terça-feira, setembro 16, 2014

Ian Paysley

Por décadas, habituei-me a ouvir a voz tonitruante e quase bíblica do reverendo protestante Ian Paisley, saída daquela figura agigantada com um ar de mal-disposto (que também se sabia transfigurar num imenso e jovial sorriso), denunciar, enfaticamente, não apenas as veleidades dos católicos do Ulster (que não é exatamente a mesma coisa que a Irlanda do Norte, para quem não saiba), favoráveis à unidade com a República da Irlanda, mas igualmente o menor sinal de cedência que sobre a matéria pudesse detetar da parte de Londres.
 
Não deve ter havido em todo o Reino Unido uma figura que mais militantente tivesse lutado pela intocabilidade do modelo do União. Durante anos, Paisley opôs-se a todos os compromissos e tentativas de acordo que deles podiam decorrer. Ficou famosa a frase que o prémio Nobel da Paz, o católico moderado John Hume, um dia lhe lançou: "Ian, se a palavra "não" desaparecesse da língua inglesa, ficavas sem voz, não é verdade?". Ian Paisley acabou por dar o "sim" ao acordo de St. Andrews, que abriu caminho à paz no território.
 
Não deixa de ser irónico que o maior defensor da intocabilidade do Reino Unido tenha agora desaparecido, a poucas horas de um referendo na Escócia que a pode vir a pôr em causa.
 
Deixo uma imagem que muito consideraram, por muito tempo, mais do que improvável: Paisley (à esquerda), "first minister" (o que não é a mesma coisa do que "prime minister", diga-se), lado a lado com Martin McGuinness, lider do Sinn Féin, a ala política do temível IRA, seu "deputy first minister", no Stormont, o parlamento da Irlanda do Norte. A História prova que não há impossíveis.

"Saudades do Vitor?"

Vitor Bento era o nome que credibilizava a arriscada operação BES. Não era a sua experiência bancária (que era pouca, mas para isso lá estava a inquestionável capacidade de José Honório) que o recomendava, nem sequer uma grande proximidade com o poder político (que não era excessiva, mas para isso lá estava Moreira Rato a servir de garante). Era a sua reconhecida e indiscutível competência e o prestígio na área económica. Agora, aí está uma nova administração tecnocrática, integrada por alguns "safe pair of hands", que farão apenas o que "lá de cima" lhes mandarem. Vitor Bento não terá conseguido convencer da bondade da solução que propunha. A qual poderia ser pior ou melhor do que a que se seguirá. Nunca o saberemos. Mas será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Bento?

A atitude do governo perante o caso BES foi de uma inaudita cobardia. Não gosto de usar palavras fortes como esta, mas é o que penso. Recordo os silêncios algarvios, as referências fugidias a que tudo não passava de uma crise "numa empresa privada", passando "a bola" para o Banco de Portugal. Só quando tudo pareceu começar a compor-se é que o governo surgiu à boleia do sucesso potencial da solução. Seguiram-se as dissonâncias públicas entre o governo e o presidente da República, para tudo culminar num discurso incendiário de Maria Luísa Albuquerque, durante a posse dos novos administradores por ela impostos ao Banco de Portugal, criando um mal estar profundo dentro da instituição. Não basta ter um discurso "certinho" e projetar um ar de firmeza (a colar-se a uma espécie de síndroma "thatcheriana" que já fez a glória efémera de Manuela Ferreira Leite) para obter resultados concretos, aqueles que não dependam exclusivamente da evolução favorável da conjuntura externa. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Gaspar? 

Partindo de um passado de inquestionável seriedade, Carlos Costa deu sinais de ser inábil a jogar com o fator tempo. Perdeu dias preciosos, que hoje se contam numa máquina calculadora, e, como agora se vê, prolongou um equívoco sobre o modelo gizado para o "Novo Banco". Além disso, é corresponsável por não se ter blindado juridicamente as consequências patrimoniais para quem caiu no "Banco Mau" (e vamos ouvir falar muito disto) e foi sua a decisão de colocar o BESA no lado negativo do banco, o que fez "estoirar" inapelavelmente a anterior garantia financeira de Luanda. Fica também a relação conflitual com a CMVM (por onde andará a investigação do "leak" que fez ganhar milhões a alguns, em poucos minutos, naquele célebre dia?) e, sabe-se agora, a KPMG terá deixado um alerta que deveria ter levado a medidas prudenciais do regulador. A supervisão também falhou com Carlos Costa. E falhou num tempo em que, em todo o mundo, está instalada uma cultura de supervisão bancária muito mais forte do que a que existia (cá como em todo o mundo) ao tempo do desencadear da crise, isto é, na altura do BPN (e dos vários bancos que faliram, em algumas grandes economias com poderosos bancos centrais, precisamente pela mesma razão). Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Constâncio? 

(Artigo que hoje publico no "Diário Económico")

Escócia

"Por que é que não falas da Escócia?", perguntava-me um amigo, há pouco, no "foyer" de um cinema. Já tinha colocado a questão a mim mesmo e, confesso, andava a adiá-la, sei lá bem porquê.
 
Gosto imenso da Escócia, como território. Visitei-a cuidadosamente, dos lagos às destilarias de whisky, dos castelos ou das suas ruínas às grandes mansões onde hoje funcionam magníficos hotéis. Edimburgo é uma cidade fascinante, na oferta cultural, no monumentalidade da sua pedra, na vivacidade das ruas. Fui por lá, uma primeira vez, com Ernâni Lopes, para promover as oportunidades económicas portuguesas. Voltei depois, por mais de uma vez, como turista atento, com muitos quilómetros em carros alugados, às vezes dormindo em deliciosos B&B, comendo e bebendo em singulares "pubs" (como aquele que tem um balcão em que metade encerra uma hora antes da outra metade, porque fica na fronteira de dois condados, onde os horários de abertura dos bares são diferentes, o que leva à "migração" dos clientes e dos copos). E também para acompanhar o Sporting, numa deslocação a Glasgow (a noite não correu bem, mas, enfim, já estou habituado). E guardo, para a vida, o mais impressionante silêncio a que "assisti", após um jantar "gourmet" na Isle of Skye.
 
Esta é a Escócia de que eu gosto, como gosto de os ouvir a falar "à Trancoso" (que me perdoe o Vitor Gil), como faz, de forma ímpar, o imenso Sean Connery, esse genial sósia do meu querido amigo José Manuel Galvão Teles, que só rivaliza em popularidade local com o monstro de Loch Ness - mas esse aparece menos.
 
Serve isto para dizer que não tenho a menor opinião sobre a independência da Escócia (a mesma coisa já não é verdade sobre a possibilidade de independência da Catalunha), salvo a ideia de que, a ocorrer, algo de muito profundo será abalado na Europa - de que, mais cedo ou mais tarde, a Escócia irá sempre ser membro. Em tese, como profissional de relações internacionais, achava graça em assistir  "construção" de um novo país secessionista, mas sem o dramatismo de outros anteriores casos. E teria curiosidade de ver como o conceito de "Reino Unido" iria evoluir, embora não acredite na versão tipo "Inimigo Público" de que, a exemplo da Macedónia, se colocaria um "former" antes do nome. É que a sonoridade "FUK" rima mal com seriedade tradicional da coroa... Mas não sei se a graça vale o risco.
 
Algo me diz que os escoceses vão rejeitar a independência. Mas isto vale o que vale. Há três meses, também não acreditava que, tal como nas histórias de cowboys, os bancos também pudessem ser divididos em "bons" e "maus".
 
Pronto, já falei da Escócia.

segunda-feira, setembro 15, 2014

José Soares Martins (1932-2014)

Morreu José Soares Martins. Aos 24 anos, como padre, partiu para Moçambique. A comunicação social e a escrita eram, contudo, a sua verdadeira vocação. Começou por trabalhar no "Diário de Moçambique". Em 1962, lançou o semanário "Voz Africana" e, mais tarde, a revista "Economia de Moçambique". Regressou a Portugal em 1968, onde viria a ser responsável na "Voz Portucalense". No Porto, Soares Martins colaborou ativamente no setor cooperativo e editorial, desenvolvendo ainda atividade na luta anti-colonial.
 
Entre 1978 e 1996, foi adido cultural na embaixada portuguesa em Maputo. Foi aí que o encontrei, por duas vezes. Recordo-me de uma longa conversa que tivemos, no hall do Polana. Era grande a minha curiosidade em conhecer pessoalmente "José Capela", o curioso pseudónimo sob o qual desenvolveu um importante trabalho de resgate da memória da luta do povo moçambicano, com singulares contribuições no campo da história da escravatura. Eu tinha várias desses livros. Recordo o homem sereno, modesto, que relativizava a importância do seu exemplo e da sua obra.
 
Às vezes, pergunto-me se as antigas colónias souberam dar o devido reconhecimento à atividade dos portugueses que, desde muito cedo, se colocaram ao lado da luta anti-colonial, correndo elevados riscos, o menor dos quais não era o da incompreensão por parte dos seus compatriotas. Até hoje! Gostava de ter perguntado isto a Soares Martins.

Nós



É um livro já com cerca de quatro anos. Não chega a 200 páginas. Deve ser a obra que já ofereci mais vezes a amigos. Escreve-a Marcello Duarte Mathias, meu colega de profissão, uma das pessoas cuja escrita me dá mais prazer ler. Hoje, sei lá bem porquê, deixo aqui um dos aforismos deste magnífico volume.
 
"Somos, de facto, uma gente curiosa: oito séculos de História e não temos memória colectiva. Nem tradições tão-pouco, ou troçamos delas com o olho videirinho do espertalhão que não se deixa enganar.
É o acaso que nos governa, e não o lastro da memória e dos séculos. É o acaso que nos faz e desfaz como se fôssemos órfãos. Como se afinal, depois deste tempo todo, fôssemos órfãos de nós mesmos. (O acaso é aquilo que substitui a vontade nos homens sem vontade.) Daí o tom da improvisação, que tão bem nos define. Daí esta característica: nada é feito com intenção, nada obedece a um propósito, nada se inscreve numa perspectiva ou num pensamento. Em Portugal nunca nada é deliberado, nem sequer a ordinarice".

domingo, setembro 14, 2014

"Olhar o Mundo"


O programa "Olhar o mundo", ontem apresentado na RTP2 e RTP Informação, pode ser visto também aqui.

O programa será repetido, hoje, dia 14, às 20.05 e amanhã, dia 15, às 13,05 na RTP Informação.

Saudades do Vitor?

Vitor Bento foi-nos "vendido" como o nome que podia credibilizar a arriscada operação de "reconstrução" do BES. Não era a sua experiência bancária (que era pouca, mas para isso lá estava a inquestionável capacidade de José Honório) que o recomendava, nem sequer uma grande proximidade com o poder político (que não era excessiva, mas para isso lá estava Moreira Rato a servir de garante). Era o seu prestígio e a sua reconhecida e indiscutível competência na área económica. Todos saíram agora, batendo com a porta. Vem por aí uma nova administração tecnocrática, imagino que sem nomes públicos sonantes, integrada por alguns competentes "safe pair of hands", mas que farão apenas o que, "lá de cima", lhes mandarem fazer. Vitor Bento não terá conseguido convencer quem manda nestas coisas da bondade das soluções que a sua equipa propunha. Soluções que poderiam ser piores ou melhores do que as que se seguirão. Logo veremos. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Bento?
 
A atitude do governo perante o caso BES tem sido de uma inaudita cobardia. Não gosto de usar palavras fortes como esta, mas é o que sinceramente penso. Recordem-se os silêncios algarvios no início da crise, as referências distantes a que tudo não passava de uma crise "numa empresa privada", a atitude fugidia da ministra das Finanças, "passando a bola" para o Banco de Portugal? Só quando tudo parecia começar a compor-se é que surgiu a ministra, à cata do efeito do sucesso da solução. Depois, vieram as "trapalhadas" que originaram as dissonâncias públicas entre o governo e o presidente da República, para tudo terminar num discurso incendiário de Maria Luísa Albuquerque, durante a posse dos novos administradores por ela impostos ao Banco de Portugal, que se sabe ter causado um mal estar profundo dentro da instituição. Não basta ter uma expressão verbal "certinha" e projetar um ar de firmeza (a colar-se a uma espécie de síndroma "thatcheriana" que já fez a glória efémera de Manuela Ferreira Leite) para conseguir obter resultados importantes e saber resolver casos "bicudos", que não dependam apenas da evolução favorável da conjuntura externa. Veremos como agora vai correr o caso "Novo Banco", de que - esperamos - a ministra das Finanças não vai conseguir desligar-se, por um qualquer golpe de ilusionismo mediático. Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Gaspar?
 
Partindo de uma imagem de inquestionável seriedade, Carlos Costa deu claros sinais de não saber jogar com o fator tempo, na gestão do caso BES. Perdeu dias preciosos, que hoje se contam numa máquina calculadora, deixou instalar um claro equívoco no modelo gizado para o "Novo Banco", não terá cuidado suficientemente de blindar juridicamente as consequências patrimoniais das vítimas de quem caiu no "Banco Mau" e, em especial, a sua (porque é sua) decisão de colocar o BESA no lado negativo do banco fez "estoirar" inapelavelmente a anterior garantia financeira de Luanda. Sabe-se também, desde o início desta operação, da relação conflitual criada com a CMVM (por onde andará a investigação do "leak" que fez ganhar milhões a alguns, em poucos minutos, naquele célebre dia?) e, sabe-se agora, a KPMG terá deixado um alerta ao regulador, em tempo útil, que deveria ter levado à tomada de mais medidas prudenciais. Tenho pena de ter de vir a lembrar, mas a supervisão do Banco de Portugal também falhou com Carlos Costa. E, quero recordar e enfatizar, falhou num tempo em que, em todo o mundo, está instalada uma cultura de supervisão bancária muito mais forte do que a que existia (cá como em todo o mundo) ao tempo do desencadear da crise, isto é, na altura do BPN (e dos vários bancos que faliram, em algumas grandes economias com poderosos bancos centrais, precisamente pela mesma razão). Será que alguém ainda acabará por ter saudades de Vitor Constâncio? 

sábado, setembro 13, 2014

"Resarko"?

O neologismo é meu. Sarkozy vai voltar, contrariamente aos que o davam como politicamente "morto" na vida política francesa. A sua candidatura à presidência da UMP parece ser uma certeza.

O "ranger de dentes" na direita já se pressente: Alain Juppé pode perder "le dernier metro" para o Eliseu, François Fillon perceberá que a vingança se serve como a "vichyssoise", baronetes ambiciosos como Xavier Bertrand, François Baroin ou Bruno le Maire vão ter de repensar o seu tempo de entrada em cena. O humilhado François Copé sentir-se-á vingado. Imagina-se o sorriso, nem assim bonito, de Nadine Morano, ou bonito mesmo, muito BCBG, de Nathalie Kosciusko-Morizet. Mais amarelo, "très Vieux-Port", será o de Rashida Dati. Emergirá o gozo dos "barbouzes" da "politique politicienne" como Brice Hortefeux ou Christian Estrosi. E imagino que muitos dos meus velhos conhecidos do XVIème e seus arredores sociais vão fazer saltar rolhas no Fouquet's.

O eventual regresso de Nicolas Sarkozy à política francesa, colocando-se como potencial recandidato à presidência em 2017, não será um caminho sem espinhos. Ser líder da oposição, mesmo contra um governo que "está a pedi-las", é um "caminho das pedras", que as surpresas da Justiça francesa podem ainda tornar penoso. Sarkozy é um auto-convencido que o passado provou ser muito dado a erros, por precipitação, deficiente avaliação ou ambição desmesurada. O seu objetivo, para além da dimensão do projeto pessoal, pode vir a ancorar o eleitorado conservador um pouco mais distante de Marine Le Pen - e isso não seria uma má notícia para a França e mesmo para a Europa.

À esquerda, com ou sem Sarkozy, François Hollande já terá perdido as esperanças de reeleição. Para Manuel Valls, que poderá suceder-lhe como candidato apoiado pelo PSF, Sarkozy é um adversário temível, até porque Valls será co-responsável, enquanto primeiro-ministro de Hollande, de tudo quanto Sarkozy vier a combater nos próximos dois anos. E a menos que uma súbita retoma económica caia do céu, não se está a ver como o vento possa mudar. Valls, tal como aconteceu com Michel Rocard noutros tempos, já foi "a esquerda de que a direita gosta" - uma "raça" política que por cá também existe. Mas a direita só gosta dessa "esquerda" quando não pode exercer ela própria o poder. E, com Sarkozy, pode.

Dir-se-á que os franceses, em 2012, mostraram estar "exaustos" da "hiperpresidência" de Sarkozy. Talvez, mas os portugueses, em 1995, já "não podiam" com Cavaco Silva e, mesmo assim, viriam a colocá-lo em Belém, uma década depois. Agora, lembram-se bem; na altura, esqueceram-se. Repito uma banalidade: a memória dos povos é muito curta.

Por obra e graça do Novo Banco

No dia 7 de agosto, escrevi por aqui isto:

"Numa coisa, porém, Carlos Costa pode ter cometido um grave erro: ao ter afirmado que "a medida de resolução, agora decidida pelo Banco de Portugal, e em contraste com outras soluções que foram adotadas no passado, não terá qualquer custo para o erário público e nem para os contribuintes". Esqueceu-se porventura de acrescentar: "se tudo correr bem"...

É hoje evidente que isso pode, ou não, ser verdade. Para a vida, essa frase vai ficar-lhe colada à pele. Se tiver razão, a sua presciência será creditada, com louvor, no seu excelente currículo de grande servidor público. Se acaso se tiver enganado, esse erro não lhe será perdoado pela História. E pelos contribuintes."

Lembrei-me disto hoje. Sem o menor gosto, diga-se.

sexta-feira, setembro 12, 2014

António Pinto da França

Recomendo vivamente o artigo que o meu colega e amigo Fernando d'Oliveira Neves hoje edita no "Público", sobre António Pinto da França, um grande diplomata e também um grande amigo, que nos deixou em 2013 e que hoje faria 79 anos.
 
O belo texto de Fernando Neves, traz-nos de volta, com grande elegância e sensibilidade, a memória do António Pinto da França, que o autor qualifica, e bem, como "um especialista da vida". Mesmo para quem não teve a felicidade de o conhecer, aconselho a leitura do artigo, que pode ser feita aqui

"Olhar o Mundo"

Amanhã, sábado, dia 13, pelas 19 horas, na RTP 2, no programa "Olhar o mundo", vou conversar com o jornalista António Mateus sobre as perspetivas da ofensiva liderada pelos Estados Unidos contra o "Estado Islâmico", sobre as eleições presidenciais no Brasil, analisando ainda os novos poderes dentro da União Europeia, da chefia do Conselho Europeu à nova Comissão.
 
Também falaremos sobre o sinais de reconciliação em Moçambique, recordar-se-á um outro 11 de setembro - o golpe ditatorial no Chile, em 1973-, o novo papel da NATO e modo como o tema tem vindo a ser tratado entre nós, bem como as interrogações que se colocam ao futuro do G20 e dos BRIC, em função da mudança da posição russa no cenário mundial.
 
E haverá ainda tempo para abordar o referendo escocês, a crise do ébola e os seus efeitos sobre a economia africana, os últimos desenvolvimentos na Ucrânia e, finalmente, as tensões em Hong Kong e o singular "silêncio" de Pequim sobre alguns grandes dossiês internacionais.
 
O programa passará ainda na RTP informação (dia 13, 17.20 / dia 14, 20.05 / dia 15, 13,05)

O pêlo

 
Na minha terra, em Vila Real, havia um "crava" tradicional de tabaco. Diz a lenda que não terá nunca comprado um maço de cigarros. Passava a vida a chatear os amigos, os conhecidos ou ainda menos. Entre outros, tinha um célebre truque. Aproximava-se das pessoas e, com um gesto simpático, olhando para o casaco alheio, dizia: "Olha, tens aí um pêlo!". E, com delicadeza, fazia "de conta" que tirava um cabelo do ombro do casaco do parceiro para, logo de seguida, tentar ganhar uma retribuição ao gesto através de um "tens aí um cigarro?".

Um dia, um dos amigos - o qual, por acaso, é hoje o meu médico de família, em Lisboa -, à viciosa aproximação do truque, e ao ouvi-lo dizer o clássico "tens aí um pêlo!", não foi na conversa e travou-lhe o gesto com um "deixa estar o pêlo!". Ainda hoje, na minha terra, alguns amigos usam a expressão para reagir a gestos de generosidade suspeita.

No adeus ao Bento



O que o Bento traz, o Bento leva
E tudo o Bento levou...
Derrotas leva-as o Bento
O Bento mudou...
Quanto há Bento é que se iça a vela
Amigo do bom tempo, muda-se com o Bento
Palavras e penas, o Bento as leva
O Bento é obra do diabo

quinta-feira, setembro 11, 2014

Marinho Pinto

Há uns tempos, a propósito da candidatura de Marinho Pinto pelo "Movimento Partido da Terra", escrevi por aqui: "Veremos também se o MPT, ao longo dos próximos meses, consegue conviver com a proeminência obsessiva da sua figura e se o caráter meramente instrumental desta eleição (as suas ambições são claramente outras) não atrapalhará uma afirmação futura".
 
Soube-se agora que Marinho Pinto vai criar um novo partido.
 
Nunca gostei do PRD, detesto formações à volta de figuras "providenciais". Faz-me lembrar coisas de que não me apetece falar.

"Uma Comissão hábil"


A pedido do "Diário Económico" escrevi por lá hoje uma pequena nota em que digo, no essencial, o que por aqui escrevi sobre a nova Comissão europeia e a pasta de Carlos Moedas. A fotografia que a acompanha é que já tem barbas...

O dia da América

Precisamente há 13 anos, o extremismo islâmico atacou violentamente a América. Uma confusa leitura do modo como esse mundo estava a ser humilhado pelo ocidente havia criado uma espécie de "internacional" do desespero, que tinha na sua origem remota a injustiça que Israel continuava a infligir, em cumplicidade com esse mesmo ocidente, aos palestinos. Constatou-se que o Afeganistão se havia tornado no santuário privilegiado dessa nova "movida" política radical. O mundo foi plenamente solidário com a tragédia sofrida pelos Estados Unidos e, com assentimento da ONU, montou uma operação para perseguir os culpados, com Bin Laden à cabeça. O foco da "doença" foi assim atacado, pareceu mesmo inicialmente controlado, mas, como muitas vezes acontece, as "metástases" espalharam-se e a maleita ficou fora de controlo. Do Paquistão ao deserto do Saara, passando pelas periferias urbanas de grandes cidades da Europa, um mundo de novos prosélitos "enragés" foi-se criando. Enquanto isso, os EUA, de há muito conhecidos por só tomarem a boa decisão depois de tentarem todas as erradas, acompanhados pelo punhado dos "suspeitos do costume", decidiram atacar, sem mandato legitimador, a ditadura iraquiana, sob um pretexto falso, como que convencidos que iriam por ali criar um tampão geopolítico que sossegasse os seus (petro) amigos do Golfo, aquietando de vez o Irão e assim estabilizando o ritmo dos fluxos energéticos. O erro foi de palmo. Desfeita a tensão laica com que Sadam Hussein forçava a convivência no "melting pot" de um país que fora desenhado no rasto da presença colonial britânica, o Iraque "balcanizou-se" rapidamente, sob um "template" diário de inaudita violência. Com expectável naturalidade, cresceram ao seu lado as ambições regionais do Irão, anteriormente equilibrado pelo vizinho inimigo e, agora, já com uma vontade nuclear que alarmou o ocidente e deixou em pânico as monarquias do Golfo, cuja pusilanimidade e temor religioso, diga-se, muito ajudaram e continuam a ajudar à reprodução da vaga estremista. A revolta da "rua árabe", potenciada pelas redes sociais, chegaria entretanto às ditaduras instaladas, desde há muitos anos, no norte de África e no Mashrek. Uma vez mais, o ocidente "foi na onda". Convencido do mito de que é possível construir democracias "à Suíça" por todo o mundo, fontes de paz e felicidade eterna para os povos e para as almas, qualquer que seja a divindade destas, confundiu pulsões protodemocráticas com prenúncios de estabilidade, desejo de eleições com expetativas de alternância política. E assim assistimos ao que aconteceu no Egito, na Líbia e na Síria, com a Tunísia a ser o menos instável de todos esses modelos, com a Argélia a representar já bem o formato "pós-democrático" que parece vir a ser o destino comum, muitos milhões de dólares e euros em ajudas depois. E muitos mortos, claro. Na desorganização instalada - fortemente potenciada pelo clamoroso erro no Iraque, nunca é demais relembrar - nasceu entretanto uma entidade que se auto-intitulou de "Estado Islâmico" e que se propõe, nada mais nada menos, do que reconstituir pelo terror um patusco "califado" que, a ocidente, iria de Sagres à Galiza. Se isto não fosse trágico, seria motivo para um sorriso. Mas não é. E esse "Estado", servido por uns assassinos barbudos à solta, integrado por uma espécie de "Brigadas Internacionais" em que Maomé faz a vez de Lenine, teve o desplante de degolar dois americanos à vista do mundo e, em particular, sob os olhos horrorizados da América. Obama, no estertor de dois mandatos presidenciais que o fizeram cair da maior esperança da História global recente a uma das suas desilusões mais profundas, de cuja ressaca nos EUA ainda (infelizmente) muito ouviremos falar, achou que tinha de aproveitar esta indignação mediática interna para lançar um gesto de força contra a barbárie. E fez bem. Cioso do simbolismo, anunciou hoje a nova determinação de Washington, que necessita agora de uma "coalition of the willing", precisamente no dia 11 de setembro. Para lembrar o terror novaiorquino que arrasou as "torres gémeas" - eu vivia então por lá, a escassos quilómetros delas - nesse sinistro dia de 2001. Se a América tivesse aprendido com os erros, talvez pudesse entretanto ter feito "mea culpa" por ter sido a instigadora de um outro "11 de setembro", mas esse em 1973, quando deu alento político e financeiro à ditadura militar iniciada nesse dia no Chile, sob a mão criminosa de Pinochet. Mas nem mesmo Obama não consegue fazer tudo, nem sequer o que há uns anos tanto o escandalizava e solenemente prometeu: fechar Guantanamo. Apesar de tudo, porque o ótimo é o pior inimigo do bom, hoje é o dia para estarmos ao lado da América.

António Garrido

Morreu o árbitro internacional português de futebol António Garrido.

A arbitragem é um dos terrenos mais pantanosos desse mundo já muito lamacento que é o futebol. Por ela sempre passou o desenho e fabrico de muitos resultados. Não alimento teorias conspirativas, mas é importante não sermos ingénuos no que toca ao modo como as coisas por lá se passam. E ninguém está inocente: as queixas de alguns clubes nada têm a ver com qualquer exigência ética; derivam apenas da circunstância de alguns não conseguirem aquilo que os outros obtêm. Quero com isto dizer que a arbitragem faz parte dos esquemas de poder.

Encontrei António Garrido no estrangeiro, quando acompanhou duas diferentes equipas portuguesas a jogos internacionais, já depois da sua aposentação da arbitragem e quando "assessorava" esses clubes. Apenas posso dizer que o que então testemunhei ensinou-me alguma coisa sobre o modo como o mundo do futebol funciona.

quarta-feira, setembro 10, 2014

Moedas

A pasta atribuída a Carlos Moedas é ainda melhor do que aquela que havia sido falada pelos diversos comentadores. Para mim, é uma agradável surpresa: nunca acreditei que a um comissário português viesse a ser dada uma pasta desta importância. Carlos Moedas está de parabéns e - sejamos justos! - Pedro Passos Coelho também. E Jean-Claude Juncker não me desiludiu: é, como sempre se soube, um bom amigo de Portugal.

Pedindo de empréstimo o título do filme de João César Monteiro, Moedas deve agora perguntar-se: "que farei eu com esta pasta?". E tem de ter uma resposta inteligente para tal. Moedas tem uma oportunidade soberana para nos surpreender e para aproveitar a imagem de criatividade e competência que um homem como Mariano Gago deixou pela Europa - como é unanimemente reconhecido - na área que agora vai tutelar e que o seu sucessor, infelizmente, não tem honrado. Parabéns e felicidades, Carlos Moedas.

O primeiro debate

Saí triste da visualização tardia que acabo de fazer (preferi ter um jantar calmo, num lugar lisboeta que ainda não conhecia) deste primeiro debate. E optei, claro!, por não ouvir os comentadores e as comentadeiras. 
 
Não apreciei a atitude agressiva de António José Seguro, a pessoalização dos ataques, os juízos de caráter que procurou fazer. Não havia necessidade... Mas admito que, para muito espetadores, esse estilo lhes possa ter mostrado um AJS diferente. E que isso tenha sido uma surpresa pela positiva.
 
Acho que António Costa fez bem em não se deixar ir no caminho da "fulanização" do despique. E desejo que assim continue. Lamentei, contudo, que não tivesse aproveitado para deixar uma mão cheia de ideias mais consistentes, que dessem corpo à imagem que criou em muitos setores do país.
 
Este foi o primeiro "round" de uma partida que terá três capítulos. Espero que AJS tenha dado por ditas todas as queixas pessoais que tem contra AC. Era o que faltava se, nos próximos dois episódios, viéssemos a assistir a um "remake" do tema da "deslealdade" e da "traição". Ficou dito, ponto! E aguardam-se agora de AC notas muito mais claras sobre o que pretende fazer no país, que vão para além de "uma outra atitude na Europa", "seguir um caminho diferente" e platitudes congéneres.
 
Esta será uma oportunidade para vermos quem interpreta melhor aquilo que são as linhas mestras da abordagem do PS à situação em que o país caiu - que já percebemos que são basicamente comuns, por mais malabarismos retóricos diferenciadores que ambos façam, nomeadamente no tratamento que fazem do "passado". É importante que o potencial eleitorado  socialista possa analisar, no decurso dos dois próximos debates, qual dos dois candidatos interpretará melhor esse pensamento, no caminho para o confronto de 2015.
 
No que toca às "primárias", de uma coisa tenho a certeza: a maioria dos militantes e a totalidade dos simpatizantes inscritos não mudou minimamente a opinião que já tinha formado, em função do debate de ontem. E dificilmente o fará com os próximos. E isto não é necessariamente um elogio ao povo PS, lamento dizê-lo.

A História do Elísio



A minha terra, Vila Real, tem uma memória viva. Chama-se Elísio Amaral Neves. Somos velhos amigos e essa é uma declaração de interesses que aqui deixo, desde já.

O Elísio andou por Belas-Artes, trabalhou na promoção turística oficial da região mas, desde há muito, dedica-se a investigar sobre a cidade cuja naturalidade partilhamos. Ao longo de muitos anos, coletou informação sobre Vila Real. Lembro-me dele a vasculhar alfarrabistas por todo o país e a "sacar" tudo quanto pudesse dizer respeito à cidade. Mas o Elísio está muito longe de ser um "rato de biblioteca". É um estudioso permanente sobre a vida e a história da cidade, mas alguém que promove ações concretas de estímulo ao conhecimento, mobilizando gente das novas gerações, tendo introduzido como que uma nova "linguagem" local, na maneira pública de lidar com as coisas da cultura. Teve a inspiração de fazer uma recolha de "história oral" sobre a cidade, sobre as suas instituições, os seus costumes, as suas figuras, os episódios mais marcantes do seu quotidiano. Assentou o essencial desse estudo, se bem posso julgar, essencialmente a partir do século XIX. Com apoio autárquico, organizou palestras para as quais convidou gente de todo o género, testemunhos de natureza muito diversa, que falaram sobre a cidade, nos seus mais ínfimos mas relevantes aspetos. Editou até hoje uma imensidão de publicações, onde ficou registado todo esse património de recolha, fez "fac-simile" de documentos raros que foram abundantemente distribuídos, recolheu e divulgou fotografias inéditas e, ao final de alguns anos, como que "ofereceu" uma memória que nos tornou a nós, vilarealenses, não apenas mais orgulhosos da nossa terra mas, mais importante do que isso, crescentemente curiosos sobre realidades para as quais verdadeiramente só acordámos pela sua mão.

Há anos que, quase sempre à distância, sigo com grande admiração o trabalho do Elísio, aquilo que ele faz com imensa alegria, com um constante sentimento de partilha, com um entusiasmo quase "juvenil", diria mesmo que com alguma saudável "loucura", tal a diversidade, por vezes bem divertida e irreverente, dos empreendimentos em que se envolve. Quando me acontece comentar com outros amigos o percurso e a obra do Elísio Neves, por mais de uma vez nos temos colocado a questão: que seria hoje da memória da nossa cidade se ele não a tivesse tratado a tempo, com o carinho e a seriedade com que o faz? Vila Real deve-lhe muito e acho que tenho a obrigação de aqui o deixar dito, com todas as palavras.

No que me toca, fica um abraço de gratidão para ti, caro Elísio.

terça-feira, setembro 09, 2014

Vila Real

Chega hoje ao fim uma série de posts em que muito por aqui se falou de Vila Real. Ou melhor: logo à noite ainda haverá um último. Se, depois desta "propaganda", ainda não ficaram totalmente convencidos sobre os méritos e os mistérios a descobrir na capital de Trás-os-Montes, então talvez valha a pena verem amanhã, 4ª feira, pelas 10 horas, um programa em que a RTP 1 dá uma visão alargada sobre a cidade. Meti uma "colherada" nessa reportagem, como verão.

Hoje, um grupo de mais de meia centena de vilarealenses (eu sei que é com dois "erres", mas nós escrevemos assim) encontrar-se-á numa almoçarada portuense. Por ali haverá representantes de algumas antigas gerações que passaram pelo Liceu Camilo Castelo Branco. Ao que sei, ninguém se lembrou de convidar antigos alunos como José Sócrates, Pedro Passos Coelho ou Marinho Pinto... Mas acho que é melhor assim!

segunda-feira, setembro 08, 2014

Caros Antónios...

Caros Antónios

Sei que, com grande probabilidade, não irão ler estas linhas porque, a esta hora, deverão estar a afinar, com os vossos estrategas de campanha, as frases com que cada um espera "arrasar" o outro, nos três debates televisivos que aí vêm. Mas será talvez por isso mesmo que me sinto na obrigação de vos escrever.

Entrámos um dia no mesmo governo, vai para duas décadas, levados pelo carisma do António Guterres, ao som do Vangelis. À nossa frente, tínhamos o objetivo de dar a volta a um país cansado de bem mais de uma década de cavaquismo. Foram tempos entusiasmantes, em que, juntos, fizemos muitas coisas de que ainda hoje me orgulho e de que, creio, o país beneficiou. Tenho o gosto de dizer que, passado todo este tempo, cimentei, com cada um de vocês, uma boa amizade, que é também de grande e sincero respeito por aquilo que, cada um a seu modo, fez por Portugal. É apenas nesta qualidade que vos escrevo - a de um "compagnon de route", em definitivo afastado da ação política, mas que não abdica de se interessar pela causa cívica.

A vida colocou-vos agora em rota de colisão democrática pela liderança do PS. Devo dizer que me sinto feliz por poder constatar que, cada um de vocês à sua maneira, representa um PS com uma elevada consciência ética. Convosco, os portugueses sabem que estão a tratar com gente de bem, porque vocês fazem parte, em termos de honestidade e de serviço à comunidade, do melhor que o partido tem para apresentar. E essa é, desde logo, a primeira vitória deste tempo socialista que agora vos tem como protagonistas principais.

A campanha que travam era praticamente inevitável. É "chover no molhado" discutir agora se o processo das "primárias" era a maneira mais correta de testar a legitimidade da atual liderança. O António José Seguro entendeu que a vitória em duas eleições, antecedida da consagração num congresso em que abriu espaço aos que o contestavam, lhe conferia a legitimidade que lhe permitia continuar na liderança e consolidar a posição maioritária do PS. O António Costa considerou que não se podia furtar a ser a voz de muitos que se sentiam insatisfeitos, não apenas com a forma da atual liderança, mas principalmente com os resultados que o PS, enquanto oposição, ia obtendo, que viam como prenúncio de um forte risco para as hipóteses socialistas numas futuras eleições legislativas. Nunca me senti muito acompanhado quando exprimi, desde a primeira hora, que a solução das "primárias" era aquela que, muito provavelmente, permitia testar quem tinha razão, mesmo com o desgaste que esta longa campanha necessariamente representaria. 

Reduzir agora ao mínimo esse desgaste ainda está nas vossas mãos. Quero com isto dizer que os debates que aí vêm seriam, se vocês assim o quisessem, um momento de transformar aquilo que todos temem que venha a ser uma lamentável "guerra" fratricida num tempo de assestar baterias naquele que é o adversário comum, não apenas do PS, mas do próprio país em geral - uma ex-maioria a quem os portugueses deram há pouco tempo o mais arrasador voto de desconfiança de que há memória na nossa história democrática.

É mais do que claro que os militantes e os simpatizantes socialistas já sabem muito bem em quem vão votar, no dia 28 de setembro. Por isso, será uma pura perda de tempo da vossa parte estar agora a tentar "esclarecê-los" sobre qual de vocês tem o "direito" a liderar o PS ou pode ser mais eficaz na chefia futura, não apenas do partido como de um eventual governo socialista. Em especial, será tristemente auto-flagelatório se acaso optarem por "deitar sal nas feridas", com acrimónias de cariz pessoal, que só vos diminuirão aos olhos dos portugueses. E que diminuirão também a imagem do PS, por arrasto.

O que muitos gostaríamos - excluo, naturamente, dessa vontade os "talibans" e as "taliboas" de ambos os lados, que enxameiam de acidez "segurista" ou "costista" as redes sociais, as colunas de jornais e as televisões - era ver-vos concentrados na explicação serena da melhor forma de afirmar uma gestão credível para o país, como alternativa futura ao lamentável estado em que a governação que por aí anda deixou Portugal. Essa era a palavra que os portugueses esperariam de duas pessoas politicamente responsáveis, não uma "fulanização" do debate, transformada num fastidioso "eu-é-que-já-cá-estava" contra o "eu-é-que-sou-melhor-do-que-tu". Querem dar-nos uma alegria? Surpreendam-nos!

Estou esperançado de que isso assim aconteça? Aqui entre nós, meus caros, não estou. Mas até ao lavar dos cestos são as vindimas, e como o tempo delas está aí...

Com um forte e solidário abraço do

Francisco

À conversa na (esquina* da) Gomes (8)

- É muito bom fazer parte de um país que deixa uma marca na História dos outros.
- Ai agora deu-te para o patriotismo?!
- Lembrei-me disso ontem à noite.
- A propósito de quê?
- Da Albânia. Nunca mais os albaneses vão esquecer Portugal. Passamos a ser imensamente falados por lá.
- Tens razão. Tudo tem o seu lado bom.

* A "Gomes" fecha às 2ªs feiras

A "Pompeia" do Neves

A "Pompeia" foi, durante muitos anos, um dos mais elegantes cafés e "salões de chá" de Vila Real. Tinha duas entradas, uma pela rua António de Azevedo e outra pela avenida Carvalho Araújo, a artéria nobre da cidade. Rivalizava com a "Gomes" em termos da qualidade da frequência, tocada pela elegância que lhe advinha de uma zona recolhida, com uns frescos clássicos (por onde andarão?) ao longo de uma parede, conhecida como "a zona do chá". Era poiso de profissionais liberais e de outras figuras gradas da cidade, com as senhoras a surgirem em grupos a meio da tarde, rivalizando com núcleos sociais idênticos, que se acolhiam na parte "alta" da "Gomes".

Foi na "Pompeia" que teve lugar uma célebre cena protagonizada pelo histriónico médico, dr. Sampaio e Melo, conhecido pela sua figura como o "valete de paus". Um dia, ao chegar junto do grupo de amigos com que tradicionalmente por ali se reunia, lançou, com o seu conhecido vozeirão, uma frase que ficou no anais: "Meus senhores, quero comunicar-lhes que acabo de dormir com a mulher de um dos presentes". Perante o pesado silêncio que se seguiu, cofiando a forte bigodaça e antecipando uma gargalhada, esclareceu: "Não estejam preocupados! Foi com a minha!". Também uma célebre bofetada entre dois dos médicos mais conhecidos da cidade teve a "Pompeia" por cenário. Durante semanas, não se falou noutra coisa. 

Para mim, a "Pompeia" ficou sempre ligada ao meu amigo Albano Neves, que dela se tornou proprietário e que, mesmo depois de eu sair de Vila Real, continuei sempre a visitar. Se a "Gomes" era, desde a juventude, a minha "praia" depois de almoço, na "Pompeia" eu parava mais ao final da tarde e à noite, frequentador que era da zona "baixa" do café, perto da porta para a rua António de Azevedo, em frente ao "Bragança", onde me abastecia de imprensa. 

Longas conversas tive pela "Pompeia", com o Neves frequentemente a sair detrás do alto balcão (seria o balcão de facto alto ou a imagem que guardo era pelo facto do Neves ser baixo?) e a abancar connosco, o que não era muito comum nos hábitos dessa época. A minha familiaridade com a casa cimentou-se em noites de charlas intermináveis, em que o Neves fechava a porta ao público e, já sozinho na casa, com o pequeno grupo de amigos que por ali ficava, avançava ele próprio para a cozinha e preparava divinais omoletes com chouriço, regadas a vinho branco, programa com que alguns de nós, notívagos profissionais, iniciávamos longas madrugadas, nos verões desses anos 60 e 70, do século já passado.

O meu amigo Neves, um homem encorpado, de pescoço curto, algo curvado, sempre impecavelmente de fato-e-gravata, não era uma personalidade fácil para aqueles com quem não engraçava. Vi-o ter fúrias homéricas com ruidosos frequentadores dos bilhares do andar superior, onde havia um "snooker" que, estando longe de ser a minha predileção - eu "é" mais "bilhar livre"... -, me fazia perder algumas tardes em verões em férias. Mas o Neves era amigo do seu amigo e eu tinha-lhe caído nas graças, pelo que sempre fui um deles. Brincávamos muito por razões políticas, onde não coincidíamos nos gostos, mas nunca nos zangámos. 

A "Pompeia" mudou-se um dia para o Pioledo, na zona alta da cidade. Era fora de mão para mim e, julgo, para a maioria da sua clientela tradicional. Por isso, por lá já só passava para dar um abraço regular ao Neves. Tempos depois, o negócio foi trespassado para o António, também ele emigrado da "Gomes". E deixei, em definitivo, de lá ir.

Hoje, no lugar original da "Pompeia", há uma "Nova Pompeia", com uma geografia muito diferente e praticamente sem nada que lembre a casa antiga. Há tempos, num final de tarde, estive por lá com uns amigos, também a recordar as outras épocas. É ainda um lugar "ível" (como dizia o meu desaparecido amigo e locutor de rádio Alfredo Alvela, para qualificar os lugares onde se pode ir)? Claro que é, mas, sem o meu amigo Neves, já não é a mesma coisa.    

domingo, setembro 07, 2014

Nada a dizer

"E assim não houve mais este dia que para escrever seja".

(in "Carta de Pêro Vaz de Caminha")

sábado, setembro 06, 2014

À conversa na Gomes (7)

- Então já sei que vais jantar a Vidago!
- Estás muito bem informado! Mas estás enganado: não é só um jantar, é um casamento, no Palace Hotel. E vê-se bem que não és de cá: por aqui não dizemos "a Vidago", dizemos "ao Vidago"...
- Nunca me tinha apercebido disso...
- E por acaso sabes quantas janelas e portas tem o Palace Hotel? 365, tantas quantas os dias do ano.
- Outra novidade! 
- E vou dar-te ainda outra: o hotel era para ser inaugurado pelo rei dom Manuel, precisamente em 5 de outubro de 1910. Nessa ocasião, deveria ter ocorrido um banquete com o rei em Vila Real. Sou o feliz proprietário do menu dessa frustrada receção.
- Curioso.
- O mais curioso é que o dono do hotel era o então primeiro-ministro, Teixeira de Sousa.
- Que grande conflito de interesses! 
- Era assim, à época. Hoje política e negócios estão bem separados, como sabes!
- Claro que sim! Tudo bem "separadinho"! Isso é que não é nenhuma novidade...

sexta-feira, setembro 05, 2014

"Face oculta"

A mão da Justiça foi pesada no caso "Face Oculta", à medida da importância atribuída pela magistratura à dimensão dos crimes que estavam em julgamento. Seria agora importante, precisamente para que a opinião pública viesse a ter plena confiança em todo o processo, que os naturais recursos fossem julgados com a maior celeridade, sem prejuízo dos direitos dos alegados implicados, os quais, no entanto, lembro que ainda devem ser considerados inocentes até à sentença final ter transitado em julgado*. A Justiça só é justa quando é rápida e atempada. Prolongar os processos no tempo é a melhor forma de criar sobre eles suspeições e desconfianças, com a ideia de que, com bons advogados, é possível adiar a execução das sentenças e criar incidentes processuais, que às vezes levam à própria prescrição dos crimes.

Uma das coisas que minam a confiança democrática em Portugal é a ideia, muito difundida pela imprensa e pela "voz da rua", de que "isto é tudo um bando de gatunos", que "eles são todos iguais", que "todos os políticos são uns corruptos". Não é verdade! Há políticos corruptos como há muitos políticos sérios, da mesma forma que há advogados desonestos e outros sérios, como há empresários desonestos e outros com uma folha de vida profissional impoluta. Meter tudo no mesmo saco é contribuir para criar a ideia de que "o país está a saque", que parece confortar os frequentadores e adjetivadores anónimos das caixas de comentários e que abre caminho depois ao "justicialismo" mais desbragado e populista. Para esses, só as condenações são justas mas, quase sempre, as absolvições ou as não pronúncias não são respeitadas como justas. Para esses demagogos, a Justiça só tem um sentido e não acontece quando acaso decide em linha oposta à perceção "da rua", que sempre acha que "não há fumo sem fogo".

Por isso, é bom perguntar: quanto tempo mais teremos de esperar para ver, de uma vez por todas, encerrados casos como o BPN e o BPP? E quanto demorará o caso BES a ser julgado?

Venham ou não a confirmar-se as sentenças do "Face Oculta", agora pronunciadas em primeira instância, a classe política  - toda ela! - deveria fazer um exame de consciência sobre se a questão da corrupção e do tráfico de influências, até ao "jeitinho" e às "cunhas" que por aí abundam, não deveriam obedecer a uma moldura legal mais exigente. Nesta matéria, nem seria necessário inovar muito: bastaria procurar os bons exemplos estrangeiros. Ganharia imenso a imagem de Portugal. Seria bom, por exemplo, que os candidatos presidenciais trouxessem estes temas para a agenda política, "espicaçando" os partidos a agir no parlamento.

A haver um "acordo de regime" prioritário entre os partidos, ele deveria começar precisamente pelo sistema de Justiça, em que é evidente que as pessoas hoje colocam muito pouco confiança, às vezes menos pelas decisões tomadas e mais pela falta delas a tempo. Além disso, no plano económico, a ineficácia da Justiça ainda hoje é considerada, pelos investidores estrangeiros, como um dos grandes óbices ao seu interesse por Portugal. 

Presidenciais brasileiras


A morte do candidato Eduardo Campos alterou radicalmente o panorama das próximas eleições presidenciais brasileiras. Campos nunca deixara de ser o terceiro preferido nas sondagens, com Aécio Neves a grande distância, como o principal competir da atual presidente, Dilma Roussef.

Com a desaparição de Campos, Marina Silva, que era a candidata à vice-presidência da sua lista, assumiu a liderança e, de um dia para o outro, a sua cotação eleitoral "disparou", colando-se a Roussef nas intenções de voto. Por seu turno, o anterior "challenger" de Roussef, Aécio Neves, "despencou" (como dizem os brasileiros) nas análises de opinião e ficou para o terceiro lugar (antes ocupado por Campos). Marina Silva parece agora ser a mais séria ameaça à reeleição de Dilma Roussef. Ontem, um amigo brasileiro dizia-me que a última graça que por lá corre é a de que o avião em que Campos teve o acidente mortal caiu, afinal, "na cabeça" de Aécio Neves...

Marina Silva é uma figura atípica, de origens populares, muito marcada por um discurso religioso, bastante moralista nas questões de costumes, tudo complementado com um radicalismo em matéria ambiental que, noutros tempos, a tornou a grande inimiga do "agronegócio" e do desenvolvimento energético, área onde se confrontou com Roussef. Ministra do Ambiente de Lula, viria a ser afastada precisamente pela sua inflexibilidade. Há minutos, publicou no Twitter esta mensagem: “@marinaecologia: Hoje o dia ta corrido, vários compromissos e ainda tô costurando minha roupa de fibra de bananeira que usarei pra fazer campanha mais tarde.” Creio que diz muito de um estilo, não acham?

O Brasil não deixa de nos surpreender!

MNE - promoções & confusões

A revista "Sábado" relata esta semana mais uma "trapalhada" relativa a promoções dentro do MNE, objeto de contestação judicial. Em causa está a promoção de um grupo de funcionários à categoria de "embaixador", parte dos quais já estão aposentados, outros que ocuparam ou ocupam postos da maior importância no quadro externo do MNE, alguns deles do melhor que a "casa" possui hoje nos seus quadros. 

Acho absolutamente normal que um funcionário que se sinta ilegitimente preterido em qualquer promoção interponha um recurso. Esse direito foi ganho com a democracia e ninguém o pode contestar. Acho, porém, estranho que a lei não esteja formatada de molde a que os atos de promoção se façam com uma drástica redução das ambiguidades que fazem proliferar estes casos, embora saiba que é impossível garantir em absoluto que, em processos em que intervêm fatores de discricionariedade e subjetividade pessoal, não possam ocorrer problemas. Mas o que me causa mais estranheza, desde há décadas, é a aparente incapacidade do MNE de criar, no seu seio, uma "massa crítica" jurídica como solidez suficiente para tratar deste tipo de questões com rapidez e competência.

(  Para quem não saiba, vale a pena deixar aqui uma explicação sobre o conceito de "embaixador". No caso português, a maioria dos funcionários que chefiam missões diplomáticas no estrangeiro possui "credenciais de embaixador", isto é, tem na carreira a categoria de "ministro plenipotenciário", a qual já permite que possam dirigir uma embaixada, se o poder político assim o entender. São "embaixadores de Portugal em...", mas não são ainda "embaixadores" na plena aceção do termo, aquilo que os britânicos designam por "full rank ambassadors" ou os franceses qualificam como "ambassadeurs de France". Entre nós, no passado, designavam-se por "embaixadores de número", porque há um número limitado de lugares (hoje, cerca de 30) a que, por escolha e decisão do poder político, alguns dos "ministros plenipotenciários" podem ascender. Trata-se da categoria mais elevada da carreira e que vai sendo preenchida à medida que se abrirem vagas - as quais, normalmente, ocorrem pela saída de colegas do serviço ativo (a chamada "passagem à disponibilidade"). Mas a tradição manda que quem alguma vez exerceu as elevadas funções de "embaixador" passe, a partir desse momento, a ser para sempre referido na "casa" como "embaixador", sem distinção de ser ou não ser "de número". Noto que, com exceção deste último "degrau", todas as promoções, a partir da entrada do funcionário na carreira, são decididas pelo Conselho Diplomático, salvo no caso da ascensão a "Conselheiro de embaixada" onde, com maior frequência, se recorre a um júri examinador. Noto que o Conselho também é responsável pelas colocações no estrangeiro, salvo para as chefias efetivas de missões diplomáticas, que são decididas pelo poder político. O Conselho Diplomático é um órgão integrado pela hierarquia não política do MNE e por representantes eleitos de cada categoria. Têm sido frequentes, ao longo dos anos, as contestações às promoções decididas pelo Conselho. Embora tenha dele feito parte no passado, como membro eleito, devo confessar que há muito que deixei de acompanhar estas coisas com atenção, mas tenho a sensação que esta é a primeira vez que uma contestação acontece em casos de promoção à categoria de "embaixador".  )

Na minha carreira, também tive um incidente com uma promoção. 

Creio que em fins de 1986, para minha relativa surpresa, estava eu um dia de passagem em Bruxelas, como funcionário da então direção-geral das Comunidades europeias, recebi de Lisboa a boa novidade de que o Conselho do Ministério (na altura ainda se não chamava "Conselho Diplomático") havia decidido a minha promoção a "conselheiro de embaixada" (eu era então "primeiro-secretário"), juntamente com outros três colegas. Numa carreira que, nos dias de hoje, vive estas questões "a ferro e fogo", numa elevada competição, pode parecer estranho que as coisas tenham sido vistas por mim de forma tão ligeira. Mas foi assim mesmo: sabia que havia quatro vagas, mas tinha optado por não "dar uma palavra" a ninguém (hoje, as "regras" são outras, eu sei!) e "surgi" promovido (iria acontecer-me exatamente a mesma coisa, de novo sem eu ter "mexido uma palha", em 1994, na minha promoção a "ministro plenipotenciário", por muito que isso possa hoje parecer quase incrível. E, dessa vez, só soube da novidade dois dias depois, numa conversa casual com um colega. Ninguém me avisara...). Era inegavelmente muito interessante chegar a "conselheiro" apenas com cerca de 11 anos de carreira e fiquei tão satisfeito que me recordo de ter esportulado um belo jantar no "Ogenblik" a um grupo de amigos, para celebrar o facto.

Mal eu sabia que tinha sido um "falso alarme". As vagas que iríamos preencher foram consideradas inexistentes pelo Tribunal de Contas, que não aceitou a promoção à categoria superior dos colegas que até então as ocupavam. Uma "rixa" administrativa entre Sousa Franco, presidente do TC, e Deus Pinheiro, então MNE, fez o processo andar para trás e eu, e os outros, fomos "despromovidos". O assunto voltou a ser tratado, de novo, em 1988 e, em face de uma nova e idêntica decisão do Conselho, foi-me comunicado, uma vez mais, que tinha ascendido a "conselheiro". Dessa vez, escaldado que estava com a experiência anterior, não "deitei foguetes antes da festa", isto é, da posse. E fiz bem: é que, de novo, o Tribunal de Contas voltou a contestar a decisão do ministro. Passaram mais dois anos e, já estava eu colocado em Londres, quando, em agosto de 1990, tomei finalmente posse do lugar de "conselheiro de embaixada". Perdi quase quatro anos nessa categoria, ou melhor, como nunca tive tenho vocação para me queixar (e, realmente, no que toca estritamente à gestão da carreira, nunca tive razões para isso), apenas "não ganhei" esses anos. 

Nota especial sobre este post: a abordagem destes assuntos de promoções na carreira diplomática origina, cpm frequência, ao surgimento de comentários anónimos, acusatórios e personalizados, sobre situações passadas ou presentes, com insinuações sobre irregularidades ou favoritismos. Assim, desde já advirto que, excecionalmente, desta vez só aceitarei publicar aqui comentários devidamente assinados. A menos que esses comentários me digam pessoalmente respeito, caso em que terei todo o gosto de a eles responder, mesmo a anónimos.

quinta-feira, setembro 04, 2014

Comissão europeia

Apenas umas notas breves, na véspera de se conhecer a composição da nova Comissão Europeia:
  • Como esperado, os "grandes" países obtêm pastas influentes, salvo aqueles que já tenham sido prendados com outros lugares. Nada de novo.
  • Não obstante o comportamento de Cameron na escolha de Juncker, e a confirmar-se a obtenção da pasta da Energia pelo comissário britânico, fica patente a força do Reino Unido.
  • Moscovici deve conseguir a importante pasta da Economia para um nome francês. Ele próprio revelou, numa entrevista, que o assunto mereceu uma séria objeção de Berlim, que foi ultrapassada. Afinal, Berlim pode "vetar". Há uns mais iguais...
  • O "truque" finlandês de trocar o seu último comissário pelo primeiro-ministro, a poucos meses do fim da Comissão Barroso, que já aqui tinha sido exposto, vai compensar. Outra exigência de Berlim a que Juncker se verga. A ortodoxia na área financeira fica protegida.
  • Finalmente, "last but not least", o "nosso" Carlos Moedas. A confirmar-se que lhe é atribuída a pasta do Emprego e dos Assuntos Sociais, o governo português está de parabéns: é um excelente "portfolio". Se isso acontecer - e devo dizer que continuo com algumas dúvidas de que esse lugar seja mesmo para ele, mas espero sinceramente estar enganado - a oposição não terá a menor razão para reclamar. A assim ser, Carlos Moedas, que é um homem inteligente e qualificado, terá o ensejo de lidar com uma pasta que tem a seu cargo a correção de erros que a política do governo a que pertenceu nos últimos três anos provocou.

quarta-feira, setembro 03, 2014

Portugal no mundo

A cidade de Loulé, através da sua Câmara Municipal, tem vindo a comemorar, ao longo do ano, a data fundacional da República democrática em que vivemos, o dia 25 de abril de 1974.
 
Fui convidado pelo organizador de uma série de palestras alusivas ao tema - "Antes e depois. Para amanhã" -, o jornalista Carlos Albino, para falar sobre a nossa política externa. Decidi dar um título interrogativo àquilo que vou dizer: "Portugal ainda tem uma política externa?"
 
A conversa será no dia 19 de setembro, às 21 horas, no salão nobre dos Paços do Concelho, na praça da República, em Loulé.

Vila Real irónica

Ontem, ao gravar umas palavras para uma reportagem que a RTP vai passar, na manhã de dia 10, sobre Vila Real, sublinhei o caráter algo iconoclasta da população vilarealense, a saudável ironia, às vezes a roçar o cruel, que marca a maneira de ser das gentes de Vila Real. Mesmo em tempos em que brincar com as elites tinha os seus riscos, a cidade mantinha uma discurso rebelde e cáustico, feito de graçolas, que atingiam toda a gente, dos ricos e poderosos às figuras mais populares, numa enxurrada de humor interclassista que, para mim, foi sempre um dos encantos desta terra.

Ontem à noite, ao passar pela antiga casa daquele que foi de um dos maiores "capitalistas" da cidade, uma figura simpática e boémia, de quem guardo ainda uma imagem vaga, alguém referiu as condições da sua morte - que teve lugar durante o ato sexual com a sua amante, circunstância para a qual um meu amigo chileno criou um dia o genial neologismo de "follecimiento". A história ficou famosa, embora menos pelo escândalo da mancebia (nessa altura, por aqui, ter alguém "por conta" fora do casamento era quase indispensável ao estatuto social das pessoas "com posses"), mas pela relativa raridade da ocorrência.

A senhora em causa, uma mulher bonita e vistosa, de que me lembro bastante bem, porque morava junto à minha escola primária, era conhecida pelo nome de Baía. Toda a cidade ficou a conhecê-la melhor depois desse incidente, com as "línguas" locais a rapidamente encontrarem uma forma de subverter o caráter trágico do mesmo, através de uma graçola. Assim, quando falavam da morte do abastado proprietário, alguns acrescentavam: "coitado, morreu no Brasil!" Perante a surpresa do interlocutor, que não tinha ouvido falar de que o passamento tivesse tido lugar tão longe de Vila Real, o outro acrescentava: "É verdade, morreu na Baía"...

Deixo-lhes a imagem, de há minutos, do alvorecer da cidade

terça-feira, setembro 02, 2014

25 anos

Em 2014, deveríamos estar a celebrar a passagem de 25 anos sobre o fim do muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria. Ora a verdade é que, pelo contrário, estamos a assistir à rápida reconstituição de um novo cenário de elevada tensão.

A Guerra Fria havia criado algumas “regras” na ordem internacional, numa leitura quase comum que ambos os lados iam aceitando daquilo que Ialta tinha desenhado. Fora desse indizível consenso, em várias zonas do mundo, onde conflituavam os poderes, continuaram-se a medir regularmente as forças, com avanços e recuos estratégicos que acabaram por evoluir de forma muito díspar.

O final da União Soviética mudou tudo isso e uma apressada revisão estratégica fez desaparecer quase todas as anteriores “regras”. Do lado ocidental, tudo foi visto como uma vitória, com maior ou menor exaltação. Do lado de Moscovo, nenhuma alegria foi partilhada e, pelo contrário, o fim do país foi sentido, pelos russos, como uma humilhação nacional.  

Aproveitando a janela de oportunidade criada pela fragilidade conjuntural de Moscovo, o Ocidente cuidou em alargar o seu modelo de segurança e de desenvolvimento a Estados do centro e leste do continente, na NATO e na União Europeia. Com os EUA como claro “backseat driver”, os europeus entenderam – e bem – que o acolhimento das novas democracias nesses “clubes” era, para além de um imperativo estratégico, um gesto de justiça histórica. Como forma de “compensação”, a Rússia seria cooptada para modelos de diálogo e cooperação cada vez mais integrados. Até na NATO, que mudaria de paradigma e que quase já só se preocupava com questões “out of area”. A UE deixou-se cair num diálogo economicista com Moscovo, descansada na miragem liberal de que já não pode haver guerras entre países onde se vendem Mac’Donalds.

A ressaca histórica russa gerou, entretanto, Vladimir Putin, que foi dando iniludíveis sinais da reconstituição de um modelo autoritário com que o Ocidente fingia poder ir convivendo. Do lado de cá, os traumas históricos bálticos e polacos, com uma cumplicidade errática de Berlim, foram influenciando a UE no sentido de “esticar a corda” com Moscovo. E viu-se então o espetáculo de Bruxelas a estimular, na Ucrânia, o derrube, por um golpe de Estado, de um presidente que havia sido democraticamente eleito, como forma a garantir em Kiev um governo favorável à relação privilegiada com o Ocidente.

A UE já havia sido complacente no modo inaceitável como as minorias russas foram tratadas nos Estados bálticos e, de forma irresponsável, nada cuidou em as tentar proteger na “nova” Ucrânia. O resultado está à vista: deu um pretexto nacionalista a Putin, para quem um tratado de Direito internacional é uma obra de ficção, e ao proteger sem limites nem moderação a tática prevalecente em Kiev, colocou-nos agora na soleira de uma guerra. Para regredirmos 25 anos, já só falta fazer ingressar a “Ucrânia de Kiev” na NATO.
Texto do artigo que hoje publico no "Diário Económico"

Uma história difícil

Há anos que hesito em contar esta história. Porque é complicada, porque a leitura que faço do episódio está longe de ser consensual e por todo um conjunto de razões que logo verão. E porque me marcou.

Foi há 20 anos. Eu fazia parte do júri de admissão de novos diplomatas, uma tarefa que levava muito a sério. O nosso objetivo era selecionar cerca de 15 pessoas, dentre mais de um milhar que tinham investido muitas horas da sua vida a trabalhar para ter essa oportunidade. Umas das provas fundamentais desse complexo concurso (desconheço como são as coisas hoje), depois dos exames escritos e antes das provas orais, era então a chamada "prova de apresentação" - uma conversa entre o candidato e quatro membros do júri, durante 20 a 30 minutos, com uma parte em francês ou inglês, na qual se procurava perceber da adequação do mesmo às funções a que concorria, quer na maneira de estar e de se exprimir, quer no seu nível geral de conhecimentos e na forma de os articular. Era uma prova reconhecidamente muito subjetiva, mas que eu considerava fundamental: por ela eu percebi sempre quando o candidato claramente "não servia", embora em alguns escassos casos me tivesse enganado no sentido inverso, isto é, dei a minha anuência à entrada de certas pessoas que o tempo veio a demonstrar não terem as qualificações que pareciam demonstrar, tornando-se menos bons profissionais.

A história de hoje tem um caráter muito particular. Nesse dia, um dos candidatos era anão. Nunca na minha vida me cruzei com um diplomata anão, embora admita que alguns possam existir, em carreiras estrangeiras. Tenho uma noção, empírica e muito discutível, mas que não vou discutir, de que um anão é uma pessoa cuja adequação ao exercício pleno das exigências que a vida diplomática acarreta seria muito difícil. A mim, as razões parecem-me óbvias, mas que sei que seria difícil defendê-las perante a brigada radical do "politicamente correto". O mesmo seria válido, aliás, para os portadores de algumas deficiências, sendo que um anão - também sei! - não é um deficiente.

Quando o candidato entrou na sala, devo dizer que senti que a todos nos atravessou alguma angústia. E se acaso ele tivesse uma qualidade intelectual excecional, se viesse a demonstrar uma "maîtrise" extraordinária, em todas as áreas do universo diplomático em que o interrogássemos? Se assim acontecesse, e apenas pelo facto de ser anão - condição física que, repito, eu assumo considerar não adequada ao exercício de funções diplomáticas -, iríamos eliminá-lo e recusar a sua passagem à prova oral de conhecimentos? Aquela era, aliás, a única prova do percuso do exame onde o facto de ser anão poderia ou deveria ser tido em conta. Por isso, a nossa responsabilidade era ainda maior. 

As quatro pessoas do júri não haviam trocado impressões prévias entre si, talvez por algum pudor na abordagem do tema. A conversa começou, no registo habitual. O homem, que já não era novo, fez uma prova que me recordo ter sido apenas sofrível, com algumas evidentes deficiências que, fosse qual fosse o candidato, o não recomendariam para ingressar na carreira. Vou dizer algo que sei ser polémico: considero que ainda bem que assim foi, porque, tivesse sido outra a sua prestação, as coisas teriam sido bem mais complexas para todos nós. O candidato foi eliminado e já não transitou para a prova oral. 

Lembrei-me disto há pouco, ao ver uma entrevista com o ator David Almeida, também anão, na SIC Radical. Há histórias, menos comuns, que, pelo seu caráter menos vulgar, nos ficam pela vida. Esta, para mim, foi uma delas.

segunda-feira, setembro 01, 2014

À conversa na (esquina da) "Gomes" (6)

- Isto da "Gomes" fechar às segundas é uma chatice!
- É a vida, como dizia aquele teu amigo, que já está aí ao voltar da esquina.
- Por falar em esquina, esta "esquina da Gomes" é, de facto, o "centro" de Vila Real.
- Já cá tem placa e tudo. Passou a lugar histórico!
- Lembras-te, no tempo de liceu, como ficávamos por aqui, nos domingos, a topar o pequename que saía da missa das seis?
- Num dia quente como hoje, é de "assa canas". Mas, no inverno, faz aqui um "chiasco" do camandro.
- E sabes a história, nesta mesma esquina, num dia gélido, com um governador civil e um ministro do Salazar?
- Não, não conheço essa!
- Iam ambos a entrar na "Gomes" e o governador, a armar ao típico, disse para o ministro: "Está um frio tipicamente transmontano!". Um tipo qualquer, de samarra, que estava encostado à esquina, olhou para eles e retorquiu: "Transmontano o c...! Está mas é um frio f...!"
- E como é que eles reagiram?
- Mandaram-no prender, imagina!
- Isso hoje já não podia acontecer.
- Não te fies muito no caráter democrático das novas autoridades.
- Não, não é isso! É que hoje já não há governadores civis...

Coisas da idade

O rapazelho que estava ao meu lado no balcão do bar daquele café de praia olhou para mim, afastando mesmo a cabeça para ganhar perspetiva, quando eu pedi um "Gordon's". A empregada mirou-me como se eu viesse de Marte e repetiu, quase atónita: "Gordon's?' Quer um Gordon's?!"

Pedir um gin, por via da moda em que a bebida entrou, transformou-se, nos últimos anos, numa operação de alta sabedoria e requinte, com uma multiplicidade de marcas, cheias ou não de sabores, mais ou menos exóticos. Há casas dedicadas exclusivamente a essa bebida que, segundo a lenda, conservou na vida muita e distinta gente, até muito tarde, desde logo a sua mais famosa consumidora diária, a raínha-mãe inglesa. Em determinadas condições de estado de espírito e temperatura, sou um consumidor episódico dessa bela bebida de fim da tarde, mas gosto de sentir o álcool, não quero o "gin & tonic" excessivamente diluído em águas mais ou menos adocicadas, com "especiarias" a armar ao moderno. E gosto de "Gordon's", pronto! Embora reconheça que um "Bombay", um "Hendrick's", um "Tanqueray" ou o americano "Leopold's" são excelente gins - e, repito, estou muito longe de ser especialista na matéria. Se quiserem falar de "whiskies" ou "vodkas" (também dos sem "cheirinhos") já é outra história...

A miúda do bar, perplexa mas complacente, lá descortinou uma garrafa de "Gordon's" escondida na miríade de marcas que enchiam as prateleiras. Deduzi que o último consumidor do que eu pedia deveria ser do tempo do "arroz de quinze". 

Sem espanto, vejo-a ir buscar um daqueles copos redondos, tipo bola de andebol, e preparar-se para o atulhar de gelo, e nele colocar uma gotas do meu "Gordon's", sob um mar de água tónica, como agora aprendem a fazer estilosamente, no sonho para imitarem o Tom Cruise no "Cocktail". Não resisti à provocação: "Não, não! O "Gordon's" não se serve nesses copos. Quero um copo alto". A jovem aceitou, com alguma relutância, os meus cabelos brancos como argumento de autoridade, mas continuava a não esconder a sua perplexidade. De certa forma, partilhava, pelo curto olhar trocado, uma surda cumplicidade etária com o puto ao meu lado no balcão, que continuava a sorrir de soslaio.

Como a medida do gin no copo alto lhe era menos familar, a miúda esperou que eu lhe dissesse quando deveria parar de encher. Propositadamente, deixei-a "subir" o líquido no copo, de forma exagerada. Quando lhe disse o "assim!", já esgaseada pela escassez do espaço que sobrava para duas pequenas pedras de gelo e um pouco de água tónica, concluí: "Sabe? O "Gordon's" é um gin especial. Serve-se sempre assim, em doses para homem..." Não dei a confiança ao puto de ver a cara que terá feito.

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...