domingo, outubro 23, 2016

Em Lisboa, vá pela sombra


Se acaso pretendesse reduzir a famigerada (gerada pela fama) luz de Lisboa a uma única fotografia, não hesitaria um segundo. A cidade está toda na imagem que Gérard Castello-Lopes nos deixou, do alto, voltado para a rua do Arco do Carvalhão, um local a que os antigos chamavam os Terramotos. Nessa fotografia, um monumento de arte, a luz segue pela rua adiante, lado-a-lado de uma estranha fila de gente, numa adivinhada monotonia, que é bem o retrato de um Portugal onde, como dizia o ditador, as pessoas "viviam habitualmente".

Mas se se olhar um pouco para além dessa luz quase obscena que parece dominar o cenário, invasora, nada pudica, há na pintura a preto e branco da máquina de Castello-Lopes um recorte bem mais variado, sofisticado, seja no elegante pormenor geométrico que rebate, como num desenho, as casas - e que, diacronicamente, imaginamos evolutivo, como num filme -, seja nas caricaturas individuais das figuras em presumível movimento, que se projetam contra a grade bordejante. A luz está lá, sempre igual, por toda a parte, quase banal. É, porém, nas sombras que a criatividade se forja.

Lisboa é uma cidade de sombras - e essa não é uma expressão de retórica passadista, sentimental ou misteriosa, embora pudesse ser também isso tudo, até com fado à mistura. É uma realidade insofismável, que só não tem emergido porque, é preciso dizê-lo, há uma óbvia conspiração a favor da luz, para a qual o exército das sombras não encontrou até hoje o adequado antídoto.

Querem exemplos, omnipresentes na cidade ? É a sombra que o Aqueduto das Águas Livres atira contra o solo que lhe confere uma grandeza humanizada. Sem a sombra, aquela obra de arte seria apenas uma maqueta, em ponto grande. Passeie-se sob as arcadas do Terreiro do Paço, num dia inundado de sol, e olhe-se a riqueza dos desenhos que as sombras produzem nas paredes pombalinas. É a sombra que acomoda o viajante que por ali anda e que, por alguma razão, a procura, fugindo da luz, da torreira. A sombra protege, a luz abafa. A sombra, no fundo, é o lado bom da luz.

Um dia, dedique o leitor uma boa hora a percorrer os caminhos do lisboeta cemitério dos Prazeres. Escolha um dia de sol (Lisboa tem uma obsessão tal com o sol que até deu a uma sua rua o nome de "rua do Sol ao Rato") e perceberá melhor o que lhe quero dizer. Para além das árvores que lhe filtram a incómoda luz, um dos mais óbvios "prazeres" do cemitério é, para os vivos, claro, poder apreciar a infinda variedade das projeções das sombras dos jazigos, um rendilhado criativo que confere a algumas daquelas fúnebres moradias uma dignidade de bairro, onde nem sequer faltam os gatos, que o silêncio reinante permite melhor apreciar. Sente-se num dos bancos que por ali há, à sombra, à conversa, gastando o tempo, que é, além da esplêndida penumbra da contraluz, a mercadoria mais abundante no local, e logo perceberá melhor o que lhe quero dizer

Nem lhes conto o quanto me perturba ver alguns fabianos, « cara al sol », como se entoava no tempo infame, loiros de escaldão, a calcorrearem a ala central do Parque Eduardo VII, já de si escavado como uma vala para adoradores do dito, como se acaso estivéssemos por aqui à borda de um fiorde, num país em que o verão se esgotasse num fim de semana. Convide-se essa gente ao gosto da fuga, por um momento, para a adjacente Estufa Fria e, estou seguro que eles logo perceberão o "calor" ímpar da sombra, das árvores, da delicadeza da luz filtrada. Eles verão que é a noite e o dia, ou melhor, um quase vice-versa.

Lembram-se das imagens brancas, desertas ou quase, muito ensoleiradas (em especial aos domingos, em que a brutalidade da luz parece apostada em rimar com a santidade do dia), dos filmes do neo-realismo italiano? Pois bem, o velho "novo cinema português" tentou reeeditar esse registo, jogando com a alvura das avenidas a que nos habituámos a chamar "novas", usando e abusando de uma luz sem vergonha. E se revisitarmos essas películas, com alguma sofisticação no nosso olhar, é hoje um regalo ver as imagens, inundadas de branco, ganharem de imediato « cor », logo que a câmara se descai, com bom gosto, para a intrusão das sombras, que conferem à naïveté das histórias um sentido digno de recato, de discrição, um toque de intimismo, que a luz não permite e até antagoniza. Não será por acaso que, na expressão «  a-preto-e-branco » o preto surge primeiro...

Como o leitor já presumiu, cansa-me muito escutar o rame-rame do discurso obsessivo, turístico-folclórico, sobre a luz de Lisboa. Tanner - um cineasta suíço que, talvez por isso, não percebe muito de cores da vida do Sul - chamou a Lisboa "A cidade branca". Nunca percebi onde é que ele foi descobrir a "kasbah" que o fez encontrar Argel por aqui. Lisboa não é uma "cidade branca", é uma terra de cores vivas, a que as sombras fazem ganhar novos cambiantes. Por isso também é falso o que cantou Sérgio Godinho, no "Lisboa que amanhece", ao dizer que "as sombras de Lisboa são da cidade branca a escura face". Uma ova !

As sombras são a face mais "luminosa" da cidade e, claro, ganham outra expressão na noite quando, finalmente, a cidade se liberta do sol. É então que a saudável e pecaminosa - no bom sentido, que é o do bom pecado - face de Lisboa se revela. 

Olhem-se com atenção as sombras incomparáveis da ruas que atravessam a Bica em noites de copos e música, procure-se uma ruela esconsa no Cais do Sodré onde se imagina o « deal » final entre a meretriz e o marinheiro da esquadra da NATO, visite-se a tristeza quase suburbana da entrada de uma pensão "com águas correntes" na Almirante Reis, atravesse-se a Praça das Flores na penumbra de um fim de tarde da Lisboa « colorida » pela diversidade sexual, faça-se uma romagem romântica à sombria estátua de Sousa Martins, no Torel, numa noite de luar, ou à ímpar marca de solidão da Triste-Feia, a mais misteriosa rua da Alcântara que foi operária. Ou olhe-se a sombra do Tejo nas Docas, as esquinas onde os adolescentes trocam « shots », com o iPhone na outra mão, nas madrugadas divertidas de Santos ou (ainda) do Bairro Alto. As sombras de Lisboa não têm fim, morrendo no cansaço do alvor do novo dia, feito de olheiras e, claro, de sol.

É essa a minha Lisboa, feita de mil sombras, de mil e uma noites, de uma resistência denodada à ditadura da luz, cuja única verdadeira virtualidade é ter o mérito de ser geradora dessa glória eterna da imagem que é a sombra. 

Que este texto possa ter ajudado os visitantes de Lisboa a melhor entenderem que, aqui chegados, têm uma magnífica Lisboa de sombras pronta para ser consumida. Tenho fundada esperança que o que aqui deixei, este guia irónico em forma de elegia da cidade escurecida, tenha contribuído para que, sobre este tema, haja sido feita, finalmente, alguma luz.

(Artigo publicado no nº 1 da revista "Bica")

sábado, outubro 22, 2016

Michel Barnier e as línguas


A figura que a União Europeia indicou para negociar, em seu nome, com o governo britânico, a saída do Reino Unido da União Europeia é o antigo comissário europeu (e também, embora breve, MNE francês) Michel Barnier. Conheço Barnier desde 1996, quando ambos representámos os nossos respetivos países na negociação do Tratado de Amesterdão. Não deixa de ter graça que o ministro britânico que está encarregado de negociar o Brexit, David Davis, tenha sido também, à época e por algum tempo, o negociador britânico desse tratado.

Porém, a razão porque hoje trago aqui o nome de Barnier é outra: acabo de ler no "Independent" que ele propôs que as negociações com Londres venham a decorrer em francês. Imagino o "agrado" com que a notícia deve ter sido recebida no governo de sua Majestade... E é preciso não conhecer o "estado da arte" em Bruxelas, em matéria do uso de línguas, para pensar que esta ideia tem pernas para andar. É, claramente, uma afirmação de natureza política, numa "guerra" que a França já perdeu, a meu ver, infelizmente.

(Há dois dias, na reunião da OSCE em Viena em que participei, fiz a minha primeira intervenção em inglês. Convidado no final da sessão a intervir de novo, falei em francês. A embaixadora da França junto da OSCE saudou de imediato no Twitter o facto de eu ter falado na sua língua, repetindo-mo pessoalmente durante o almoço. De facto, fui o único a fazê-lo e a outra língua que ouvi falada na reunião foi... o russo!)

Quando me iniciei nas lides europeias, há 30 anos, o francês competia perfeitamente com o inglês nos trabalhos comunitários. 15 anos depois, quando saí dessa área diplomática, o francês estava já em acelerada perda de força. Dizem-me que hoje, em especial por efeito do alargamento, que trouxe para Bruxelas culturas onde a língua francesa tem já muito escasso acolhimento, a situação é bastante pior. Os ingleses podem sair da União Europeia, mas o inglês tem hoje um lugar eterno garantido como "língua franca" no seio da UE.

Deixo ainda uma historieta, a propósito de Michel Barnier e das línguas. 

Um dia de 1996, convidei-o a vir a Lisboa e ofereci-lhe um jantar nas Necessidades. Estendi esse convite a alguns membros do governo português a quem, em razão dos dossiês que titulavam, poderia interessar conhecer o ministro francês. À entrada, um jovem (e brilhante) secretário de Estado português inquiriu: "O Barnier fala inglês?". Achei que fazia a pergunta por curiosidade, atenta a escassa apetência dos políticos franceses (e ingleses e americanos e espanhóis e alemães, etc) para línguas estrangeiras. Expliquei-lhe que o inglês de Michel Barnier, não sendo (à época) excecional era, contudo, aceitável, inquirindo da razão da sua pergunta. A resposta deixou-me siderado: "É que eu não falo uma palavra de francês!". 

Foi nesse instante que me dei verdadeiramente conta de que uma nova geração portuguesa (e europeia), com uma idade bem inferior à minha, já não tinha o francês como essencial e, pura e simplesmente, não falava, e muitas vezes não compreendia sequer, aquela bela língua. Se assim era há duas décadas, bem pior será hoje. Se Barnier quiser conduzir as negociações com os britânicos em francês, vai ter de arranjar um intérprete... 

sexta-feira, outubro 21, 2016

Florestas e inquietação cívica


Hoje à tarde, pelas 18 h, no Centro Cultural Regional de Vila Real, no largo de S. Pedro, intervirei na apresentação do livro "A Floresta Portuguesa - um apelo à inquietação cívica", da autoria do meu amigo e camarada de armas no 25 de abril, Victor Louro.

Numa perspetiva diferente do habitual, este livro, de grande oportunidade, lança um alerta que é muito importante escutar.

Vêm aí os russos?


Alguma imprensa internacional vem a alertar para a escalada de tensão Leste-Oeste, potenciada pelos conflitos na Ucrânia e na Síria. Alguns falam mesmo da possibilidade de estarmos nas vésperas de um novo confronto de dimensão global. Terá isto algum sentido?

Com o fim e a implosão da União Soviética, países que viviam sob a tutela de Moscovo e algumas Repúblicas da antiga URSS procuraram estruturar sociedades políticas de matriz similar à dos países democráticos da Europa “de cá”. Diga-se que isso correspondeu a um evidente desejo das respetivas populações, ciosas de uma soberania que lhes fora “raptada” desde o fim da Segunda Guerra mundial. A posterior entrada de muitos desses Estados para a UE e a sua inclusão na NATO, em ambos os casos aproveitando a “janela de oportunidade” dada pela debilidade conjuntural de Moscovo, levou ambas as organizações até junto da fronteira russa. 

Atravessada por fragilidades de vária natureza – económicas, tecnológicas, militares, demográficas, etc – que afetavam o estatuto a que se achava com direito, a Rússia viu-se mergulhada num cenário de impotência, que se somava ao sentimento de humilhação histórica pela derrota na Guerra Fria. Neste contexto, a tentativa de alguns de modificar a posição da Ucrânia, vista pela Rússia como o último bastião da «buffer zone» que a separava do ocidente, seria sempre inaceitável. O sonho russo era conservar em Kiev um poder «amigo» que, em especial, não colocasse minimamente em causa o seu livre acesso naval ao mar Negro e ao Mediterrâneo. A mudança «de lado» da Ucrânia não podia assim ser aceite pela Rússia, que deu força militar às populações russófilas no leste do país e aproveitou para tomar a Crimeia, área chave para o poder naval meridional russo. O poder em Kiev pode ser pró-ocidental, mas a Rússia provou conseguir instabilizar o país.

O mal-estar russo criou o caldo de cultura política interna para a emergência de um «cesarismo» na figura de Vladimir Poutin, num registo nacionalista autoritário, tendo como objetivo a restauração de algum poder global de Moscovo. Como resposta aos avanços europeus da NATO, que não esteve em condições de travar, a Rússia colocou em questão os equilíbrios em matéria de forças convencionais acordados no fim da Guerra Fria e assume agora iniciativas destinadas a forçar um novo equilíbrio de poder, de que a postura na Síria é uma componente essencial. Moscovo parece aguardar pelo novo poder americano para dialogar olhos nos olhos com a única potência de que se considera (de novo) rival. Até lá, mexe algumas peças do xadrez militar, para aumentar as suas possibilidades no tabuleiro estratégico.

Vêm ai os russos? Não me parece, mas a solidão decisória de Putin não garante a prevalência da racionalidade sobre algum possível aventureirismo.

quinta-feira, outubro 20, 2016

Verbos Irregulares


Foi numa daquelas estantes que, há muitos anos, encontrei o "Portuguese Irregular Verbs". É mesmo vício de livros ou vontade de gastar dinheiro, deve estar a pensar o leitor! Para quem é português, o que é que pode interessar um livro em inglês sobre um assunto gramatical tão especioso?

Também tive dúvidas, confesso, embora o surgimento do (pouco volumoso) volume naquela zona da Shakespeare & Cia, a mais interessante livraria inglesa de Viena, me tivesse despertado a curiosidade. Quem se dedicaria àquilo e porquê? Como na "Balada da Neve", fui ver... Afinal, a explicação era simples. Tratava-se de uma obra de ficção.

O livro, de Alexander McCall Smith, relata a divertida história (conto de memória) de um filólogo alemão que, com um zelo notável, terá empreendido um estudo aprofundado sobre tão escaldante temática. Segundo a novela, a edição do livro, em que espelhava toda a sua sabedoria sobre o assunto, não se terá consagrado num êxito estrondoso, se nisso descontarmos a satisfação proporcionada ao seu próprio ego.

O estimado professor lusófilo, de que o volume acolhe pormenores deliciosos de um seminário passado na Índia, e cujo grande objetivo de vida era ser agraciado com uma condecoração portuguesa (estou a pensar levar o assunto ao Conselho das Ordens) tinha como hábito procurar saber do destino das escassas centenas de exemplares da edição da sua obra-prima. E, por essa razão, sempre que se deslocava a casa de um amigo, procurava perceber o destaque dado nas respetivas estantes ao seu monumental e volumoso estudo, incontroverso referencial sobre a matéria no mundo gramatical da lusofonia. E algumas desilusões teve. Complexa foi, porém, a sua relação com uma namorada, dentista de profissão, a quem, como era natural, oferecera um exemplar dedicado da sua tão estimada obra. O único imponderável foi, contudo, o facto desse laço afetivo se ter entretanto desfeito, com a antiga afeição, por vingança, a decidir destinar a utilização do volume como apoio para o seu pé, no arranque de dentes aos clientes...

Há horas, dei uma saltada à Shakespeare & Cia, numa rua esconsa não muito longe da catedral, como sempre faço quando calha vir a Viena. Desta vez, comprei à Shelia um estudo sobre a atual política russa. À saída, recomendou-me: "não deixe que o saco de papel apanhe chuva. A impressão do nosso logo é feita à mão e fica logo tudo sujo". Já há pouco disto...

O que mudou?


Gosto dos regressos pontuais aos locais que vivi noutras "encarnações". Ontem, sentei-me no mesmo lugar em que, há mais de 14 anos, dirigi a minha primeira reunião como presidente do Conselho Permanente da OSCE, em Viena. 

Voltar ali, agora na qualidade de orador convidado, para falar sobre questões de segurança e controlo de armamentos na Europa, foi uma experiência muito curiosa e interessante. A minha linguagem foi deliberadamente bem mais "solta" do que a que usava quando tinha responsabilidades oficiais. Não ter os constrangimentos de estar a falar em nome do país dá-nos uma cómoda liberdade, a qual, contudo, nos não isenta de, ao ouvirem-nos, saberem bem de onde vimos. E, por isso, não ser indiferente o que dizemos.

Os diplomatas mudam muito, pelo que, à volta da mesas, só encontrei meia dúzia de caras conhecidas, na maioria cruzadas noutros postos. O secretariado da organização, contudo, tem mais estabilidade, pelo que alguns contínuos, técnicos e funcionárias dos serviços de apoio me fizeram "uma festa". Estamos todos mais velhos, mas a simpatia desses velhos tempos renasceu hoje, nessas escassas horas no palácio Hofburg.

Mudou alguma coisa desde esses tempos? No essencial, não. As tensões no seio da OSCE persistem e a situação ucraniana é hoje uma pesada núvem acrescida sobre o quotidiano da organização. A minha intervenção, bem como o debate que se seguiu, versou precisamente sobre o "estado da arte" da instituição, criada para "pilotar" o fim da Guerra Fria e que agora vive atravessada por uma tensão de novo tipo. Fui "provocatório" qb, o que, creio, terá ajudado a estimular o debate. No final, o secretário-geral da OSCE, que conheço dos tempos passados notou, com agrado, que eu tinha falado, a certo ponto, da "nossa organização". "You are still one of us", gostei de o ouvir dizer.

Mas, ao olhar agora para a mesa, dei-me conta de uma diferença: passei de "chairman" que então era para "chairperson", para atender às preocupações de igualdade de género. Isto é importante? Há quem pense que sim. E a primeira pessoa a pensar assim (estou certo, mas não lhe perguntei) é a embaixadora portuguesa junto da OSCE, Graça Mira Gomes.

quarta-feira, outubro 19, 2016

Os princípios do Peter


Peter é um cozinheiro austríaco. "Herdei-o" do meu antecessor, João Lima Pimentel, quando vim para Viena, em 2002.

Era uma figura curiosa, avantajada, com forte bigodaça, fumador compulsivo, homem bastante nervoso e agitado. Mas uma jóia de pessoa. Falava uma mescla de inglês macarrónico misturado com espanhol, aprendido com as duas peruanas que a embaixada tinha ao seu serviço.

Tinha tido um restaurante, mas a sua vida dera algumas voltas inesperadas e menos felizes. Um dia, num jornal, através de um anúncio, veio parar à residência portuguesa, recrutado pelo meu predecessor. Ficou por lá 15 anos, até se aposentar.

Era um profissional de primeira água. Tinha mais de um milhar de menus diferentes e era preciso pedir-lhe a repetição de um prato, caso contrário inventava sempre algo de novo. Uma sua especialidade eram os doces, para mal eterno da minha glicose.

No meu último dia de serviço em Viena, há quase 12 anos, eu havia dito à minha mulher que gostava de ir jantar fora. Estava cansado da trabalheira que sempre é "fechar" um posto e queria espairecer um pouco. O Peter moveu montanhas para me dissuadir. Disse que tinha preparado algo especial para a nossa derradeira refeição. Pronto, lá teria que ser!

À hora de jantar, notámos que a mesa parecia posta para um banquete. Isso contrastava um tanto comigo, à vontade e de jeans, bem como com o ambiente do resto da casa, toda num reboliço de malas e empacotamento.

Começávamos a refeição quando ouvimos uns ruídos na zona da entrada. Foi-nos dada uma explicação qualquer e o jantar prosseguiu com normalidade. Até ao momento em que, da sala ao lado, saiu um som musical. De violino. E não era um, eram cinco violinos, um grupo que o Peter tinha recrutado numa escola de música, uma oferta sua para acompanhar o último jantar que nos preparava.

E foi então que ele próprio entrou na sala, fardado a rigor, com os olhos cheios de lágrimas, naquela língua de Babel, explicando, num discurso embargado, que tinha sido seu desejo despedir-se de nós com aquilo que a cultura do seu país tinha de melhor: a música. Todos nos comovemos.

Eram esses os princípios do Peter, um amigo austríaco que ganhámos.

Saudades do Esperanto

Tinham-me avisado: o condutor é sérvio, fala muito pouco alemão (eu não falo nada) e não entende uma palavra de inglês. No aeroporto, tinha um letreiro com o meu nome e percebi que sabia o endereço onde me devia conduzir. Eu até sou um conduzido geralmente prolixo mas, desta vez, fui num silêncio sepulcral (dado o meu cansaço, não me desagradou, confesso) toda a viagem. Ao chegar ao destino, vi-o passar olimpicamente em frente à porta onde eu devia ser depositado e começar a meter-se por ruas cada vez mais distantes. Tentei explicar-lhe o erro, ele respondia numa língua mistura da de Milosevic com a de Merkel, mas era difícil conseguir passar a mensagem. Entre uns "go back!", "right", "left", cheios de gestos imperativos, lá consegui levar o homem ao porto pretendido, ao fim de alguns minutos. Valeu-me conhecer bem esta cidade. Sorrimos no final da confusão.

É nestes dias que tenho pena que o esperanto, essa língua universal que anularia todas as fronteiras culturais, não tivesse afinal vingado. 

terça-feira, outubro 18, 2016

A Rússia, a Geringonça e algo mais

Tive na passada semana uma conversa com Sebastião Bugalho, jornalista de "O Sol", que deu origem a um artigo que pode ser consultado aqui.

OSCE


É com imenso prazer que regressarei amanhã, por umas horas, à Organização de Segurança e Cooperação (OSCE), em Viena, onde fui convidado a fazer uma intervenção, a título pessoal, numa reunião conjunta do Fórum para a Segurança e Cooperação e do Conselho Permanente da organização, envolvendo os representantes dos 57 países membros naqueles dois órgãos. O tema do controlo de armamentos e a necessidade de reencetar um diálogo em torno do quadro normativo das CSBM's (medidas geradoras de segurança e confiança) será a base da minha intervenção.

Não deixarei de lembrar que um importante marco na vida da OSCE foi a Cimeira de Lisboa de 1996, de onde derivou uma Declaração que se mantém como um eixo fundamental da organização e também que foi durante a Presidência portuguesa da OSCE, em 2002, que, pela última vez, foi possível ter todos os Estados a subscreverem as conclusões. A Declaração do Porto, de 2002, é o último elo de ligação entre os mundos "a Oeste" e "a Leste de Viena".

Vai ter graça regressar àqueles corredores do Palácio de Hofburg.

segunda-feira, outubro 17, 2016

Caixadóculos


Ontem, escrevi por aqui um post sarcástico em que falava de uma "caixadóculos", uma expressão que, recordo, Alexandre O'Neill consagrou na sua poesia. Logo caiu o Carmo e alguma Trindade, choveram insultos, em blogues e páginas alheias, não obstante eu nem sequer ter referido o nome da possível senhora. Ofensa, o "caixadóculos"? Eu próprio uso óculos. Está visto que a capacidade de aceitar o humor já teve melhores dias.

O orçamento

É muito curioso observar certos comentários sobre o Orçamento. Uma das conclusões mais comuns é que o PCP e o Bloco decidiram subordinar-se aos ditames de Bruxelas, a troco da anuência do PS à sua agenda reivindicativa em matéria de pensões, bandeira com que se contentarão. E, "preocupados", esses comentadores interrogam-se sobre como irão essas duas formações explicar essa "cedência" ao seu eleitorado. Preso por ter cão...

domingo, outubro 16, 2016

Aí, Valente!

                      
Algum país ansiava pelo regresso de Vasco Pulido Valente. A sua pausa na escrita jornalística, por alguns meses, aparentemente para concluir um livro, criou uma expetativa de que a retoma da sua coluna no "Público", bem como a anunciada nova colaboração semanal no "Observador", viessem a revelar a falta que, lá no fundo, ele fazia à pátria. Ainda não dei conta da primeira mas já li a segunda e, tenho que confessar, foi aquilo que se pode qualificar como um regresso pífio. Um texto sem inspiração, previsível, destituído de garra, com banalidades a propósito do quotidiano e clichés sobre os seus habituais inimigos de estimação.

Sigo Vasco Pulido Valente com alguma atenção, e muitas vezes com interesse, desde há muitos anos. Desde "O Tempo e o Modo", passando pelos seus livros (creio ter lido todos) e alguns dos seus surgimentos mediáticos, para além da fugaz e muito pouco notável fase política. Nos últimos anos, a inegável qualidade do seu português e algumas "trouvailles" bem esgalhadas trouxeram popularidade à coluna que tinha no "Público", embora uma experiência televisiva tivesse revelado as limitações expressivas da figura, pouco ajudada por uma voz desagradável, um tom arrogante e um discurso tartamudeante.

O modelo de crónica que Valente utiliza é vetusto, vem direto do nosso século XIX, em que o historiador se especializou. Baseia-se numa denúncia cáustica, com esforçada graça, das figuras da moda, política ou mediática, quase sempre numa caricatura do género "o rei vai nu", muito em sintonia com o prazer da má-língua que o português adora.A fórmula: tudo o que luz por cá é medíocre, banal, pretensioso e, quando tem alguma graça, é porque mais não é senão uma cópia deslavada de algo que o "déjà vu" de Pulido Valente (que tudo leu e tudo sabe) nos mostra que, afinal, era já conhecido por quem conhece as coisas. No fundo, Portugal é a "choldra", é a "piolheira", como dom Carlos chamava ao país em que reinou até à esquina do Arsenal.

Como é sabido, este tipo de crónicas de escárnio e mal-dizer é, entre nós, uma receita com sucesso quase sempre garantido. Há um visível concorrente de Valente no "Diário de Notícias" e na "Sábado", embora com uma azia vesicular que já começa a cansar. E há outros cultores do modelo, desde uma caixadóculos direitolas de taxa arreganhada, que se desunha para ter uma graça que nunca consegue ter, até outros que ousam, de quando em vez, dizer bem de alguma coisa, o que logo lhes fragiliza o estatuto de profissionais do arraso.

Pulido Valente não escapou - ganhei uma aposta com isso - ao óbvio da moda: dizer mal de Guterres. O gosto do português de tentar liquidar quem, de entre nós, atinge alguma notoriedade é um vício nacional de regra. Se o mundo escolheu o antigo primeiro-ministro para a ONU, só havia dois caminhos: falar da "irrelevância" da ONU (para desqualificar o feito) e elencar os "defeitos" da personagem. Foi o que Valente fez, sem chiste e sem chama.

Um amigo meu teimava em que Pulido Valente não ia cair nessa esparrela: "ele vai ter a superioridade de ignorar Guterres, vais ver!". Não teve essa "superioridade", pelo que teve, como eu previa, o seu contrário, isto é, essa inferioridade. Ganhei assim a aposta de uma refeição no Gambrinus onde, na mesa do canto, escondido atrás de uma multidão de brasileiros, lá iremos encontrar Vasco Pulido Valente, o "Carlinhos" dos Bilhetes de Colares de A.B. Kotter, como José Cutileiro o crismou e lhe retratou os consumos.

sábado, outubro 15, 2016

À conversa

Ontem na Antena 2, tive uma excelente hora de conversa, moderada por Luis Caetano, no programa "Um certo olhar", com Gabriela Canavilhas e Luisa Schmidt, duas mulheres muito inteligentes (e muito bonitas). Falámos (claro!) da eleição de Guterres e do que ele pode vir a fazer, mas também de Trump e das declarações a seu respeito do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, bem como do Nobel atribuído a Bob Dylan e de bibliotecas e livros. (Quem estiver interessado no programa, pode ouvi-lo aqui.)

(Para ilustrar, envergonhadamente, o caos da minha arrumação de livros, contei uma história, incrível mas verdadeira: há dias, precisei de um texto que escrevi há anos num livro da minha autoria; corri várias estantes... e não consegui encontrar um único exemplar desse livro!)

Na conversa, falei dos livros "a mais" que tenho, em estantes e em caixotes, da falta de tempo para os ler e, mesmo assim, da pulsão incontrolável para comprar, a cada dia, ainda mais livros, na velha lógica de que melhor do que ler um livro só é comprá-lo! Mal eu sabia que, ao final da tarde de hoje, regressaria a casa com mais 9 livros! Alguns policiais, talvez para comemorar o novo imposto sobre munições...

José Lello


Conheci pessoalmente José Lello num encontro que Jaime Gama organizou no seu gabinete da Assembleia da República, juntamente com José Lamego, ainda antes da nossa tomada de posse no primeiro governo de António Guterres, em finais de outubro de 1995. Já nos havíamos cruzado algumas vezes, curiosamente sempre no estrangeiro, mas apenas em ocasiões sociais e circunstanciais. 

Talvez porque algumas memórias comuns do Porto tivessem sido evocadas, entre o Zé e eu perpassou de imediato uma corrente de simpatia, que o tempo veio a converter em sólida amizade. Uma amizade de duas décadas, que nunca teve uma sombra, uma reticência, sempre sublinhada com um imenso e caloroso abraço, como aquele que, há meses, demos na Versailles, aqui em Lisboa, da última vez que nos vimos.

Correndo o assumido risco de entrar no terreno da polémica, mas julgando ter alguma autoridade profissional no terreno para afirmar o que penso, não tenho dúvidas em qualificar José Lello, a par de Manuela Aguiar, dos melhores secretários de Estado das Comunidades Portuguesas que a governação democrática produziu. Durante mais de cinco anos, tive o ensejo de acompanhar de perto o trabalho de Lello e pude testemunhar o entusiasmo com que se dedicou à tarefa e os excelentes resultados que na sua execução obteve. 

José Lello era um personalidade frontal e com imensa coragem. Tinha alguns ódios de estimação e estes retribuiam-lhe no registo público com que ele os enfrentava e, não raramente, os afrontava. Tinha a palavra fácil, o coração ao pé da boca, mas uma grande lealdade aos amigos, típica da gente do norte. O sorriso, a alegria e a simpatia eram a sua imagem de marca. Caloroso, agradável e belo contador de histórias, ficou célebre a sua definição do "núcleo duro" do chamado "gamismo", isto é, dos apoiantes de Jaime Gama nos anos 80 e 90: "No gamismo, éramos quatro: o Jaime Gama, o Miranda Calha, o Eduardo Pereira e eu. Agora só somos três: o Gama saiu..."

José Lello morreu ontem. Deixo aqui um abraço sentido à sua família.

sexta-feira, outubro 14, 2016

Imposições


"Leiam os meus lábios: não vai haver novos impostos". E houve. A frase de 1988 do presidente americano Bush (pai) ficou célebre pelo seu tom enfático e foi erigida como mais uma das mentiras históricas que vão ajudando à erosão da credibilidade dos políticos, perante os eleitores com alguma memória.

Dizer uma coisa e fazer outra em matéria de impostos passou mesmo a ser uma banalidade na atitude dos Estados, que hoje já só surpreende os mais ingénuos.

Entre nós, o debate público sobre a fiscalidade tem vindo a aumentar de tom. Fala-se hoje muito mais de impostos do que era habitual no passado, talvez pelo facto dos cidadãos, face aos escândalos bancários e às notícias sobre corrupção envolvendo bens do erário público, se terem tornado mais atentos e informados. Daí que a preocupação com o uso que se faz daquilo que o Estado lhes tira dos bolsos tenha crescido. E ainda bem, porque isso obriga os agentes políticos a serem mais transparentes. Infelizmente, isso não os inibe de manterem taxas de fiscalidade verdadeiramente escandalosas.

Mas porque é que isso acontece? Porque a máquina do Estado tem a dimensão e o peso financeiro que tem - e que nem sequer é muito exagerada, em termos comparativos europeus, por muito que se diga o contrário. Parte substancial da despesa pública corrente tem uma grande rigidez, dado que dela dependem áreas vitais do Estado, como ficou patente no fracasso de muitas das medidas para atacar as supostas e míticas "gorduras" estatais, que nem mesmo a troika foi capaz de eliminar. Acresce que o serviço da dívida é um encargo incontornável e o ataque às pensões de reforma tem limites que só a indecência política do anterior Governo austeritário teve o desplante de considerar como legítimo ultrapassar.

A verdade é que, no quadro europeu atual, a certos Estados restam muito poucos meios para conseguirem fazer a "quadratura do círculo". A pressão externa, feita por essa "ASAE do euro" que dá pelo nome de Comissão Europeia, obriga a constrangimentos quantitativos em matéria de redução de défice e percurso de redução da dívida, num modelo "one fits all", que praticamente trata da mesma forma economias desafogadas e com excedentes e países com défices endémicos de competitividade e situações conjunturais graves.

Enquanto as coisas se processarem desta forma, enquanto o peso das dívidas públicas não for revisto, enquanto cada economia não puder ter objetivos de convergência, quantitativos e temporais, realistas e adaptados à sua real capacidade, os governos nacionais só têm um instrumento para poderem mostrar-se "cumpridores" no retrato anual apresentado a Bruxelas: jogar com os impostos nacionais, por muito que isso retraia o consumo (e o crescimento) e abafe a atividade dos agentes económicos.

quinta-feira, outubro 13, 2016

Dylan


Com a idade, fico mais inseguro. Estava hoje numa reunião, a tratar da construção de estradas e de pontes noutras partes do mundo, quando alguém me sussurrou: "o prémio Nobel da Literatura é para Bob Dylan". Fiquei com aquele ar que o general Pedro Cardoso, nos meus tempos das "secretas" militares, me aconselhou a ter sempre perante novidades: impávido e não surpreendido. 

É que eu não tive a imediata certeza de que estivéssemos a falar "do" Bob Dylan mais óbvio, do cantautor que eu ouvira em Oslo, em Londres e em Viena - em três espetáculos que (aqui entre nós) não me entusiasmaram por aí além. De quem tenho um monte de CDs.

Sou um assumido ignorante (relativo, claro) em matéria de literatura. Nunca li algumas obras tidas por "incontornáveis", não sigo as novidades que se publicam e, mais importante do que tudo, tenho ano após ano sido confrontado com vencedores do Nobel da literatura de quem nunca tinha ouvido falar. E já perdi a vergonha de o confessar.

Por isso, quem me podia assegurar que esse tal de Bob Dylan não era um poeta qualquer do Burkina Faso ou um romancista do Sudão do Sul?  Desde que por essa África antes chamada de "negra" (com o politicamente correto atual já não sei como dizer) surgiram líderes políticos com nomes de estrelas de rock, como John Garang ou Jerry Rawlings, tudo é possível! 

Mas não! Era mesmo o Bob Dylan. Agora, vai ser por aí uma polémica desatada. Eu acho que se devia começar por entrevistar o Godinho, o Palma e o Fausto - afinal, pares lusos da mesma bela literatura em que Dylan se distinguiu.

quarta-feira, outubro 12, 2016

Não vale tudo!


Zeid Ha'ad Al Hussein, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem*, é um diplomata (e príncipe) que foi representante permanente da Jordânia junto das Nações Unidas durante vários anos. 

O seu escritório era por cima do nosso e, também por essa razão, foi o primeiro colega que visitei quando, em 2001, cheguei a Nova Iorque, como embaixador junto da ONU. Mas não só por essa razão: foi também porque me foi dito que era um grande amigo de Portugal. E era. Pouco tempo depois ajudou-me imenso a promover a candidatura de Paula Escarameia na eleição para a Comissão  de Direito Internacional - a primeira mulher que viria a integrar esse órgão, infelizmente já desaparecida.

Hoje, vi que Zeid, nas suas novas funções, fez o que não podia fazer: avisou, em conferência de imprensa, que uma eventual eleição de Donald Trump nos EUA configuria um risco sério para os Direitos humanos no mundo. Mesmo sendo Trump o que é, um funcionário das Nações Unidas não tem o direito de se referir assim, por mais razões de fundo que tenha, a um participante legítimo num ato eleitoral livre num país democrático. 

Não tudo vale, na vida internacional.

(*Escrevo "Direitos do Homem" porque é essa a expressão que figura na Convenção de 1948. Compreendo, contudo, que alguns sigam o mais "faishionable" "Direitos humanos", na condição de que me deem a mim o direito de poder usar a fórmula original).

terça-feira, outubro 11, 2016

... e lá veio a chuva!


Já recebi três telefonemas, neste fim de tarde, a "culpar-me" por ter surgido a chuva. 

"Foste tu que a chamaste com o texto de há dias, a dizer que só havia sol e que tinhas saudade da chuva!" - foi este, basicamente, o tom médio das chamadas.

Pronto, eu assumo as minhas responsabilidades, embora, confesso, não soubesse que este espaço, por muito popular que fosse, chegasse tão "alto". E, também, desconhecia que, "por lá", tivessem um espírito de contradição tão apurado. Que flores de estufa, já não se pode dizer nada!

segunda-feira, outubro 10, 2016

RTP 2


Na tarde de hoje, no programa "Sociedade Civil", sob a moderação do jornalista Luís de Castro, o professor universitário Carlos Gaspar e eu discutimos a história e o destino da Organização das Nações Unidas, tendo como óbvio pretexto a eleição de António Guterres.

É muito agradável participar em programas com uma agenda de puro serviço público, sem constrangimentos de tempo, com espaço para aprofundar os temas, sem polémicas e tendo a vontade de informar como objetivo.

Não me canso de chamar a atenção para o excelente trabalho desenvolvido pela RTP 2, magistralmente dirigido por Teresa Paixão. Encontrei-a à saída e felicitei-a por ter conseguido preservar o "seu" canal da infernal praga para-futebolística (isto é, programas, reportagens e entrevistas sobre futebol, mas sem futebol).

O candidato dos taxistas


O dia é capaz de não ser muito favorável para sondagens democráticas, mas algo me diz que, se chamados a votar sobre qual o candidato presidencial americano que prefeririam, uma esmagadora maioria dos taxistas lisboetas não hesitaria um segundo em favorecer aquele cuja linguagem lhes está mais próxima.

domingo, outubro 09, 2016

Às vezes, chovia!


As novas gerações, que nos dias de hoje vivem aqui em Lisboa, podem não saber, mas, no passado, às vezes, chovia. É verdade! Pequenas gotas de água, aos milhões, frequentemente sob pressão de um ar em movimento a que se chamava vento, desabavam do alto sobre a cidade e molhavam-nos a todos. Para nos protegermos, usávamos uma daquelas sombrinhas com que as senhoras se abrigam dos raios do sol, mas impermeabilizada, chamada guarda-chuva, e vestíamos uns balandraus longos, às vezes impermeáveis, que designávamos por gabardines. Os limpa-párabrisas que se vêm nos carros não existiam então apenas para limpar os vidros, eram utilizados também para afastar as gotas de água com que essa tal chuva enchia a cidade e nos dificultava a visibilidade. É que, nesse tempo, havia inundações que caiam do céu, não apenas as que agora se produzem quando se rompem os canos. Datam, aliás, também desse tempo os telhados inclinados que as casas ainda hoje têm, por onde descia a água provinda da chuva. Ah! E nos dias em que chovia, o sol, que agora brilha em permanência até ser noite, não se via, ficando tapado por um céu cinzento, coberto pelas nuvens, que eram umas espessas formações escurecidas de onde caía a chuva. Era giro!

Vale a pena ter memória, e até alguma nostalgia, desses tempos a que chamávamos "dias de chuva", que às vezes entristeciam as pessoas, mas a que felizmente se deve tanta poesia. Por vezes, confesso que já tenho saudades desses tempos bem longínquos, em que acordávamos e vivíamos, por horas e dias, com a tal chuva a cair sobre nós. Deixo-lhes aqui uma imagem antiga, de arquivo, desses tempos e o link de uma canção que, no Brasil, fizeram mesmo para comemorar tais dias.

sábado, outubro 08, 2016

Fiscais

Não conheço Rocha Andrade, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Mas conheço gente muito diversa e fiável que me diz que se trata de uma figura de muito elevada competência técnica na sua área e de um homem de uma probidade a toda prova. E, no entanto, o lapso da viagem ao euro e o embaraço de agora ser responsável por uma medida legislativa que favorece uma empresa de que é (ainda que ínfimo) acionista fragiliza-o claramente. 

Não sei se Rocha Andrade deve ou não permanecer no governo, mas o seu caso demonstra bem que, nos dias que correm, ser governante impõe regras tão draconianas, obriga a cuidados tais, para não se correr o menor risco de poder vir a ser acusado de qualquer coisa, que deve haver muita gente que deixa de ter paciência para se sujeitar a este escrutínio. Vive-se um tempo triste em que estar em lugares de Estado é, de imediato, fonte de suspeição, de presunção de potencial culpabilidade.

O prefácio

Comprei o livro há minutos. Conhecia as autoras, a sua escrita e o que delas esperava. Gente profissional, competente, rigorosa. Porém, ao ler o prefácio, fiquei, confesso, um tanto surpreendido. O texto era soberbo, culto, informado, muito para além do que eu, legitimamente, esperava do teor do próprio livro. Afinal, concluí, as autoras tinham evoluído muito, muito além do que eu delas esperava - e esperava bastante. Ainda bem! E continuei a ler o prefácio. Quando cheguei ao final, magnífico!, olhei a assinatura. O nome que assinava o prefácio era outro, alguém muito qualificado, um dos melhores analistas do nosso quotidiano político. E agora isto aumenta as minhas expetativas, a minha exigência, quanto ao livro. Espero que as 317 páginas que aí vêm me não desiludam. Há alguma injustiça nisto, não acham?

sexta-feira, outubro 07, 2016

Ainda!



Em Angola, quando se recebe como resposta a palavra “Ainda!” isso significa que a pessoa pretende dizer “Ainda não!”.
Na passada semana, o título desta coluna era “Já combinaram com os russos?”, na dúvida sobre se os alemães, antes de darem ordem de marcha à senhora Kristalina Georgieva para tentar ganhar a secretaria-geral da ONU quase ao bater do gongue, tinham articulado previamente alguma coisa com Moscovo. Afinal, a resposta era “Ainda!”
Não sendo a União Europeia um país, tendo uma ação externa incipiente e coordenada apenas nos mínimos, sendo que dois dos seus membros (daqui a uns tempos será só um) fazem parte inamovível do Conselho de Segurança da ONU e não estão abertos a pôr isso em causa em favor da União, a regra geral, na vida da organização, é que cada Estado europeu “trate da sua vida”, nos vários processos eleitorais. Quando representei Portugal na ONU, alguns dos adversários mais firmes que tivemos de defrontar em processos de candidatura foram, precisamente, os chamados parceiros europeus.
A haver algo de patético neste processo de escolha do novo Secretário-geral não será, assim, a circunstância de haver vários candidatos europeus na corrida, tanto mais que uma certa doutrina destinava ao continente (ou a parte dele) o lugar em disputa. Nem sequer o facto de Angela Merkel se ter mobilizado para promover a mudança da candidata búlgara deve surpreender-nos: Berlim, que não votava em Nova Iorque, estava no seu direito de escolher quem lhe apetecesse, embora fosse um tanto bizarro ver a Alemanha a estimular outro Estado-membro a que mudasse a candidata que vinha a apoiar.
O que me pareceu inaceitável foi ver uma instituição europeia instrumentalizada em favor de uma candidatura improvisada à última hora, com o presidente da Comissão Europeia, a quem compete zelar neutralmente pelos interesses comuns dos Estados-membros, numa desbragada promoção da sua vice-presidente, facultando-lhe uma licença sem vencimento (!) de um mês para ir contrariar as pretensões de outros países europeus, tendo antes promovido abertamente a futura candidata perante Moscovo, deixando que o seu chefe de gabinete utilizasse a sua rede social oficial para apelar ao voto na senhora. A qual, diga-se, regressa agora a Bruxelas algo humilhada e fragilizada, desde logo na sua interlocução futura com o Estados-membros cuja ação pretendeu obstaculizar.
Dir-se-á que tudo está bem quando acaba bem. Talvez, mas se a racionalidade histórica aconselha sempre a que o futuro não assente em ressentimentos passados, tenhamos ao menos a esperança de que Bruxelas tenha aprendido alguma coisa com esta insólita aventura. Tenho uma única certeza: conhecendo-o, António Guterres terá a dignidade de nada fazer, ao longo do seu próximo mandato, que minimamente reflita este momento infeliz da sua Europa.

quinta-feira, outubro 06, 2016

Os vencedores


Há dois vencedores no dia de hoje: António Guterres e as Nações Unidas. 

Guterres venceu esta eleição por mérito próprio, pela sua qualidade como figura política à escala internacional. Assisti de perto ao “crescimento" de António Guterres no plano europeu, ao modo extraordinário como conseguiu projetar Portugal e defender os interesses portugueses numa União Europeia sob a tensão do alargamento e o desafio do euro. E, de forma determinante, à sua magistral gestão da delicada questão de Timor. E o mundo olhou a sua prestação como Alto Comissário das NU para os Refugiados, dando corpo ao slogan que o levara ao poder em Portugal: razão e coração. Mais recentemente, o modo como conseguiu evidenciar as suas qualidades, nas audições nas NU, não me surpreendeu minimamente. Se disso dependesse apenas a sua escolha, tinha a certeza de que dificilmente alguém o derrotaria.

E é aqui que entra também a vitória das NU. O modo como o processo de seleção do novo secretário-geral foi lançado, num modelo que favorecia a visibilidade dos candidatos e permitia fazer uma sua avaliação comparativa, era quase conflitual com o formato opaco, feito de compromissos e "toma-lá-dá-cá", que no passado vigorara. Uma decisão que, na prática, se "cozinhava" no seio dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança. Ao abrir este ano a um escrutínio alargado o processo de escolha, as NU prestigiaram-se. E, nestas coisas, já não se volta atrás. As NU são também vencedoras neste dia.

(Depoimento que me foi solicitado pelo "Jornal de Notícias")

O sorriso de Samantha


Olhando para ela, para o perfil esguio, algo Modigliani, um "look" procuradamente sereno, aquele esgar um pouco complacente similar ao que a burguesia endinheirada usa afivelar para o comum dos mundos, dir-se-ia uma Kennedy, mesmo que do ramo Peter Lawford, dos que passam férias em Martha Vineyards ou na parte boa dos Hamptons. Se olharmos bem, para as sardas e para a ruivez, também há por ali muito da origem irlandesa (a mesma dos Kennedy, aliás), esses latinos do Norte, pelo que talvez seja isso que justifica a coragem que um dia teve ao chamar "monster" a Hillary Clinton, o que a levou a uma demissão. Ao mesmo tempo, aquela senhora, que só conheço pelas imagens televisivas, foi jornalista e escreveu um livro sobre o genocídio e por ele recebeu o prestigiado prémio Pulitzer.

Chama-se Samantha Power e é a representante diplomática americana junto das Nações Unidas. Quando, na tarde de ontem, ouvi dizer que o Conselho de Segurança se inclinava para indigitar António Guterres como novo SG da ONU, o meu instinto foi "esperar por ela", e olhá-la. E quando o efusivo russo deu por adquirido que era o candidato português que o Conselho ia escolher, descobri-a, finalmente, ao seu lado. E ao vê-la sorrir e anuir com a cabeça, tive então, em definitivo e pela primeira vez, a certeza de que Guterres tinha ganho. É que o apelido da senhora, goste-se ou não, faz toda a diferença nas Nações Unidas.

quarta-feira, outubro 05, 2016

Mind your business?

Foi num almoço, algures no primeiro semestre de 1992, oferecido pelo embaixador português em Londres, António Vaz Pereira, ao ministro dos Assuntos Europeus britânico, Tristan Garel-Jones. Portugal detinha presidência das instituições comunitárias e era de regra juntar os embaixadores europeus com o responsável governamental britânico do setor.

Garel-Jones, que hoje ascendeu à Câmara dos Lordes, era um homem muito simpático, dialogante e inteligente, com forte pendor eurocético. Ficara na pequena história britânica por ter organizado na sua casa, em St. Catherine's Place, dois anos antes, uma célebre reunião conspiratória que seria o início da revolta conservadora que viria a derrubar Margareth Thatcher. Uns anos mais tarde, em 1997, a convite de João Carlos Espada, eu viria a debater com ele a Europa, num ciclo organizado em Serralves, no Porto.

Um dos temas desse almoço, a que eu assistia como então ministro-conselheiro da embaixada, era Schengen e a recusa britânica de integrar aquele espaço de livre circulação europeia. Garel-Jones explicava-nos que era precisamente o desejo de preservar em plenitude a liberdade individual de que se usufruia no Reino Unido que levava à recusa de um acesso incontrolado da travessia das respetivas fronteiras. No seu país (aliás, tal como nos Estados Unidos), não existiam bilhetes de identidade e um qualquer cidadão britânico só era obrigado a identificar-se perante uma autoridade policial (por exemplo, através da carta de condução - que nos EUA não tinham fotografia...) em caso de flagrante delito. Mesmo um estrangeiro que trabalhasse no país não era forçado a revelar a sua nacionalidade, a menos que estivesse sob fundada e juridicamente apoiada suspeita. Ficou-me para sempre a resposta que disse que devia ser dada a um polícia britânico que inquirisse alguém sem razão: "Mind your business!" (Meta-se na sua vida).

Com o tempo e o agravamento das questões migratórias e de segurança, imagino que não seja hoje muito prudente responder "Mind you business!" a um "bobby" londrino...

Lembrei-me desse mítico Reino, agora um pouco menos Unido, essa pátria de liberdades e de proteção de direitos individuais, ao ver hoje o título da capa do "Times", que dá conta da intenção oficial de obrigar as empresas a listar os trabalhadores estrangeiros nas suas fileiras, com vista a avaliar se não haverá postos de trabalho que britânicos poderiam ocupar em seu lugar.

Não era esse exatamente o tema que Garel-Jones referia naquele almoço, mas tem algo a ver com a mudança drástica de mentalidades que hoje atravessa o Reino Unido em matéria de direitos. Uma medida como esta seguramente que agradaria muito a uma figura sinistra como Oswald Mosley, o líder fascista britânico, mas posso imaginar que bastante menos a Winston Churchill. E se Marine Le Pen nela se inspirar?

O mundo está perigoso.

Dora Fonte


Há meses, publiquei aqui isto:

Creio que foi em 1983. Era um casal muito jovem. Ainda estou a vê-los a entrar, pela primeira vez, no meu gabinete, na embaixada em Luanda, onde tinha a meu cargo as questões relativas aos professores cooperantes.

(Como um dia já aqui expliquei, Portugal assegurou, por muito tempo, o envio de cooperantes para as antigas colónias, em especial professores, pagando-lhes uma parte do salário e preservando-lhes o lugar de base. Coube-me, no início da carreira, pré-selecionar os primeiros professores para S. Tomé e Príncipe e a segunda "leva" para a Guiné-Bissau. Em Angola, voltaria a ter os professores cooperantes sob a minha responsabilidade. À distância, acho curioso constatar que, sendo esse tempo um dos mais complicados nas relações bilaterais entre Lisboa e Luanda, a cooperação no ensino se mantivesse intocada).

A Dora e o seu companheiro haviam chegado há pouco de Lisboa. Estavam cansados, algo aturdidos com Luanda, uma cidade difícil, incómoda para deslocações, com imensas limitações em matéria de abastecimentos. A proposta das entidades angolanas era que fossem para Sumbe, antiga Novo Redondo, cidade marítima situada umas centenas de quilómetros a sul de Luanda. Recordo-me que se passaram alguns dias antes que isso acontecesse. Havia uma certa preocupação com essa deslocação. Ao que julgo, seriam os únicos professores cooperantes nessa zona que a guerrilha da Unita de há muito rondava.

Os meses passaram. Um dia, fomos informados que a Dora e o companheiro, bem como cooperantes de outras nacionalidades, haviam sido raptados pela UNITA. Durante semanas, foram conduzidos a pé através de Angola, numa viagem de muitos e muitos quilómetros, da costa até à Jamba, no extremo sudeste do país. Lembro-me da nossa constante preocupação com a possibilidade da coluna poder ser atacada, nesse percurso, pelas forças governamentais angolanas, nomeadamente por via aérea, colocando em risco a vida dos cooperantes. Em especial, tenho presente - e um "antigo vizinho" leitor deste blogue recordará bem isto - um jantar em minha casa, com a presença de um oficial das FAPLA, em que esta questão foi discutida em termos que chegaram a ser muito tensos.

Tudo acabaria em bem. A Dora Fonte e o seu companheiro viriam a ser entregues pela UNITA a instituições internacionais. Depois do seu regresso a Portugal, trocámos mensagens e, como é da lei da vida, acabámos por nunca mais nos ver. Há dias, a Dora contactou-me (vantagens do Facebook). Lançou um livro sobre essa sua fantástica aventura de juventude em Angola.

Depois de publicado este post e da sua reprodução no Facebook, troquei mais mensagens com a Dora, em que precisámos melhor os acontecimentos desse tempo. Acabo agora de saber que a Dora morreu. Tenho imensa pena.

terça-feira, outubro 04, 2016

A minha amiga búlgara



Eu também tenho uma amiga búlgara. Chama-se Irina Bokova e é concorrente ao lugar que António Guterres pretende obter nas Nações Unidas.

Tornei-me amigo de Irina há quase vinte anos, quando ambos éramos secretários de Estado dos Assuntos europeus, nos nossos respetivos governos. Estive em Sófia a seu convite, tive o gosto de a receber em Lisboa por esse tempo.

Um dia, o partido de Irina perdeu as eleições na Bulgária e ela abandonou o governo. Quando mais tarde voltei a Sófia, tendo já outra contraparte búlgara, pedi ao nosso embaixador para, num jantar na sua residência, convidar Irina Bokova. Recordo a nota comovida que então deixou, por eu ter querido permanecer fiel à amizade criada. E ficámos em contacto, a partir de então.

Tempos mais tarde, um amigo comum, Georgios Papandreou, que viria a ser primeiro ministro grego, convidou-nos a ambos para integrar o círculo de reflexão política que anualmente organizava na Grécia, durante uma semana, o Symi Symposium. E assim, durante cinco anos, com as nossas famílias, encontrámo-nos nesses interessantes debates. E vimo-nos, entretanto, com as nossas famílias, em Nova Iorque, num divertido jantar.

Quando ainda estava no Brasil, já de partida para Paris, recebi um recado de Irina. Ela tinha desempenhado as funções de ministra dos Negócios Estrangeiros do seu país e concorria ao lugar de diretora-geral da Unesco. Gostava de ter o apoio português para essa sua pretensão e, com naturalidade, recorria ao seu amigo português. Fiz as minhas sondagens em Lisboa, tendo verificado não ser ela o candidato que Portugal iria apoiar. Disse-lho já em Paris, num jantar que lhe ofereci. Nada mudou entre nós.

Mesmo sem o voto inicial português, Irina Bokova foi eleita diretora-geral da Unesco. Vimo-nos bastante em Paris por esse tempo, mesmo antes de, por uma suprema ironia, eu próprio ter sido entretanto nomeado, em acumulação com o cargo que já desempenhava em França, como delegado português junto da Unesco. A última vez que encontrei pessoalmente Irina Bokova foi na visita de despedida que lhe fiz, em inícios de 2013, em que lhe ofereci uma peça fotográfica de Jorge Molder, enviada por Portugal para a coleção artística da organização, numa decisão sob minha insistência que teve a assinatura do então secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas.

Irina Bokova surgiu entretanto como candidata a secretário-geral da ONU. Portugal tinha o seu próprio candidato, António Guterres. Que, naturalmente, foi o meu candidato. Mas, nem por isso, vou perder essa querida amiga búlgara, de há muitos anos.

Kristalina

Não sei como se dirá, em búlgaro, "meter os pés pelas mãos". Mas foi isso mesmo que Kristalina Georgieva fez ontem, quando perguntada pelo embaixador ucraniano sobre o que pensava do conflito no seu país. Essa hesitação e a cara desencantada do diplomata podem dizer tudo. Procurar não antagonizar Moscovo, no dia em que a Rússia repetiu formalmente, para quem quisesse ouvi-la, que deseja para secretário-geral da ONU uma mulher do Leste europeu, é a cartada evidente de Georgieva. Kristalina.

segunda-feira, outubro 03, 2016

Jornalismos


Tenho vários amigos e conhecidos na classe dos jornalistas e orgulho-me muito dessas relações. Contudo, e não raramente, no passado, insurgi-me junto de alguns deles pelo facto de demonstrarem uma grande complacência para com pecadilhos evidentes dos seus colegas de profissão. Até há pouco tempo, era muito raro ver-se um jornalista a criticar outro, no próprio espaço mediático, dando ideia de que prevalecia entre eles uma espécie de corporativismo inibidor. Ou alguém se lembra de ouvir vozes escandalizadas da classe quando o "Independente" adotou práticas miseráveis?

Mais recentemente, algum aventureirismo travestido de jornalismo, assente em comportamentos à margem de um mínimo de deontologia, terá levado certos profissionais a achar que "o que é demais é erro" e que seria importante, para a própria salvaguarda do prestígio da classe, separarem as águas e darem pública nota de que não se sentiam bem acompanhados por alguns daqueles alegados colegas. E as coisas não se ficaram por ali, ajudadas também pelo mal-estar criado por alguma partidarização de setores da profissão, tendo os blogues como plataforma mais evidente dessa deriva e os gabinetes e outros empregos como recorrente porto de abrigo.

A grande prova de que as "comadres" se tinham zangado, em definitivo, surgiu na questão que opôs o "Público" ao "Diário de Notícias", por ocasião das desconfianças entre Belém e S. Bento, que o livro de Fernando Lima agora desenvolve. Em especial a partir de então, a conflitualidade entre os grupos de "media" parece ter potenciado essa clivagem e, em várias outras ocasiões, que os "leaks" judiciais seletivos no caso Sócrates agravaram, "o caldo entornou-se" entre os nossos jornalistas. O último episódio desta saga terá sido o livro de José António Saraiva e as repercussões escandalosas que ele teve.

Como consumidor mediático, confesso que me sinto muito mais confortado agora, ao ver os jornalistas sérios erguerem a sua voz para isolarem aqueles que mancham a dignidade da sua profissão. Pode ser que, com isso, se tenha quebrado a "paz dos cemitérios" em que se vivia, mas a frontalidade que hoje se adopta no seio da classe parece prenunciar que caminharmos tempos bem mais dignos. E transparentes, que é o que a mim mais me importa.

domingo, outubro 02, 2016

Memórias

Com alguma frequência, conto por aqui episódios ocorridos em circunstâncias em que estive presente a título profissional, as mais das vezes como figurante ou testemunha, dado o caráter de simples "ator secundário" que um diplomata ou um "junior minister" geralmente têm. Procuro ser tão rigoroso quanto possível quanto à fidelidade à verdade, tanto mais que estas coisas ficam escritas e são passíveis, agora ou no futuro, de aberta contestação ou correção.

Há dias, relatei um determinado diálogo, ocorrido há já alguns anos. Alguém que também esteve presente à cena, lembrando-se apenas vagamente daquilo que eu escrevera, trouxe à colação um outro - e bem mais interessante - momento então ocorrido no curso dessa conversa. Do qual, confesso, eu não me lembrava de todo.

É muito curiosa esta seleção individual de memórias que todos temos. "À la limite", quase se poderia dizer que não há factos: só restam os nossos olhares sobre eles...

Éticas


Há uns anos, perguntei a uma conhecida personalidade política, que havia sido pessoalmente responsável por determinado tipo de ações que tinham vindo a revelar-se deletérias para o interesse público, se não se arrependia das decisões que tomara. Fiquei, confesso!, siderado com a sua resposta: "Não sinto a menor culpabilidade. Eu agi exclusivamente na base das informações que à época tinha, dadas e colhidas por quem me rodeava e em quem eu confiava, na profunda convição de que o que fazia era o melhor para o interesse coletivo. A circunstância dos factos terem vindo a demonstrar que a ação que empreendi não correspondia àquilo que eventualmente teria sido mais adequado fazer é algo que me ultrapassa e pelo qual não sinto hoje, à distância, a menor responsabilidade. Por isso, não me arrependo de nada do que fiz. Aliás, alguém arrepender-se é errar duas vezes."

Na altura, não fiquei muito convencido com a lógica subjacente a este raciocínio. E dei comigo a pensar que havia algo que "respondia" a essa lógica, mas de que eu me não lembrava. Só hoje, ao ler no "The Economist" um texto sobre a "ética de convicção" e a "ética de responsabilidade", suscitadas por Max Weber há quase um século, é que realizei verdadeiramente a razão das minhas dúvidas. Leia-se o texto aqui.

sábado, outubro 01, 2016

Prefácio



Prefácio

No auge da guerra na Jugoslávia, um jornal britânico trouxe uma entrevista com um casal. Ele era sérvio e ela era croata, ou vice-versa, porque isso é o que menos importa. Os dois tinham-se conhecido ainda no país que lhes fora comum e que então estava em curso de implosão. Com alguma naturalidade, ambos se sentiram polarizados por pertenças nacionais opostas, com familiares e amigos a morrerem por essas causas contrastantes. De uma forma que deveria ser então pouco comum, decidiram fazer uma introspeção, à vista um do outro, procurandoultrapassar, pela racionalidade possível, os ódios que atravessavam os dois campos. Em particular, tentaram“desconstruir” os respetivos argumentários históricos, que marcavam as suas diferentes memórias afetivas. E, nesse esforço, fizeram o inventário mútuo de agravos, de conflitos e de razões alegadas para eles, com consequências nos preconceitos e estereótipos. Aparentemente, estavam a ter êxito nessa tarefa, que não devia ter sido nada fácil. O artigo tinha um título que nunca esquecerei: “A guerra dos avós”. Porque era disso mesmo que se tratava.

De alguns países se diz que têm “demasiada História”, querendo-se com isso significar que o peso obsessivo de memória atrapalha o presente e condiciona demasiado o futuro. Juntamente com o Médio Oriente, os Balcãs são, muito provavelmente, das regiões do mundo onde esse fardo excede toda a razoabilidade, carreando para os dias de hoje expressões identitárias em conflito, que estão muito longe de se esbaterem e virem a facilitar amanhã quaisquer compromissos. São terrenos onde às etnias se cumulam as ideologias e as religiões, com nacionalismos doentios a adubarem as emoções, onde as lideranças políticas se reforçam pela execução zelosa da agenda primária dos populismos, ou do revanchismo, sem a menor propensão para pedagogias apaziguadoras dessas mesmas tentações radicais.

Nos tempos em que andei pelas lides europeias, uma das linhas voluntaristas de raciocínio para promover o alargamento da União a vários países assentava na ideia de que a sua inclusão na “casa comum” apagaria, pelo choque de progresso e de bem-estar, todas as tensões interétnicas, os conflitos de identidade intranacional, o problema das minorias. Seria uma espécie de “fim da História” nacionalista europeia, graças a esse redentor bálsamo bruxelense. Ora não seria preciso ir mais longe do que a própria cidade de Bruxelas para se perceber a ilusão ridícula que essa ideia encerrava. E o terrorismo de Molenbeek deu ali um toque trágico àquilo que, até então, era apenas melodramático.

Feito este preâmbulo enquadrador, falemos do livro que o leitor tem diante de si.

Não se estranhe se eu começar por dizer que o autor, o general Carlos Branco, é um homem desencantado, porque acho que é isso o que o seu texto evidencia. E esse facto não é mau, diga-se desde já.

Carlos Branco faz parte de umas Forças Armadas portuguesas que, tendo tido responsabilidades operacionais em três teatros simultâneos de operações, sob ditadura, sentiram o orgulho de ver essa mesma instituição ser o sujeito ativo da libertação interior do seu próprio país. Além disso, já em democracia, e numa sequência a que muitos atribuímos alguma naturalidade, ele viu Portugal empenhado em colaborar na promoção da paz e segurança em vários cenários internacionais. O general Carlos Branco, que tem uma experiência profissional muito valiosa nesse domínio, percebeu, e bem, que do destino de Portugal como entidade responsável à escala global fazia parte integrante a promoção da imagem de um país “honest broker”, capaz de fazer pontes e estimular diálogos, reputação que deveria, com vantagem, ser utilizada para reforçar o seu papel na ordem externa, muito embora, aqui ou ali, também torne claro que entende que o modo como o país se organiza para tal deixa ainda muito a desejar. E, do mesmo modo, lamenta, como eu lamento, que nos dias que correm se esteja a perder um precioso “tempo” de intervenção, com efeitos negativos a prazo na preservação da massa crítica indispensável para tal.

Mas volto ao desencanto. O livro que o leitor tem perante si é, visivelmente, fruto de um trauma e dos estados de alma dele resultante. E isso torna-o num livro muito autêntico, nada “tático” com a revelação da realidade dos factos, tal como o autor os observou ou pressentiu. Se me é permitida uma simplificação,diria que este texto é a expressão do choque de alguém que partiucom imensa boa-vontade e entusiasmo para uma tarefa, a que se entregou com sinceridade e abertura, e que se deparou, para além das insuficiências do próprio país que o enviava, com um mundo concreto feito de agendas diferenciadas, algumas conflituais entre si, construídas de cinismo e de “realpolitik”, se é que um termo não é necessariamente sinónimo de outro. Não que isso não fosse em absoluto expectável, mas o grau e a natureza dessa realidade induziram claramente no autor algumas surpresas, na maioria dos casos menos agradáveis. Este trabalho é a imersão nesse mundo de sombras, de sinais cruzados e deliberadamente equívocos, de cumplicidades e conluios, onde a miséria da guerra vem sempre ao de cima, tudo sobredetermina, com uma crueldade que às vezes a redondeza do discurso político procura iludir.

Não se espere deste livro um retrato linear da Guerra dos Balcãs. Ele é o relato de um conjunto de experiências, diversas entre si, muito bem descritas por quem ousou sempre assumir um registo humano, por onde perpassam sentimento e avaliação ética, de quem não se deixou envolver pelo cinismo frio do “isto é mesmo assim”, com que, muitas vezes, os observadores-participantesabsolvem a neutralidade das suas atitudes.

A escrita é densa, culta, elaborada e informada. Às vezes, é cinematográfica, nos ritmos que impõe, nos cenários que descreve, nas figuras que recorta, com graça e ironia. Tem a leveza de quem agarrou as situações pelo lado humano, às vezes pitoresco, frequentemente trágico. Mas tem o rigor de quem não quis transformar uma experiência profissional forte num arrolamento de “fait divers”. É verdadeiramente a guerra e o mundo à sua volta, às vezes nos seus intervalos, sempre rica empormenores que nos ajudam a entender melhor o espírito, mas também os vícios, das intervenções multilaterais, feitas de compromissos, alguns mais degradantes do que outros.

Tendo como fundo um cenário de forças e de fraquezas, há no texto elementos que nos ajudam a entender melhor o papel dos grandes poderes fáticos, os jogos dos atores principais, a sua cultura funcional, as necessidades de sobrevivência de quantos são obrigados a ter no processo um papel forçadamente secundário. Há ali preciosos “flashs” comportamentais de representantes de países relevantes na ordem global, que nos ajudam melhor a compreender o que se passou, o efeito dos “timings” sobre a evolução dos factos. E tudo isso, no final de contas, conduz-nos a desenhar um juízo muito relativa sobre a bondade objetiva de certas intervenções.

Há neste livro descrições muito fortes, retratos de uma tragédia que espero que conduza o leitor a interrogar-se sobre como foi possível, a escassos quilómetros de países que gozavam de imenso bem-estar e segurança, deixar emergir – e, em alguns casos, impulsionar - em escasso tempo, uma Europa “negra”, feita de ódios extremos, de ausência total de piedade, de inominável barbárie, dirigida por figuras que parecem procurar, por detrás dasvestes retrógradas no nacionalismo e do desprezo étnico, apenas um lugar de apreço na memória mesquinha dos seus, nessa “guerra dos avós” em que apenas foram soldados de mais um episódio.

Há coisas novas e interessantes que Carlos Branco nos revela neste texto, em especial no seu “flashback”, que a História veio a tornar mais do que oportuno, sobre a passagem do islamismo radical por aquela área, num registo que, à época, se bem me recordo, pouco mais passava do que uma curiosidade. Mas também não deixará de ser interessante a leitura, à revelia de outras versões, que o autor faz dos acontecimentos em Srebrenica.E várias outras “novidades”, algumas pouco meigas para certos agentes conjunturais da História.

Embora o recurso a uma narrativa bastante marcada por siglas eacrónimos, essenciais para identificar a multiplicidade de entidades que se cruzam no terreno, possa indiciar, às vezes, um relato demasiado técnico, essa momentânea impressão dilui-se logo na esquina seguinte do texto: o “defeito” que é a grande qualidade deste livro é a firme assunção de uma perspetiva própria, a coragem de tomar posição, valorando aquilo que o autor entende dever merecer um juízo crítico de valor, sem complexos nem peias de qualquer ordem. Este é, também, um livro muito corajoso.

Sem que isso possa ter sido o seu objetivo deliberado, algumas coisas que este livro nos traz relembram que a paz é um valor imensamente frágil na nossa vida coletiva, apenas sustentado pela preservação da força das instituições, dependendo estas da legitimidade que tenham ganho no seio dos povos. Por isso, sendo o mundo multilateral o eixo condutor deste texto, que evidencia muitos dos seus vícios e defeitos, ele continuará a ser, no entanto, a única reserva de esperança para podermos vir a ter um mundo mais seguro e pacífico. E, de caminho, mais justo.

Francisco Seixas da Costa

Outubro de 2016









Balcãs

Estou a escrever um prefácio para um livro sobre a guerra nos Balcãs e, num instante, veio-me à memória um episódio passado em Londres, em 16 de janeiro de 1992.

Creio que foi na Walton Street, não muito longe do Harrods. Era uma bela moradia privada, pertencente a um cavalheiro britânico, de ascendência croata, que a disponibilizara para uma receção comemorativa e que nos recebia à porta. Tratava-se da celebração do reconhecimento pelas Comunidades Europeias (na altura, a União Europeia ainda não existia) da independência da Croácia, que entrara em vigor na véspera.

A Jugoslávia estava então em pleno curso de implosão. No seio das Comunidades Europeias, e sob forte pressão política alemã, a independência unilateral da Croácia (e da Eslovénia) acabara por ser reconhecida. O caso da Eslovénia provocara menos ondas, pelo facto da sua homogeneidade étnica não estar marcada pela existência de minorias sérvias.

No caso croata, a mobilização alemã junto dos seus parceiros, titulada pelo MNE Hans-Dietrich Genscher, fazia regressar (creio que um pouco injustamente) o peso de memória da História: o colaboracionismo dos ustashis croatas com Hitler era um ferrete difícil de apagar, em especial tendo Zagreb um presidente com o perfil de Tudjman. (Um dia, José Cutileiro, enviado especial europeu para a região, referiria à sua frente que o que os croatas haviam feito à minoria sérvia na Krajina podia ser qualificada de "limpeza étnica". Tudjman ter-lhe-á retorquido: "Sempre é melhor do que genocídio, não acha?")

Eu era Encarregado de Negócios de Portugal em Londres, na ausência do embaixador. Drago Stambuk convidou-me a estar presente naquela celebração. Portugal tinha acordado no reconhecimento da Croácia mas, porque o assunto estava longe de ser totalmente pacífico na imprensa e em alguns meios políticos, contactei telefonicamente Lisboa para pedir orientação. Recordo ter recebido a instrução de Pilatos: "Veja como reagem os outros Estados membros e depois faça como entender melhor". Ao longo da minha carreira, assisti muitas vezes a gestos similares que, como se imaginará, eram uma grande "ajuda".

Mas quem era Drago Stambuk? Era um médico croata, com nacionalidade britânica, que ao longo dos anos anteriores fora uma espécie de "embaixador" informal da Croácia. Conheceramo-nos numa visita dele à nossa embaixada e tínhamos mantido a partir de então uma simpática relação pessoal. Drago procurava promover os interesses do seu país de origem e imagino que aquele dia, para ele, fosse a consagração de um sonho: a Croácia era, finalmente, um Estado com independência reconhecida por um conjunto significativo de países europeus. Drago Stambuk, que é um dos grandes poetas do seu país, é hoje embaixador da Croácia e por pouco que nos não cruzámos em posto em Brasília.

Na alegria que lhe estava subjacente, a receção em Walton Street foi bastante deprimente. À parte meia dúzia de pessoas da comunidade croata em Londres, os diplomatas estrangeiros contavam-se pelos dedos de uma só mão e o "Foreign Office" primou pela ausência, não obstante Londres se ter juntado ao consenso comunitário (diz-se que graças à promessa de Genscher a Douglas Hurd de que Bona não se oporia aos "opt out" britânicos na negociação de Maastricht). Não fomos mais de uma quinzena de pessoas naquela sala da bela residência de Walton Street. Já estive em muitas receções "falhadas", mas aquela bateu-as a todas.

Depois, foi o que se sabe: a guerra continuou. Em agosto desse mesmo ano, teria lugar, também em Londres, uma conferência internacional para tentar a paz para a ex-Jugoslávia, a que estive presente, integrado na delegação portuguesa. Tive então o ensejo de olhar, cara a cara, para a quase totalidade dos presidentes-atores daquela tragédia em curso: o sérvio Milosevic, o croata Tudjman, o muçulmano bósnio Itzetbegovic, etc, com os vários "artistas" secundários pelos corredores, entre os quais recordo bem o branco cabelo desalinhado do sérvio bósnio Karadzic. Posso ser sincero? Era tudo um grupo de "lindos meninos do coro", cada um melhor do que o outro, no conjunto responsáveis, cada um a seu modo e no seu grau, por um dos mais sangrentos períodos da história balcânica.

Ontem, num jantar em Lisboa, fiquei ao lado de uma senhora croata. Falámos um pouco de tudo isto, tanto mais que ela esteve politicamente envolvida numa certa fase do processo político do seu país. Confirmei, na conversa, algo que fui aprendendo na vida internacional: por muito que nos esforcemos, nunca conseguimos entender por completo a profundidade do sentimento nacional de um estrangeiro. Ele é produto de uma decantação da sua história, da complexidade única das relações com vizinhos ou outros, do que ficou das lições do passado, tudo isto envolvido numa pulsão emocional onde só muito remotamente espreita a racionalidade.

E agora, se me permitem, regresso ao prefácio que estou a escrever.

(A imagem mostra a belíssima ponte de Mostar, destruída durante a guerra na Bósnia, depois reconstruída)

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...