domingo, abril 09, 2017

Mel Brooks em Campo de Ourique


"Estás a ver aquele tipo ali? Não é a cara chapada do Mel Brooks?"

Era, de facto. Ainda mais quando se ria, a cara ficava igual à do genial ator e realizador americano, que tantas horas de boa disposição nos dera. (O sósia deve saber isso).

É claro que Mel Brooks tem hoje quase 90 anos e a imagem que dele guardámos, e que achávamos parecida com a do cavalheiro que estava a jantar perto de nós, na segunda-feira passada, num restaurante popular de Campo de Ourique, já não existe senão na nossa memória.

Como as conversas são como as cerejas, lá veio à baila o nome daquela que foi mulher de Mel Brooks, a bela Ann Bancroft, senhora daquela perna que o Dustin Hoffman olha (e não só) no "The Graduate", a "Mrs. Robinson" do Simon & Garfunkel.

O "Mel Brooks" de Campo de Ourique lá continuava, bem divertido, a rir para uma senhora com quem estava. Não sei se notou que a nossa mesa - e éramos alguns e algumas - olhava para ele com muita insistência.

A certa altura, um dos nossos vai à casa de banho. No regresso à mesa, diz-nos: "Ouvi o tipo chamar à mulher Ana! Acreditam?". Eu não, mas também sei que a vida, às vezes, é mesmo assim.

sábado, abril 08, 2017

O trono e os perdigões


A Monarquia acabou em Portugal em 5 de outubro de 1910, com a implantação da República - a segunda surgida na Europa, depois da França, descontado o caso especial da Suíça.

O último rei de Portugal, o jovem dom Manuel, acompanhado da sua mãe Amélia, exilou-se então perto de Londres, onde viria a morrer em 1932.

Não deixou descendentes, tendo, ainda em vida, concordado em que, para o caso de uma hipotética restauração do regime, fosse retomado o ramo familiar do rei dom Miguel. Este, curiosamente, havia sido derrotado no terreno das armas pelo ascendente direto de dom Manuel, dom Pedro IV, sob acusação de usurpador do trono.

Depois de terem tentado sem sucesso, durante a primeira República, derrubar militarmente o novo regime, com o natural apoio do soberano exilado, os monárquicos portugueses colocaram todas as suas esperanças na possibilidade da Ditadura Militar, implantada em 1926, poder vir a abrir caminho à ansiada retoma do sistema.

Durante o Estado Novo, Salazar, cujas simpatias pela Monarquia eram evidentes, jogou com o apoio dos esperançados monárquicos para consolidar o seu poder. Tudo indica que o pragmatismo o terá levado, contudo, a considerar que o risco de provocar um abalo constitucional, pela reintrodução da Monarquia, era grande. Por isso, no único momento da vida do Estado Novo em que a questão se colocou de forma mais clara para alguns setores do regime - aquando da morte do presidente Carmona, em 1951 -, optou por afastar em definitivo a possibilidade de uma restauração monárquica.

Curiosamente, seria Marcelo Caetano, que havia sido um propagandista monárquico, a titular essa sua posição, no Congresso da União Nacional então realizado. Verdadeiramente, a hipótese de restauração da Monarquia portuguesa morreu aí, em termos de exequibilidade.

Essa atitude de Salazar, que foi muito sentida no campo monárquico, o qual, contudo, maioritariamente nunca dele se afastou, viria a abrir caminho à progressiva gestação de uma linha monárquica democrática contra o Estado Novo.

Entretanto, Salazar, depois de ter tido diversos gestos de simpatia para com a mãe do último rei, e em jeito de compensação, autorizou a que o representante da família Bragança regressasse a Portugal, de onde esse ramo fora banido pela República.

O seu descendente, dom Duarte, dito "duque de Bragança" (os títulos nobiliárquicos foram abolidos por lei, logo em 1910, e só subsistem hoje nos círculos saudosistas da Monarquia e por cortesia social que alguns entendem dever manter) é filho dessa figura, de dom Duarte Nuno, do ramo miguelista dos Bragança, nascido na Áustria e que sempre falou mal português (o que, há quem diga, terá sido um argumento mais para justificar a sua não consideração como potencial rei).

Leio hoje na imprensa que um grupo de monárquicos e outras pessoas que, não o sendo necessariamente, a eles se associaram, pretende institucionalizar na lei um lugar protocolar para o representante da família Bragança.

Ao atual representante dessa família, reconhecido pela esmagadora maioria dos monárquicos portugueses (embora não por todos) como a pessoa que, numa hipotética restauração da Monarquia, poderia vir a assumir o trono, tem vindo a ser concedida alguma atenção e a atribuição informal de lugares protocolares, em cerimónias oficiais, facto que, não raramente, provocou reações de desagrado por parte de titulares de cargos da República, confrontados com exageros cometidos nessa discricionariedade casuística.

São sempre decisões "ad hoc", regidas pelas regras da educação e do bom-senso (e às vezes, da falta dele) e, não vale a pena escondê-lo, pela curiosa circunstância de, creio que quase sem exceção, a chefia do Protocolo de Estado, numa divertida e nunca assumida "conspiração", ser quase sempre confiada a diplomatas com propensão monárquica. A regra, contudo, já consuetudinariamente consagrada, tem sido convidar dom Duarte para muitas cerimónias, variando apenas o lugar que lhe é atribuído.

O leitor deve estar a estranhar a palavra "perdigões" no título deste texto. Eu explico.

Ainda ao tempo do Estado Novo, a expressão era utilizada no Protocolo de Estado para designar aquele género de figuras para as quais, não existindo um lugar automático na lista oficial de personalidades, com hierarquia protocolar entre si, havia que "encaixar", em especial nos banquetes e em certas cerimónias de natureza oficial ou semi-oficial. Esse é um problema permanente com que ainda hoje o Protocolo de Estado se defronta, face à frequente delicadeza que decorre das decisões que é obrigado a assumir neste domínio.

Num certo tempo do "marcelismo" dos anos 70, a esse tipo de figuras, cartas "fora do baralho" protocolar, alguém passou a dar a designação de "perdigões". Porquê? Porque Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, era uma das recorrentes personalidades desse género, para as quais sempre era importante encontrar um lugar protocolar, à luz do bom-senso.

De certo modo, o que a iniciativa dos monárquicos pretende evitar é que dom Duarte continue a ser um "perdigão" protocolar e que, de caminho, a importância da sua família para a História de Portugal seja reconhecida de forma oficial nas cadeiras das cerimónias - já que o assento no trono já lá vai há muito.

Um século passado sobre o fim da Monarquia e quase meio século decorrido sobre o termo ao banimento, num gesto de grandeza histórica por parte da nossa República, que decorre da constatação objetiva da inocuidade política atual do herdeiro da família Bragança, acomodando o gosto que isso pode dar aos ainda crentes caseiros na fé monárquica, não me chocaria* que o protocolo da República se livrasse de um "perdigão" e desse um lugar, sem exageros nem excessos, ao primogénito da família que, entre 1640 e 1910, se sentou no trono português. E escrevo isto como "feroz" republicano que sou.

* (escrevi "não me chocaria". Espero que alguns plumitivos que só sabem ler "as gordas" não venham dizer que faço parte dos proponentes da solução)

sexta-feira, abril 07, 2017

Vinhos do Porto e Douro


Isaltino

O regresso de Isaltino de Morais à vida política é um insulto à dignidade da atividade cívica em Portugal.

Isaltino de Morais foi condenado por atos de improbidade cometidos aquando do exercício das mesmas funções a que agora volta a candidatar-se. Dir-se-á que cumpriu a pena e que, num humano processo de ressocialização, deve agora ter uma segunda oportunidade. 

Se assim é, eu pergunto: alguém admitiria que Isaltino de Morais voltasse a ser escolhido para ministro? Claro que não! Mas para a presidência de uma Câmara já serve? E ninguém acha estranho que o comprovado culpado pretenda regressar precisamente ao local e às funções que tinha quando os atos foram praticados? 

Nada me move pessoalmente contra Isaltino de Morais, pessoa que não conheço. Mas tudo me move contra este branqueamento cívico que desonra a democracia e mancha, ainda mais, a já de si regularmente maculada imagem do poder local em Portugal.

Déjà vu

O ataque americano a posições militares de Assad não é uma surpresa. O pretexto do uso de armas químicas junto da população civil tem alguma consistência, porquanto - e não vi até agora alguém lembrar isto - o regime sírio tinha-se comprometido a desfazer-se de todo esse tipo de armas, tendo ficado a Rússia como garante de que isso se concretizaria. Foi, aliás, graças a esse "deal" que a Síria foi então poupada. Washington tinha ali uma oportuna justificação. Resta apenas saber se foi, de facto, o regime de Assad o responsável pelo uso das armas químicas - embora seja plausível que sim.

No atual contexto de "acossamento" político interno, Trump jogou a cartada clássica do embate contra um adversário externo, que, pelo menos num primeiro momento, tem sempre efeitos unificadores garantidos, em especial nos EUA. O facto de isto representar, em absoluto, uma mudança de rumo na política anunciada pelo novo presidente para a área externa é um fator despiciendo neste contexto, como é óbvio.

Trump e a guerra


Muitos nos enganámos no resultado das eleições presidenciais americanas. Mas poucos nos equivocámos quando previmos aquilo que o início do mandato de Donald Trump poderia vir a ser.

A agenda externa de Trump foi, desde o primeiro momento, observada com uma curiosidade preocupada por muitos amigos tradicionais dos Estados Unidos. Os sinais de estranha simpatia para com Putin, a agressividade desproporcionada perante o México, a sobranceria algo agressiva face à União Europeia, algum desdém face à NATO, um discurso com uma ligeireza irresponsável sobre a proliferação nuclear, um total desprezo pelas Nações Unidas e sinais de hostilidade aberta para com a China mostravam uma política externa com a abertura de várias “frentes” de contraste. Os EUA de Trump assumiam uma linha de revisão, não apenas da linha da administração democrática anterior, mas igualmente da América que, desde há quase sete décadas, fora o campeão de uma nova ordem multilateral e da arquitetura institucional e segurança a que aculturara o mundo que se revia na sua liderança.

Trump anunciou espécie de novo isolacionismo, uma agenda nacionalista movida exclusivamente por interesses de natureza económica, que esquece os valores referenciais que, por muito tempo, haviam colocado os EUA na posição de liderança global. A contestação dos tratados em vigor (como a NAFTA, com o México e o Canadá), já assinados (como a Parceria transpacífica com os seus aliados ásio-oceânicos) ou em curso de negociação (como o Parceria transatlântica com a UE) revelou um impulso protecionista pouco óbvio para uma potência que foi sempre um dos grandes ganhadores do livre-cambismo. A cereja no bolo são agora os recuos anti-ambientais na área da energia, que podem colocar em causa compromissos laboriosamente conseguidos à escala global.

Dei a este artigo o título que ele tem porque, para além de todas as incertezas que atrás referi, começam a adensar-se sinais sérios de que não é de excluir que a ação externa de Trump possa vir a assumir contornos de natureza um pouco mais complexa. Aquilo que nos chega da Casa Branca quanto à vontade de empreender uma ação “exemplar” no caso da Coreia do Norte (com as imponderáveis consequências na República da Coreia e na atitude da China) ou uma eventual presença “boots on the ground” na Síria (com o embate expectável com a Rússia e o Irão), são sinais de que pode estar a forjar-se em Washington um tropismo algo aventureirista, uma espécie de “fuga em frente”, que podem confirmar os piores receios que a eleição de Trump suscitou pelo mundo.

quinta-feira, abril 06, 2017

Virgílio Varela



Conheci o Virgílio Varela em outubro de 1974, quando, depois da dissolução da Junta de Salvação Nacional criada em 25 de abril, onde eu assessorava o general Galvão de Melo nas questões da extinção da PIDE/DGS, fui trabalhar para a 2ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas, chefiada pelo então brigadeiro Pedro Cardoso. 

O Varela, como lhe chamávamos, era por ali uma figura agitada e sorridente, sempre bem disposta, de convívio muito agradável, com o seu sotaque madeirense, trabalhador como poucos. Naquele curioso espaço no topo do Palácio da Ajuda (contar a história daqueles meses e de muita gente que ali operou nesses meses "da brasa" dava um belo livro), ambos então sob as ordens diretas do major (depois general) Espírito Santo, vivia-se uma "guerra" feliz, combinando alguma gente mais à esquerda (onde eu me situava) com quantos se mostravam inquietos com o ritmo da Revolução (como era o caso do Virgílio Varela).

(Era um tempo em que havia tempo para tudo: eu trabalhava desde as 8.30 da manhã na Ciesa NCK, ia almoçar à messe de Pedrouços e, entre as 13 e as 19 horas, "fazia a tropa" no EMGFA. Pelo meio, nesse ano de 1975, escrevi com um amigo um livro sobre "O caso República" e ia fazendo as provas de admissão ao MNE, onde ingressei em Agosto.) 

O Varela trazia colada à pele a imagem da heroicidade que revelara nas Caldas da Rainha, em 16 de março desse ano, quando prendeu o comandante do regimento, amotinou a unidade e comandou a coluna que procurou chegar a Lisboa. Como consequência do movimento ter falhado, foi depois preso por algum tempo na Trafaria, de onde sairia no 25 de abril, em que logo teve atividade operacional relevante. Era tido como um fiel spinolista, sendo que o nosso trabalho em conjunto se processou já após a demissão de Spínola de Presidente da República, em 28 de setembro de 1974. Na sequência do 11 de março de 1975, voltaria a ser detido, por algumas semanas, por acusações de implicação no golpe que Spínola encabeçou nessa data.

Perdemo-nos de vista durante muitos anos. Voltei a encontrá-lo apenas uma vez, num café, já depois dele ter sido comandante da PSP de Lisboa. Falámos e eu aproveitei para "arrumar" algum "misunderstanding" que sentia que havia sobrado entre nós, na sequência da confusão do 11 de março, da dissolução da 2ª Divisão do EMGFA e da criação do SDCI (que eu passei a integrar, enquanto ele estava preso). Acabámos a conversa, franca e leal, com um abraço de amizade, coisa que agora não poderemos repetir. Morreu ontem esse generoso capitão de abril, que, para a História democrática, ganhou as sua esporas revolucionárias ainda no mês de março de 1974.

quarta-feira, abril 05, 2017

"Eléments de langage"


Uma noite, numa esquina do Boulevard Saint Germain, em Paris, cruzei-me com um amigo, membro proeminente do Partido Socialista francês (chegaria a ministro), que verifiquei que ia como alguma pressa.

Explicou-me que estava caminho de um debate na televisão e que ia passar pela sede do partido, ali perto, para recolher os "éléments de langage". Perante a minha dúvida sobre o que é que isso significava, explicou-me que, sem exceção, aos comentadores que iam a debates televisivos ou radiofónicos, os serviços partidários forneciam um guião com argumentário sobre a perspetiva do partido relativamente a temas de atualidade, por forma a permitir que as vozes e caras que representassem os socialistas nessas ocasiões dissessem, no essencial, o mesmo.

(Posso imaginar que, nos dias de hoje, com o PSF dividido como nunca pelas eleições presidenciais, deve haver uma grande dificuldade em preparar "éléments de language" lá pela Solferino).

Lembrei-me disto há pouco ao ler algumas notas escritas, deliciosas no estilo e na expectável autencidade subjacente, que o Benfica prepara para os comentadores "encarnados" (o dr. Salazar proibiu-os um dia de serem 'vermelhos" e eles obedecem até hoje) que vão à televisões.

Estou a imaginar o que passará por essas cabeças, na (rara) angústia que os atravessará quando, perante o lance de um seu avançado caído com estrondo coreográfico na área adversária, não foi ouvido o complacente (e de regra) apito arbitral ("andrade" ou "lagarto", pela certa) para a ("justíssima") grande penalidade. "Digo que foi penalti? Ora deixa aqui ver as instruções da rapaziada lá da Luz..."

O profissionalismo é outra coisa...

Ser diplomata


Os portões do Palácio das Necessidades que a fotografia mostra estão fechados mas abrir-se-ão futuramente a quem vier a aceder à Carreira Diplomática, no concurso de admissão que ontem se iniciou com a publicação do regulamento que pode ser consultado aqui.

Como em ocasiões anteriores, a Universidade Autónoma de Lisboa levará a cabo um curso intensivo de preparação para potenciais candidatos. 

Tal como aconteceu no último concurso, terei o prazer de trabalhar na coordenação do curso organizado pela Universidade Autónoma, que contará com reputados especialistas nas várias áreas temáticas.

Será um curso de natureza eminentemente prática, concentrado no essencial, com o objetivo de capacitar os candidatos para todo o tipo de provas que o concurso de acesso à Carreira implica. 

Os eventuais interessados devem dirigir-se aos serviços da Universidade Autónoma para obtenção dos necessários esclarecimento, através do mail fromao@ual.pt

Força de fogo


"Força de fogo, senhor arcebispo!" terá sido a frase entusiasmada que, há umas décadas, durante as Festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, um popular vianense atirou à passagem do Arcebispo Primaz de Braga, lembrando todo o seu orgulho pelo esplendor da oferta pirotécnica que sempre é apresentada, na ocasião, por aquela que é a maior romaria do país. Até hoje, não se sabe se o então Arcebispo entendeu a tirada...

O meu pai contava, divertido, que ouviu o homem lançar aquela frase, de um modo um tanto provocatório, à veneranda figura religiosa, num tom fonético muito "à Viana", pretendendo sublinhar a notória diferença de qualidade entre a oferta pirotécnica das festividades das duas cidades - um dito que encerra todo o sentido competitivo que Viana sempre cuida em manter com a urbe vizinha.

(Esqueci-me de contar esta história ao atual Arcebispo Primaz de Braga, Dom Jorge Ortiga, quando, há semanas, me convidou, com grande simpatia, para um interessante debate público que o Arcebispado organizou).

A expressão "força de", que pelo Minho quer dizer "muito", usa-se um pouco para tudo: "está ali força de gente", "lá em casa há força de livros", "o homem tem força de dinheiro", etc.

Ontem, num outro sentido, o fogo mostrou a sua força. Tal como, com trágica regularidade, ocorre um pouco por todo o mundo na pirotecnia, há por vezes naquela indústria desastres, quase sempre com perdas humanas, que, tristemente, devastam instalações onde se pratica essa nobre arte de construção de deliciosos efeitos fátuos e rapidamente perecíveis. Ontem foi a vez de Lamego.

De quando em quando, essas tragédias voltam a ocorrer, quase sempre no aproximar do Verão e das festividades populares que se aproximam. Quem, lá por Vila Real, não ouviu falar dos "acidentes do Ramalheda" ou, no Minho, de idênticos desastres envolvendo os célebres Silvas ou os Castros, produtores consagrados de deslumbres óticos noturnos ou, num registo que não faz nada o meu gosto, de "salvas de morteiros" que nos arruinam o sono da manhã?

A "força", neste caso "humana", foi também o tema de um debate em que ontem à noite participei, na Casa-Museu da Fundação Medeiros e Almeida (já visitaram essa magnífica coleção, a dois passos da Barata Salgueiro?), com António Correia de Campos e Filipe de Sousa Magalhães.

Uma discussão aberta, moderada pelo entusiasmo congregador da Fátima Pinheiro, em que se falou um pouco de tudo, da força das pessoas à força relativa dos países, dos excessos da força às fraquezas feitas forças, da força e do poder, da energia e da astúcia que às vezes passam ou se transformam em força. Até de Sansão e Dalila se falou, sob o patrocínio de uma bela estátua do primeiro, que domina a sala.

Na ocasião, sem combinarmos, fui o pessimista de serviço, com o António no papel do otimista que sempre é e o Filipe, um jovem empresário de uma "startup", na função surpreendente de um realista num mundo onde as coisas, muitas vezes, só lá vão à força.

Justiça

Não sou jurista, mas acho muito estranho o que se passou com o processo Dias Loureiro/Oliveira Costa.

Não se conseguem provas capazes para formular uma acusação, mas deixa-se no ar a convicção - que se sabe confortavelmente consonante com o sentimento público - de que houve um crime. E a justiça "sangra-se em saúde".

Desta maneira, de facto, é muito fácil "fazer justiça".

terça-feira, abril 04, 2017

Isto não é um cabide

Gostava de repetir, uma vez mais, que a caixa de comentário deste blogue não se destina a tratar de assuntos diferentes daqueles que são abordados nos posts e, em particular, não serve de "cabide" para links que levam a outros temas.

Referências

Um energúmeno, feito jogador de um clube qualquer, que aliás parece pertencer à estimável claque portista, agrediu barbaramente um árbitro no decurso de um jogo. Uma televisão "de referência" deu mesmo honras de entrevista à personagem, que, com ar manso, pretendeu "não se lembrar" dos factos. 

A Federação, como é de regra nestes momentos de escândalo público, lançou o "rigoroso inquérito" da praxe. Tem, aliás, grande autoridade para isso: dos seus quadros superiores faz parte João Pinto, antigo jogador, também "de referência", que um dia deu um murro num árbitro, à vista das imagens que correram o mundo. Em lugar de o irradiar eternamente do mundo do desporto, os federativos cooptaram-no para a sua direção. Estão bem uns para os outros.

Aliás, nesse desporto sobrevive também alguém que, se houvesse um mínimo de decência, estaria, desde há muito, higienicamente afastado do menor contacto com o futebol: Sá Pinto, que agrediu publicamente o selecionador de futebol da época. Mas, qual quê! É uma figura "de referência", neste caso do meu clube.

Este mundo dos futebóis, para armar ao sério, faz de conta que tem uma "justiça". Pois. A justiça desportiva está para a Justiça como a música militar está para a Música...

"Clube de Lisboa"


Ao final da tarde de ontem, numa bela sala da Câmara Municipal de Lisboa, foram eleitos os primeiros Corpos Gerentes do "Clube de Lisboa", numa Assembleia Geral para a qual foram convocados os seus 100 sócios fundadores. O Clube, uma organização sem fins lucrativos, terá a seu cargo a organização futura das Conferências de Lisboa, um evento bienal de reflexão sobre temas internacionais, de que houve já duas edições. (Saiba aqui mais sobre as Conferências de Lisboa) 

Com a criação do "Clube de Lisboa", pretende-se não apenas dar continuidade às Conferências mas, igualmente, lançar um programa com outras iniciativas que permitam colocar Lisboa no centro da reflexão internacional sobre diversas temáticas de natureza global. Integram o Clube personalidades de diversos setores ligados às relações externas, ficando futuramente a porta aberta para a adesão de muitas outras pessoas que operam no mesmo âmbito.

Dentro em breve, o Conselho Diretivo do Clube - presidido por Luis Amado, de que faço parte com Marina Costa Lobo, Alberto Laplaine Guimarães, Fernando Jorge Cardoso, Hélder de Oliveira, Luis Pais Antunes, Mónica Ferro e Raquel Vaz Pinto - vai apresentar o seu plano de atividades.

segunda-feira, abril 03, 2017

Gostava de entender melhor

Alguém um dia me há-de explicar por que razão não se pode conduzir na faixa central das auto-estradas mantendo uma velocidade de cerca de 120 km/h. (Já sei que a proibição está no Código da Estrada, mas a minha questão não é essa, é a racionalidade subjacente à medida). Se essa é a velocidade máxima permitida, quem é que estamos a impedir? As emergências podem sempre utilizar a faixa da esquerda. Conduzir na faixa da direita obriga a constantes mudanças, seja para ultrapassar condutores mais lentos, seja para evitar quem chega à autoestrada vindo dos acessos laterais, o que provoca maiores riscos.

É isto mesmo!

Nas suas "Memórias Anotadas", editadas postumamente na passada semana, José Medeiros Ferreira descreve assim a sua relação com o mundo da blogosfera:

"(...) Trata-se de um exercício quotidiano sobre temas impessoais, as mais das vezes políticos. São oito anos de atividade constante cuja instantaneidade de publicação cria um sentimento raro do poder do autor enquanto editor universal. Essa nova forma de "edição de autor" é uma das razões do sucesso da blogosfera em que participo pelo mero prazer de comunicar o que penso sobre vários assuntos. Tenho a felicidade de me saber apreciado por espíritos estimáveis e atentos".

Bem dito!

domingo, abril 02, 2017

O que diz Vicente


Na sua coluna na última página do "Público" dos domingos, Vicente Jorge Silva - que, para sempre, acarretará consigo a honrosa "culpa" de ter sido o criador dessa primeira marca do novo jornalismo quotidiano português - zurze hoje, embora moderadamente, o meu nome e o de José Pacheco Pereira por termos ousado referir o nome de Alberto João Jardim, no contexto da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto de Santa Catarina, na Madeira (e a igreja católica não se ofendeu com a retirada do nome da santa da placa toponímica?).

O que diz Vicente? "Mas existem pessoas altamente estimáveis, como Seixas da Costa ou Pacheco Pereira que, eventualmente por preconceito antifutebolístico primário, preferiam ver no aeroporto o nome de Alberto João Jardim".

Ó Vicente! Eu escrevi: "que me chocaria muito menos que o nome de AJJ fosse dado ao aeroporto da Madeira, em lugar do de Cristiano Ronaldo". Noto: chocar-me-ia que o aeroporto tivesse o nome de AJJ. Isto é, chocar-me-ia na mesma, embora "muito menos" do que o de CR. Só isso!

"Preconceito futebolístico primário"?! Eu que adoro futebol, que, depois de ter sido "blaugrana" com Figo, passei a adepto "de carteirinha" (como dizem os brasileiros) do Real de Madrid por causa de Ronaldo?! Eu que, todos os fins de semana, "torço" pelos "merengues", pelas "performances" e recordes de Ronaldo e faço figas contra Messi?! Eu que acho que CR (detesto, confesso, as simplificações como CR7 e coisas de "merchandising" assim) é um homem inteligente, simples, bem mais modesto do que eu seria se tivesse o seu sucesso e todo o "pequename" do mundo aos pés, como ele tem?! Eu que tenho uma admiração (profunda e sincera) pela pessoa humana de Cristiano Ronaldo, pela sua maturidade com trinta e poucos anos, pelo seu amor à família e aos amigos? 

Dito isto, continuo um profundo opositor à ideia - na minha opinião, oportunista e ridícula - de dar o seu nome ao aeroporto da Madeira, como disse e reafirmo. Uma saloiíce que nada tem a ver com ele mas apenas com o facto do PSD Madeira conviver mal com o seu próprio passado, usando Ronaldo como uma arma populista de arremesso político interno, com (todos) os poderes de Lisboa a sorrirem amareladamente perante o que sabem ser peso da opinião pública.

Espero, Vicente, que amanhã, como é nosso hábito às segundas-feiras (tenho sido um tanto relapso, penitencio-me), naquele mesa longa de Campo de Ourique, onde sob a "direção artística" do Manuel Costa Cabral e a tutela pictórica do Jorge Martins, com a prevalência esmagadora das amigas que nos abafam a igualdade de género, trocamos graças e amizade, possamos pôr "a conversa em noite". E, enfim, resolver "the relevant Ronaldo question"...

Não é a "finest hour"


Foi Churchill quem cunhou a expressão “the finest hour”, para designar esse tempo em que, com estoicismo e sacrifício, o povo britânico ajudou a vencer a barbárie nazi.  Nos dias que correm, por mais auto-convincentes que os discursos de Westminster possam parecer, este é um tempo muito menos glorioso e bastante mais temeroso. Embora, para a Europa em geral, também esteja longe de ser um bom momento.

A entrada do Reino Unido para a Europa comunitária, de que a França seria o principal objetor, representou um gesto de pragmatismo político, levado a cabo por uma classe dirigente que percebia que o país tinha tudo a ganhar, pelas oportunidades que isso trazia ao seu pendor globalista « avant la lettre », com a integração num clube que se projetava de forma crescente no cenário internacional. “Se não os podes vencer”, através de uma EFTA débil, “junta-te a eles”. Foi uma adesão pragmática, com os meios industriais e financeiros por detrás, mas que, há que reconhecer, teve um assumido pendor oportunista.

Não obstante o referendo consagrador da adesão, a opinião pública britânica deu sempre sinais de uma grande reticência face ao projeto europeu. Nisso foi, em permanência, seguida e estimulada por uma imprensa que diabolizou cada passo integrador, visto como usurpador da sacrossanta soberania das instituições da ilha. Os políticos, poucos dos quais ousaram enveredar por um proselitismo mobilizador em favor do projeto europeu, acabaram grande parte das vezes por se colar ao euroceticismo que sempre foi o “politicamente correto” dominante no país. Claro que houve exceções, períodos em que certas figuras políticas se mostraram de pendor mais europeísta. Mas isso foi sempre sol de pouca dura, num ambiente em que quase já se não estranhava que a imprensa tablóide apelidasse de “federastas” quantos se mostravam favoráveis ao projeto integrador.

Para o Reino Unido, desde o primeiro momento, viveu-se uma batalha de permanente disputa com Bruxelas, vista como fonte de todos os males e vícios, de onde os seus dirigentes regressavam sempre tentando bramar vitórias, fosse no “rebate” financeiro compensatório, fosse na obstrução aos avanços nos tratados. Os governos ingleses, hipocritamente, iam-se calando quando a sua imprensa clamava contra as “ingerências” legislativas de Bruxelas, fazendo esquecer que esse acervo se foi criando sob os olhos e o voto complacente dos seus representantes, à mesa dos conselhos de ministros.

Margareth Thatcher foi a cara mais evidente do confronto aberto com Bruxelas, numa atitude popular (e populista) que contrastou, com êxito, com a imagem de europeísmo envergonhado, e quase culpabilizado, de seus antecessores, de Edward Heath a James Callagham, com Harold Wilson dividido. John Major seguiu-a e clamou “game, set and match”, quando regressou de Maastricht com o grande « opt out » de uma vitória que foi pírrica.

Só Tony Blair viria a mudar um pouco o tom, pretendendo mostrar aos britânicos que uma nova Europa podia ser criada sob forte influência britânica. O líder trabalhista contava com o alargamento ao Centro e Leste europeu, que Thatcher já favorecera, como um fator diluidor da temida homogeneidade da Europa continental, para o que jogava também com o peso da « special relationship » com Washington. Estava certo nisso no plano político, como ficou patente na « carta dos oito » na crise do Iraque, mas a sua ambição vivia desligada da realidade essencial dos equilíbrios intracomunitários. E a sua progressiva debilitação interna não permitiu que Londres fosse colocado no « the heart of Europe », como proclamava.

Depois, foi o que se viu. Gordon Brown foi um parêntesis, Cameron um irresponsável ponto final, bem pouco glorioso. Theresa May tem agora uma tarefa quase impossível.

Como europeu, deste lado da Mancha, só posso desejar que, no fim do jogo, Londres venha a ter saudades de Bruxelas. As boas lições, as mais das vezes, saem caras.

sábado, abril 01, 2017

Por um país decente


Aquilo a que o país hoje assistiu pela televisão, ao ver uma bárbara e desproporcionada agressão de um polícia a um adepto do futebol, é uma mancha na imagem das nossas forças de segurança.

Espera-se que não entremos agora, como é vício velho entre nós, num coro corporativo de justificações, num protelar do inquérito+processo disciplinar, por forma a atenuar o efeito de escândalo, dando hipóteses a um aligeirar da necessária pena.


Ao rever aquelas tristes imagens, lembrei-me inevitavelmente do sinistro capitão Maltez. Estou certo que ele não desaproveitaria um quadro desta "qualidade".

Lampiões & Andrades


É nestes dias, em que a "guerra" não é do Sporting, que sinto alguma serenidade como espetador de futebol, embora, como é natural, o resultado do jogo me não seja indiferente.

Um dia, ao tempo em que eu era embaixador no Brasil, uma cadeia de televisão brasileira transmitiu, em direto, um Benfica-Porto ou vive-versa. Os dois excelentes comentadores, ambos brasileiros, entraram então em especulação sobre os nomes "antipáticos" que eles sabiam que eram dados aos dois clubes: aos benfiquistas "lampiões" e aos portistas "andrades". As hipóteses que aventaram sobre a origem dos nomes foram tão fantasiosas que me atrevi a escrever uma mensagem de email (que a emissora ia divulgando à medida que o jogo decorria), identificando-me como embaixador, tentando pôr "the record straight". Aproveitei, claro, para notar também que os adeptos do meu Sporting são chamados de "lagartos". Ou há moralidade...

O termo "lampiões" não oferece dúvidas sobre a sua origem: trata-se de brincar com o facto do estádio do clube se chamar "da Luz".

Já poucos sabem, contudo, a origem do termo "andrades". Vou pedir de "empréstimo" ao site Futebol Portugal uma síntese, tida por mais rigorosa, dessa história:

Nos anos 30, o F.C. Porto tinha já alguma projecção em termos nacionais e recebia frequentemente a visita de equipas estrangeiras. Os jogos com o Benfica, por exemplo, eram sinónimo de grandes receitas, mas o campo da Constituição revelava-se exíguo para a grandiosidade destes eventos.

Em 1937, em Assembleia-geral, foi feita a proposta para que o clube contraísse um empréstimo para a construção de um estádio próprio. Para o efeito, os sócios teriam de subscrever obrigações. No entanto, a procura não correu como o previsto e o sonho foi adiado. O F.C. Porto alugou então, para os jogos grandes, o campo do Ameal, um dos melhores estádios de Portugal, que recebeu mesmo alguns encontros da selecção nacional. 

Mas o Sport Progresso, arrendatário do terreno, reclamou em tribunal por alegadas falhas no pagamento. Os portistas passaram então a jogar no campo do Lima, que era utilizado pelo Académico e cujo aluguer era considerado exorbitante pelos sócios dos «azuis e bancos». Os três clubes envolveram-se então numa guerra de comunicados, que culminou numa série de acontecimentos estranhos: um incêndio destruiu parcialmente as bancadas da Constituição; e as do Ameal foram destruídas a camartelo. Houve quem atribuísse essa demolição ao senhorio, alegadamente portista e que teria pensado que assim poderia mais facilmente vender o campo do Ameal ao seu clube do coração. Houve quem nunca perdoasse ao senhor Andrade tal gesto e por isso os simpatizantes dos «azuis e brancos» começaram a ser conhecidos por «andrades»…"

sexta-feira, março 31, 2017

O novo mapa da França


A história da V República francesa, regime que no final dos anos 50 pôs fim a um modelo parlamentar atribulado e visivelmente ineficaz, tornou muito evidente que o sistema partidário se transformou, naquele país, numa dimensão puramente subsidiária na afirmação da vontade política. Quero com isto dizer que, à esquerda e à direita, a dinâmica de agregação de forças se revela dependente de lógicas conjunturais e, frequentemente, do apoio a alguns atores políticos. A meu ver, os dias que aí vêm, vão confirmar isto de modo claro.

Durante alguns anos, o Partido Comunista Francês foi a exceção, conseguindo sobreviver e prolongar, nesse regime constitucional quase imposto por De Gaulle, um forte poder de influência política que, em particular, lhe advinha da sua força sindical, como eficaz contra-poder. Curiosamente, os comunistas iniciaram aí o seu imparável declínio, com a cooptação para o governo com que François Mitterrand consagrou a sua vitória presidencial.

Convém lembrar que o Partido Socialista Francês é uma « construção » de Mitterrand, feita pela agregação de várias estruturas, clubes e sensibilidades socialistas, desejosas de esquecer o passado pouco glorioso, na IV República, da estrutura dominante nesse setor. Com a linha que impôs no início do governo, a partir da sua vitória em 1981, Mitterrand « secou » o terreno à sua esquerda e ligou o PS a uma agenda que tornou mesmo a expressão « social-democrata » num anátema.

É o ressurgimento dessa dualidade esquerda-direita que se verifica nesta eleição presidencial, com Hamon e Macron a prenunciarem o que, com toda a certeza, será a implosão do PSF.

À direita, desde De Gaulle, as forças políticas foram sempre desenhadas em torno dos presidentes, com o chamado « centro » a ser chamado a compor o ramalhete. Sem uma tradição democrata-cristã, o centro optou por uma « fulanização » (como aconteceu com Giscard d’Estaing) ou um vago credo liberal. Mitterrand tinha razão, quando ironizava que « em França, o centro não está nem à esquerda, nem à esquerda », isto é, é um parceiro tradicional da direita.

Assumindo que Emmanuel Macron ganha as eleições, com quem governará, partindo-se do princípio que, no sufrágio legislativo subsequente, a direita de Sarkozy e do « Les Republicains » sairão seguramente maioritários ? Como se comporá a « majorité presidentielle » no pós-Hollande e pós-PSF ? Terão futuro governativo as figuras da direita socialista que entretanto se juntaram ao « presidente Macron » ? E como se comportará, em termos de projeto, a direita democrática, desafiada pelo crecimento do Front National de Le Pen ?

(O leitor terá notado que dou Le Pen por derrotada. É isso mesmo, embora eu me tenha enganado no Brexit e em Trump.)

quinta-feira, março 30, 2017

O precedente

Ouvido ao almoço:

- Não percebo toda esta polémica por ter sido dado o nome de um futebolista português, com grande projeção internacional, a um aeroporto. Vendo bem, já havia por cá um precedente.

- Essa agora! Onde?

- Então não conheces o Aeroporto Figo... Maduro?

quarta-feira, março 29, 2017

David contra Michel


Em 1995, a União Europeia iniciou um processo de revisão do Tratado de Maastricht, que iria ter como resultante, dois anos depois, o Tratado de Amesterdão. Cada país designou o seu "chief negotiator". A França indicou o seu ministro delegado para os Assuntos europeus, Michel Barnier (à direita, na foto). O Reino Unido tinha então o seu "minister for Europe", Davis Davis (à esquerda). Conheci muito bem os dois, porque representava Portugal nessa negociação.

Hoje, curiosamente, Davis é "minister for exiting the European Union", o que significa que tem a responsabilidade de conduzir, por Londres, a espinhosa negociação do Brexit. Vi sempre David Davis como um conservador fortemente eurocético, dotado de um espírito sardónico, muito cáustico face aos costumes da máquina bruxelense, que visivelmente desprezava. Nessa sua vontade de afrontar a UE foi sempre coerente até ao fim, pelo chegou a ser interessante observar o modo como a nova administração trabalhista, sem perder por completo as "reticências" dos seus antecessores, se conseguiu adaptar a um estilo mais pró-europeu, sob a batuta de Tony Blair.

Por seu turno, Barnier, depois de ter sido ministro em governos franceses (da Agricultura aos Negócios Estrangeiros), foi membro da Comissão europeia e agora foi escolhido para chefiar as negociações, em nome dos 27, para a consecução do Brexit. É um homem muito diferente de Davis, com muito menor humor e quase sem capacidade de saber rir das coisas sérias, mas é seguramente um melhor conhecedor dos dossiês, pela sua ampla e diversificada experiência. É um fervoroso europeísta, bastante mais até do que o generalidade dos membros da sua família política da direita francesa.

Não vai ser um despique fácil. Boa sorte, Michel Barnier!

terça-feira, março 28, 2017

"Fake news"

Donald Trump fala muitas vezes de "fake news", quando as notícias não lhe agradam. Mas, às vezes, há mesmo "fake news". E a imprensa portuguesa está cheia delas, às vezes assinadas por plumitivos que, depois, se queixam de que não levamos a sério o que escrevem a propósito de outros assuntos.

Os leitores deste blogue podem ler o que escrevi (abaixo) sobre a questão da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto da Madeira. Peço que releiam o texto. Nele insurjo-me - e essa é a minha livre opinião, contestável como qualquer outra - contra o que considero ser a insensatez dessa decisão, que me chocou. E, no texto, referi "que me chocaria muito menos" (isto é, que também me chocaria, mas muito menos) se acaso o governo regional tivesse optado pelo nome do seu antigo presidente e principal promotor da modernização do aeroporto, Alberto João Jardim. No texto, como notará qualquer leitor de boa fé, faço um perfil muito crítico do modo político de atuar de AJJ, com o qual nunca me identifiquei, como fica claro. 

Pois muito bem, esta "comparação" entre os dois nomes, foi transformada numa "proposta" da minha parte, em notícias publicadas, para que ao aeroporto fosse dado o nome de AJJ O meu único comentário a isto é que o mau jornalismo e a má fé têm um nome: desonestidade. E quem assinou essas peças foi, além de mentiroso, desonesto. Isto é, fez "fake news" e isso fica-lhe no currículo.

segunda-feira, março 27, 2017

O nome

Meço bem o que vou escrever.

Durante décadas, chocou-me bastante o modo como Alberto João Jardim exerceu a sua ação como presidente do Governo Regional da Madeira. Não apreciei o seu frequente autoritarismo, o modo displicente e desrespeitador como sempre tratou a oposição, as instituições nacionais e a comunicação social. A Madeira, durante o seu longo reinado, teve uma existência política com sérias e evidentes falhas na democraticidade da sua vida cívica. Um estilo de caudilhismo ao jeito sul-americano impôs-se por décadas naquela região e Alberto João Jardim foi a cara dessa pouco prestigiante excecionalidade.

Dito isto, a Madeira contemporânea, com todas as suas desigualdades e fragilidades, está hoje a anos-luz da ilha pobre e subdesenvolvida que conheci nos anos 70. Foi, a meu ver, a zona do território português que mais beneficiou em termos de "salto em frente" em múltiplos domínios, através de um discutível mas eficaz "keynesianismo", bem visível na paisagem embora, infelizmente, também, injustamente, nos bolsos de alguns ramos de apadrinhamento local - sendo que, neste caso, julgo que ninguém poderá acusar Jardim de qualquer improbidade a nível pessoal. Uma vez mais, também aqui, a cara dessa imensa mudança positiva é, indiscutivelmente, a de Alberto João Jardim.

Sou testemunha presencial do modo como soube lutar, junto do governo central mas, muito particularmente, junto das entidades europeias, pelos interesses da sua região, do seu esforço continuado e persistente, às vezes por meios menos ortodoxos, para obter tudo o que considerava necessário para a sua Madeira. Recordo, porque estive diretamente ligado a isso, o seu extraordinário trabalho que, com o apoio do governo de Lisboa, veio a permitir a fantástica obra que foi a extensão da pista do aeroporto da Madeira, uma infraestrutura-chave para desbloquear o estrangulamento do acesso turístico à ilha. Alguns corredores de Bruxelas percorremos em comum para tal.

Por isso, e sabendo bem que o que escrevo é polémico e desagradará a muitos dos meus amigos (e, infelizmente, agradará a muitos que prezo em não ter como tal), quero aqui dizer, com total frontalidade e sem ambiguidades, que me chocaria muito menos que o nome de Alberto João Jardim fosse dado ao aeroporto da Madeira, em lugar do de Cristiano Ronaldo, cujas qualidades atléticas ficariam, com certeza, muito mais adequadamente consagradas num estádio ou outra instalação desportiva.

O oportunismo turístico tem limites, que são os do bom-senso, da justiça e, claro, do ridículo.

À Madeira!


Afinal, confirma-se, já chegámos à Madeira!

Humor & covilhetes



Ontem, na "Gomes", com um covilhete à ilharga.

- É um exagero andar para aí a dizer que o PSD vai ter maus resultados nas capitais de distrito, nas próximas autárquicas.

- Como é sabes? 

- Ora essa! Porque os distritos já acabaram há muito...

domingo, março 26, 2017

O Arnaldo


Arnaldo Matos, que a pequena história e a grande ironia política consagraram eternamente como o "grande educador da classe operária", bolçou há dias mais algumas das suas habituais inanidades discursivas. 

Desta feita, defendeu a legitimidade do ato terrorista em Londres, adiantando mesmo alarvidades (não consigo deixar de escrever isto assim) sobre a hipótese de tragédias idênticas virem a ocorrer por cá.

Desde há muitos anos que o tal Arnaldo goza, entre nós, de um complacente mas justificado estatuto de inimputabilidade, associado a um registo anedótico que o seu aspeto favorece e que atravessa os tempos. Pelo que me toca, confesso já ter perdido a paciência para a personagem.

O que mais me surpreende é a circunstância dos parentes do pobre Arnaldo não terem ainda recorrido aos serviços da unidade hospitalar que leva o nome da família.

sábado, março 25, 2017

Mário Centeno


No ano passado, escrevi por aqui isto:

"Há cerca de dois anos, uma organização de alunos da Universidade Nova de Lisboa convidou-me para um debate sobre os novos desafios da Europa. Teria como parceiro de mesa Mário Centeno. O nome dizia-me alguma coisa, mas pouco. Fiz uma pequena pesquisa e ela fez-me lembrar que ouvira Mário Centeno na conferência anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde se pronunciara sobre Economia do trabalho. Ficara então muito bem impressionado com a apresentação feita, muito estruturada e com perspetivas que não conhecia.

O nosso debate na Nova correu muito bem. Voltámos, depois disso, a cruzar-nos algumas vezes, em reuniões, e, com naturalidade, vi-o surgir à frente da pasta das Finanças no governo de António Costa, de quem havia sido o "guru" na área económico-financeira. Todos nos recordaremos que havia então em Centeno uma jovialidade que se espelhava num sorriso franco, quase adolescente, que se manteve em muitas aparições públicas, em que foi sendo conhecido pelos portugueses."

No meu texto de 2016, notei ainda que o sorriso de Mário Centeno se tinha esvanecido. O peso da responsabilidade e as dificuldades da conjuntura estavam, claramente, a afetar a sua jovialidade.

Nos dias que correm, Mário Centeno já tem razões para rir. Conseguiu o mais baixo défice da democracia, obteve a recapitalização da Caixa - essa impossível missão, segundo algumas Cassandras - e ganhou indiscutível credibilidade junto das instituições europeias. Não esqueço que foi António Costa quem lhe propocionou as condições políticas para poder levar a cabo a política orçamental de sucesso que implementou. Mas os ministros das Finanças não são uns governantes quaisquer e Centeno provou, em escasso tempo, estar à altura da escolha feita por António Costa.

Estará já Carlos Costa arrependido em não ter aprovado o nome de Mário Centeno para a direção do Gabinete de Estudos do Banco de Portugal? Ao fazê-lo, apenas retirou uma linha ao currículo do seu provável sucessor.

O desastre de Trump


Donald Trump aprendeu ontem uma lição: a de que ter vencido as eleições presidenciais e ter um Congresso com maioria republicana em ambas as câmaras legislativas são condições insuficientes para poder gerir o país a seu bel-prazer. E isso é uma boa notícia, que prova que os "checks and balances" não desapareceram no cenário constitucional americano.

"Repeal & replace" o Obamacare era algo que os Republicanos tentavam há muito. Mesmo em tempos de Obama, poderiam já ter conseguido esse objetivo, desde que se tivessem entendido entre si. Com efeito, a maioria de que hoje dispõem em ambas as câmaras legislativas já existia antes das recentes eleições presidenciais. Só que, durante anos, os Republicanos não conseguiram acordar numa lei alternativa. Trump pensou que o impulso dado pela sua vitória facilitaria o entendimento entre aqueles republicanos que têm uma leitura reformista das mudanças a introduzir no Obamacare e quantos, pura e simplesmente, querem um regresso ao "statu quo ante", anulando-o por completo. Foram estes últimos que "roeram a corda" ao presidente, jogando agora no "quanto pior melhor", esperando pela implosão do Obamacare, através da sabotagem administrativa, já anunciada, de algumas das suas componentes. Verdade seja que, mesmo que o "Repeal & replace" tivesse passado na Câmara de Representantes, nada garantia uma aprovação no Senado. Mas o efeito político de uma passagem na câmara baixa teria sido muito importante.

Esta derrota de Trump, somada às objeções judiciais que dificultam a aplicação das medidas restritivas do acesso ao território americano e a outros recuos menos visíveis, induz uma imagem de ineficácia operativa numa presidência que já provou necessitar de êxitos adjetivados de forma gongórica para viver. A palavra fracasso não parecia fazer parte do vocabulário de Trump, que tinha saído de todos os relativos desaires anteriores sempre "aos ombros de si próprio", numa coreografia de megalomania que parecia imparável. Agora, com esta derrota, não há como esconder o desastre. Se eu fosse um comentador independente também esconderia a minha satisfação.

sexta-feira, março 24, 2017

24 de março


Gostei de ouvir o ministro Manuel Heitor, na intervenção que fez hoje no auditório da UTAD, recordar a data de hoje, o dia 24 de março, Dia do Estudante.

O Dia do Estudante não é nenhum pretexto para borga e copos, não é uma data lúdica e inconsequente, ocasião para festarolas. É uma data com uma história política. 

Em 1962, foi precisamente a circunstância do governo de então não ter permitido a sua comemoração no dia 24 de março (alguém sabe o porquê de ser essa a data?) que foi a origem da chamada "crise académica", com greves, prisões e o afastamento posterior da universidade de muitos estudantes e alguns professores.

Na sequência dessa repressão, Marcelo Caetano, já há três anos fora do governo, demitiu-se do cargo de reitor da Universidade de Lisboa, iniciando a "travessia do deserto" que, seis anos depois, o levaria ao lugar de Salazar. É assim uma ironia constatar que a sua (imerecida) fama de "liberal" lhe havia ficado do "24 de março" de 1962.

Repito: foi bonito ouvir o ministro falar na data mas, confesso, interroguei-me a mim mesmo sobre quantas pessoas, naquele largo auditório, tinham o 24 de março como uma etapa fundadora da nossa democracia.

E será que haveria alguém por ali que se recordasse da "República 24 de março", uma casa alugado por estudantes de esquerda, que existia no Porto, perto do Largo de S. Lázaro, na segunda metade dos anos 60?

Turras

Os mais novos não conhecem o termo. Os "turras" era a expressão simplificada que, no início da guerra colonial em Angola, qualificava aqueles a quem o regime chamava "terroristas" - isto é, todos quantos lutavam de armas na mão pela independência das colónias portuguesas, das quais se sentiam mais cidadãos do que portugueses. 

Nos idos de 1961, a palavra "turras" andava na boca de toda a gente e sempre desconfiei que a expressão "tugas" representou contraponto fonético de resposta nacionalista para designar os "portugas" brancos (devia escrever "europeus"?) de quem os independentistas se queriam ver livres.

Os "turras" eram portugueses? Na maioria, claro que sim, "jus solis" e "jus sanguinis", como a rapaziada do Direito gosta de dizer no latim que lhe nobilita os pareceres. 
Porquê? Porque eram nascidos no Portugal de lei, fihos de portugueses de lei. Mas seria mesmo assim? Ou não se daria o caso de os pais serem "assimilados", essa deliciosa fórmula racista que o Estado Novo consagrou, como que a dar a "honra" do aportuguesamento a quem vivia nas suas Angolas? E os "turras" brancos, de que o MPLA estava entãbatulhado.

Lembrei-me disto ao ouvir Theresa May dizer que o autor do atentado era "britânico de nascimento". É deliciosa, esta "de nascimento". O assassino das cinco pessoas em Londres era tão "britânico" e europeu como o anormal que hoje, em Barcelos, matou quatro. Este era "tuga" e, se calhar, também será "turra", ao olhar de alguns.

Posso estar enganado, mas com o caminhar para esta sofisticação no léxico, que conduz alguns a discriminar entre os cidadãos de lei do mesmo país, regredimos ao tempo dos "filhos de algo", que a corruptela veio a designar já não sei como - e a que um decreto pós 5 de outubro pôs termo. Definitivo.

Miguel Cadilhe


Conheci Miguel Cadilhe em meados dos anos 60, quando ambos éramos estudantes na Universidade do Porto. Segui depois, à distância, a sua brilhante carreira profissional e observei o seu posterior percurso político.

O país testemunhou a miserável campanha que lhe foi montada por essa escola de falta de ética deontológica que se chamou "O Independente" - que nem a circunstância de, pelo caminho, ter produzido alguns excelentes jornalistas isenta da culpa eterna de ter frequentemente utilizado métodos mais do que indignos. Como viria a suceder a outras figuras políticas, e sempre com impunidade, sobranceria e preconceito, Cadilhe foi então vítima de uma operação nojenta de denegrimento por parte daquele jornal, para a qual sempre olhei muito para além das barreiras ideológicas que nos separavam.

Há mais de uma década, voltei a reencontrar Miguel Cadilhe na Associação Portuguesa para o Investimento (API), a que presidia, onde, como embaixador, com ele trabalhei por algum tempo, como membro do respetivo "forum". Nos últimos anos, temo-nos cruzado em alguns espaços públicos de reflexão.

Miguel Cadilhe é conhecido - e acho que vive muito bem com isso - por não ter um feitio fácil e vi o modo como alguns tinham grande dificuldade em lidar com essa sua maneira de ser. Mas, para além de ser um homem honesto e de bem, é uma figura intelectual para cuja opinião, nos temas económicos, sempre olhei com atenção: diz o que pensa, mesmo contra a corrente, com frontalidade e sem qualquer receio de enfrentar o "politicamente correto", qualidade que vai escasseando por aí.

Hoje, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) vai testemunhar-lhe o seu reconhecimento institucional, por ter tido um papel de relevo na consagração do Alto Douro Vinhateiro como Património da Unesco, atribuindo-lhe o título de Doutor "honoris causa". 

Com amigos e admiradores de Miguel Cadilhe estarei presente, também como antigo presidente do Conselho Geral da UTAD, na ocasião desta sua justa consagração.

As sombras sobre a festa


Passam amanhã 60 anos sobre a data em que um grupo de seis democracias europeias decidiu instituir entre si aquele que é, sem a menor sombra de dúvida, o mais bem sucedido processo de cooperação internacional que a História regista. Aquilo a que hoje chamamos União Europeia resultou do aprofundamento dessa ideia, nascida para curar as feridas da guerra e para dar solidez a um espaço onde a economia de mercado se contrapunha ao modelo das “democracias populares”. Com os Estados Unidos, a Europa viria também a partilhar a vitória na Guerra Fria, simbolizada pela implosão da União Soviética e pela recuperação da soberania plena por parte dos países que, no Centro e Leste do continente, deixaram então de respeitar a tutela de Moscovo.

Esses países, com toda a naturalidade, procuraram integrar o projeto que, ao longo de décadas, lhes tinha sido mostrado, por cima do Muro de Berlim, como um horizonte de esperança radiosa, um novo modelo de felicidade coletiva – depois da desilusão que o “socialismo real” fora para uma grande maioria. Fazer parte da União Europeia, bem como da NATO, foi o instrumento utilizado por esses Estados para exorcizar a memória do tempo anterior. Muitos deles carrearam para a União toda a sua experiência traumática, consagrando isso numa hostilidade aberta face a Moscovo e numa pulsão muito forte contra modelos de solidariedade social que fizessem lembrar o voluntarismo igualitarista que antes lhes havia sido imposto. A recuperação da soberanias conduziu-os, em alguns casos, a tropismos autoritários, com desrespeito pela separação de poderes, pelas minorias e por alguns Direitos Fundamentais. Afinal, provava-se, o “template” de valores da União podia ceder perante algumas agendas nacionalistas recém-chegadas.

Também a restante União Europeia, nesse mesmo tempo, se foi alterando. Alguma desilusão sobre a capacidade do projeto integrador provocar um contínuo choque de riqueza e bem-estar, somada a tensões culturais e étnicas que alguns modelos nacionais se revelaram incapazes de superar, com consequências de disrupção nos seus sistemas políticos, veio mostrar que o consenso de décadas estava definitivamente abalado e que o anterior “mainstream” partidário, mesmo com alternância, podia estar em vias de esgotar as suas virtualidades. O surgimento em força do populismo e de modelos confrontacionais, conjugado com alguma desintegração europeia, pode estragar a festa da sexagenária Europa comunitária.

Para nós, portugueses, que entrámos há 30 anos, precisamente a meio da viagem percorrida pela Europa comunitária, a experiência provou à saciedade que este é projeto onde melhor podemos ancorar a nossa democracia e o nosso futuro. Lutar pela Europa é um desígnio nacional imperativo.

(Artigo hoje publicado no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, março 23, 2017

Alvo manto


Se as coisas ainda são o que eram, esta neve primaveril que cai sobre Vila Real não vai "pegar" - como se dizia no meu tempo de infância, então fazendo figas para que o nevão fechasse o caminho para a escola. 

Nesse outro tempo, a neve caída na cidade, com ou sem fotografia (do Marius ou do Macário), era notícia garantida na meia página que "O Comércio do Porto", "O Primeiro de Janeiro" e o "Jornal de Notícias" - os três jornais do Porto que chegavam à cidade (havia também o vespertino "Diário do Norte", mas não se vendia em Vila Real) - dedicavam diariamente às principais cidades nortenhas.

Em minha casa, lia-se o "Comércio" e o "Janeiro", respetivamente comprados para o meu pai e para o meu avô. Todos os anos, por ocasião da queda da neve (nesse tempo, a neve parecia cair com maior regularidade), o meu pai lembrava:

- Ora deixa cá ver qual é o jornal que traz a frase batida "a cidade acordou sob um alvo manto de neve". 

É que essa figura estilística, muito própria de um gongórico jornalismo de província então em voga, era repetida com regularidade e sem pudor do ridículo.

Se não vinha nesses dois jornais comprados na loja do Albertino, o meu pai, antecipando o gozo de a encontrar, procurava-a no "Notícias", numa ida ao café no Excelsior, na Rosas ou na Pompeia (a Gomes foi para ele um pouso mais tardio). 

O "Notícias" era um jornal então menos conceituado, com muita nota desportiva da região (nisso só ultrapassado pelo "Norte Desportivo", do Alves Teixeira) e com um pendor para o crime e para o "sangue": "Carteiro de Contumil mata a sogra"... (Mas nunca, porque o respeitinho social-geográfico era muito bonito: "Crime passional em Nevogilde").

Amanhã, mais pela força do degelo do que pela melhoria do jornalismo, "cheira-me" que a cidade não vai acordar "sob um alvo manto de neve"...

Trump


Muitos nos enganámos no resultado das eleições americanas, mas muito poucos nos equivocámos quando antecipámos o modo como o início da presidência Trump iria ser.

Passos Coelho

O futuro político de Pedro Passos Coelho começará a vislumbrar-se mais claramente quando pudermos saber quantos candidatos autárquicos do seu partido querem o líder nos seus comícios.

Londres


O modo como a consciência europeia reagiu à tragédia de Londres poderá ter mostrado aos britânicos que, por muitas fronteiras que o Brexit um dia venha a criar, a solidariedade humanista atravessá-las-á sempre.

Dijsselbloem

Ficou bem evidente, no incidente que provocou, que Dijsselbloem não pensa nas coisas que diz, mas ficou também claro que o que disse foi o que realmente pensa.

Parabéns, concidadãos !