domingo, outubro 06, 2013

O tempo e a política

As regras da vida política dos dias que correm são, para o bem e para o mal, muito diferentes das que existiam no passado. O escrutínio público do atos e da vida dos atores políticos é muito maior e com um grau de exigência acrescido, sendo que, quando o vento geral não corre de feição, esse ambiente dominante tudo agrava. Aquilo que, num período de "estado de graça", poderia ter passado como um "fait divers", assume uma relevância de outras proporções quando surge a contraciclo. E se, como às vezes acontece, isso vem somar-se a "episódios" anteriores, então, para usar a elegante formulaçao recente do presidente da Comissão europeia, "o caldo está entornado". Cedo ou tarde.

Desde sempre, entra-se para um governo para colaborar num projeto no qual se acredita, para ser útil, para resolver problemas. Se alguém, a certo ponto, constata que a sua presença acaba por constituir-se, em si mesma, como um novo problema para o próprio governo, recomenda o bom-senso que seja o ator político a tomar a decisão de afastar-se. Sem perda de tempo, limitando o desgaste. Poderá, dessa forma, preservar melhor a sua história pessoal e contribuir para deixar de ser um peso para o executivo com o qual se sente solidário. Esta, aliás, é uma regra bem antiga, pelo que quem já viveu outros tempos da política tem obrigação de conhecê-la.

A tabacaria

Era uma pequena tabacaria de vão de escada, situada no edifício entre a igreja da Encarnação e a então livraria "Diário de Notícias", no Chiado, onde hoje está a Hermès. Dirigia-a uma matrona faladora, que sempre vi à conversa com uns tipos de fato cinzento, sem notória ocupação, que se encostavam pela entrada.

Terá sido por 1971 ou 1972. Num dia, entrei na tabacaria - se assim se pode dizer, porque o balcão estava quase junto à porta - e pedi o "República", o diário oposicionista que saía no início da tarde.

A matrona olhou-me com um sorriso desdenhoso e replicou: "Eu não vendo esse jornal!". Virei as costas, mas ainda ouvi o comentário dela para um dos cavalheiros que ornava a moldura da porta: "Ó Teixeira! Este queria o jornal dos comunas. Deve ser daqueles de quem vocês gostam..."

Saí "gelado" pelo Chiado abaixo. O Teixeira era, com toda a certeza, agente da Direção-Geral de Segurança (o "heterónimo" que o marcelismo tinha criado para a Pide), cuja sede ficava na rua ao virar da esquina.

Depois do 25 de abril, viria a saber-se que a dona da tabacaria era "fiadora" de muitos pides e que aquele era um pouso de predileção dessas figuras.

sexta-feira, outubro 04, 2013

Os nomes e lugares

Vi que saíram da cena da vida Silvino Silvério Marques e Vasco Lourinho. Quem, com menos de 30 anos, sabe quem foi o general efemeramente reciclado pelo 25 de abril ou o correspondente madrileno da RTP com o mais "portuñolez" dos sotaques? Quem, neste presente muito vertiginoso, tem tempo para um passado cuja evocação deve soar a uma espécie de "name-dropping" nostálgico?

Cruzei esta dúvida com a experiência, que há dias aqui contei, de uma conversa com jovens interessados em falar sobre o património de convívio que se esvai, com os lugares desse outro tempo e das pessoas que ajudaram a fazer-lhes o nome. Fiquei então muito agradado e surpreendido com o facto de terem sido eles a promover uma iniciativa deste género, de procurarem "agarrar" o passado, talvez por entenderem que ele é parte importante da sua própria identidade.

Nessa conversa, e à medida que falava, ia-me dando conta de que, porventura, podiam ter para eles escasso significado nomes de figuras que eu ainda vi pela "Smarta", de escritores que identificava na "Paulistana" ou no "Monte Branco", da importância de quantos preparavam pelo "Vává", mas também pela barra do "Gambrinus", o renascimento do cinema português. Arrisquei falar de gente interessante que cruzei na "Granfina", de algumas conspirações leves a que assisti, em fins de tarde, no "Montecarlo", bem como dos "internacional-situacionistas" que por lá surgiam, dos "situacionistas" do regime (e dos sportinguistas, o que, ao tempo, era bastante o mesmo) que andavam pelas mesas de canto do "Aviz" ou, um pouco mais acima, de alguma intelectualidade, esquerdalha e jornalística, que passava pela "Ribadouro" ou pelo "Café Lisboa". Mas também de figuras que vi ou conheci por noites do "Botequim", do "Bolero", do "British Bar", da "Alga" ou do "Alfredo". E de quem parava, às tardes, pelas livrarias do Chiado, que antes eram lugar de animada tertúlia - lembrando, no que me toca, especialmente a "Opinião", com o pessoal saído das redações do Bairro Alto.

Alguns perguntarão: mas que importância tem isso hoje, ou, como em tempos se dizia cinicamente, "em que é que isso contribui para a minha felicidade?" 

Ora bem, eu também não andei com o Bocage no "Nicola", nunca encontrei o Eça na "Havaneza", nunca vi o Pessoa no "Martinho da Arcada", não cruzei as gerações históricas da arte na "Brasileira", já não topei surrealistas no "Gelo", não estava no "Chave d'Ouro" quando o Delgado anunciou o decreto de demissão de Salazar. E, no entanto, sei bem quem eram, por onde paravam, o que uns fizeram, o que outros escreviam, conheço histórias que os uniam ou separavam. Um país é isso tudo. É também o que fica para trás. E que nos compete ajudar a transmitir. Dar razões às novas gerações para se interessarem pelo que já lá vai é uma tarefa que ainda vale a pena. Acho eu!

O discurso da "troika"

Há momentos tristes na vida de um país. 

Um deles é ver, com a óbvia cumplicidade (senão mesmo a pedido) das autoridades nacionais, um grupo de credores institucionais externos expressarem, de forma ostensiva, uma pressão sobre um órgão de soberania como o Tribunal Constitucional português. Leia-se isto:
"No caso de algumas destas medidas virem a ser consideradas inconstitucionais, o Governo teria de reformular o projeto de orçamento a fim de cumprir a meta do défice acordada. Tal, contudo, implicaria riscos acrescidos no que se refere ao crescimento e ao emprego e reduziria as perspetivas de um regresso sustentado aos mercados financeiros."
Pergunto-me sobre a reação que, em outros países, um tipo de declaração desta natureza teria desencadeado. 

quinta-feira, outubro 03, 2013

Uma equação belenense

  • Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se altamente crítico da prestação de Pedro Passos Coelho como líder do PSD, considerando mesmo ter sido o pior de toda a sua história partidária.
  • No caminho para as próximas eleições presidenciais, em 2016, o presidente do PSD, seja ele tem for, terá sempre a palavra decisiva na escolha do candidato que o partido vier a apoiar.
  • Como é sabido, em certos setores do PSD, o nome de Rui Rio começa a ser muito falado como alternativa possível ao atual líder, particularmente se o resultado nas eleições europeias, em meados de 2014, voltarem a ser desastrosos para o partido.
  • Marcelo Rebelo de Sousa nunca escondeu as suas ambições presidenciais e o sufrágio de 2016 é, muito provavelmente, a sua derradeira oportunidade, tanto mais que a lógica portuguesa aponta para a recondução dos presidentes em funções.
  • Como se chamava o secretário-geral do PSD que Marcelo Rebelo de Sousa escolheu quando foi presidente do partido?
  • Acertou! Chamava-se Rui Rio.

O futuro da PT

Escrevi aqui um dia que, cada vez mais, só emito opiniões firmes sobre questões relativamente às quais julgo possuir conhecimentos suficientes para formular um juízo minimamente consistente. Quanto ao resto, posso ter vagas ideias, mas elas não dão mais do que para uma mera conversa de café.

É este último sentimento que tenho face à questão da fusão da PT com a brasileira Ói, que por uns dias vai dominar o debate público e que, com toda a certeza, irá ser objeto de tomadas de posição, definitivas e enfáticas, por parte dos nossos conhecidos "tutólogos" - essa originalidade nacional que nos dá o privilégio de possuir um mão cheia de figuras que falam e escrevem de cátedra, sobre tudo o que "vem à rede", desde o desporto à economia, da saúde às obras públicas, passando naturalmente pela política, área em que são ases deste baralho de bisca lambida que nos calhou em rifa.

Por coincidência, e ao tempo em que era embaixador português no Brasil, tive o ensejo de participar em conversas que Henrique Granadeiro manteve com entidades oficiais brasileiras, com vista a apresentar-lhes o modelo estratégico que a PT tinha em perspetiva para aquele país. Não podendo entrar aqui em detalhes, porque a reserva profissional a isso não me autoriza, posso contudo dizer que esse modelo procurava associar, de forma criativa, valências empresariais dos dois países, com a finalidade de obter importantes ganhos de escala, com impactos pretendidos no espaço global da língua portuguesa, numa lógica que excedia em muito as meras comunicações para se prolongar na futura gestão de conteúdos. Era um formato que, ao tempo, parecia coerente e com perspetivas de ser uma boa aposta para o futuro.

Muita água correu, entretanto, sob as pontes. As alianças da PT no Brasil acabaram por ser algo diferentes das que, à época, pareciam ser as mais desejáveis. Foram, com certeza, as possíveis e é nesse novo quadro que o modelo agora anunciado se concretiza.

Como disse, não tenho a menor opinião sobre a bondade da opção seguida. Tenho, porém, duas certezas. A primeira é a de que Henrique Granadeiro é uma personalidade que, ao longo destes anos, maturou e mostrou uma leitura estratégica para a PT, feita de uma grande experiência e de um evidente acumular de sucessos. A segunda é de que Zeinal Bava é, nos dias que correm, reconhecido como um dos mais brilhantes gestores mundiais na área das telecomunicações. Só podemos esperar que a decisão que ambos tomaram - e que, do lado da PT, cabe essencialmente aos acionistas avaliarem - tenha sido a melhor.

Lugares da vida urbana

A iniciativa insere-se no âmbito da Trienal de Arquitetura de Lisboa. O projeto chama-se Gargantua Collective e, em síntese, tem por objetivo refletir sobre as perdas, para o património humano e cultural das cidades, que pode representar a desaparição de alguns locais públicos de convívio lúdico e de restauração, que estão hoje sob forte ameaça, em grande parte pela crise económica, mas, noutros casos, pela mera inadequação da sua oferta, algo estática, face aos desafios do consumo contemporâneo.

O olissipógrafo José Sarmento de Matos e eu próprio, fomos anteontem convidados a falar, perante um público jovem, atento e interessado, que se juntou no restaurante "Pessoa" - uma casa com 164 anos, por onde o homónimo poeta também passou, na clássica rua dos Douradores - sobre a importância desses locais, como plataformas de sociabilização e, em alguns casos, como espaços de criatividade e diálogo cultural, com dimensão histórica significativa.

Dediquei a Lisboa grande parte daquilo que disse, nessas quase duas horas e meia de convívio, onde também se leu poesia e se avaliou a evolução do usufruto da "rua" e da noite pelas gerações, chamando à conversa as redes sociais e a globalização da cultura do imediato, que hoje atravessa as camadas mais jovens, que olham preferencialmente para outros suportes, muito para além dos livros, dos jornais ou da televisão. 

Sem a menor nostalgia mas com o carinho devido, falei de cafés, bares e restaurantes perdidos ao longo dos anos, realçando sempre, contudo, que nunca como hoje a cidade de Lisboa esteve tão "gloriosa" e diversa em termos de oferta gastronómica e de locais de convívio, não apenas para os jovens, mas para todas as gerações e gostos. E abordei, com alguma atenção, a evolução da vida urbana fora da capital, no Porto e em outras cidades de província que conheço bem, notando as mutações nos hábitos e, com elas, a perda inevitável e irreversível do lugar social de certos espaços, como, aliás, acontece um pouco por todo o mundo que se nos assemelha.

Houve ocasião para abordar o tempo da vaga avassaladora dos bancos sobre muitos cafés, explicando o papel que estes tinham desempenhado, durante muitos anos, na atenuação da solidão de quem, vindo da província - e, à época, "quase não havia lisboetas..."- caía desamparado numa cidade que parecia imensa, fosse ele estudante ou trabalhador. Falámos das tertúlias políticas, intelectuais e literárias, desportivas ou simplesmente lúdicas, da noite "que era predominantemente masculina", salvo num seu certo lado... Falámos muito, de facto, dessa noite, da boémia, pobre e rica, dos bares, dos cabarés, até do fado, dos escritores e dos seus lugares preferidos, dos locais operários e estudantis. E da cultura, dos suplementos literários, das revistas que marcavam um tempo que era muito mais lento e menos perecível, agora apagado de imediato pelo dia seguinte.

Sarmento de Matos, com o seu conhecimento histórico ímpar da capital, deu-nos notas curiosíssimas sobre a evolução espacial de Lisboa, dos círculos de identidade em que a capital se desdobrou, das dinâmicas sociais urbanas e no modo como a cidade se foi construindo.

Na sala estava uma das figuras a quem a divulgação da vida e obra de Eça de Queiroz mais deve, o arquiteto Campos Matos, que contribuiu com traços muito interessantes dessa Lisboa novecentista. Apelámos à audiência para que lesse "A Capital", onde está tudo: os cafés, as tertúlias, os lugares de restauração, a vida social e intelectual, visto sob um (falso) olhar provinciano. Olhar essa Lisboa é meio caminho andado para entender a Lisboa de hoje. E Portugal.

quarta-feira, outubro 02, 2013

O voto de Berlusconi

Graças a Sílvio Berlusconi, a Itália parece ter regressado a um novo ciclo de turbulência. Hoje, num almoço a que assisti, veio à baila esta figura polémica da política europeia. Dois dos convivas, ambos portugueses, contaram um episódio curioso a que haviam assistido.

Um conhecido político português foi, um dia, visitar Berlusconi, que então era primeiro ministro. O encontro decorreu de forma agradável, no ambiente de descontração que o líder italiano tradicionalmente proporcionava aos seus visitantes.

O nosso político, a certo ponto da conversa, fez uma apresentação muito completa e informada sobre a situação europeia e mundial, com grande rigor e brilho expositivo. Berlusconi mostrou-se visivelmente interessado no que ouvia, que seguiu com atenção até ao fim. Nesse instante, não se conteve e disse:

- Tenho pena que o senhor não seja italiano!

Por segundos, o escasso auditório ficou perplexo. Com um sorriso aberto, Berlusconi esclareceu:

- Se o senhor fosse um político italiano, eu e a minha família votaríamos em si, com toda a certeza.

O nosso político terá considerado isso um elogio?

terça-feira, outubro 01, 2013

Silêncio de ouro

Os comentadores, na sua natural liberdade, podem, e até devem, falar da possibilidade de Portugal, caso venha a constatar-se que não consegue regressar ao mercado financeiro sem garantias externas, poder ter de vir negociar um novo programa de ajuda, no pior cenário em moldes idênticos ao atual, na melhor das hipóteses através de um "programa cautelar", apoiado apenas nas instituições europeias.

Aos mesmos comentadores assiste também o direito de refletirem em voz alta sobre se Portugal e os seus credores não deverão, em momento oportuno, encarar a possibilidade de recorrer a uma "reestruturação da dívida" (alguns, dados ao "economez" que agora é gíria, dão-se ao luxo de falar de "haircut"), elegante forma de se assumir que parte dela será necessariamente "perdoada" e não paga, atenta a implausibilidade manifesta de o país vir a registar taxas de crescimento capazes de corrigirem os atuais desvios.

De igual modo, nas tribunas de imprensa ou nas conversas de café, a questão do nível do défice das nossas contas públicas para 2014 pode ser objeto de comentários, às vezes informados, outras vezes meras "fezadas". Ou, retomando Augusto Gil: "Será 4%? Será 4,5%? 5% não é certamente, porque a "troika" não deixa assim..."

Os comentadores têm todo o direito de especular sobre tudo isto. Mas os políticos não. Só que, em Portugal, já não se percebe bem onde começam uns e acabam os outros. 

Numa situação internacional na qual a imagem de Portugal sofre hoje de uma clara fragilidade, em que os detentores - atuais ou potenciais - da nossa dívida olham "à lupa" qualquer dissonância por parte do nossos decisores políticos - também eles, atuais ou potenciais -, o óbvio recomendável seria que todos eles se calassem, sobre os temas que acima referi. Mas já se percebeu que isso não é possível e que a politiqueirice os impele a fazerem, de quando em vez, considerações "ligeiras" sobre estas questões, que sendo de uma extrema sensibilidade, nos custam a todos, e todos os dias, imenso dinheiro. Que não são eles que pagam, claro.

segunda-feira, setembro 30, 2013

A minha opinião...

... que vale o que vale!

1. O PS ganhou as eleições. Talvez não por tantos votos de diferença como o estado do país justificaria, mas ganhou. E António José Seguro, que corria neste sufrágio o seu maior risco - as eleições europeias vão ser uma "passeata" -, ficou consolidado como candidato socialista a primeiro-ministro, quaisquer que sejam as reticências que possa merecer. Desde logo, da parte de muitos que nunca votarão no PS, mas que se arrogam a mandar bitaites sobre a vida política interna dos socialistas. E, depois, também de outros que, votando regularmente socialista, não se revêem no seu estilo de liderança. Mas quem manda no PS são os militantes do PS e, a seu tempo, o PS elegeu e depois confirmou Seguro. Que agora ganhou. Talvez valesse a pena ter claro: Seguro será líder do partido até às próximas eleições legislativas.

2. António Costa confirmou-se como uma figura política de grande dimensão. Apoiado por uma espécie de neosampaísmo e com forte penetração em algumas áreas não socialistas, é, felizmente para o país, uma figura incontornável no nosso futuro político. Mas não vale a pena alguém ter ilusões: está decididamente "fora de jogo" para a liderança socialista até 2015. Por azar dos calendários, arrisca-se a ser para os seus, como Dennis Healey foi um dia no Reino Unido para certo "labour", "the best prime minister we never had". Mas Belém fica já ali adiante. E mais vale um pássaro na mão...

3. Passos Coelho foi muito realista na assunção da derrota e muito irrealista nas razões que a motivaram. Sem sofismas, admitiu o seu fracasso e o êxito do PS, insistindo, contudo, na tecla da linha política que levou muitos dos seus candidatos ao tapete. Posso admitir que, com a "troika" no Terreiro do Paço, não lhe restasse outra opção. Mas, salvo um milagre, acaba de escrever mais um capítulo da crónica de uma morte política anunciada. O PSD continuará a ser, apesar da "abada" de ontem, um grande partido autárquico e, sem fundos comunitários para alimentar as rotundas, os repuxos e a relva, os edis socialistas vitoriosos vão passar por tempos bem difíceis. Daqui a quatro anos, a "máquina PPD" vai recuperar. Até lá, o sebastianismo "fluvial" irá corroendo o partido, sendo muito curioso ver o que o Porto poderá fazer por isso. Não faço prognósticos, salvo que, para os social-democratas, tudo será pior amanhã do que hoje. Estas eleições colocaram um ponto final no otimismo que a remodelação de agosto provocara. Em política o que é, tarde ou cedo, aparece.

4. Sem surpresas, o PCP volta a federar algum descontentamento que a prudência do PS não conseguirá nunca agarrar, sob pena de se descredibilizar como força de alternância. Tendo habilmente feito esquecer ao eleitorado que foi com o seu voto (e o do Bloco) que os socialistas foram derrubados em 2011, e que é graças ao PCP que Passos Coelho é hoje primeiro ministro e aplica as políticas que os comunistas diabolizam, a Soeiro Pereira Gomes regressa momentaneamente aos "ontens" que sempre canta lá pelo Alentejo e arredores lisboetas "enragés". Daqui a dias, voltará para a rua, pela mão da sua heterónima CGTP. Enquanto o sacrifício essencial recair no setor público, o efeito político será uma coisa. Quando forem os assalariados e reformados privados a ter de pagar a fatura - como se viu no caso da TSU - o caso mudará de figura e as ruas passarão a avenidas. O PCP terá sempre e apenas a força que o leque das medidas do governo lhe concederem. Nem mais, nem menos.

5. O CDS confirma-se como indiscutível líder da "liga dos últimos". Com cinco bravas Câmaras cinco, recolhe as canas do incêndio no PSD e ganha a noite, formalmente compungido com o desaire do parceiro. Não dá para abrir uma garrafa de "Ruinart", mas dá para beber um espartano "Magos", brindando aos 500% de crescimento! Os centristas passam assim por entre as pingas do dilúvio que se abateu sobre a maioria, mas talvez a irritação desta obrigue a publicar, de uma vez por todas, o famigerado "guião da reforma do Estado" e o saldo efetivo do batimento de pé à Europa nas últimas semanas. A montanha parirá um Caldas?

6. Uma "ultima corrida em Salvaterra" terá sido lidada pelo Bloco, dela saindo aos ombros de si próprio, como é próprio da modéstia política caseira, que vive das derrotas dos outros, não podendo apresentar vitórias próprias. O esquerdismo pós-modernaço e pós-Frágil terá chegado ao fim? Não acredito, mas a sedução bloquista está a esvair-se rapidamente, com o PCP a rir-se a bom rir. Daqui para diante, como é que vai ser? A esquerda da esquerda bloqueada? Não faço ideia, confesso. Mas, francamente, tenho a sensação de que será só uma curiosidade estatística.

7. No meio de tudo isto, como terá sido o domingo da "troika", fechada pela morrinha no seu hotel, entre o "zapping" e os amendoins do mini-bar? Deve estar intrigada ao saber que já houve um Rio no Porto que ninguém atravessou e que agora nasce outro em Braga. Pedirá às suas secretas para descodificar a salgalhada de apoios que colocou Moreira no alto dos Aliados. Cuidará em saber quem é esse tal de Isaltino que não aparece mas afinal está bem presente. Ouvirá sereias a vender-lhe a troca de Costa pelo Seguro e opostos oráculos a defender o senhor do Rato contra o edil mais popular no país. Procurará com lupa as foices e os martelos escondidos no logo inocente da CDU. Sorrirá a bom sorrir quando lhe derem os números daquilo que é a força política por detrás do seu interlocutor nas conversas do "pacote" de avaliações que lhes alimenta as ajudas de custo. E, quem, na "troika" souber um pouco de bola, terá concluído que o Porto ganhou com um penálti falso, no dia de um seu aniversário que também o é. Mas isso nem a "troika" sabe.

8. Mudou alguma coisa no dia de ontem? Mudou. Mas vai demorar algum tempo até que saibamos exatamente o quê e para quê. Resta-me a dúvida no saber se teremos esse tempo.

Vila Real

Nasci em Vila Real. Em 1996, na qualidade de independente, aceitei o convite para chefiar a lista do Partido Socialista à Assembleia Municipal de Vila Real. Fui então derrotado por Passos Coelho. Não, não era esse! Era o pai, que titulava a lista social-democrata, uma pessoa muito estimável por quem mantenho um grande respeito.

Essa não foi a primeira vez que me interessei pela política local. Em 1969, no tempo em que andava na universidade, colaborei com gosto na Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de Vila Real que, contra ventos e marés, sob a orientação dessa grande figura da democracia que se chamou Otílio de Figueiredo, levou a cabo uma difícil aventura cívica de combate à ditadura, que guardo nas minhas melhores memórias. (Ainda ontem encontrei o meu velho amigo António Leite, que me apalavrou para a primeira reunião clandestina, na sala onde a sua avó Dona Dirceia dava explicações, cuja chave surrupiou para o efeito).

Desde a instauração da democracia, e passadas as "comissões administrativas", o PPD (e depois o PSD) dominou sempre o município vilarealense, primeiro com Armando Moreira, mais recentemente com Manuel Martins. O PSD perdeu ontem essa liderança, com erros partidários locais a serem potenciados por uma das mais profundas derrotas autárquicas da sua história, à escala nacional.

O PS, que nunca conquistara a Câmara, apesar de vários combates corajosos no passado, conseguiu-o agora pela mão de Rui Santos, um candidato jovem que tem uma excelente oportunidade para titular um novo tempo para a cidade. Não será uma tarefa fácil, num concelho complexo, desigual e sem uma estratégia de desenvolvimento regional minimamente consensualizada. Por muitas razões, mas essencialmente para bem de Vila Real, só lhe posso desejar que venha a ter o maior sucesso.

Em tempo: à hora que este post é publicado, ainda há dezenas de autarquias por apurar. Não seria possível fazer melhor? 

domingo, setembro 29, 2013

Por um voto

"Por um voto se ganha, por um voto se perde", costuma dizer-se na vida democrática. Às vezes, é assim mesmo.

O meu pai costumava lembrar que, numas das primeiras eleições autárquicas, lá por Vila Real, a minha mãe, por uma qualquer razão momentânea, decidira não ir votar, não obstante ambos terem uma declarada preferência por um candidato à presidência da Junta de Freguesia da sua residência. Esse candidato perdeu... por um voto!

Vote!

Em tempo: o PS ganhou por um voto em Mogadouro! Eu não dizia?!

Com o devido respeito

O senhor presidente da República considera - e muito bem! - que a legislação que enquadra o modelo de cobertura mediática das eleições autárquicas está desadequado da realidade e deve ser revisto. Com o devido respeito, e como se diz na minha terra, "até aí chegou o Neves!". Já toda a gente tinha constatado isso e é com imensa pena que vejo o chefe de Estado português a proferir, na solenidade da noite que antecede o ato eleitoral, uma banalidade que as últimas semanas transformaram numa verdade de La Palice.

Se o senhor presidente, que tem um batalhão de conselheiros a assessorá-lo para as suas tomadas públicas de posição, e que está no cargo há bem mais de seis anos, tivesse, a tempo e horas, dito aos partidos o que ontem disse, talvez as eleições autárquicas que hoje se disputam tivessem decorrido num melhor ambiente de informação democrática. Do mesmo modo que, também há muito tempo, com a sua autoridade institucional, poderia ter espoletado uma clarificação da lei dos mandatos, que acabou por transformar estas eleições num triste espetáculo de ambiguidade e cobardia legislativa.

Só podemos esperar que o senhor Presidente da República, na comunicação que fará ao país na véspera das próximas eleições legislativas, não venha a surgir nos écrans televisivos a lamentar, dessa vez, que os partidos políticos não tenham entretanto empreendido uma revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República, encurtando os ridículos longos prazos, a montante e a juzante do ato eleitoral, que, pelo menos de quatro em quatro anos, contribuem para atrasar a normalidade da vida política, económica e social do país. Nessa que irá ser a sua derradeira intervenção num contexto similar, seria desejável que o chefe do Estado pudesse colocar a crédito de uma sua atempada intervenção a fixação de um quadro legislativo com calendários mais céleres e menos burocráticos.

sábado, setembro 28, 2013

Vitórias

Hoje, dia "de reflexão", não se deve falar de eleições na comunicação social. Nem nas redes sociais, presumo que blogues incluídos, segundo a Comissão Nacional de Eleições. Um país que acreditasse na maturidade dos seus eleitores já teria posto termo a esta ridícula política de "faz-de-conta".

Não é apenas pela permanência no tempo desta iníqua disposição que se constata que a inteligência dos portugueses é tida em limitada consideração pelos partidos políticos, que teimam em manter na lei esta absurda limitação. Na noite de domingo, teremos uma outra prova disso: com a maior "lata", e fazendo dos eleitores parvos, todos os partidos cantarão vitória.

O CDS e o Bloco de Esquerda acenarão com os seus microscópicos números, comparando-os com o "benchmark" temporal que lhes der mais jeito. Confessar a sua insignificância autárquica é que nunca! O PSD, que já pôs em campo a sua máquina de comentadores com vista a almofadar o que vai ser a "vitoriosa" abada que vai levar, recorrerá ao estafado truque de afirmar que os resultados, afinal, não foram tão maus como as previsões apontavam, que as coligações não autorizam leituras "precipitadas" da expressão partidária à escala nacional e que, no fundo, "eleições locais são locais", magnificando um ou outro êxito pontual menos aguardado. Internamente incomodado com o facto da sua natural vitória ficar bem longe da expressão de "landslide" que o profundo mal-estar do país deveria justificar em seu favor, o PS cavalgará as mais estrondosas derrotas do PSD e fará a sua festa, esquecendo Évora, Braga e Matosinhos, e contando votos, mandatos, grandes cidades ou câmaras, como melhor convier ao discurso do seu êxito anunciado. O PCP, através do heterónimo grupinho que renasce nos tempos eleitorais, proclamará a "grande derrota" que a política da "troika" sofreu, dando relevo "ao forte voto de confiança que o nosso povo uma vez mais concedeu aos candidatos da CDU". E, não desiludindo expetativas, conclamará as massas para a exigência de eleições legislativas antecipadas.

Os portugueses, esses, irão deitar-se amanhã com uma sensação de "déjà-vu".

quinta-feira, setembro 26, 2013

Zelig

Seria importante para a imagem internacional de Portugal que Woody Allen fizesse um filme em que Lisboa fosse o cenário de fundo? Claro que sim.

Se Allen "agarrasse" bem a capital portuguesa, numa trama inteligente e sem clichés, fugindo ao modelo, a meu ver demasiado simplista, que usou para Paris e Roma, ficaria orgulhoso em poder contar com a capital portuguesa no seio daquela que (já) foi uma das filmografias mais geniais da minha geração.

Mas suspeito não é isso que se pretende. O que por aí se anseia é o afadistar da película, é a reiteração do óbvio - um diálogo romântico no alto do parque Eduardo VII com o Tejo a diluir a outra banda, a Baixa ensolada do miradouro do castelo, o elétrico a chiar na já estafada esquina de Alfama, o bilhar do Pavilhão Chinês, a bica na mesa de Pessoa no Martinho da Arcada ou com o Pessoa da Brasileira, um "tête-à-tête" num dos poisos do Avillez ou com um prego no prato e um fino na Trindade, um "contre-plongée" no elevador da Bica ou cenas de rua no Bairro Alto grafittado, o olhar nostálgico do jardim de S. Pedro de Alcântara ou da saramáguica Casa dos Bicos. Duvido que tenham coragem para incluir o "suspense" de uma viagem mistério com um taxista do aeroporto ou a emoção da carteira fanada no 28, agora que o Intendente passou de moda.

Claro que isso traria a Lisboa gente, euros, dólares e balzaquianas, que passariam os dias a fazer "takes" caseiros, a imitar a película no seu iPhone, a comer os pastéis de Belém do Álvaro, a inundar os Jerónimos de "uáus!" e o terraço das Portas do Sol de turistas. Seria o "Allgarve" de Manuel Pinho em versão alfacinha, desta vez a cheirar a sardinhas no verão e a castanhas no inverno.

Era bom para o turismo? Era capaz de ser. Mas, desculpem lá, tudo isso soa-me demasiado, no pior, a um "remake" do SNI e Moreira Baptista, e, no melhor, a Verde Gaio e António Ferro. Deixemos o Woody Allen em paz, nas boas recordações que nos fixou! Não alimentemos esta espécie de Zelig urbanos que agora lhe enchem os bolsos.

Bom, a menos que ele traga para a fita a Scarlett Johansson! Uma cena com ela no Procópio far-me-ia rever tudo quanto atrás escrevi, devo confessar...

Timor e o fim da descolonização

Há dias, numa conversa durante uma cerimónia na visita a Portugal do presidente timorense, Taur Matan Ruak, lembrei-me de uma história passada em Nova Iorque, ao tempo em que por lá passei como representante permanente de Portugal junto das Nações Unidas.

Um dia (creio que) de maio 2002, um colaborador perguntou-me se estava interessado em ir "à última reunião em que o 'Comité dos 24' iria abordar a questão de Timor". Como a minha agenda era então um "inferno", lembro-me de ter hesitado por um instante. Mas a atenção prioritária que sempre dávamos a Timor-Leste fez-me logo dizer que sim. Porém, só um pouco depois tive a consciência do que essa reunião na realidade significaria.

O "Comité dos 24" (até 1962 conhecido por "comité dos 17", em função do número dos países que o compunham) é uma fórmula redutora para um nome bem mais longo: "Comité especial encarregado de examinar a situação relativa à aplicação da Declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais". É também chamado "Comité especial para a Descolonização". O Comité foi criado em 1961, após a aprovação da referida Declaração pela Assembleia geral da ONU, em 1960.

Ainda em 1962, Portugal foi convidado a estar presente numa reunião do "Comité dos 17". (Recordo que, em fevereiro e março de 1961 tiveram lugar graves incidentes em Angola e que Goa caiu em mãos indianas em dezembro desse mesmo ano). Considerando que, na perspetiva do governo de Lisboa, não havia, sob a sua tutela, colónias ou territórios passíveis de se enquadrarem nos objetivos do Comité, o governo português veio a recusar-se, a partir de então e até 1974, a colaborar com aquela estrutura, que se iria transformar num dos mais ativos instrumentos internacionais de denúncia do colonialismo português. Com a aceitação da autodeterminação e independência das suas colónias, a partir da Revolução de 25 de abril, tudo mudou. E, desde 1975, apenas o caso de Timor-Leste, dentre os antigos territórios coloniais portugueses, permaneceu como um processo em aberto nessa instância, neste caso sob a denúncia da ocupação indonésia.

Por essa altura de 2002, aproximava-se a independência de Timor-Leste, que iria ter lugar no dia 20 de maio. A reunião do Comité para a qual eu era convocado era a última na qual uma questão relativa à história colonial portuguesa era evocada. Já não me recordo do que disse na sessão, o que deve constar da respetiva ata oficial e do relato desta que terei feito para o MNE. Mas lembro-me bem de que, nesse momento, tive a consciência de que a presença de Portugal naquele ato culminava, de certa maneira, um tempo histórico.

Com a independência de Timor-Leste, no dia 20 de maio de 2002, fechar-se-ia um ciclo de uma aventura imperial iniciada em 22 de agosto de 1415, com o assalto militar português à fortaleza mourisca de Ceuta. Na reunião do "Comité dos 24", em que eu participei em nome de Portugal, escassos dias antes daquela independência, encerrava-se formalmente último capítulo do longo processo que conduziu ao fim do tratamento internacional da questão colonial portuguesa, iniciado meio século antes.

quarta-feira, setembro 25, 2013

Memória

O comentário que o cavalheiro inglês fez para a sua mulher, ontem, numa loja do aeroporto de Málaga, fez-me sorrir: "este cheiro lembra-me qualquer coisa!" O curioso é que eu estava a pensar precisamente o mesmo, embora, no meu caso, não tivesse a menor dúvida: era o da uma loja, em Greenwich Village, no fundo da 7a avenida, em Nova Iorque, em dezembro de 1972. Era um odor perfumado, com algo de oriental, que ia bem com algum ambiente da época. Não faço ideia do que é, mas tenho a certeza absoluta de me não enganar.

Uma vez, trocando impressões com António Pinto da França, um grande amigo que há pouco se foi, dei-me conta de que comungávamos o facto de mantermos uma memória olfativa muito aguda, ligada a certos momentos da vida que tinham ficado registados para sempre. E comentámos o facto de conhecermos outras pessoas com idêntica experiência.

Sucede-me de vez em quando, embora de forma não muito frequente: entro num local, tenho uma certa perceção olfativa e, às vezes, quase sem esforço de memória, regresso por um instante a um certo local e a um tempo, sempre longínquo, onde essa perceção já se produziu. O curioso é que isso não corresponde, necessariamente, a ocasiões ou locais marcantes do passado, mas a tempos banais. Ou, então, a minha memória não os considera tão banais como isso.

Algumas vezes me tenho encontrado com o cheiro típico da cera das escadas do Clube de Vila Real, nos anos 60. Há tempos, numa esquina não sei bem onde, surgiu-me o odor que emanava de uma mercearia da rua Alexandre Braga, no Porto, um misto de café e especiarias, no meu tempo de universidade. Lembro-me bem do aroma, acolhedor, da copa da cozinha das minhas tias, nas Pedras Salgadas, com um fundo inconfundível de marmelada. E, há uns meses, ao entrar num escritório, dei "de narinas" com o cheiro que emanava das madeiras da nova Biblioteca Nacional de Lisboa, no início dos anos 70. Guardo quase uma vintena, bem identificada e razoavelmente datada, desses locais e dessas impressões olfativas. 

Este verão, em Viana do Castelo, decidi "ir à procura" do cheiro eterno do corredor que levava ao sótão (à "torre") da casa da minha avó. Pedi para visitar a casa, hoje uma bela escola de música. Sem grande surpresa, do cheiro dessa casa antiga, onde já não ia há quatro décadas, "nem o cheiro". Perguntei então se podia ir à cave, à "loja", como lhe chamávamos. E lá estava ele, entre arquivos, um outro confortante odor, feito de humidade, poeira e memória. Pronto, tinha ganho o meu dia!

Ficarei grato a quem me possa indicar um livro sobre cheiros e memórias. Havendo coisas escritas sobre tudo, estou certo que existirá algo sobre isso.

terça-feira, setembro 24, 2013

Juventude e cidadania

É interessante perceber que existe hoje uma verdadeira globalização das preocupações dos jovens, independentemente das respetivas origens. Isso esta bem evidente na "universidade para a juventude e o desenvolvimento" que o Centro Norte-Sul está a realizar em Mollina, em Espanha. 

Desde há 14 anos que o Centro toma a iniciativa, com vários parceiros institucionais, de organizar, durante uma semana, um evento em que envolve centenas de participantes, na maioria entre os 20 e 30 anos, oriundos de estruturas de juventude de uma multiplicidade de países, reunidos em torno de uma temática cívica. O objetivo é preparar quadros que levam para as organizações onde operam modelos de abordagem de questões ligadas às grandes temáticas internacionais de natureza cívica. Este ano, o tema da "cidadania democrática" foi escolhido como motivo central.

Com uma equipa de formadores bastante testada, procura-se confrontar experiências, dificuldades e modelos de exercício da cidadania, nos vários contextos nacionais e regionais. Contamos com jovens de dezenas de países, que vao da Bielorrúsia às Honduras, da Somália a Cabo Verde, do Quénia ao Egipo, do Canadá à Tailândia e por aí adiante, passando naturalmente pela maioria dos Estados europeus. A diversidade dos contextos nacionais e culturais de origem não impede um aprofundamento sobre questoes cuja universalidade cria um laço que permite a troca de perceções, sempre num quadro de respeito pelo outro e pelas respetivas convicções.

Como diretor executivo do Centro - que não é uma organização portuguesa mas europeia, dependente do Conselho da Europa - coube-me estar presente na abertura da "universidade" e assistir aos primeiros dias dos seus trabalhos. Devo confessar que foi uma experiência única poder testemunhar um conjunto muito rigoroso de atividades, desenvolvidas num ambiente em que a informalidade não afeta. E entendi melhor o conceito africano do "mais velho"...

segunda-feira, setembro 23, 2013

António Ramos Rosa (1924-2013)

Morreu hoje António Ramos Rosa, um dos maiores poetas portugueses contemporâneos..

Apetece-me deixar aqui o link para o seu clássico "Poema de um funcionário cansado".

domingo, setembro 22, 2013

Nós e a Alemanha

O porta-voz do PS acaba de considerar que a vitória esmagadora da CDU/CSU é "um mau resultado para a Europa". 

Não sei se é ou não, só sei que Angela Merkel, se os socialistas forem poder em Portugal durante os próximos quatro anos, será a chefe do governo alemão com a qual o primeiro-ministro socialista vai ter de lidar, com a qual vai trocar, na sua primeira deslocação a Berlim, naturalmente ido de Paris, os beijos sorridentes da coreografia diplomática tradicional, com a qual subscreverá, em conferência de imprensa à saída do "diálogo frutuoso e construtivo" que constituiu esse encontro conjunto (que uma fonte anónima de S. Bento deixará cair à comunicação social que durou muito para além da meia-hora programada), a "vontade comum para trabalhar num quadro europeu cada vez mais liberto de tensões, através da construção de uma agenda de governação económica sustentada por respostas credíveis para pôr termo à persistência dos efeitos da crise em vários Estados da União Europeia, cada vez mais necessárias para a preservação da estabilidade do euro e para o desejável aprofundamento do projeto europeu, que Portugal e Alemanha partilham". Ambos vão indicar que, com essa finalidade, manterão "um estreito contacto e um constante diálogo, com vista a garantir um trabalho frutífero comum nas instâncias da União, para enfrentar os grandes desafios com que hoje a Europa se confronta, num clima de confiança e abertura, à altura da excelência das relações de há muito existentes entre os dois países". A chanceler alemã, que o primeiro-ministro convidará a visitar Portugal "numa data futura, a definir através dos canais diplomáticos", expressará "a confiança que tem em que o novo executivo português prossiga as necessárias medidas de consolidação orçamental", deixando "uma palavra de sincera admiração pelos esforços levados a cabo pelo povo português nos últimos anos, que deverão conduzir a uma saída da crise num prazo razoável e à retoma de um processo de desenvolvimento no qual os investimentos alemães em Portugal continuarão a ter uma relevância muito importante". Pegando na palavra da chanceler, o primeiro-ministro português aproveitará o ensejo "para saudar as empresas alemãs que estão presentes na economia portuguesa, estimulando outros investidores alemães a apostarem no mercado português, no qual poderão encontrar excelentes oportunidades e um grande abertura". 

Alguma imprensa notará, contudo, que, após a conferência de imprensa, a chanceler não acompanhará o primeiro-ministro português até ao carro, no termo da longa passadeira vermelha onde o havia recebido no início do encontro, ocasião em que ambos, entre sorrisos, haviam apontado para o céu, referindo-se seguramente ao tempo que fazia em Berlim. 

Politicamente incorreto

Quem se ofende ou acha discriminatórias graças que podem tocar os limites da "correção" política deve abster-se de ler o que se segue.

Um dia, na segunda metade de 1996, um banco português decidiu convidar o cantor lírico Andrea Bocelli para um espetáculo em Portugal. Bocelli, um fantástico intérprete, cego (ou invisual, como parece ser hoje de regra dizer-se), exigiu condições financeiras substanciais. Porém, o banco, interessado como estava na presença do cantor, aceitou os números exigidos.

Não se contava, porém, com uma "competição" como a que viria a surgir: o recém reeleito presidente americano, Bill Clinton, queria ter Bocelli nas comemorações da sua segunda entronização. E as datas coincidiam. O cineasta Steven Spilberg, apoiante do presidente, estava mesmo disposto a deslocar-se a Itália, no seu avião particular, para garantir a presença de Bocelli em Washington.

O "combate" entre os dois concorrentes prolongou-se por algum tempo. A certo ponto, o caso pareceu perdido para o banco português, com Bocelli a dar sinais de ir optar pela sua prestigiante alternativa transatlântica. Foi então que um diplomata português, envolvido pontualmentr na questão, um homem que costuma cultivar o humor como um valor mais elevado do que as regras do politicamento correto, se saiu com esta frase que ficou na memória de quem esteve envolvido no assunto:

- Isto é incrível! Portugal raramente tem dinheiro para "mandar cantar um cego". Logo agora, que foi possível arranjar o dinheiro, o cego não quer cantar...

Para a história: Bocelli acabou por conseguir vir a Portugal e o avião, com o próprio Spielberg, ficou à espera do cantor no aeroporto do Porto, aguardando o fim da sua prestação. E foi possível compatibilizar os dois espetáculos.

Espero que ninguém tenha ficado ofendido com esta inocente e verdadeira história, que alguém, há poucas horas, recordou num grupo de amigos, que a achou bem divertida.

sábado, setembro 21, 2013

"Pela Europa"

Tenho pena de não poder colocar aqui um link, mas o "Público online" não o permite. Porém, o excelente artigo que o meu colega embaixador Fernando d'Oliveira Neves hoje publica no jornal é de leitura obrigatória para quem, entre nós, se interessa pela questão europeia.

Fazendo um bosquejo histórico sobre o modo como o projeto integrador deu um sopro de paz ao continente europeu e se constituiu numa inédita esperança para o mundo, o texto, significativamente intitulado "Pela Europa", é um sinal mobilizador para abanar algum injustificado euroceticismo que por aí anda, propagado por quantos confundem a conjuntura com a História.

Não me custa admitir que alguns possam alimentar dúvidas sobre se certas políticas europeias, por ação ou omissão, não poderão ter estado na origem de alguns dos nossos atuais problemas. Mas não tenho a menor dúvida que é fundamentalmente na Europa, e com ela, que serão encontradas as soluções para os resolver.

A Europa de Rui Tavares

Não conhecia pessoalmente Rui Tavares. Ontem, ao final da tarde, tive o gosto de com ele discutir a temática da União Política europeia, durante mais de hora e meia, numa participada sessão na Culturgest.

Com uma formação intelectual que lhe permite situar, com profundidade e brilho, o atual debate europeu no percurso histórico do continente, Rui Tavares desenvolveu uma leitura, simultaneamente realista e generosa, das opções possíveis para a superação da crise, muito assente na busca de uma maior democratização do processo europeu, com vista a uma crescente legitimação do projeto integrador. Um discurso onde a exigência ética esteve sempre presente, na linha do que tem sido a sua ativa participação no processo parlamentar europeu.

Gostei de o ouvir sobre a possibilidade de a eleição do próximo presidente da Comissão Europeia poder vir a converter-se num debate entre diferentes perspetivas sobre as linhas que a política económica e financeira da Europa deve assumir perante a crise. Embora eu alimente sérias dúvidas de que o "centrão" europeu (PSE e PPE) venha a confrontar-se publicamente, de forma radical, em torno das saídas para a crise, pareceu-me interessante a ideia que desenvolveu sobre a importância de ver um futuro presidente da Comissão investido de uma legitimidade europeia própria, que poderia vir a dar origem a um potencial "choque" competitivo com os poderes do Conselho, com consequências interinstitucionais bastante curiosas. Quem sabe se isto, a ser possível, não poderia significar o início de um "big bang" institucional, que ajudasse a romper com o impasse em que nos encontramos.

No plano português, Rui Tavares defendeu a discussão de um "memorando de desenvolvimento" (em irónica oposição ao 'memorando de entendimento' com a "troika"), que possa ajudar a sociedade portuguesa a dotar-se de uma estratégia nacional clara, para um período de, pelo menos, uma década. Na sua visão, seria importante que Portugal pudesse refletir sobre a ineficácia do modelo que parece estar a servir de referência à organização sócio-económica do país, tributário do que pode entender-se como um acordo social implícito, gerado nos anos 70. E, saindo dele, procurasse discutir e consensualizar um novo paradigma, assente no conhecimento e na inovação, seguindo de perto as prioridades que a Europa está a adotar para as suas políticas comuns.

Julgo que, para todos quantos estiveram na Culturgest, foi muito estimulante ouvir, sobre a Europa, um olhar inteligente e culto, despido da ganga das velhas soluções. Algum idealismo e ousadia nunca fizeram mal ao debate europeu, antes pelo contrário.

Este e outros debates pode ser visualizado aqui.

sexta-feira, setembro 20, 2013

Uma Ajuda, precisa-se

Passei, há minutos, ao lado do Palácio da Ajuda. Por lá trabalhei, nos meus tempos militares, tendo-me interrogado, na altura, sobre qual a misteriosa razão que levava a que, desde há séculos, a sua fachada oeste se mantivesse com aquele ar de ruína inacabada. Um dia, nos anos 90, tive o ensejo de assistir a uma reunião política em que o assunto foi discutido e uma solução possível foi abordada. Desconheço a sua sequência, que presumo que terá sido nenhuma.

A "malapata" de Santa Engrácia acabou nos anos 70. Fizeram-se o CCB e imensos quilómetros de autoestradas, pavilhões gimno-desportivos, rotundas, milhares de obras, muitas delas inúteis, para encher o olho e o bolso patobravista autárquico. Terá também havido dinheiro para construir, de raíz, um novo e muito discutível Museu dos Coches. Neste mar de fundos, por que será que o Palácio da Ajuda permanece como o parente pobre do nosso mais valioso património histórico-arquitetónico?

Já se percebeu que não há a menor hipótese de vir a construir-se o resto do palácio, sob o desenho conhecido. Mas então por que razão não se opta por uma solução arquitetónica inteligente e criativa (mesmo "modernaça"), não excessivamente dispendiosa, que dê um "fecho" decente ao que já está construído e acabe, de uma vez por todas, com aquele triste mono que se vê do lado da calçada da Ajuda e que, do interior, apresenta o que a fotografia mostra?

Há um amigo meu que tem uma teoria: dado que é precisamente nesse palácio que funciona o IGESPAR (Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico), ninguém "olha" para o Palácio da Ajuda do lado de fora.

Mais a sério: eu sei que os tempos não são os melhores para a realização de "obra pública", mas alguém me saberá explicar a razão pela qual o Palácio da Ajuda não encontrou nunca uma solução arquitetónica final?

União política

Hoje, pelas 18.30 horas, na Culturgest, acompanharei o deputado europeu Rui Tavares numa conversa sobre a União Política europeia.
 
Este será o último de uma série de encontros que a Culturgest decidiu promover sob a temática comum "Portugal e a reformatação da Europa: incertezas, riscos, opções", que até agora já contou com a participação dos deputados ao Parlamento europeu Elisa Ferreira, Paulo Rangel e Diogo Feio.
 
É talvez altura de revelar que esta iniciatica resultou de uma "conspiração euro-preocupada" para a qual fui convidado pelo diretor da Culturgest, Miguel Lobo Antunes, e que envolveu os nomes de Fernando Bello, João Costa Pinto, João Ferreira do Amaral, João Salgueiro e José Manuel Felix-Ribeiro.  

Arquiteturas

Abri ontem o "Le Monde" e dei de caras com um título: "Lisboa, sim! Mas não para a Trienal de Arquitetura". O jornal francês lançava um forte ataque ao evento em curso na capital portuguesa, cujos organizadores são acusados de "preguiça maximalista e lúdica", da qual terá resultado uma mostra "pretensiosa e naïf". Tomei nota, mas não tenho a menor opinião sobre se o "Le Monde" tem ou não razão.

O artigo não deixa de notar que Portugal continua a ser um dos raros países do mundo que tem dois arquitetos a quem foi atribuído o equivalente ao prémio Nobel da Arquitetura, o prémio Pritzker: Siza Vieira e Souto Moura. (Por curiosa coincidência, vou participar hoje num almoço de trabalho destinado a lançar uma iniciativa que tem como objetivo reforçar o reconhecimento internacional da nossa arquitetura).

Voltando ao texto do "Le Monde", registe-se o retrato cruel, mas infelizmente verdadeiro, que o jornalista produz sobre a Lisboa de hoje: "uma multidão de sem-abrigo, uma miríade de estabelecimentos comerciais fechados, obras suspensas ou quase um pouco por todo o lado e uma impressionante série de imóveis com janelas fechados ou quebradas, deixadas ao abandono, arruinadas". Não obstante, o jornalista estimula a que se visite Lisboa, dando sinais de clara solidariedade com um país em crise. Só faltou falar deste sol magnífico, que nem a crise nos tira!

quinta-feira, setembro 19, 2013

Políticos e diplomatas (2)

O X Curso de Verão do IPRI, que ontem se concluiu em Óbidos, coincidiu com um interessante levantamento sobre a carreira diplomática portuguesa, bem como sobre as figuras políticas que, ao longo dos tempos, titularam lugares governativos no MNE.

Na intervenção que fiz, e que encerrou os trabalhos do curso, dei conta da minha perspetiva sobre as mudanças que o 25 de abril trouxe à nossa carreira diplomática, quer em termos de recursos humanos e da extensão da rede diplomática, quer quanto aos novos desafios suscitados pelo processo de democratização e por uma decorrente maior aceitação política internacional do país. Dei também destaque às mutações induzidas pela integração europeia e à nova cultura de trabalho multilateral. Mas, muito em especial, notei as virtualidades da expressiva continuidade das grandes linhas da política externa portuguesa e da importância de um país como Portugal dever projetar uma imagem "previsível" perante os seus interlocutores internacionais. E falei, com algum detalhe, da relação entre os políticos e diplomatas.

Crónica do défice

Por uns dias, volta a descer à cidade o circo da "troika". Tudo começa com as entradas e saídas apressadas dos automóveis, com os estagiários de imprensa, de "corneto" em punho, a gaguejarem umas perguntas em inglês a uns cavalheiros graves (já era tempo de escolherem uma senhora!) que eles estão desertos de saber que lhes não lhes dirão um simples "bom dia". Depois, segue-se aquele patético "perp walk" pelos corredores de S. Bento, até chegarem à cena com a presidente do parlamento (cá por coisas, adorava ser mosca nesta cena) e, minutos mais tarde, a reunião com a "balcanizada" comissão parlamentar de acompanhamento, de onde presumo que os homens devam sair mais confusos do que entraram. Há também a clássica ida ao Rato, onde o PS, seguramente, lhes repetirá aquilo que o seu secretário-geral já disse publicamente. Fecha esta primeira parte o encontro com a "concertação social", num ritual à volta de uma imensa mesa, que tudo indica ser um mero pretexto para uns minutos de antena de patrões e sindicatos à saída. 
 
Como toda a gente sabe, nas reuniões que acima referi não se passa realmente nada de importante, tanto mais que as posições de todas essas partes são já sobejamente conhecidas. Por isso, obviamente que o que interessa à "troika" são os encontros técnicos no ministério das Finanças (ou agora serão nas Laranjeiras?), onde o governo lhes dirá o que pôde ou não implementar, daquilo a que se comprometeu, desde a última avaliação.
 
Só que, desta vez, há, de facto, alguma coisa de verdadeiramente novo. O vice-primeiro ministro, que tem oficialmente a seu cargo o controlo político das negociações, deixou claro no parlamento, em coerência com o que sempre disse, que pretende explorar a possibilidade de vir a ser aceite um défice de 4,5% do PIB, provavelmente com vista a poder aligeirar o peso de algumas medidas de austeridade que se avizinham. Nessa posição de flexibilização, viria a ser acompanhado por um novo e importante ministro do seu partido. Logo de seguida, porém, a ministra das Finanças, num comentário em cenário báltico, não se desviando um milímetro das (antigas) orientações do seu antecessor e numa irrecusável coerência com o que ela própria sempre afirmou, veio dizer, de imediato respaldada pelo chefe do governo, que não passa de "ruído" a ideia de flexibilizar a meta de 4%, que está acordada para este ano, esclarecendo, mais tarde, que, se isso viesse a acontecer, apenas conduziria o país a ter mais défice para pagar. Porém, logo de seguida, o principal responsável, fora do governo, do partido que dirige o executivo, surgiu a acusar o FMI de "hipocrisia institucional", ao não aceitar alterar as metas do défice, embora reconheça em estudos a ineficácia do modelo de ajustamento. Mas, afinal, em que ficamos? Qual é a posição oficial portuguesa? Queremos ou não uma meta para o défice menos constrangente do que a que está prevista?  
 
Se há uma coisa consensual na vida diplomática, por um mero raciocínio de bom senso, é o facto da imagem de um país se fragilizar, de imediato, quando, perante um qualquer interesse nacional a defender na ordem externa, se deteta uma não coincidência entre as posições oficiais que surgem publicamente expressas. Neste caso, os mercados, nos juros e na atitude de uma agência de "rating", já deram sinais de lerem esta cacofonia como produto da reemergência de divisões internas no seio da maioria. Será mesmo assim? Estaremos a caminho de um "remake"? 

quarta-feira, setembro 18, 2013

Políticos e diplomatas

Hoje à tarde, em Óbidos, falarei sobre a minha experiência como diplomata que, por mais de cinco anos, desempenhou funções políticas. O Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), pela mão do seu diretor, professor Nuno Severiano Teixeira, realiza ali o seu curso de verão, desta vez intitulado "Políticos e diplomatas: quem são as elites portuguesas que fazem a Política externa".

Tenho imensa pena de não ter podido aceitar o convite para estar presente nos três dias deste interessante curso. Porém, esta é uma semana bastante complicada, em termos de agenda.

Na segunda-feira, num contexto empresarial, fui falar sobre os grandes desafios geopolíticos da atualidade. Na terça feira, estive presente numa mesa redonda, no domínio da Segurança e Defesa, sobre gestão de crises e missões da União europeia. Nesta quarta-feira, estarei em Óbidos, no já referido curso de verão do IPRI. Na quinta-feira, num enquadramento bem diferente, intervirei sobre a crise do euro e as perspetivas da economia europeia. Na sexta-feira, na Culturgest, discutirei, com o deputado europeu Rui Tavares, as perspetivas da União Política na Europa. E, no fim de semana, rumarei a Málaga, para abordar questões de cidadania europeia, a convite de uma iniciativa universitária internacional.

Quem corre por gosto não deve cansar-se. Como diria um velho amigo vilarealense: digo eu, não sei!

terça-feira, setembro 17, 2013

Nunca!

A resposta daquele contínuo, frente ao responso que o acusava de ter sido ele o responsável por uma qualquer ação menos adequada, ficou histórica:

- Ó senhor embaixador, não é verdade! Nunca fiz isso, nem volto a fazer...

Diligência útil


Foi no final dos anos 70 do século passado. Portugal não tinha uma embaixada naquele país. Aquele ministro português, de uma área técnica, quis ter um encontro com o seu homólogo local, de cujo departamento dependia um importante contrato de uma empresa nacional do seu setor. O encontro foi marcado, à margem do nosso Ministério dos Negócios estrangeiros, através de uma representação diplomática desse país num terceiro Estado, numa espécie de "diplomacia paralela", estimulada pela empresa e decidida pelo estilo "operacional" do governante.

Um forte contencioso tinha-se instalado entre a empresa e aquele Estado, por virtude de um atraso de pagamentos. O país era distante, a viagem fora longa, mas a importância do assunto justificava, no entender do ministro, o esforço e a diligência política. Porém, porque não havia a menor garantia de sucesso, optou-se por não noticiar a deslocação. O ministro chegara nessa madrugada e partiria ao final do dia.

O nosso governante tinha a "lição" bem estudada. Preparara a sua argumentação com cuidado. Na conversa com o seu colega, fez uma longa explicitação das nossas razões e, para atenuar o peso das reivindicações feitas, deixou algumas pistas, articuladas com a empresa, no sentido de promover um faseamento dos valores atrasados.

O ministro estrangeiro ouviu-o, em silêncio. No fim, comentou:

- Agradeço muito a sua visita. Este é, de facto, um assunto complexo, um de entre muitos que, não obstante os esforços que fiz, não consegui resolver. Tenho pena de não ter podido ir mais longe. Mas não posso fazer mais nada. Aliás, seria incorreto da minha parte ter agora qualquer intervenção na matéria, como compreenderá.

O nosso ministro, algo estupefacto, disse que não, que não compreendia. Por que diabo não podia ele intervir?

- Como é do conhecimento público e veio inclusivamente publicado na imprensa, pedi a demissão do cargo há cerca de 15 dias. Estou à espera,  todo o momento, de ser substituído. Espero que possa passar por cá num outro dia e falar com a pessoa que me vier a suceder no cargo.

Às vezes, vale a pena ter embaixadas pelo mundo. Evitam coisas destas.

segunda-feira, setembro 16, 2013

Bombeiros

Portugal vive, por estes dias, um tempo de rara solidariedade com os seus bombeiros. A chocante morte de muitos bombeiros, ocorrida neste verão, trouxe à ribalta conjuntural uma atividade que damos sempre por adquirida, em caso de necessidade, mas que, quase sempre, não valorizamos suficientemente.

Sendo uma atividade muito antiga, vale a pena lembrar que, a partir do século XIX, a participação nas corporações de bombeiros voluntários correspondia a uma espécie de prestação de contribuição à sociedade, assumida por filhos da pequena burguesia urbana, em especial por comerciantes e empregados de escritório. Ser bombeiro voluntário era algo que se afirmava com orgulho e que até qualificava socialmente as famílias. Recordo-me bem de ver, em muitas lojas, em vilas e cidades do norte do país, pendurados nas paredes, capacetes de bombeiros, testemunhando a qualidade de membro de uma corporação do proprietário da casa. Com os anos e a necessidade de mais quadros, bem como de uma crescente especialização, a atividade tornou-se mais popular, profissionalizou-se em parte e passou até a abranger outras funções, para além do tradicional combate a fogos. Mas, em muitas localidades, ser bombeiro continua a ser uma tarefa rodeada de uma aura de dignidade funcional.

Ontem, ao observar na televisão a campanha de recolha de fundos para os bombeiros portugueses, não pude deixar de recordar a ligação emocional que a cidade de Nova Iorque criou com os seus bombeiros, na sequência da tragédia em 11 de setembro de 2001. Muitos bombeiros morreram então nas "twin towers" quando, com uma imensa coragem, subiram pelas torres, para tentar travar o fogo, antes de serem apanhados pelo colapso dos edifícios. Nos tempos seguintes, os bombeiros novaiorquinos viriam a ser admirados como nunca, sendo frequente ver, pelas ruas, os cidadãos baterem palmas à sua passagem. Ainda hoje, eles continuam a ser "heróis" na memória da cidade.

A maior homenagem que os portugueses poderiam fazer aos seus bombeiros seria não se lembrarem deles apenas no verão. Seria levarem a cabo, no primeiro semestre de cada ano, as necessárias ações de prevenção nas zonas de maior risco, evitando que, alguns meses mais tarde, novas vítimas venham a lamentar-se. Mas, como sempre aconteceu, assim que chegadas as primeiras chuvas, esta memória emocionada vai, de imediato, esvair-se. E, tal como nos anos anteriores, e sob a complacência culposa dos municípios, que deveriam forçar à responsabilização dos proprietários das habitações e terrenos, tudo acabará por voltar ao mesmo. Enfim, é apenas o nosso fado.

domingo, setembro 15, 2013

Ainda a Europa

A reflexão que a fundação Francisco Manuel dos Santos promoveu, durante dois dias, sobre o papel de Portugal na Europa, ouvindo algumas vozes estrangeiras autorizadas e auscultando o parecer de personalidades portuguesas ligadas ao tema, constituiu um exercício muito interessante e, acima de tudo, extremamente construtivo. Salvo casos desgarrados, os intervenientes dentre os cerca de 1300 participantes colocaram questões muito pertinentes e deram voz concreta a muitas das preocupações que, sobre o projeto europeu, hoje atravessam a sociedade portuguesa.

A questão do euro - dos seus efeitos, do seu futuro e do papel de Portugal no seu seio - esteve sempre presente, de uma forma muitas vezes angustiada, ao longo do debate. Como o estiveram as indecisões em torno da situação europeia, as dúvidas sobre a "vontade" alemã para lhes fazer face e, em todo esse contexto, a atitude que Portugal pode ou deve assumir no plano externo.

Gostei, francamente, de me sentir algo "isolado" na conferência. Descontando alguns nomes mais conhecidos, notou-se que o debate europeu em Portugal mudou já de mãos, para uma nova geração, sem tabus, disposta a confontar ideias feitas, talvez já menos idealista mas bastante mais pragmática e objetiva nas suas escolhas e opções de futuro. Foram poucas as pessoas conhecidas que cruzei no auditório, o que é uma realidade magnífica, porque dá conta de que um outro país começa a apropriar-se desta discussão ou a interessar-se por ela. E foi muito bom testemunhar a qualidade por detrás de muitos comentários e questões colocadas, por vezes num excelente inglês, com observações francas e uma fundamentação sólida.

Não posso deixar de registar, por fim, uma nota de admiração e apreço ao trabalho excelente de Marina Costa Lobo, que orientou o "desenho" de todo o exercício, bem como à equipa logística que fez o "milagre" de conseguir respeitar a pontualidade e a observância estrita da agenda. Também por aqui se prova a "integração" europeia de Portugal.

Em tempo: logo que possível, farei por aqui um link para o teor da minha (pelos vistos, tida como polémica) intervenção neste debate.

sábado, setembro 14, 2013

Wolfgang Münchau

O influente colunista do "Financial Times", Wolfgang Münchau, foi uma das personalidades estrangeiras que, nestes dois dias, interveio no congresso "Presente no Futuro". Sendo alemão, um analista perspicaz e havendo a convicção de que "bebe do fino", sobre ele recaíram várias perguntas sobre o que  pode acontecer às orientações da política económico-financeira europeia em função dos resultados das próximas eleições legislativas alemãs.

Münchau foi muito prudente, defendendo basicamente a ideia de que, qualquer que seja o resultado desse sufrágio, um futuro governo alemão dificilmente se afastará de uma opinião pública nacional, aliás partilhada pela de outros "like-minded countries", que se mostra muito relutante em flexibilizar a sua visão de que não pode vir a pagar os erros dos outros, por muito simplista e caricatural que esta perspetiva possa ser.

A uma pergunta que lhe coloquei, sobre se, pelo menos, a realização das eleições alemãs não poria fim a este "atentismo" em que temos vivido, dando-nos uma maior previsibilidade para os tempos futuros imediatos, Münchau comentou que esse sentimento de "dependência" face à decisão alemã era de tal ordem que tinha surgido na net a anedota de um miúdo alemão que, ai dizer ao pai que ia à casa de banho, teve a seguinte reação do progenitor: "só depois das eleições alemãs!"

Discutir a Europa


Hoje, segundo dia do Congresso "Presente no futuro", continuamos a discutir a Europa, no liceu Pedro Nunes, numa organização da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Entro em campo, daqui a horas, numa mesa redonda moderada pelo diretor da SIC-Notícias, António José Teixeira, com a professora Catherine Moury e o meu colega e diretor-geral dos Assuntos europeus, Francisco Duarte Lopes.

Cabe-nos debater o modo como somos representados na União Europeia, o que implica falar do poder que hoje temos (ou não) e daquilo que o pode determinar ou condicionar.

Uma advertência: as entradas para o Congresso estão esgotadas.

Em tempo: e por lá, entre outras coisas, disse isto.

sexta-feira, setembro 13, 2013

Regresso aos mercados

Não se esqueçam! Este é o mês do regresso aos mercados!

Natália Correia

Artur Bual
Hoje, se fosse viva, Natália Correia faria 90 anos. Às vezes, ouço dizer de alguém que é uma pessoa "intensa". Não conheci muito bem Natália Correia (sobre quem ontem vi que foi publicado um livro de Fernando Dacosta), mas, pelo que acompanhei da sua vida e perfil humano, acho que o epíteto se lhe aplica muito bem.

Conheci-a pessoalmente, uma noite, no final dos anos sessenta, num bar, situado numa cave, perto do mercado de Campo de Ourique, julgo que frente à igreja, um local que nunca mais consegui localizar. Nele tocava então Denis Cintra, filho de Lindley Cintra, no tempo em que as baladas "de protesto" estavam na moda. Natália entrou, com Ary dos Santos e um pequeno séquito, juntando-se à nossa mesa, onde havia amigos comuns, por pouco mais de uma hora, partindo depois para outras noites.

Anos mais tarde, já pós-abril, voltei a falar com ela algumas (muito poucas) vezes no Botequim, o bar na Graça de que era proprietária e que se tornou num dos locais icónicos para a classe política da época. Basta dizer que foi Natália Correia quem apresentou Snu Abecasis a Sá Carneiro, de quem se tornaria feroz apaniguada, o que a levou a uma passagem pelo parlamento, que abalou com a sua verbe e a sua graça.

Não sou um fã da sua escrita, como o não fui das suas opções políticas, mas reconheço-lhe uma "intensidade" única e uma presença ímpar na sociedade portuguesa, onde sempre dizia em voz bem alta o que pensava. É um lugar comum, mas apetece-me dizer que fazem-nos hoje falta figuras como Natália Correia. Quase que imagino o que ela por aí hoje diria...

quinta-feira, setembro 12, 2013

Nós e a França

Ontem à noite, na embaixada de França em Lisboa, na despedida do embaixador Pascal Teixeira da Silva e da sua mulher, no termo de três anos da sua bem sucedida missão em Portugal, lembrei-me, de súbito, do meu pai.
 
O embaixador Teixeira da Silva, na sua orgulhosa ascendência portuguesa, representa bem o êxito da integração da diáspora nacional em França. Tal como o meu amigo Ruben Alves, que também encontrei por lá e a quem ficamos a dever esse magnífico filme testemunho que dá pelo nome de "Gaiola Dourada". Ambos, e muitos e muitos mais, contribuem hoje para o laço que eternamente nos une à França.
 
Por que razão me lembrei do meu pai, para além das óbvias razões pessoais que me levam a nunca o esquecer? Não que ele alguma vez tenha entrado no belo palácio de Santos, mas porque, à sua modesta medida, fez o que pôde para promover entre nós a língua francesa. Durante mais de vinte anos, a filhos de familiares e amigos, sem nunca cobrar um cêntimo, o meu pai deu aulas de francês, apenas e só porque era um devoto da língua de Voltaire e entendia, tal como eu acho e Thomas Jefferson disse um dia: "Tout homme a deux patries: la sienne et la France".

"Diplomacia Económica"

  É com muito gosto que, uma vez mais, intervenho no Congresso Internacional de Ciência Política e Relações Internacionais, desta vez dedica...