma de Lisboa levará a cabo um curso intensivo de preparação para potenciais candidatos. 

Tal como aconteceu no último concurso, terei o prazer de trabalhar na coordenação do curso organizado pela Universidade Autónoma, que contará com reputados especialistas nas várias áreas temáticas.

Será um curso de natureza eminentemente prática, concentrado no essencial, com o objetivo de capacitar os candidatos para todo o tipo de provas que o concurso de acesso à Carreira implica. 

Os eventuais interessados devem dirigir-se aos serviços da Universidade Autónoma para obtenção dos necessários esclarecimento, através do mail fromao@ual.pt

Força de fogo


"Força de fogo, senhor arcebispo!" terá sido a frase entusiasmada que, há umas décadas, durante as Festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, um popular vianense atirou à passagem do Arcebispo Primaz de Braga, lembrando todo o seu orgulho pelo esplendor da oferta pirotécnica que sempre é apresentada, na ocasião, por aquela que é a maior romaria do país. Até hoje, não se sabe se o então Arcebispo entendeu a tirada...

O meu pai contava, divertido, que ouviu o homem lançar aquela frase, de um modo um tanto provocatório, à veneranda figura religiosa, num tom fonético muito "à Viana", pretendendo sublinhar a notória diferença de qualidade entre a oferta pirotécnica das festividades das duas cidades - um dito que encerra todo o sentido competitivo que Viana sempre cuida em manter com a urbe vizinha.

(Esqueci-me de contar esta história ao atual Arcebispo Primaz de Braga, Dom Jorge Ortiga, quando, há semanas, me convidou, com grande simpatia, para um interessante debate público que o Arcebispado organizou).

A expressão "força de", que pelo Minho quer dizer "muito", usa-se um pouco para tudo: "está ali força de gente", "lá em casa há força de livros", "o homem tem força de dinheiro", etc.

Ontem, num outro sentido, o fogo mostrou a sua força. Tal como, com trágica regularidade, ocorre um pouco por todo o mundo na pirotecnia, há por vezes naquela indústria desastres, quase sempre com perdas humanas, que, tristemente, devastam instalações onde se pratica essa nobre arte de construção de deliciosos efeitos fátuos e rapidamente perecíveis. Ontem foi a vez de Lamego.

De quando em quando, essas tragédias voltam a ocorrer, quase sempre no aproximar do Verão e das festividades populares que se aproximam. Quem, lá por Vila Real, não ouviu falar dos "acidentes do Ramalheda" ou, no Minho, de idênticos desastres envolvendo os célebres Silvas ou os Castros, produtores consagrados de deslumbres óticos noturnos ou, num registo que não faz nada o meu gosto, de "salvas de morteiros" que nos arruinam o sono da manhã?

A "força", neste caso "humana", foi também o tema de um debate em que ontem à noite participei, na Casa-Museu da Fundação Medeiros e Almeida (já visitaram essa magnífica coleção, a dois passos da Barata Salgueiro?), com António Correia de Campos e Filipe de Sousa Magalhães.

Uma discussão aberta, moderada pelo entusiasmo congregador da Fátima Pinheiro, em que se falou um pouco de tudo, da força das pessoas à força relativa dos países, dos excessos da força às fraquezas feitas forças, da força e do poder, da energia e da astúcia que às vezes passam ou se transformam em força. Até de Sansão e Dalila se falou, sob o patrocínio de uma bela estátua do primeiro, que domina a sala.

Na ocasião, sem combinarmos, fui o pessimista de serviço, com o António no papel do otimista que sempre é e o Filipe, um jovem empresário de uma "startup", na função surpreendente de um realista num mundo onde as coisas, muitas vezes, só lá vão à força.

Justiça

Não sou jurista, mas acho muito estranho o que se passou com o processo Dias Loureiro/Oliveira Costa.

Não se conseguem provas capazes para formular uma acusação, mas deixa-se no ar a convicção - que se sabe confortavelmente consonante com o sentimento público - de que houve um crime. E a justiça "sangra-se em saúde".

Desta maneira, de facto, é muito fácil "fazer justiça".

terça-feira, abril 04, 2017

Isto não é um cabide

Gostava de repetir, uma vez mais, que a caixa de comentário deste blogue não se destina a tratar de assuntos diferentes daqueles que são abordados nos posts e, em particular, não serve de "cabide" para links que levam a outros temas.

Referências

Um energúmeno, feito jogador de um clube qualquer, que aliás parece pertencer à estimável claque portista, agrediu barbaramente um árbitro no decurso de um jogo. Uma televisão "de referência" deu mesmo honras de entrevista à personagem, que, com ar manso, pretendeu "não se lembrar" dos factos. 

A Federação, como é de regra nestes momentos de escândalo público, lançou o "rigoroso inquérito" da praxe. Tem, aliás, grande autoridade para isso: dos seus quadros superiores faz parte João Pinto, antigo jogador, também "de referência", que um dia deu um murro num árbitro, à vista das imagens que correram o mundo. Em lugar de o irradiar eternamente do mundo do desporto, os federativos cooptaram-no para a sua direção. Estão bem uns para os outros.

Aliás, nesse desporto sobrevive também alguém que, se houvesse um mínimo de decência, estaria, desde há muito, higienicamente afastado do menor contacto com o futebol: Sá Pinto, que agrediu publicamente o selecionador de futebol da época. Mas, qual quê! É uma figura "de referência", neste caso do meu clube.

Este mundo dos futebóis, para armar ao sério, faz de conta que tem uma "justiça". Pois. A justiça desportiva está para a Justiça como a música militar está para a Música...

"Clube de Lisboa"


Ao final da tarde de ontem, numa bela sala da Câmara Municipal de Lisboa, foram eleitos os primeiros Corpos Gerentes do "Clube de Lisboa", numa Assembleia Geral para a qual foram convocados os seus 100 sócios fundadores. O Clube, uma organização sem fins lucrativos, terá a seu cargo a organização futura das Conferências de Lisboa, um evento bienal de reflexão sobre temas internacionais, de que houve já duas edições. (Saiba aqui mais sobre as Conferências de Lisboa) 

Com a criação do "Clube de Lisboa", pretende-se não apenas dar continuidade às Conferências mas, igualmente, lançar um programa com outras iniciativas que permitam colocar Lisboa no centro da reflexão internacional sobre diversas temáticas de natureza global. Integram o Clube personalidades de diversos setores ligados às relações externas, ficando futuramente a porta aberta para a adesão de muitas outras pessoas que operam no mesmo âmbito.

Dentro em breve, o Conselho Diretivo do Clube - presidido por Luis Amado, de que faço parte com Marina Costa Lobo, Alberto Laplaine Guimarães, Fernando Jorge Cardoso, Hélder de Oliveira, Luis Pais Antunes, Mónica Ferro e Raquel Vaz Pinto - vai apresentar o seu plano de atividades.

segunda-feira, abril 03, 2017

Gostava de entender melhor

Alguém um dia me há-de explicar por que razão não se pode conduzir na faixa central das auto-estradas mantendo uma velocidade de cerca de 120 km/h. (Já sei que a proibição está no Código da Estrada, mas a minha questão não é essa, é a racionalidade subjacente à medida). Se essa é a velocidade máxima permitida, quem é que estamos a impedir? As emergências podem sempre utilizar a faixa da esquerda. Conduzir na faixa da direita obriga a constantes mudanças, seja para ultrapassar condutores mais lentos, seja para evitar quem chega à autoestrada vindo dos acessos laterais, o que provoca maiores riscos.

É isto mesmo!

Nas suas "Memórias Anotadas", editadas postumamente na passada semana, José Medeiros Ferreira descreve assim a sua relação com o mundo da blogosfera:

"(...) Trata-se de um exercício quotidiano sobre temas impessoais, as mais das vezes políticos. São oito anos de atividade constante cuja instantaneidade de publicação cria um sentimento raro do poder do autor enquanto editor universal. Essa nova forma de "edição de autor" é uma das razões do sucesso da blogosfera em que participo pelo mero prazer de comunicar o que penso sobre vários assuntos. Tenho a felicidade de me saber apreciado por espíritos estimáveis e atentos".

Bem dito!

domingo, abril 02, 2017

O que diz Vicente


Na sua coluna na última página do "Público" dos domingos, Vicente Jorge Silva - que, para sempre, acarretará consigo a honrosa "culpa" de ter sido o criador dessa primeira marca do novo jornalismo quotidiano português - zurze hoje, embora moderadamente, o meu nome e o de José Pacheco Pereira por termos ousado referir o nome de Alberto João Jardim, no contexto da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto de Santa Catarina, na Madeira (e a igreja católica não se ofendeu com a retirada do nome da santa da placa toponímica?).

O que diz Vicente? "Mas existem pessoas altamente estimáveis, como Seixas da Costa ou Pacheco Pereira que, eventualmente por preconceito antifutebolístico primário, preferiam ver no aeroporto o nome de Alberto João Jardim".

Ó Vicente! Eu escrevi: "que me chocaria muito menos que o nome de AJJ fosse dado ao aeroporto da Madeira, em lugar do de Cristiano Ronaldo". Noto: chocar-me-ia que o aeroporto tivesse o nome de AJJ. Isto é, chocar-me-ia na mesma, embora "muito menos" do que o de CR. Só isso!

"Preconceito futebolístico primário"?! Eu que adoro futebol, que, depois de ter sido "blaugrana" com Figo, passei a adepto "de carteirinha" (como dizem os brasileiros) do Real de Madrid por causa de Ronaldo?! Eu que, todos os fins de semana, "torço" pelos "merengues", pelas "performances" e recordes de Ronaldo e faço figas contra Messi?! Eu que acho que CR (detesto, confesso, as simplificações como CR7 e coisas de "merchandising" assim) é um homem inteligente, simples, bem mais modesto do que eu seria se tivesse o seu sucesso e todo o "pequename" do mundo aos pés, como ele tem?! Eu que tenho uma admiração (profunda e sincera) pela pessoa humana de Cristiano Ronaldo, pela sua maturidade com trinta e poucos anos, pelo seu amor à família e aos amigos? 

Dito isto, continuo um profundo opositor à ideia - na minha opinião, oportunista e ridícula - de dar o seu nome ao aeroporto da Madeira, como disse e reafirmo. Uma saloiíce que nada tem a ver com ele mas apenas com o facto do PSD Madeira conviver mal com o seu próprio passado, usando Ronaldo como uma arma populista de arremesso político interno, com (todos) os poderes de Lisboa a sorrirem amareladamente perante o que sabem ser peso da opinião pública.

Espero, Vicente, que amanhã, como é nosso hábito às segundas-feiras (tenho sido um tanto relapso, penitencio-me), naquele mesa longa de Campo de Ourique, onde sob a "direção artística" do Manuel Costa Cabral e a tutela pictórica do Jorge Martins, com a prevalência esmagadora das amigas que nos abafam a igualdade de género, trocamos graças e amizade, possamos pôr "a conversa em noite". E, enfim, resolver "the relevant Ronaldo question"...

Não é a "finest hour"


Foi Churchill quem cunhou a expressão “the finest hour”, para designar esse tempo em que, com estoicismo e sacrifício, o povo britânico ajudou a vencer a barbárie nazi.  Nos dias que correm, por mais auto-convincentes que os discursos de Westminster possam parecer, este é um tempo muito menos glorioso e bastante mais temeroso. Embora, para a Europa em geral, também esteja longe de ser um bom momento.

A entrada do Reino Unido para a Europa comunitária, de que a França seria o principal objetor, representou um gesto de pragmatismo político, levado a cabo por uma classe dirigente que percebia que o país tinha tudo a ganhar, pelas oportunidades que isso trazia ao seu pendor globalista « avant la lettre », com a integração num clube que se projetava de forma crescente no cenário internacional. “Se não os podes vencer”, através de uma EFTA débil, “junta-te a eles”. Foi uma adesão pragmática, com os meios industriais e financeiros por detrás, mas que, há que reconhecer, teve um assumido pendor oportunista.

Não obstante o referendo consagrador da adesão, a opinião pública britânica deu sempre sinais de uma grande reticência face ao projeto europeu. Nisso foi, em permanência, seguida e estimulada por uma imprensa que diabolizou cada passo integrador, visto como usurpador da sacrossanta soberania das instituições da ilha. Os políticos, poucos dos quais ousaram enveredar por um proselitismo mobilizador em favor do projeto europeu, acabaram grande parte das vezes por se colar ao euroceticismo que sempre foi o “politicamente correto” dominante no país. Claro que houve exceções, períodos em que certas figuras políticas se mostraram de pendor mais europeísta. Mas isso foi sempre sol de pouca dura, num ambiente em que quase já se não estranhava que a imprensa tablóide apelidasse de “federastas” quantos se mostravam favoráveis ao projeto integrador.

Para o Reino Unido, desde o primeiro momento, viveu-se uma batalha de permanente disputa com Bruxelas, vista como fonte de todos os males e vícios, de onde os seus dirigentes regressavam sempre tentando bramar vitórias, fosse no “rebate” financeiro compensatório, fosse na obstrução aos avanços nos tratados. Os governos ingleses, hipocritamente, iam-se calando quando a sua imprensa clamava contra as “ingerências” legislativas de Bruxelas, fazendo esquecer que esse acervo se foi criando sob os olhos e o voto complacente dos seus representantes, à mesa dos conselhos de ministros.

Margareth Thatcher foi a cara mais evidente do confronto aberto com Bruxelas, numa atitude popular (e populista) que contrastou, com êxito, com a imagem de europeísmo envergonhado, e quase culpabilizado, de seus antecessores, de Edward Heath a James Callagham, com Harold Wilson dividido. John Major seguiu-a e clamou “game, set and match”, quando regressou de Maastricht com o grande « opt out » de uma vitória que foi pírrica.

Só Tony Blair viria a mudar um pouco o tom, pretendendo mostrar aos britânicos que uma nova Europa podia ser criada sob forte influência britânica. O líder trabalhista contava com o alargamento ao Centro e Leste europeu, que Thatcher já favorecera, como um fator diluidor da temida homogeneidade da Europa continental, para o que jogava também com o peso da « special relationship » com Washington. Estava certo nisso no plano político, como ficou patente na « carta dos oito » na crise do Iraque, mas a sua ambição vivia desligada da realidade essencial dos equilíbrios intracomunitários. E a sua progressiva debilitação interna não permitiu que Londres fosse colocado no « the heart of Europe », como proclamava.

Depois, foi o que se viu. Gordon Brown foi um parêntesis, Cameron um irresponsável ponto final, bem pouco glorioso. Theresa May tem agora uma tarefa quase impossível.

Como europeu, deste lado da Mancha, só posso desejar que, no fim do jogo, Londres venha a ter saudades de Bruxelas. As boas lições, as mais das vezes, saem caras.

sábado, abril 01, 2017

Por um país decente


Aquilo a que o país hoje assistiu pela televisão, ao ver uma bárbara e desproporcionada agressão de um polícia a um adepto do futebol, é uma mancha na imagem das nossas forças de segurança.

Espera-se que não entremos agora, como é vício velho entre nós, num coro corporativo de justificações, num protelar do inquérito+processo disciplinar, por forma a atenuar o efeito de escândalo, dando hipóteses a um aligeirar da necessária pena.


Ao rever aquelas tristes imagens, lembrei-me inevitavelmente do sinistro capitão Maltez. Estou certo que ele não desaproveitaria um quadro desta "qualidade".

Os EUA, a ONU e Gaza

Ver aqui .