A França vai viver, na noite de hoje, um daqueles momentos que a sua história política irá registar para sempre: o tradicional debate televisivo entre os dois candidatos apurados para a segunda volta da eleição presidencial. Digo tradicional, mas não digo obrigatório, porque Jacques Chirac se recusou a esse ritual quando, em 2002, ficou surpreendentemente frente-a-frente a Jean-Marie Le Pen.
Este tipo de debates políticos tem, em Portugal, uma tradição mais recente. Quem tem idade, ou interesse por isso, lembra-se bem do confronto, em novembro de 1975, entre Mário Soares e Álvaro Cunhal, num contexto político muito tenso, se bem que não eleitoral. Essas quatro horas de discussão, ficariam marcadas pela expressão, que, a partir daí, se tornou clássica, várias vezes repetida pelo líder comunista - "Olhe que não! Olhe que não!" -, quando Soares acusava o PCP já não sei bem de quê, em concreto. Dos restantes debates presidenciais ou entre candidatos ao lugar de primeiro-ministro, guardo naturalmente algumas recordações fortes, embora confesse que nenhuma delas, sem exceção, integra as minhas memórias admirativas.
Neste capítulo, a França tem momentos que ficaram para sempre no imaginário coletivo. Em 1974, Mitterrand ficou claramente desestabilizado quando Giscard d'Estaing lhe disse: "vous n'avez pas le monopole du coeur", referindo-se àquilo que alguma esquerda considera ser a sua superioridade moral. Sete anos mais tarde, na desforra política que o levaria finalmente ao Eliseu, o líder socialista, ao ser acusado de ser "l'homme du passé", respondeu a Giscard que, nesse caso, então ele era "l'homme du passif", atendendo à situação económica que herdava. Mitterrand, na sua recandidatura em 1988, seria ainda autor de uma "blague" deliciosa, quando Jacques Chirac, seu primeiro ministro num governo de "coabitação" (presidente de cor política diferente do executivo), de quem era opositor na eleição presidencial, afirmou que os cargos que ambos assumiam deveriam ser esquecidos durante o debate, razão por que iria passar a tratá-lo simplesmente por "senhor Mitterrand". A resposta do socialista foi tão fulminante - "vous avez tout à fait raison, monsieur le Premier ministre!" - que Chirac ficou afetado para o resto do confronto, chegando, a certo ponto, a dirigir-se a Mitterrand como... "monsieur le Président"!
Logo à noite, esperam-nos duas horas e 40 minutos de debate intenso. A negociação entre as candidaturas, entre outros pormenores, decidiu que o ambiente do estúdio esteja a 19ºC. Mas, pelo que tenho ouvido e sentido, a temperatura vai subir bem mais na casa dos franceses.
(Em tempo: não esperem que este blogue opine sobre quem ganhou ou perdeu o debate, claro!)