quinta-feira, dezembro 15, 2011

Ainda Paulo Coelho



A obra do escritor brasileiro Paulo Coelho, pessoa de quem aqui falei e que vive em Paris grande parte do seu tempo, é vista com algumas reticências, e até sobranceria, por parte de muitos amigos meus do Brasil. Isso não obstante ele integrar já a prestigiada Academia Brasileira de Letras e, a grande distância, ser o autor brasileiro com maior sucesso editorial em todo o mundo.

Sinto, contudo, que essas pessoas ficam desconfortáveis com a ideia de que Paulo Coelho possa ser identificado, pelos estrangeiros, com um escritor representativo da moderna literatura brasileira.

A esses amigos, eu recomendo que tenham uma atitude idêntica àquela que, ao longo da vida, sempre adotei em relação a um grande produto da nossa exportação, que não aprecio, o Mateus Rosé: não consumo mas promovo sempre com o maior empenho, por ser um produto nacional. E até ofereço em casa.

Voltando a Paulo Coelho, recomendo sobretudo que não digam a já clássica mas frágil frase: não li e não gosto.

Sortido mediatico

"Deteta-se nas curvas um ligeiro excesso de acontecimentos que sao talvez o sinal da sua presenca, mas tambem nao se pode excluir que se possa tratar, simplesmente, de flutuacoes estatisticas emergentes por azar do ruido de fundo".

Uma algo longa hospitalizacao, com imobilizacao, da-nos tempo para ler sobre tudo. Ao passar ontem os olhos pelo "Le Figaro", dei-me conta de uma pagina dedicada, em exclusivo, ao bosao de Higgs, a famosa particula cuja (possivel) descoberta excita os especialistas, como o demonstra a descricao inspirada de um deles no jornal, que o paragrafo anterior reproduz.

Quando era jovem, havia as vezes la por casa uma revista chamada "Science & Vie", que complementava, julgo que com bastante mais rigor, as novidades cientificas que as "Selecoes do Reader's Digest" tambem nos traziam. Era um tempo em que as maravilhas da ciencia tinham grande popularidade. Nessa fase da vida em que os meus interesses nao estavam estabilizados nem muito priorizados, o tropismo para um conhecimento mais ou menos "renascentista" era frequente. Lia, entao, sobre quase tudo. O que, como vim a aprender a minha custa, foi uma perda de tempo.

As vezes, ainda sinto essa curiosidade residual sobre coisas muito diversas. E o vazio de tarefas, numa cama de hospital, pode criar essa tentacao. Mas so momentanea. O meu interesse por este e outros temas da ciencia (desculpa la, Jose Mariano) e' muito limitado e, decididamente, o bosao de Higgs, por mais importante que seja ou venha a ser (e se acaso existir mesmo), nao mobiliza a minha atencao.

Por isso, passei para a pagina seguinte do "Le Figaro", para a seccao de educacao, onde uma materia se destacava (tal como ja observara no "Le Monde"): as novas regras nos concursos de admissao a Sciences-Po. Ja e' azar! Outro assunto de "sciences" que nao me interessa nada e sobre o qual tambem nada sei.

Sendo assim, afinal vou "'a bola". A tempo de rever, na televisao, a bela vitoria do Chelsea de Villas Boas com um magnifico golo de Raul Meireles.

E mais nao escrevo porque fazer posts por iPhone, sem acentos nem cedilhas, provoca-me dores. De alma, claro.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Grupo de Genebra

Nos anos 70, em Portugal, a minha geração ouvia falar bastante do "grupo de Genebra", um núcleo de exilados portugueses, alguns deles em rutura com o PCP, que produziam uma reflexão política original, a qual, a certo passo, passou a expressar-se através da revista "Polémica". Sabia-se que nomes como os antigos dirigentes associativos e líderes académicos como Eurico Figueiredo, António Barreto e José Medeiros Ferreira faziam parte desse núcleo. Mais tarde, Ana Benavente (que vim a cruzar no MES) e Valentim Alexandre foram revelados como também integrantes do grupo. Ao lado dessas pessoas, citava-se o nome de Carlos Almeida, um funcionário internacional que nunca regressou a Portugal e que, com Barreto, viria a publicar, ainda antes do 25 de abril, um livro que se tornou importante: "Capitalismo e emigração em Portugal".

Os membros do "grupo de Genebra", após a Revolução de abril, tiveram percursos, políticos e profissionais, algo diversos. Agora decidiram pôr em texto as suas memórias - "Pátria utópica - o grupo de Genebra revisitado" -, prefaciados por outro exilado, o escritor Amadeu Lopes Sabino. Cada um escreveu três capítulos, respetivamente sobre a saída de Portugal, a estada na Suiça e o regresso ao país.

Para quem se interessa por estas coisas, como é o meu caso, trata-se de um repositório interessante de memórias, que nos ajuda a perceber melhor um certo tempo de Portugal. Os textos são desiguais, na qualidade da escrita, na profundidade das ideias e até no modo como cada um tenta ou não desenhar, para a História, o seu caso pessoal. Mas é um livro que vale a pena.

terça-feira, dezembro 13, 2011

O ensino do português em França

Este não é um blogue oficial. É apenas um meio de expressão privada de quem exerce uma função pública. Sem falsas dualidades. O cidadão que aqui escreve todos os dias é o mesmo que tem a seu cargo a representação diplomática portuguesa em França. Não tem duas caras, nem duas palavras.

Digo isto para que se perceba melhor por que razão me sinto obrigado hoje a falar aqui, neste meu blogue privado, da situação que resultou da decisão oficial de suspensão de atividade de duas dezenas de professores que prestavam serviço junto das comunidades portuguesas em França. Não para aqui trazer algo de novo ou espetacular, mas, tão simplesmente, para que fique claro que todas as razões que se cruzam neste processo não me são indiferentes. E que a diplomacia pública que tenho como regra de trabalho me obriga a explicitar.

Pais e professores afetados pela anunciada suspensão da prestação do serviço oficial de ensino de português - decisão que abrangeu comunidades noutros países, para além da França -, bem como instituições que partilham essas preocupações e temem pelo futuro da língua portuguesa nas gerações luso-descendentes, têm-me transmitido os seus sentimentos de profundo desagrado com a situação que se avizinha, com os efeitos na vida académica das crianças, com impactos na vida pessoal e familiar dos professores e todo um conjunto de outras consequências que lêem como negativas. A todos ouvi com atenção, nada do que foi transmitido deixou de ser comunicado, atempadamente, a quem tutela o nosso trabalho. E, convém também que se diga, nessa comunicação não deixou sempre de transparecer o meu respeito pelas legítimas inquietações que atravessam esses setores da nossa comunidade.

No outro prato da balança, está a muito difícil questão orçamental com que o Estado português hoje se confronta, e à luz da qual o Governo considerou indispensável tomar medidas drásticas de restrição a nível da despesa pública, algumas das quais afetaram áreas do Ministério dos Negócios Estrangeiros: a rede diplomática e consular foi redimensionada, a estrutura do ministério e as suas chefias foram reduzidas, verificaram-se cortes no pessoal que prestava serviço no estrangeiro e houve lugar a limitações em vários setores onde foi entendido poder e dever ser reduzida a despesa. A suspensão do serviço dos professores inseriu-se, assim, num esforço muito mais vasto para fazer baixar os gastos públicos, no declarado objetivo de os conter dentro dos limites impostos pelos compromissos internacionais subscritos pelo país e que o executivo assumiu como prioritários na sua ação.

Alguns poderão objetar, e muitos o fazem, que se deveria ter cortado menos "aqui" e que teria sido preferível fazê-lo "ali". Alguém que deixou um traço eterno de esperança na política francesa, e que, curiosamente, era descendente de portugueses que haviam fugido da inquisição, Pierre Mendès-France, dizia que "governar é escolher". E o Governo português, recém-legitimado por uma eleição em que os portugueses lhe conferiram uma expressiva maioria, isto é, uma autorização para decidir, fez as suas escolhas em matéria de cortes na despesa pública, à luz das opções que entendeu dever assumir. As pessoas podem concordar ou não com essas opções, é perfeitamente democrático discuti-las e contestá-las, mas não é possível recusar a legitimidade política das decisões tomadas.

No terreno, estão as Embaixadas e os servidores públicos. Compete-nos dar leal e total cumprimento àquilo que o poder político legítimo determina, da mesma forma que temos o dever de ouvir e comunicar às nossas autoridades o sentimento de quem se sente negativamente afetado pelos efeitos das suas decisões. E temos ainda um outro dever e a Coordenação do ensino do português em França está a cumpri-lo de forma escrupulosa: tentar atenuar, por um melhor e mais eficaz ajustamento dos recursos letivos disponíveis, as consequências que resultaram para alguns alunos da saída dos seus professores. Não para todos, infelizmente. E, convém também que se diga, ainda neste quadro, e sob orientação superior, um esforço paralelo está a ser levado a cabo para, no futuro, poder vir a encarar-se o desenvolvimento de um ou vários modelos complementares, que permitam assegurar a continuidade do ensino do português em França, quiçá menos dependente da atual fonte oficial de recursos.

Todos compreenderão não ser esta uma situação em que um diplomata se possa sentir particularmente feliz. Seria mesmo impensável que o fosse. Mas, depois de uns bons anos desta profissão, já percebi que a felicidade de um diplomata é sempre, na melhor das hipóteses, um efeito colateral da atividade do Estado.          

O excelente José Gravia

A notícia chegou-me na noite de ontem: morreu, no Brasil, José Gravia. A generalidade dos leitores deste blogue, bem como a imensa maioria dos brasileiros (que não dos brasilienses, que são os brasileiros de Brasília), não fará a mais leve ideia de que era este português, saído de Ourém para o Brasil, há mais de 60 anos, que a pulso construiu um nome e a rara dignidade de o poder usar como carta de confiança. Eu também nunca ouvira falar nele, até 2005.

O nome de José Gravia tinha vindo à baila, a montante da minha partida para Brasília, numa conversa durante a qual o meu antecessor, embaixador António Franco, me tentou indicar algumas figuras de referência no seio da nossa comunidade. Recordo-me bem do que disse: "Tens por lá um grande senhor, um homem de bem, o excelente José Gravia". Na memória, ficou-me para sempre o "excelente". Quatro anos de Brasília e de contacto com a nossa comunidade confirmaram a consabida agudeza de leitura de carácteres do António Franco.

Já em Brasília, conheci cedo a Raquel e o José Gravia, creio que em casa do António Luis Cotrim. Era um homem grande, com um permanente sorriso, gentil no trato e suave nas palavras. Tinha uma história longa de trabalho, de iniciativa e de sucesso empresarial. "Candango" (primeiros ocupantes de Brasília) por opção de vida, passou a fazer a sua atividade profissional no planalto, entre Anápolis e a cidade-satélite de Taguatinga, onde presidiu à Associação Portuguesa de Brasília, cujas magníficas instalações muito lhe devem. Portugal e o Brasil atribuiram-lhe, a seu tempo, merecidas distinções. Era  conhecido como um homem solidário, amigo de fazer bem. Encontrávamo-nos a espaços e lembro-me bem de uma longa conversa, num dos muitos jantares em que coincidimos, onde me elucidou, com equilíbrio, realismo e sabedoria, sobre algumas peculiaridades da sensível relação entre a política local e os interesses económicos. Reavaliei muita coisa, depois do que dele ouvi.

Aos homens fora do comum devemos evitar os lugares-comuns. Mas são estes que frequentemente ocorrem na reação simples de quantos, não sendo poetas ou mágicos da escrita, pretendem apenas deixar uma nota sentida pela saída de cena de alguém que muito respeitavam. Como o é este nosso abraço à Raquel, à memória do amigo José Gravia.

domingo, dezembro 11, 2011

Quai d'Orsay

Há mais de um ano, falei aqui do "Quai d'Orsay - chroniques diplomatiques", um álbum de banda desenhada passado no ministério francês dos Negócios Estrangeiros, ao tempo que era dirigido por Dominique de Villepin (embora, nesta ficção, sob o nome de 'Alexandre Taillard de Vorms'). Saiu agora um segundo volume dessa série, dedicado ao período da guerra no Iraque (país designado por 'Lousdem").

Não estou seguro que a curiosidade com que um diplomata é motivado a ler este tipo de histórias seja comum à de qualquer outro leitor, para quem a vida dos gabinetes e das relações internacionais é marginal ao seu quotidiano. Por mim, devo dizer, diverti-me bastante ao ver reconhecidos no álbum alguns tiques do "métier".

Por lá se encontra a obsessão dos titulares de cargos políticos em conseguir ter, numa simples folha de A4, o essencial de um relacionamento com um qualquer Estado, a "fácil" ordem para preparar um artigo de jornal "para ontem", a determinação em garantir um transporte "impossível" ou a impaciência com alguns detalhes onde, como se sabe, se esconde o "diabo". O texto não escapa à fina caricatura, neste caso muito bem conseguida, de alguns diplomatas-tipo: os irónicos, os "nonchalants", os angustiados, os "workaholics", os autoritários, os "definitivos", os cínicos e outros que tais.

Por uma qualquer razão, o serviço de "cifra", por onde passam as comunicações (os "telegramas diplomáticos") é particularmente visado neste álbum, onde o ministro é colocado a dizer ao chefe desse serviço: "Convosco, podemos sempre ter a certeza de ser informados em tempo real do que se passou na véspera"...

Ainda uma nota para o reaparecimento da figura de 'Claude Maupas', chefe de gabinete do ministro, que retrata, à perfeição, a serenidade e lealdade de Pierre Vimont, um bom amigo que era chefe de gabinete de Villepin, e que hoje dirige o Serviço europeu de ação externa (SEAE)  e de quem já falei aqui.

Finamente, porque a ficção se cruza com a história, vale a pena dizer que, há escassas horas, em solene anúncio na televisão francesa, 'Alexandre Taillard de Vorms', ou melhor, Dominique de Villepin, acabou de anunciar a sua candidatura à presidência da República francesa.

A importância da política

Todos se recordam do sobressalto público causado, já há uns tempos, pelo facto de um antigo primeiro-ministro português ter visto interrompida uma conversa que estava a ter com uma jornalista, durante um noticiário televisivo, comentando temas do quotidiano da política pátria, para abrir tempo a um curto direto do aeroporto, para onde a estação havia enviado repórteres, há várias horas, à espera de José Mourinho, num contexto de uma qualquer expectativa que então existia quanto ao futuro do famoso treinador. A figura política, enquanto viu o direto, deve ter ficado a matutar e, quando a emissão regressou ao estúdio, fez uma declaração firme, logo seguida de um abandono de cena espetacular, indignando-se pelo facto do seu verbo ter sido interrompido por um motivo tão corriqueiro. Não saiu a meio do direto, que lhe estaria a fazer perder o seu precioso tempo, mas apenas saiu no fim, para poder bem "explorar o sucesso", utilizando uma imagem militar. Foi talvez pena que à jornalista entrevistadora não tivesse ocorrido interrogá-lo sobre o tema do direto, tanto mais que essa personalidade pública era bem conhecida como comentador regular, bem avençado, das coisas da bola. 

Vem isto a propósito da edição das 20 horas do noticíário da televisão pública France 2, um dos mais vistos em França, no dia subsequente ao recente acordo europeu de Bruxelas. A emissão abriu com o jornalista que a conduzia, David Poujadas, a mostrar, ao seu lado, o primeiro-ministro François Fillon, que iria falar mais tarde sobre a necessidade da França, no novo contexto, ter de introduzir ou não planos acrescidos de austeridade, tema que aqui causa algumas naturais ansiedades públicas. O noticiário prossegiu, com um alinhamento que juntava a crise europeia aos novos horários dos comboios, incidentes securitários e eventos regionais a temas diversos de política internacional, com curtíssimos diretos e todas as notícias do desporto, claro! No estúdio, Fillon permaneceu todo esse tempo silencioso, à espera da sua hora, que apenas foi às 20.24, quando pôde finalmente começar a falar. E o telejornal acabou, claro, às 20.30, porque a meia hora de duração é por aqui coisa sagrada.

A televisão que interrompeu a entrevista do antigo primeiro-ministro português, já há muito fora de funções, era e é privada. A estação que fez esperar vinte e tal minutos um PM francês em pleno exercício é pública. Cada terra com seu uso. Isto não nos ensina nada? 

sábado, dezembro 10, 2011

Variações sobre o "sim" e o "não"

"Há por aqui, de facto, expressões separadas e distintas para "sim" e para "não". Mas sendo indelicado, segundo os costumes locais, usar esta última palavra, a primeira é utilizada com ambos os sentidos. Assim, fica ao critério da pessoa que ouve decidir se o "sim" que recebeu como resposta deve ser interpretado, afinal, como um "não" definitivo ou como um "não" que ela pode converter num "sim", expressando o pedido de outra forma. Mas, normalmente, o "sim" quer significar que o pedido recebe um acolhimento favorável, o que acaba por ter como consequência que nenhuma ação subsequente será tomada. Se convidar um nacional local para jantar, e ele aceitar, daí não se deve deduzir necessariamente que ele vai estar presente, mas apenas que, ao dizer que aceitava, ele quis ter para consigo um gesto de cortesia; dessa forma, ele transferiu a obrigação de si próprio para si e considerou-se desobrigado de aparecer."

Extrato de um telegrama de um embaixador britânico, num determinado país, citado em "Parting shots", um delicioso livro de Matthew Parris e Andrew Bryson, sobre correspondência diplomática. 

Gonçalo Ribeiro Telles

Há uns tempos, disse por aqui que o país estava a dever uma homenagem ao arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles.

Ao ler, no "Expresso" de hoje um artigo que Miguel Sousa Tavares lhe dedica, fiquei a saber que o Centro Nacional de Cultura e a Fundação Calouste Gulbenkian organizaram, há dias, essa homenagem.

Valha-nos isso.

Em tempo: deixo esta foto que, pelo seu conjunto, me parece exemplar de simbolismo.

"Tina"

O "The Sun" não foi nada inventivo na sua primeira página de hoje. Num "remake" sem rasgo do celebre, insultuoso e eurofóbico título de Novembro de 1990, sobre Delors (que a proverbial decência deste blogue obriga a não repetir aqui) o tablóide saúda a atitude intransigente de David Cameron em Bruxelas, mas não deixa de alertar para um possível "backlash" detrimental para os interesses britânicos.

Nao estivesse a senhora Thatcher (ironicamente) com a doença do alemão e talvez repetisse ao seu sucessor o acrónimo de que tanto gostava quaando falava do capitalismo liberal: "tina" ("there is no alternative"). Palavra que, paradoxalmente mas noutro sentido, é verdadeira para todos os outros.

É a vida. Foi uma certa e breve Europa.

sexta-feira, dezembro 09, 2011

João Martins Pereira

Há dias, descobri, por um mero acaso, que teve lugar em Lisboa um colóquio sobre a vida e obra de João Martins Pereira (1932-2008).

Martins Pereira foi uma figura singular na reflexão política e económica em Portugal. Dotado de uma agudeza analítica muito apurada, tinha um pensamento original sobre muitas matérias do nosso quotidiano, no qual se combinava um rigor, que vinha da suas formação de engenheiro, com uma perspetiva económica e sociológica de onde ressaltava uma rara consistência ideológica. Os seus combates, feitos sempre de forma discreta, situaram-se, quase sempre, num terreno bastante radical, embora isento de dogmatismo.

Antes do 25 de abril, publicou um livro que deu brado: "Pensar Portugal hoje". Conheci-o brevemente, nos anos 70, ao tempo do lançamento da última série de "O Tempo e o Modo". Passou brevemente pelo IV governo provisório, como secretário de Estado de João Cravinho. Lembro-me que dirigiu uma publicação muito interessante, de breve viva, chamada "Gazeta da Semana". 

Uma noite, em Angola, já nos anos 80, falámos longamente, em casa da Alzira e do João Sobral Costa. João Martins Pereira faz parte daquelas pessoas que fico com pena de não ter conhecido melhor.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

Marti

O convite era interessante: para assistir, no CCB a um concerto da soprano Monserrat Caballé. Numa parte do espetáculo, seria acompanhada da sua filha, Monserrat Marti.

Alguns governantes de então, bem como figuras sociais, ficaram numa área reservada. No intervalo, no regresso aos lugares, estava a cena preste a reabrir-se, veio à conversa, no grupo, a questão de saber de onde viria o nome "Marti", da filha de Caballé. 

Pensando fazer uma graça que logo daria lugar a algumas gargalhadas, pelo ridículo da sugestão, adiantei:

- Deve ter sido o resultado de algum "caso" entre a Monserrat Caballé e o revolucionário cubano José Marti...

À minha volta, fez-se um silêncio reverente, prenhe de respeito pelo meu "conhecimento" histórico e biográfico. José Marti viveu no século XIX, tendo morrido em 1895. 

De todos os presentes, apenas Manuel Maria Carrilho fez um largo e culto sorriso de gozo. E eu entrei em silêncio, porque há muito já aprendi que é muito sério brincar com a ignorância.

quarta-feira, dezembro 07, 2011

João Caraça

João Caraça, até agora diretor do serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, será, a partir de janeiro de 2012, o novo diretor do Centro cultural da Fundação em Paris. Conheçam-no melhor pela sua página e por esta entrevista.

João Caraça sucede a João Pedro Garcia, que agora retoma, em plenitude, em Lisboa, o serviço de Relações Internacionais da Gulbenkian, depois de um notável trabalho, de cerca de sete anos, em Paris.

A relação entre a Embaixada e a Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, é, de há muito, um caso exemplar de bom entendimento e colaboração. É muito bom ver um amigo ser sucedido por outro. Por isso, aqui deixou um forte abraço de boas-vindas ao João Caraça.

terça-feira, dezembro 06, 2011

Pausa

Por algum tempo, a partir de hoje e por razões que não vêm para o caso, este blogue vai entrar num ritmo algo imprevisível. Logo veremos quando será possível retomar uma feitura de posts mais assente numa maior atenção ao quotidiano. A publicação de comentários também será afetada, desculpem lá! 

Eros Grau

Chama-se Eros Grau. É brasileiro, professor universitário de Direito com vastíssima obra, antigo e destacado juíz do respetivo Supremo Tribunal Federal e, claro, escritor, já com ficção publicada (e que ficção, senhores!).

Adora Paris, onde muito nos encontramos e saudamos a vida, conhece interessantes histórias e gentes de Saint-Germain-des-Prés. E, o que é mais importante, é um dos meus grandes amigos.

Hoje, em Brasília, Eros lança um livro com memórias (não um livro de memórias), notas resultantes de décadas como atento "flâneur" da zona da "rive gauche" que dá subtítulo ao volume. E avisa-me, agora, que por lá sou também referido: temo o pior!

Não vou poder estar (claro!) no lançamento, como o não poderão o Francis e toda a equipa do "Flore", que já o aguardam, com a Tânia, para o Natal. Apenas quero que saiba que todos, nós e eles, lhe desejamos, com um abraço do tamanho do Atlântico, um grande sucesso editorial.

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Andorra

Ontem, ao receber a minha nova colega andorrenha, veio à conversa a importância que teve, para a minha geração, a Rádio Andorra, uma histórica estação que marcou muito do nosso imaginário, nos anos 60 e 70. Com uma seleção musical magnífica, nos seus programas em francês e espanhol, a Rádio Andorra, desaparecida em 1981, foi um marco que muito ajudou à identificação daquele pequeno país no quadro internacional.

A frase "Aqui Radio Andorra!" é uma das memórias fortes que conservo da rádio que muito ouvia na juventude. A certa altura, recordo-me que a Rádio Andorra substituiu a saída do ar da Radio Caroline e da Radio London, as "rádios-pirata" que, a bordo de barcos ao lado da costa britânica, abalaram ao noites, até serem caladas à força, apresentando a grande música anglo-saxónica que iria dominar o mundo.

A minha colega disse-me que o seu governo tem plena consciência do papel desempenhado pela Rádio Andorra, nos auditórios espanhol e francês, havendo já projetos para preservar o seu histórico edifício. Só não contava que, também em Portugal, subsistisse uma memória desse património do seu país. É verdade: nesse tempo, alguns de nós procurávamos estar à escuta do mundo. Até de Andorra!

domingo, dezembro 04, 2011

Ainda o Irão

Em Junho de 2000, coube-me chefiar uma missão de "diálogo político" da União Europeia a Teerão. Da "troika" (já as havia...) que me acompanhava, faziam parte um diretor do Quai d'Orsay (a França iria suceder-nos na presidência, dias depois) e um representante da Comissão Europeia, cuja nacionalidade não consigo precisar. A delegação iraniana era chefiada por um vice-ministro dos Negócios Estrangeiros.

O diálogo com as autoridades do Irão era, previsivelmente, difícil. Cabia-me colocar-lhes todas as questões que a União Europeia via como polémicas, desde os direitos humanos à observância de princípios democráticos, com o tema dos dissidentes e presos políticos, bem como do tratamento de minorias e estrangeiros, na agenda. A conversa começou assim algo tensa, se bem que a experiência diplomática dos dois principais interlocutores a tentasse manter num registo funcional de cordialidade. No meu caso pessoal, não esquecia que, enquanto país, Portugal tem um histórico de relacionamento bastante positivo com o Irão, que devemos tentar salvaguardar, para além de todas as divergências conjunturais. 

Para evitar veleidades que pudessem fragilizar a condução da reunião pela presidência, eu havia decidido, de uma forma algo imperativa, quais os dois temas da agenda cuja apresentação, como é de regra, ficava a cargo dos outros membros da "troika", contrariando explicitamente as propostas que, nesse sentido, me haviam sido feitas pelo secretariado-geral do Conselho, que assessora (e, às vezes, quer conduzir) as presidências semestrais. Nem a representação francesa nem a da Comissão me pareceram apreciar esse meu estilo afirmativo, mas isso era o que menos me importava: para as capitais europeias, o "saldo" geral da conversa, que tinha que ser "craftly worded" na ata, recairía sempre sobre mim. Não estava disposto a que outros condicionassem o trabalho e, por essa razão, decidi "controlar o jogo", desde o primeiro minuto, sem conceder espaço para criatividades.

A agenda foi percorrida no tradicional "ping-pong" de argumentos. Os temas eram introduzidos, alternadamente, pela União Europeia e pelo lado iraniano, com "statements" de cada lado, complementados por comentários de "réplica" e, por vezes, "tréplica", que ficariam registados em ata. 

A certo passo da abordagem de um ponto da agenda, o vice-ministro iraniano acusou um Estado membro da União Europeia, que não identificou, de estar a levar a cabo "atos de espionagem", em articulação com inimigos do país, contra a segurança do Estado iraniano. Interrompi-o, de imediato, e pedi-lhe para identificar o país em causa, dada a gravidade da acusação, porque isso se refletiria, de forma inescapável, sobre toda a nossa política exterior comum. Respondeu-me que não lhe era possível dizer o nome desse Estado, "para não agravar ainda mais as coisas". 

Para grande surpresa dos membros da delegação europeia, reagi de forma muito firme: ou ele identificava o nome do país ou retirava formalmente a acusação, com efeitos na ata da sessão. O "diálogo político" não podia prosseguir sem uma dessas opções. Não podíamos aceitar que ficasse registada uma acusação genérica, que não permitisse uma contestação específica. A solidariedade entre os Estados membros da União a isso obrigava. Pelo que sugeri que o intervalo da reunião que estava previsto para mais tarde, tivesse lugar de imediato.

O ambiente, naquela sala do ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, toldou-se. A delegação do Irão saiu da sala, perplexa e de cara fechada. Nela ficaram os representantes europeus, entre os quais se contavam também os embaixadores português e francês, além do delegado local da Comissão, que me rodearam, perguntando-me alguns se tinha medido bem o risco de dramatização que estava a fazer correr ao já muito crítico e sensível diálogo com Teerão. Eu disse que sim, mas, interiormente, perguntava-me se o "bluff" iria resultar.

Tinha razão. Resultou. Minutos depois, o chefe da delegação iraniana reabriu a sessão dizendo que, com vista "a facilitar um eficaz funcionamento dos trabalhos", propunha que, da ata, não constassem as referências que antes tinha feito sobre o "tal" Estado membro europeu. Agradeci-lhe o esforço e prosseguimos o debate num ambiente que, de certo modo, ficou bem mais distendido. O desfecho provocou um aliviado e expresso agrado do diretor francês, que nos sucederia na presidência e que, seguramente, temeu, por alguns minutos, ficar nas mãos com uma "batata quente", para os próximos seis meses.

Vale a pena notar que, desde o início, todos nós sabíamos que a acusação iraniana se dirigia ao Reino Unido, país com o qual, de há muito, Teerão tem um recorrente contencioso, como os acontecimentos dos últimos dias vieram, uma vez mais, a evidenciar. Ora o vice-ministro iraniano, meu contraparte na chefia das negociações, havia-me revelado, em conversa privada antes da reunião, que, no final desse ano de 2000, deveria ir para Londres como embaixador (o que realmente veio a acontecer), solução que muito lhe agradava. Ao colocá-lo "contra a parede", exigindo a retirada das acusações e a revelação do nome do país, eu tinha tido isso em conta. Se acaso ele mencionasse o nome do Reino Unido, e ficasse na ata ter sido ele quem lançara internacionalmente essa atoarda não provada, com toda a certeza que o governo de Londres nunca lhe daria "agrément".

A vida diplomática também se faz com alguns truques, como se vê.

Dominick Chilcott

Há minutos, ao passar em "zapping" pela BBC, dei-me conta que conhecia bem a cara de quem falava. Parei um pouco. Era o embaixador britânico que acabara de ser expulso de Teerão, onde chegara apenas em outubro passado. Era Dominick Chilcott.

Então ainda jovem diplomata, Dominick era contacto regular da nossa Embaixada em Londres, no "desk" do "Europe Directorate", nos dois primeiros anos da minha estada no Reino Unido. Um dia, convidou-me para almoçar e, com pedido de discrição, revelou-me que ia ser colocado na embaixada britânica em Lisboa. Lá o voltei a encontrar, durante mais dois anos, depois do meu regresso ao MNE, em 1994. Dominick Chilcott viria a ser chamado de volta a Londres e a ingressar no gabinete do MNE britânico e, por diversas vezes, cruzámo-nos nas coisas europeias, onde a atípica posição britânica justificava maior atenção. Em 1998, num elevador do "Justus Lipsius", em Bruxelas, disse-me que acabava de ser colocado na missão do seu país junto da União Europeia. Com frequência, fomo-nos por lá vendo, até à minha partida para Nova Iorque, em 2001. Perdi-o de vista desde então, como às vezes acontece com colegas estrangeiros.

Dominick Chilcott é um diplomata discreto, com sentido de humor, muito bem preparado e de uma só palavra, como tive ocasião de provar.

Agora, à pressa e sob riscos para si e para sua família, teve de abandonar o posto. A vida tem destas coisas, Dominick! "Bon courage"!

sábado, dezembro 03, 2011

A questão iraniana

Na vida internacional, as relações entre os Estados processam-se sempre no quadro de certas expetativas de comportamento, pela sua previsível reação face ao posicionamento dos outros atores, que possa vir a ser afirmado bilateralmente ou no quadro multilateral. Se bem que algumas surpresas sempre possam surgir, na grande maioria dos casos é possível, com algum realismo, antecipar atitudes e, dessa forma, medir as condições necessárias para os compromissos ou as probabilidades de rutura. É assim que se procuram evitar guerras e conflitos, cabendo aos diplomatas um papel central no domínio desta diplomacia preventiva.

O grande problema que se coloca à comunidade internacional é o pontual surgimento, no comportamento de certos Estados, de atitudes que, não apenas não era possível prever, mas que igualmente se tornam difíceis de interpretar, em todas as suas possíveis motivações. Esta circunstância cria dificuldades de "leitura", induz interrogações e pode levar a reações diferenciadas por parte de outros Estados.

O comportamento recente do Irão, com o saque às instalações diplomáticas britânicas em Teerão, claramente feito sob a aparente complacência das autoridades policiais, na sequência de sanções bilaterais determinadas pelas mais que legítimas preocupações face à evolução do programa nuclear do país, é um exemplo desses comportamentos de difícil interpretação e de elevado risco. E suscita questões que somos chamados a colocar, nãso tendo para elas uma resposta clara.

Que pretende o Irão com este tipo de atitudes, onde se inclui o seu desafio à AIEA? Que mais riscos está o regime iraniano disposto a correr, nesta linha de comportamento? Até onde estará disposto a avançar? Que avaliação faz Teerão dá utilização do petróleo no seu "jogo" internacional? Como estarão as autoridades iranianas a medir o grau de probabilidade da ameaça de um ataque israelita às suas instalações nucleares?

A persistência destas interrogações nada ajuda à descoberta de soluções para a estabilidade e para a paz na região. E Teerão sabe, com certeza, que assim é, o que torna tudo mais preocupante.

sexta-feira, dezembro 02, 2011

José Mensurado (1931-2011)

José Mensurado faz parte do cenário de um Portugal televisivo que atravessou as décadas de 60 e 70. Era um homem culto, com um estilo e uma postura muito próprios, produto e fautor de um certo jornalismo televisivo, elegante e conservador. Para muitos portugueses, que seguiam as aventuras espaciais ao tempo em que elas eram entusiasmantes na televisão, José Mensurado era a voz que sublinhou esses feitos, que acompanhou e relatou a memorável noite de 20 de julho de 1969, em que o homem chegou pela primeira vez à lua.

Há já alguns anos, em Lisboa, no bar Procópio, a Alice Pinto Coelho (ela lembrar-se-á, estou certo) disse-me: "Está ali o José Mensurado, que gostava de o conhecer". Mudei de mesa e, durante quase uma hora, falei com José Mensurado, trocando memórias e imagens de gentes cruzadas por ambos, ideias sobre a Europa que lhe mobilizava a curiosidade, bem como sobre a vida internacional em geral, que manifestamente o entusiasmava.

Consegui arranjar a coragem para lhe justificar, num tom bem mais cordial do que utilizara à época, uma chamada telefónica que eu um dia fizera, em direto para um programa de rádio em que ele participava, confrontando-o com a tristemente célebre mesa redonda televisiva que ele em tempos moderara, que passou a ser lida pela História como justificativa da extinção, pela ditadura, da Sociedade Portuguesa de Escritores. Nessa mesa redonda haviam participado, entre outros, Amândio César e Mário António - o poeta angolano que havia sido meu professor de quimbundo e que reagira bastante mal, quando, também um dia, lhe falei no assunto.

Senti também a obrigação imperativa de falar a José Mensurado naquilo que a manhã subsequente ao dia 25 de abril representara para ambos: um dia em que eu estava entre os militares que ocupavam os estúdios do Lumiar da RTP, sabendo que ele estava à porta, impedido de entrar pela nova "situação".

Além destes temas mais sérios, que Mensurado discutiu com assinalável abertura, rimo-nos com a história dos "árabes da Rua do Século", que já aqui contei, em que ele fora involuntário comparsa.

O José Mensurado que encontrei no Procópio era um homem sereno, uma personalidade interessante, que ganhara uma tolerância de ideias e um modo digno e sério de as afirmar. No final dessa conversa, que acabou na promessa mútua, nunca cumprida, de um jantar futuro, fiquei com a sensação de que teria bastante gosto em vir a conhecê-lo melhor. Isso não aconteceu. Morreu ontem, com 80 anos.

Negociar na Europa

O ministro dos Negócios Estrangeiros português referiu, há poucas horas, a necessidade da complexa negociação que aí vem, sobre a reforma dos tratados europeus, dever ser objeto de uma "frente" política interna de elevado consenso, que permita ao Estado português garantir, no plano externo, uma voz comum que potencie o seu espaço de manobra.

O projeto europeu nunca teve uma leitura unívoca em Portugal. Não obstante a opção europeia ser historicamente objeto de uma atitude maioritariamente favorável no nosso país, setores houve que sempre se mostraram reticentes a certas políticas europeias ou ao modo como elas eram acompanhadas por Lisboa. Sei do que falo, porque, durante mais de meia década, passei longas horas na Assembleia da República a apresentar a  política europeia que era encarregado de defender, sendo regularmente confrontado, no jogo democrático interno, com posturas críticas do modo como então a dirigíamos. Em todo esse período, porém, com maior ou menor dificuldade, foi sempre possível garantir um diálogo construtivo com aqueles que, tendo divergências no pormenor, se mostravam de acordo com o essencial. E, sem limitar o espaço de afirmação das naturais diferenças, conseguiu-se projetar essas linhas comuns, não apenas nas fase decisivas das principais negociação mas, igualmente, nos processos internos de ratificação parlamentar.

Tais negociações, que então envolveram dois tratados - Amesterdão e Nice -, não tinham, há que reconhecê-lo, a delicadeza quase "existencial" daquela com que Portugal se vai confrontar daqui a pouco tempo, a qual pode representar uma mudança do paradigma europeu e, muito provavelmente, da própria natureza da União. Como há dias tive ocasião de referir publicamente em Lisboa (ver mais abaixo), dá-se o acaso infeliz dela ter lugar num momento de alguma fragilidade da posição do nosso país, por virtude do processo de ajuda externa de que estamos dependentes, o que torna a questão ainda de muito maior sensibilidade.

Por esse conjunto complexo de razões conjunturais, é decisivo, agora mais do que nunca, que Portugal se apresente nessa negociação com o mais alargado consenso que o diálogo político interno torne possível desenhar, com vista a maximizar a nossa influência, num esforço que é imperativo que inclua um a atuação conjugada no seio das grandes formações políticas europeias em que os partidos portugueses de matriz europeísta estão integrados.

Refundar a Europa (3)

O debate no painel em que participei no Congresso sobre o "25 anos na União Europeia" não foi isento de polémica. A política agrícola portuguesa para a Europa foi um dos temas mais controversos, com João Cravinho e eu próprio a não concordarmos com a abordagem de Rosado Fernandes, o que, aliás, esteve longe de ser uma surpresa. Devo dizer que, discordando genericamente da leitura que o antigo deputado europeu e dirigente da CAP faz sobre o "saldo" da nossa presença na Europa, respeito a sua perspetiva soberanista e reconheço nela uma genuinidade que me não é indiferente.

Rosado Fernandes e eu próprio repetiríamos uma outra cordial conflitualidade, quando o professor universitário disse que tinha optado por ser deputado ao Parlamento europeu para que Portugal "se visse livre o MFA".

Não resisti à provocação e disse que o Comandante Costa Correia, destacada figura do Movimento das Forças Armadas, presente na sala, e eu próprio, ambos militares no dia 25 de abril de 1974, embora com graus muito diferenciados de responsabilidade, tínhamos uma imenso orgulho na "herança do MFA". Não o disse, mas poderia tê-lo dito, que Portugal apenas foi admitido como membro das comunidades europeias depois da Revolução ter aberto o país à liberdade que a ditadura lhe negava. 

quinta-feira, dezembro 01, 2011

Refundar a Europa (2)

Encerrou no dia 30 de novembro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o "Congresso internacional 25 anos na União europeia", organizado pelo respetivo Instituto Europeu (que também comemora um quarto de século de existência), sob a orientação do professor Eduardo Paz Ferreira.

Devo dizer que, nas quase cinco horas de trabalhos a que assisti, confortei a minha ideia de que Portugal dispõe de uma "massa crítica" de reflexão sobre estas temáticas que pede meças a qualquer país europeu. Julgo que isso mesmo pôde constatar o meu colega francês em Lisboa, Pascal Teixeira da Silva, que seguiu atentamente os trabalhos.

No que me respeita, destaco alguns pontos do que abordei no meu painel:

- a crise da governabilidade democrática na Europa contemporânea.

- as tensões induzidas ou a induzir pela crise europeia nos sistemas constitucionais de cada país.

- a forma diferenciada como as opiniões públicas nacionais são mobilizadas pelo fatores de insegurança que atravessam a Europa.

- a perceção pelos eleitores nacionais das diferenças de poder, no âmbito europeu, dos seus titulares da representação política, com naturais efeitos na respetiva legitimidade.

- a fragilidade particular que sofrem os países sob tutela de programas de ajustamento, que vivem um quase ambiente típico de "pós-guerra".

- a necessidade de perceber que há uma linha muito fina que separa a assunção de medidas de rigor e austeridade, aceites como indispensáveis e assumidas como legítimas, da ideia de se estar perante um "diktat" externo gerado por um "estado de necessidade", que pode alienar a respetiva aceitação popular, com riscos sociais graves.

- a necessidade de preservar a confiança entre os Estados membros, por forma a não gerar clivagens entre as várias opiniões públicas, se se pretende garantir condições para uma futura reforma, ainda que limitada, dos tratados europeus.

- a especial posição em que Portugal se encontra, fruto da necessidade de cumprir, com rigor, compromissos que derivam na nossa fragilidade económico-financeira, ao mesmo tempo que os seus dirigentes têm forçosamente de assumir posições políticas que garantam a não marginalização do país, no quadro dos novos arranjos europeus que, queiramos ou não, aí virão.

- a importância de Portugal praticar, neste difícil contexto, uma política muito pragmática de alianças e, tal como no passado, ter de fazer opções de matriz inclusiva e centrípeta face aos modelos mais coesos de integração (ou de cooperação intergovernamental) que possam vir a ser desenhados, evitando, o mais possível, qualquer risco de periferização.

Tal como acontecera no painel anterior àquele em que participei, que havia sido dedicado à questão financeira e onde houve intervenções de grande qualidade e profundidade, fiquei muito agradado com a discussão tida com os meus colegas de painel - onde António Vitorino traçou um rigoroso inventário prospetivo do que pode esperar a Europa como saldo desta crise, onde João Cravinho ilustrou com a sua experiência pessoal as dificuldades de participação no quadro interinstitucional na União, onde Raul Rosado Fernandes "partiu a loiça" com a sua heterodoxia eurocética e afastamento do "politicamente correto" e onde Nuno Severiano Teixeira traçou um interessante e elaborado quadro histórico do papel central da Alemanha nos diversos tempos de revisão do "contrato europeu".

Pegando no último tema, deixei clara no final dos trabalho a minha perspetiva de que o trabalho franco-alemão se constituiu sempre, no passado, como um contributo da maior importância para a dinâmica do processo europeu. Porém, o modo como a "coreografia" do exercício dessa influência se estava a apresentar, nos últimos tempos, no cenário de afirmação dos poderes tinha, com toda a evidência, criado algum incómodo e mal-estar em certos parceiros, que se sentiam pressionados por uma espécie de "duopólio" auto-designado, que era particularmente chocante no tocante ao que parecia ser uma clara subalternização das instituições.

Neste ponto, parecia-me cada vez mais delicada a posição da Alemanha, cuja imagem histórica evolutiva sempre constituiu um pano de fundo referencial para todo o processo integrador. Não me sossegava verificar - mesmo em França, onde o esforço de reconciliação teve talvez o seu maior expoente -, a clara geração de um ambiente de desconfiança quando ao "excesso de poder" de Berlim. A questão alemã é uma questão europeia e o modo como a movimentação do poder alemão é vista em todo este contexto não deixará de ter consequências no ambiente de confiança indispensável à consensualização de soluções de futuro.

Aproveito para deixar um link para o texto que, em paralelo a esta Conferência, publiquei no livro "25 anos na União Europeia - 125 reflexões", editado no dia 30 de novembro pelo Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa. É um texto "perecível", quiçá a ser infirmado pelos factos, no curto prazo. Porém, como afirmei na Conferência, ao abordar este tipo de assuntos sinto-me hoje como estando a debater teorias climatéricas no meio de um ciclone...

Em tempo: a JustiçaTV trouxe a intervenção inicial que fiz (depois complementada por outras duas intervenções)

quarta-feira, novembro 30, 2011

1º de dezembro

Refundar a Europa (1)

Em 1 de julho de 2000, publiquei no "Le Monde" um artigo sob o título "Refonder l'Europe". Nele propunha, a montante da aprovação do Tratado de Nice então em curso de negociação, a possibilidade de convocação de uns "Estados Gerais" da Europa, abrangendo os executivos e os parlamentares, para a definição de uma nova ordem institucional europeia. Entre 2002 e 2003, a "Convenção para o futuro da Europa", gizou o Tratado Constitucional (abandonado depois dos referendos negativos nos Países Baixos e em França) e alguns círculos europeus falam, de novo, na possibilidade de convocação de uma "convenção" para rever pontualmente o Tratado de Lisboa.

Hoje, na Faculdade de Direito de Lisboa, vou participar, juntamente com António Vitorino, Raul Rosado Fernandes, Nuno Severiano Teixeira e João Cravinho, sob a moderação de António José Teixeira, num debate no âmbito do "Congresso Internacional 25 anos na União Europeia". Curiosamente, o título desse painel, que encerra a Conferência, é "Refundar a Europa". Agora já sem ponto de interrogação. 

segunda-feira, novembro 28, 2011

A TAP e eu

Ontem, fui visitar a TAP nas suas novas instalações em Paris, numa espécie de "inauguração" oficial, um pouco atrasada no tempo, mas feita com o maior dos gostos. Porque eu, confesso, gosto muito da TAP.

Tendo embora uma sólida conta de viagens aéreas em dezenas de companhias, devo dizer que me sinto sempre muito bem quando viajo na TAP. Outras empresas têm aviões mais confortáveis, muitas tiveram ou têm um serviço requintado que a TAP nunca atingiu nem atingirá, mas a TAP é "cá da casa", faz parte daquilo que nos habituámos a identificar no estrangeiro como português - como o pastel de nata, o fado ou a Vista Alegre. Fico satisfeito quando vejo os aviões da TAP nos aeroportos, nunca hesito quando a posso escolher como opção. É, além disso, um belo cartão de visita do país, uma companhia cada vez mais pontual, com um "record" de segurança invejável.

Porque tenho a TAP como "da família", perco mais facilmente a paciência com ela do que com outras companhias, detesto a displicência e os "pontapés na gramática" (principalmente francesa) nas mensagens lidas pelas hospedeiras, tal como fico furibundo com a arrogância das greves que afetam as viagens dos portugueses expatriados, que querem visitar as famílias nas festas ou nos verões. Mas acabo sempre por perdoar.

Nos postos diplomáticos em que estive, sem exceção, mantive sempre um excelente relacionamento com as pessoas da TAP, a quem só fiquei a dever simpatia. Talvez o Brasil tenha sido o país onde, porventura, a minha ação possa ter sido mais útil à TAP, a qual, nessa época, "disparou" em direção a várias cidades brasileiras, tornando-se na verdadeira "ponte" transatlântica que sucedeu ao fim triste da excelente Varig. 

Da vida, todos guardamos na memória alguns momentos especiais de bem-estar. Um dos meus liga-se à TAP. 

Em 1983, eu estava em Luanda, já há nove meses seguidos. Era uma cidade difícil, com imensas carências materiais, num tempo de guerra civil, com recolher obrigatório e a necessidade de limitarmos as nossas deslocações a um perímetro de segurança, já de si relativa. A vida em Angola era complicada, a assistência médica deficiente, o conforto relativo, as tensões, políticas e outras, eram pesadas de suportar. Ao final de todo esse tempo contínuo, de intenso trabalho, já saturado e algo stressado, vim de férias a Portugal. E recordo, como se fosse hoje, o prazer que me deu sentar-me, confortavelmente, num dos (então a estrear, hoje já desaparecidos) Lockheed 1011 TriStar, saborear um gin tónico e, pelos auscultadores de bordo, ouvir, pela primeira vez, Ivan Lins e Sérgio Godinho cantar, de um disco que eu ainda não tinha, "Que há-de ser de nós?".

A TAP vai em breve estar perante algumas escolhas de futuro. Só podemos esperar que a opção que viera ser tomada lhe preserve a qualidade e a sua identidade nacional. Tal como na canção, muitos nos perguntamos: que há-de ser da TAP? 

Ora Eça!

Custou, mas foi! Já consegui arranjar - não me perguntem como! - a verba necessária para poder mandar compor a placa que, na avenue de Roule, em Neuilly, assinala a casa onde viveu e morreu Eça de Queiroz, e que estava praticamente ilegível, como aqui se assinalou. 

Espero, dentro de algum tempo (em França, estas coisas demoram muito tempo, podem crer), poder trazer uma fotografia da placa renascida, oferecida pela Escola de Belas Artes do Porto e aí colocada em 14 de setembro de 1950, pelo então embaixador de Portugal em França, Marcello Mathias.

domingo, novembro 27, 2011

O que tu queres...

"Gostei do teu post de ontem sobre o fado. Bem subtil, hum...", diz-me um amigo, críptico, há minutos, de Lisboa. Já um comentador tinha ido pelo caminho do "ele não dá ponto sem nó...", ou "ele tem alguma na manga...", como poderão verificar.

Caramba! Será que não se consegue escrever uma coisa sem que alguém dela possa intuir apenas o que lá está escrito? Por que diabo cresce, dia a dia, em muita gente, esta ideia peregrina de que o que se escreve, o que se diz ou o que se faz tem sempre, necessariamente, "alguma coisa por detrás"? O que leva a este mundo de teorias conspirativas, de segundas intenções, de "hidden agendas"? O que aduba este Portugal do "o que tu queres sei eu!"?. 

Só se for... cala-te boca!

Ponto de encontro

Há dias, um amigo tinha-me dito que o "Fio de Prumo" tinha falado, uma vez mais, deste blogue. A minha visita à blogosfera é muito errática e nada regular. Mas, como diria o Augusto Gil, fui ver... e por lá encontrei uma peça bem simpática, que muito agradeço e que dá conta que este "Duas ou Três Coisas" desencadeou, entre algumas das suas comentadoras "residentes", encontros pessoais e a descoberta de afinidades. 

Ora aí está um "side effect" com que eu não contava, mas com o qual, naturalmente, muito me regozijo. 

Voltem sempre e sintam-se bem nesta vossa casa.

O nosso fado

O nosso fado já é património da humanidade. As vozes que se erguem a cantá-lo, as letras que nele exprimem os nossos desalentos e alegrias, as guitarras e violas que o choram e a música que tudo isso envolve, fazem parte de uma cultura que agora já não é só nossa, já pertence ao mundo. Um mundo que, contudo, dificilmente entenderá alguma vez esta "estranha forma de vida" e por que é que, neste nosso fado, a lua rima sempre com a rua, o Tejo com o desejo e o amor com a dor. Vai bem longe o nosso fado.

sábado, novembro 26, 2011

Solidariedade

Alguém notava, num evento caritativo a que assisti na noite de hoje, o caráter "sazonal" do nosso compromisso com a solidariedade e com as carência que afetam os outros, afirmando que essa atitude não deveria surgir apenas na época natalícia, mas ser praticada ao longo de todo o ano - porque os sofrimentos e a fome não entram de férias. Talvez essa pessoa tenha razão, mas a experiência e a vida mostraram-me que mais vale estimular a preocupação com os outros em tempos como as festividades de Natal, mesmo que esses gestos surjam como pontuais absolvições de consciência, do que corrermos o risco da indiferença permanente, sem resultados materiais que permitam atenuar as dores alheias.

Vem isto a propósito do jantar em que hoje participei na "Rádio Alfa", com mais de 300 pessoas, destinado a recolher fundos para a Santa Casa da Misericórdia de Paris, cujo dinamismo desinteressado faz com a Embaixada se mobilize, com regularidade, em favor das causas que promove. A preocupação desta instituição com os mais carenciados dentro da nossa comunidade, com aqueles a quem a sorte não tocou na onda de assinalável sucesso da generalidade dos portugueses em França, com as dificuldades da nova emigração, com os idosos e doentes sem meios, com os presos portugueses e com aqueles para quem é necessário encontrar sepultura digna - eu sei que estas temáticas não são confortáveis, mas elas existem e, como se vê, há quem delas cuide com desapego material - deveria merecer um maior empenhamento de solidariedade coletiva dentro da nossa comunidade.

Uma boa ocasião para tal será dar uma colaboração, ainda que pequena, para o "cabaz de Natal" em que a Santa Casa recolhe produtos não perecíveis ou outras contribuições materiais, para ajuda daqueles nossos compatriotas que se sabe estarem mais carenciados. Neste tempo em que todos somos chamados a pensar, cada vez mais, nas dificuldades do nosso próprio futuro coletivo, talvez fosse apropriado termos um gesto em favor daqueles para quem a crise já faz parte do respetivo presente.

sexta-feira, novembro 25, 2011

As "estrelas" do Michelin

Foram hoje revelados dos nomes restaurantes portugueses que, na edição de 2012, terão as desejadas "estrelas" nos guias franceses Michelin, numa avaliação da sua qualidade gastronómica. A "estrelas" podem ir de uma a três, sendo que Portugal nunca teve, até hoje, qualquer restaurante a que hajam sido atribuídas três estrelas.

Em 2012, com duas "estrelas" aparecem o Ocean e o Vila Joya, ambos no Algarve. Com uma "estrela": o São Gabriel, o Willie's e o Henrique Leis, todos também no Algarve, o Il Gallo d'Oro, no Funchal, o Tavares e o Feitoria, em Lisboa, o Arcadas da Capela, em Coimbra, o Yeatman, em Vila Nova de Gaia, e a Casa da Calçada, em Amarante.

Portugal é um país que só muito lentamente tem vindo a "ganhar estrelas". Será isso importante? Claro que é! A profusão de restaurantes com referências positivas nos guias da Michelin é um fator de atração turística e induz mais deslocações ao nosso país. Além disso, estimula outros restaurantes a melhorarem e a colocarem-se em posição de poderem vir a conquistar "estrelas" ou, simplesmente, a concorrer com aqueles que as têm.

Devo dizer que não me recordo de ter comido nenhuma vez mal num restaurante assinalado com "estrelas" nos guias Michelin, embora algumas vezes apenas "assim-assim". Mas, com grande frequência, tenho comido bem melhor noutros restaurantes, alguns dos quais estão e estarão longe desta "corrida às estrelas" - e são quase sempre bem mais baratos.

Um aviso da parte de alguém que acompanha com alguma atenção estas coisas: em geral, pode confiar -se nos restaurantes assinalados com "estrelas" nos guias Michelin, mas não se deve confiar, necessariamente, nas listas dos restantes restaurantes que os guias mencionam para cada localidade. Sei do que falo: está lá de tudo, do bom ao medíocre (embora raramente do mau).

E, agora, permitam-me que vá jantar... a casa de amigos!

quinta-feira, novembro 24, 2011

America! America!

Não está muito na moda citar Elia Kazan. Mas quase que me apetece colocar pontos de admiração no seu admirável "America, América" para expressar a minha perplexidade em face da pobreza (chamemos as coisas pelo seu nome) do nível do debate, sobre temáticas de política internacional, que se processa entre os candidatos à investidura republicana. O que tem sido dito nesse contexto é, no mínimo, surpreendente e chocante, no tocante à impreparação da maioria dos atores políticos que se perfilam para a corrida à Casa Branca.

Alguns dirão que isso não tem a menor importância, que, a seu tempo, o mundo republicano produzirá "wise men" que darão conteúdo programático em matéria de política externa às candidaturas e que, como se viu no passado, por menos habilitados em temas internacionais que os candidatos inicialmente se mostrem, acabarão por ser enquadrados por "think tanks" que produzirão doutrina sólida, para o caso de virem a ascender ao poder. Alguns lembrar-se-ão de Reagan, outros de George W. Bush. A alguns, isso sossegará, a outros isso preocupará.

Confesso que, com anos desta vida internacional, e com os riscos que hoje existem, o panorama atual não me sossega. Kennedy disse, em 1963, face à fronteira da Guerra Fria que eram as portas de Brandeburgo, "Ich bin ein Berliner" (um amigo meu sempre apostou em como, se estivesse em Hamburgo, ele não se atreveria a dizer "Ich bin ein Hamburger"...). Dada a importância que os Estados Unidos têm para a nossa vida, pelo peso que as suas decisões no plano internacional têm sobre todos nós, eu atrever-me-ia a dizer que, meio século depois, quando um novo presidente entrar em funções, "todos seremos americanos". Uma vez mais. Queiramos ou não. E, por essa razão, a substância dos debates a que me refiro neste post está longe de me ser indiferente.

Júlio Resende

O nome lembra o do pintor recentemente desaparecido. Trata-se de um jovem pianista português que tem o jazz no sangue e que ontem tocou, e foi muito apreciado pelas largas dezenas de presentes, num concerto que organizámos na Embaixada, que hoje se reproduzirá na Casa de Portugal, na "Cité Universitaire" de Paris, com a qual entrámos mais uma vez em parceria. Com os recursos a escassearem, e como se dizia no maio68, é preciso levar "a imaginação ao poder".

O fim da tarde de ontem trouxe-nos um percurso musical muito diverso, desde temas que se colavam a Jarrett e, em certo ponto, a uma sonoridade minimalista que lembrou Steve Reich, mas onde figuraram outras referências, de Gershwin a Jobim, não esquecendo tonalidades de fado. Uma surpresa foi o convite feito pelo Júlio Resende a Elisa Rodrigues, uma nova e curiosa voz portuguesa.

A Europa e os jovens

Ontem à tarde, estive a falar, em Saint-Germain-en-Laye, a uma dezenas de jovens sobre a Europa e os seus problemas. Procurei ser simples, numa questão que é (e está, cada vez mais) muito complicada. Longe vão os tempos em que alguma regularidade no processo de construção europeia nos dava a segurança de poder afirmar certas certezas e de poder testar algumas alternativas plausíveis. É quando procuro alinhar ideias sobre os tempos que estamos a viver, sobre as opções que podem ter de ser tomadas amanhã, que melhor me dou conta da imensidão de dúvidas que eu próprio hoje alimento. E isso deve transparecer, com naturalidade, daquilo que digo. Por isso, por mais "sábios" que possamos ser sobre o passado da processo integrador e por mais lições que dele queiramos tirar para o seu destino, a verdade é que os dias que correm nos tornam, a todos, simples prisioneiros de um futuro bastante incerto.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Greve geral

No início da minha carreira, creio quem em 1978, houve em Portugal uma greve geral. Nesse dia, por coincidência, eu estava convocado  para ir a tribunal, por excesso de velocidade - embora com um imbatível e verídico alibi da ocorrência ter tido lugar quando levava uma pessoa ao serviço de urgência de um hospital. 

Na véspera, informei a minha chefia de que teria de deslocar-me ao tribunal, enviando cópia da convocatória. Fui informado que o secretário-geral de então, embaixador Caldeira Coelho, considerava "pouco aceitável" a minha desculpa e que, se havia greve, provavelmente o tribunal estaria encerrado, pelo que não valia a pena eu ir lá. A resposta que pedi que fosse transmitida ao secretário-geral, e que não sei se lhe chegou, foi a de que, a proceder dessa forma, estava a presumir que o juíz era um dos grevistas. E que quem não poderia arriscar essa hipótese era eu. Lá estive no tribunal. Não houve audiência.

Hoje, um significativo grupo de professores portugueses, sindicalmente organizados, alguns vindos da Alemanha, em dia de greve geral a que presumivelmente aderem, pediu ser recebido hoje por mim. Julgo que todos eles têm a consciência do facto curioso e irónico de que é precisamente por não estar em greve que posso conceder-lhes a audiência. 

Lisboa em Pessoa

Desenho de João Beja

Ontem, fui inaugurar, na Sorbonne (Paris 3) uma exposição fotográfica, organizada no âmbito da deslocação de cerca de 40 alunos a Lisboa, que retratava o seu olhar pelos lugares de Fernando Pessoa na capital portuguesa.

Confesso que, por vezes, ainda me impressiona a força desta internacionalização do poeta, a sua universalidade e o modo como a sua mensagem (neste caso, em sentido lato) toca mundos muito diferentes. Tenho visto isso, em diversos lugares do mundo.

Sou de um tempo em que Pessoa, em Portugal, era lido através de umas pouco apelativas edições de capa branca da Ática, já com bastante interesse, mas sem o fulgor que a sua consagração internacional viria a acarretar. Pode não ser confortável reconhecer isto, mas há que aceitar que o Portugal menos erudito "aprendeu" a apreciar Pessoa muito graças ao modo como o mundo exterior o começou a tratar.

Há dias, dei comigo a pensar em Fernando Pessoa, ao olhar para as magníficas paisagens do Douro. Sempre fizeram parte do meu cenário de infância, sempre lá estiveram, mas não éramos educados a atentar nelas. Às vezes, olhamos e apreciamos melhor aquilo que temos quando os outros, de fora, a isso nos conduzem. É pena, mas é verdade. 

terça-feira, novembro 22, 2011

Danielle Mitterrand (1924-2011)

Alguém disse, um dia, que Danielle Mitterrand, que agora desapareceu, era a consciência de esquerda do seu marido. Mulher de causas, atenta à vida e às injustiças internacionais, nunca deixou de ser uma personalidade bastante discreta na vida pública francesa, onde media as suas aparições com grande parcimónia. Apaga-se agora o sorriso daquela cara com olhos felinos, atrás do qual se adivinhavam os segredos de uma relação complexa com um dos homens mais misteriosos da história francesa contemporânea.

segunda-feira, novembro 21, 2011

Edgar Morin

A vida tem destas coisas. Ando há anos para ouvir Edgar Morin, de quem li muito e sempre com proveito. Ao final da tarde de hoje, ele faz uma conferência do centro cultural da Fundação Gulbenkian, aqui em Paris. Estava a deliciar-me com a possibilidade de o escutar sobre a crise, a Europa e a crise na Europa. Pois não é que essa é a única hora que consegui para uma visita de urgência a um dentista?! Há dores que são duplas.

domingo, novembro 20, 2011

Ovos com bacon

Foi já há muitos anos. Posso imaginar que a conversa ia solta entre aquele velho embaixador e o seu secretário, numa tarde talvez sombria, quiçá à volta de dois maltes, numa periférica capital europeia, cujo nome ora me escapa. 

Falava-se de política portuguesa, tema que era caro ao jovem diplomata mas para o qual o seu chefe olhava com alguma distância, tantas as coisas que vira e outras que preferiria não ter visto.

O tema era uma figura política então na oposição, que o diplomata mais novo incensava nas conversas, desde há meses, apostando numa sua subida aos terrenos do poder como a chave para a superação dos males pátrios. O embaixador era, porém, muito mais cético quanto às virtudes daquele político e às suas reais qualidades pessoais.  Em especial, os insistentes rumores sobre as suas ligações a determinados lóbis deixavam-lhe muitas dúvidas quanto as reais razões pelas quais tanto se encarniçava nos seus esforcos de ascensao na vida publica.

Mas o secretário insistia: "Senhor embaixador, eu tenho acompanhado com atenção o perfil dele. É um homem comprometido com o destino do país", saiu-lhe a certo passo, um tanto grandiloquente. 

O embaixador interrompeu-o: "Comprometido ou interessado?"

- Não vejo a diferença, senhor embaixador, retorquiu o jovem.

- É imensa, meu caro, é imensa! Já pensou nos ovos com bacon?

- Nos ovos com bacon?!

- Claro! Nos ovos com bacon, a galinha é interessada, o porco é comprometido...

sábado, novembro 19, 2011

Pascal Lamy

Na passada sexta-feira à noite, estive presente numa palestra-debate com Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), a convite da associação "Notre Europe", criada por Jacques Delors, a que agora preside António Vitorino.

Lamy é um homem brilhante. Foi chefe de gabinete de Delors e, anos mais tarde, comissário europeu com a pasta do comércio exterior. Com ele tive então algumas "accrochages", quando se discutia a fixação do mandato europeu para a reunião ministerial da OMC, a ter lugar em Seattle, em fins de 1999. Nada que fosse muito diferente dos problemas que já tivera com o seu antecessor, o britânico Leon Brittan, na preparação das duas anteriores reuniões ministeriais da OMC, cuja delegação nacional me competiu chefiar - em Singapura (1997) e Genebra (1998).

Portugal atinha-se então fortemente à defesa de alguns produtos "sensíveis" para a nossa indústria, pelo que tentava salvaguardar certas "posições pautais", nomeadamente relativas a produções têxteis, dado que o nosso país se recusava ter de pagar, através da total abertura do mercado europeu a produtos idênticos oriundos de países terceiros, certas vantagens que outros nossos parceiros mais avançados pretendiam obter nesses mercados.

Recordo longas e penosas horas de negociação passadas nas salas de Bruxelas, com Portugal a terminar o processo praticamente isolado, comigo a fazer "bluff" com a ameaça de abandono da sala e, simultaneamente, pressões a serem feitas pelo telefone junto de Lisboa, queixando-se da minha intransigência.

Um dia, contarei aqui como não pude evitar o sentimento de algum gozo ao testemunhar, semanas depois, nas manifestações nas ruas e no caos das salas de trabalho da reunião de Seattle, o ruir fragoroso dessa negociação. Ia pagando caro, em termos europeus, uma declaração que então fiz à SIC, dizendo "não poder deixar de ter uma certa simpatia nostálgica pelos manifestantes, que haviam criado um ambiente anos 60, que recordava Berkeley e o Maio 68". Recordo que essa foi, talvez, a primeira grande movimentação de massas anti-globalização.

A reunião de sexta-feira parecia de "amigos de Alex", gente de um outro tempo europeu. Por lá encontrei Niels Ersbøll, antigo secretário-geral do Conselho das Comunidades Europeias, Philippe de Schoutheete, representante permanente belga, e Elisabeth Guigou, antiga ministra francesa - todos membros do "grupo de reflexão" no seio do qual, em 1995, havíamos discutido e preparado a revisão do tratado de Maastricht. Mas, igualmente, os portugueses Maria João Rodrigues e Vitor Martins, duas figuras a quem a política europeia portuguesa muito ficou a dever. E, também, os meus amigos espanhóis Enrique Barón Crespo, antigo presidente do Parlamento Europeu, e Eneko Landaburu, que agora chefia a representação da UE em Rabat, uma figura que foi sempre de uma grande correção para conosco, como diretor-geral da Comissão encarregado dos fundos estruturais.

A charla e o debate processavam-se de acordo com a consagrada "Chatham House rule", o que significa que o conteúdo do que foi dito não deve ser passado cá para fora (embora eu visse dois jornalistas conhecidos a tomar afanosamente as suas notas...). Por isso, apenas aqui anoto a ironia de Pascal Lamy quando afirmou que os países do antigo G8 parece não terem ainda decidido muito bem como deverão tratar os chamados "emergentes" (que muitos consideram já "emergidos"): ou como países ricos com muitos pobres ou como países pobres com muito ricos.

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