segunda-feira, abril 11, 2011

Lugares de Eça de Queirós em Paris (3)

Esta é a imagem (possível) da casa em que Eça de Queirós viveu, desde finais de 1893 (não há uma data exata), e onde morreu, em 16 de agosto de 1900. O escritor havia sido obrigado a sair da casa que ocupava na rue Charles Lafitte (ver aqui) e, depois de muito procurar, encontrou esta moradia numa zona de Neuilly, não muito distante. O prédio foi demolido nos anos 70.

Sobre ela, Eça escreveu a Oliveira Martins, em 1894: "Nós continuamos na remota província de Neuilly. A nova casa agora é metida dentro de um jardim, que é ele mesmo metido dentro dum terreno, que por seu turno está metido dentro de um largo prédio de rapport. Tens decerto visto disposições iguais em caixinhas chinesas". Foi no jardim dessa casa que Eça tirou esta conhecida fotografia, vestido com uma cabaia chinesa.

Em frente ao espaço onde existia a casa (da imagem a preto-e-branco), no que é agora o nº 38 da avenue de Roule, em Neuilly, havia já sido construído, entretanto, este prédio.



Na frontaria do edifício, foi aposta pelo embaixador Marcello Mathias, em 14 de setembro de 1950, uma placa de mármore, oferecida pela Escola de Belas-Artes do Porto.


O queirosiano Luís Santos Ferro tem vindo a lutar, com o meu apoio, pelo restauro da placa, cujos dizeres são atualmente ilegíveis.

Vae victis

As guerras não são um desporto, nem sequer podem ser confundidas com uma disputa política democrática, em que o derrotados saem de cena com alguma naturalidade. De qualquer forma, devo dizer que não fico nunca indiferente às imagens, sempre patéticas, de um guerreiro que chega ao fim da viagem, como as que, há pouco, as televisões mostraram de Laurent Gbagbo.

domingo, abril 10, 2011

La Lys e a Legião Portuguesa

No próximo fim de semana, vamos de Paris a La Lys, perto de Lille, rememorar, como anualmente fazemos, a batalha trágica em que morreram muitos militares portugueses, no termo da primeira Grande Guerra.

A batalha teve lugar em 9 de abril de 1918. Na minha infância, em Vila Real, a data era comemorada com uma romagem ao monumento a Carvalho Araújo, na avenida com o mesmo nome. Nas comemorações, tinha um papel mobilizador a Legião Portuguesa que, nas vésperas, vendia pela cidade miniaturas de capacetes militares, para pôr ao peito, financiando a Liga dos Antigos Combatentes.

As novas gerações desconhecem essa organização, criada num tempo em que o Estado Novo tinha uma vocação protofascista. A Legião era uma espécie de milícia armada, comandada por figuras políticas do regime ou por militares na reserva, que frequentemente era encarregada de levar a cabo algum "dirty work", muitas vezes em íntima ligação com a polícia política.

Nos anos 50, o regime pressionava fortemente os funcionários públicos a fazerem parte da Legião. Muitos aceitavam, as mais das vezes por temor a represálias do que por uma sincera adesão ideológica, outros recusavam, com dignidade e coragem. Após o desencadear da guerra colonial, a Legião desenvolveu, no seu seio, a Defesa Civil do Território, que tentou, sem grande sucesso, mobilizar esses setores oficiais do país para um cenário improvável de guerra no território europeu.

Com o tempo, com a desaparição do entusiasmo dentro do próprio regime pela "Revolução Nacional", a Legião foi-se "apagando" na província, embora subsistindo com algum vigor em Lisboa. A organização destacou-se em ações provocatórias perante a episódica emergência de movimentações democráticas, nos chamados "períodos eleitorais". Foi também responsável por algumas ações de vandalismo, como o ataque à Sociedade Portuguesa de Escritores (em 1965) ou à Comissão Democrática Eleitoral (CDE) de Lisboa (em 1969). A Legião, em especial através da sua FAC (Força Automóvel de Choque), levou ainda a cabo diversos atos de natureza repressiva e persecutória, alguns já no período do marcelismo.

Nessa fase terminal da "situação" (delicioso nome dado popularmente à ditadura, por contraste com a "oposição"), a Legião já se não sentia muito à vontade, tendo ainda como principais dirigentes figuras ligadas a setores de saudosismo salazarista, que contestavam a "primavera marcelista". Recordo, porém, em 1971, já na chamada "abertura" marcelista, o cerco feito por elementos da FAC a uma reunião do associativismo universitário, no Instituto Superior Técnico, que obrigou os integrantes da mesma a terem de saltar muros e a algumas corridas pela madrugada lisboeta.

Nesses últimos anos do regime, a Legião havia sido reforçada por algum "lumpen", por elementos da antiga OPVDCA (uma organização paramilitar criada em Angola, em 1961) e por militares desmobilizados. Ao que julgo saber, a ação da Legião Portuguesa concentrava-se então em ações de segurança de instalações petrolíferas na zona oriental de Lisboa. No 25 de abril, alguns dos revoltosos temiam, por mero desconhecimento, a força da Legião Portuguesa e a sua capacidade de resistência. Afinal, a organização viria a revelar-se um mero "tigre de papel", para usar uma expressão à época muito em voga.

Vale a pena reconhecer, em abono da verdade, que, ao menos no que respeitava às comemorações da batalha de La Lys, a Legião acabou por desempenhar um papel meritório. Era patrioticamente pedagógico, para as crianças das escolas, ver de perto o valoroso soldado Milhões, bem como os seus colegas veteranos da primeira Grande Guerra, orgulhosos com as suas condecorações ao peito, perfilados em frente ao monumento a Carvalho Araújo, ouvindo hinos e honras militares. 

Hoje, já não há velhos militares vivos dessa guerra e nem sei se alguém honra, em Vila Real, os mortos de La Lys. Aqui em França, e desde há muito, os embaixadores de Portugal e as Forças Armadas portuguesas cumprem, com empenhamento, esse ritual de respeito. No meu caso, regresso, com gosto, ao passado. Agora sem a Legião Portuguesa, claro.

Lugares de Eça de Queirós em Paris (2)

Situada no 32 da rue Charles Lafitte, esta moradia de Neuilly-sur-Seine foi habitada por Eça de Queirós da primavera de 1891 até (crê-se) finais de 1893. É a segunda casa, depois da da rue Crevaux (ver aqui), que foi ocupada em Paris por Eça de Queirós, durante a sua estada de cerca de 12 anos na capital francesa, como Cônsul de Portugal.

Segundo Luís Santos Ferro, profundo conhecedor queirosiano, nesta moradia "desenrolou-se um período feliz da família Eça de Queirós, muito fecundo na actividade literária do escritor". A casa foi frequentada por muitos amigos do escritor, como os portugueses Carlos Mayer, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Batalha Reis, António Nobre, Alberto de Oliveira, António Feijó, Carlos Lobo d'Ávila e os brasileiros como o barão do Rio Branco, Eduardo Prado, Magalhães de Azeredo, Joaquim Nabuco, Domício da Gama e Olavo Bilac.

Os atuais proprietários, Philippe Mayer e a sua mulher, demonstram um grande e desinteressado empenhamento em conservar a memória queirosiana na sua moradia.

Por iniciativa de Luís Santos Ferro, foi inaugurada no exterior do edifício, em 25 de novembro de 1996, assinalando os 150 anos do nascimento do escritor, uma placa oferecida pelo Grémio Literário, descerrada pelo presidente da República, Jorge Sampaio. Uma das personalidades que esteve presente e tomou a palavra no ato foi o então "maire" de Neuilly. Chamava-se Nicolas Sarkozy.


Um compromisso nacional*

1. Portugal está a viver uma das mais sérias crises da sua história recente. Essa crise tem uma dimensão financeira e económica, que se reflete no défice orçamental, no desequilíbrio externo, no elevado grau de endividamento público e privado e nos baixos índices de competitividade e crescimento da economia, com grave impacto no desemprego, em especial nas gerações mais novas; mas tem igualmente uma dimensão política e social grave, que se exprime numa crescente dificuldade no funcionamento do Estado e do sistema de representação política e em preocupantes sinais de enfraquecimento da coesão da sociedade e das suas expectativas. 

2. A crise financeira e económica mundial que se iniciou em 2007,com origem nos Estados Unidos, gerou em 2009 a maior recessão global dos últimos 80 anos e transformou-se, mais tarde, na chamada crise da dívida soberana, que abriu no seio da União Europeia um importante processo de ajustamento político e institucional, afetando de modo especialmente negativo alguns dos Estados membros mais vulneráveis, entre os quais, agora, Portugal.

3. Nesta situação de grande dificuldade, em que persistentes problemas internos foram seriamente agravados por uma conjuntura internacional excecionalmente crítica, os signatários sentem-se no dever de exprimir a sua opinião sobre algumas das condições que consideram indispensáveis para ultrapassar a crise, num momento em que a dificuldade de diálogo entre os dirigentes políticos nacionais e a crescente crispação do debate público, nas vésperas de uma campanha eleitoral, ameaçam minar perigosamente a definição de soluções consistentes para os problemas nacionais. 

4. Essas condições envolvem dois compromissos fundamentais:

a) em primeiro lugar, um compromisso entre o Presidente da República, o Governo e os principais partidos, para garantir a capacidade de execução de um plano de ação imediato, que permita assegurar a credibilidade externa e o regular financiamento da economia, evitando perturbações adicionais numa campanha eleitoral que deve contribuir para uma escolha serena, livre e informada; este compromisso imediato deve permitir que o Governo possa assumir plenamente as suas responsabilidades para assegurar o bem público e assumir inadiáveis compromissos externos em nome do Estado. 

b) em segundo lugar, um compromisso entre os principais partidos, com o apoio do Presidente da República, no sentido de assegurar que o próximo Governo será suportado por uma maioria inequívoca, indispensável na construção do consenso mínimo para responder à crise sem a perturbação e incerteza de um processo de negociação permanente, como tem acontecido no passado recente; numa perspetiva de curto prazo, esse consenso mínimo deverá formar-se sobre o processo de consolidação orçamental e a trajetória de ajustamento para os próximos três anos prevista na última versão do Programa de Estabilidade e Crescimento; e, numa perspetiva de médio/longo prazo, sobre as seguintes grandes questões nacionais, relacionadas com a adaptação estrutural exigida à economia e à sociedade: a governabilidade, o controlo da dívida externa, a criação de emprego, a melhor distribuição da riqueza, as orientações fundamentais do investimento público, a configuração e sustentabilidade do Estado Social e a organização dos sistemas de Justiça, Educação e Saúde. 

5. As próximas eleições gerais exigem um clima de tranquilidade e um nível de informação objetiva sobre a realidade nacional que não estão neste momento asseguradas. A afirmação destes compromissos, a partir de um esforço conjunto dos principais responsáveis políticos, ajudará seguramente a construir uma solução governativa estável, que constitui a primeira premissa para que os Portugueses possam encontrar uma razão de ser nos sacrifícios presentes e encarar com esperança o próximo futuro. 

* Documento subscrito por um conjunto de cidadãos, oriundos de áreas muito diversas da opinião, publicado ontem pelo jornal "Expresso"

República portuguesa em Paris

Achei muito interessante a ideia da Caixa Geral de Depósitos, em ligação com a Câmara Municipal de Espinho, de promover, de dia 9 até ao final do mês de abril, uma exposição intitulada "Portraits de la République", na sua sede em Paris.

Esta mostra destaca, em particular, o papel que algumas mulheres desempenharam nessa aventura política, que, com todo o contraditório das suas diversas facetas, inaugurou um tempo importante na modernidade da nossa história recente.

As comemorações do centenário republicano, que, entre nós, tantos engulhos criaram em alguns espíritos que ainda sonham com os dias de ontem - alguns dos quais, aliás, os confundem com os tempos negros da ditadura -, foram um momento decisivo para revisitar, com seriedade e profundidade, uma época complexa, mas muito rica, do nosso século XX. Não obstante uma conjuntural prevalência editorial em Portugal de uma onda historiográfica conservadora, parte da qual se esforça por branquear o período da decadência monárquica, o debate em torno do centenário republicano conseguiu trazer à tona o percurso dos homens e das mulheres que souberam, com muitos erros mas com um generoso voluntarismo patriótico, construir a nossa República.

sábado, abril 09, 2011

Lugares de Eça de Queirós em Paris (1)

Prédio no nº 5 da rue Crevaux, entre a avenue Foch e a avenue Bugeaud, no XVI ème, onde Eça de Queirós viveu, da primavera de 1889 até à primavera de 1891.

sexta-feira, abril 08, 2011

Uma nota triste

Aqui e ali, e desde há semanas, surgem comentários críticos de responsáveis europeus sobre a situação político-económica portuguesa. Algumas dessas figuras destacam-se pela adjetivação sonora com que se permitem qualificar, quer essa mesma situação, quer opções tomadas no âmbito do nosso sistema democrático.

Devo dizer que, como português, me sinto muito pouco confortável ao deparar com esses discursos, às vezes algo paternalistas e que, em bom europês, sinto vontade de responder-lhes: "mind your business".

A triste verdade, porém, é que não podemos dizer-lhes isso, num tempo em que dependemos da vontade e da solidariedade alheia para resolver os nossos problemas. É nestes momentos que entendemos melhor que a nossa conjuntural fragilidade económico-financeira acarreta alguns efeitos indesejáveis sobre a imagem do país no quadro internacional, que a todos nos vai competir recuperar, nos anos que aí vêm. Por ora, não há almoços grátis.

Radio France Internationale

Há semanas, falámos aqui do serviço português na BBC e das ameaças que se projetam sobre o respetivo futuro.

Agora, acabo de saber que, na Radio France Internationale (RFI),começa a desenhar-se uma evolução similar. 

Esta questão tem duas vertentes autónomas.

A primeira prende-se, naturalmente, com a importância que Portugal, bem como os países de língua portuguesa, atribuem à manutenção de espaços mediáticos falados em Português. É o que poderíamos chamar o nosso interesse "egoísta". No caso francês, esse interesse liga-se à constatação, que me parece óbvia, de que o Português é uma das línguas da "diversidade" francesa.

Uma segunda vertente tem a ver com o interesse de um país como a França, com uma ambição de influência à escala global, de ver a sua "mensagem" chegar, em língua portuguesa, a "mercados" de ouvintes em países com a importância do Brasil ou de Angola - apenas para mencionar dois espaços que, somados, congregam mais de 200 milhões de pessoas e cuja riqueza não é indiferente ao quadro de relacionamento bilateral com a França.

Lembro esta segunda vertente apenas porque ela se cumula à primeira. Julgo, assim, que há uma objetiva coincidência entre os interesses de Portugal (e dos países que falam português) e os interesses da França em garantir a permanência dessas emissões internacionais da Radio France Internacionale. 

Pedro Catarino

Contrariamente ao que acontece em outros países, não há, em Portugal, uma tradição de regular utilização de funcionários diplomáticos credenciados em outras áreas de atividade, onde sejam aproveitados a sua experiência e o sentido de Estado que a profissão, quando bem exercida, neles ajudou a sedimentar. Por essa razão, e contrariamente a algumas invejas que, por vezes por aí deteto, eu só me felicito quando vejo colegas a ser escolhidos para outras funções, públicas ou privadas. Esses convites, para além da sua natureza pessoal, acabam, indiretamente, por ser um elogio à própria função diplomática.

Vem esta nota a propósito da escolha, pelo presidente da República, do embaixador Pedro Catarino como ministro da República para os Açores. Pedro Catarino é um nome que honrou a carreira em todos os lugares onde exerceu funções, de que destaco as tarefas como embaixador em Pequim e Washington e, em particular, de representante permanente na ONU, onde foi o principal responsável pela campanha que conduziu Portugal ao Conselho de Segurança, em 1997.

A sua seleção para um lugar com a delicadeza institucional de ministro da República numa região autónoma constitui o claro reconhecimento das suas qualidades. Nada que nos surpreenda, mas algo com que as Necessidades se devem regozijar.

Deixo aqui um forte abraço ao Pedro, com votos de boa sorte.   

O caso

Um amigo brasileiro contou-me, há dias, uma história conhecida na sua carreira diplomática, envolvendo um embaixador português, ao tempo em que a capital permanecia ainda no Rio de Janeiro. O nosso representante era então o embaixador António de Faria, figura muito conhecida da diplomacia portuguesa, que foi também chefe de missão em Londres e aqui em Paris. 

Num jantar social no Rio, uma noite, veio à baila, numa conversa, que Faria teria uma ligação romântica com uma determinada senhora. Alguém, da Embaixada de Portugal, confirmara a um dos presentes que Faria desaparecia do serviço por longas horas, o que só credibilizava mais o rumor.

O chefe do Protocolo (no Brasil, diz-se Cerimonial) brasileiro afirmou então, para espanto geral:

- Não pode ser verdade, meus amigos. Vou revelar um segredo: Faria tem "um caso" mas comigo.

Os olhares cruzaram-se, de incredulidade, tanto mais que quer Faria quer o diplomata brasileiro tinham um historial de comportamento que tornavam pouco plausível tal cenário, além de que, à época, os "outings" ainda não estavam na moda.

E logo o diplomata explicou:

- É comigo que esse Faria passa a maioria das horas do dia.

E, numa diatribe contra o diplomata português, o brasileiro revelou que António de Faria ia todos os dias vê-lo ao Itamaraty, ficando horas infindas no seu gabinete.

À época, estava em curso de preparação uma importante visita oficial portuguesa ao Brasil. Como sempre acontece nessas ocasiões - e sei bem do que falo -, as Embaixadas são bombardeadas com pedidos crescentemente mais preciosistas da parte de Lisboa, o que, à medida que as datas se aproximam, obriga a contactos cada vez mais intensos com as autoridades locais. Faria, que era conhecido por ter um caráter meticuloso e detalhista para as questões da logística, exasperava assim o seu colega brasileiro, que só ansiava vê-lo porta fora.

O falso "affaire" de Faria passou assim a constar dos anais de memória dos corredores diplomáticos brasileiros. Quanto ao eventual outro, a ser verdadeiro, não sobreviveu na farta tradição oral daquela nossa Embaixada. Posso garantir.

quinta-feira, abril 07, 2011

Balsemão

Um colega diplomata, durante uma conferência que Francisco Pinto Balsemão proferiu ontem no centro cultural Gulbenkian, aqui em Paris, revelou-me que foi o antigo primeiro-ministro português quem, durante a tentativa de golpe militar de  23 de fevereiro de 1981, deu instruções telefónicas ao então embaixador de Portugal em Espanha, João Sá Coutinho, para dar asilo, se necessário fosse, a figuras políticas espanholas que procurassem refúgio nas instalações diplomáticas portuguesas. Essa decisão respondia a uma sondagem feita, junto das nossas autoridades, por democratas ameaçados pela sedição armada da extrema-direita espanhola. O gesto de Balsemão integra os atos de grande dignidade na história da política externa portuguesa.

E foi também de liberdade, no plano político e de informação, que Balsemão ontem nos falou, analisando a importância dos meios informáticos e o papel dos media à escala global, partindo de Karl Popper e tratando casos tão atuais como as revoltas no mundo árabe.

FT

O "Financial Times" é um barómetro da política económica à escala global. Procuro lê-lo diariamente, há bastantes anos, e não me recordo do mesmo país ter sido objeto de três títulos principais de primeira página, durante três dias consecutivos. Aconteceu com Portugal, de anteontem até hoje. Infelizmente. Dias melhores virão.

Mas o "Financial Times" não escapa à política da "barata tonta". Nos últimos meses, deu acolhimento entusiasta a todos quantos achavam que Portugal deveria pedir imediatamente ajuda externa. Hoje, o seu anónimo editorial termina desta forma: "O momento certo para optar por uma ajuda externa teria sido o termo de um debate nacional. A campanha eleitoral oferecia aos políticos portugueses a possibilidade de explicar publicamente o que necessita de ser feito e obter um mandato para tal."

Vá-se lá perceber estes tipos!

Jaime Gama

Ontem, ficou-se a saber que Jaime Gama, presidente da Assembleia da República e figura proeminente na vida política portuguesa, desde antes da revolução de 25 de abril de 1974, não vai recandidatar-se a deputado à Assembleia da República, abandonando a vida pública.

Conheço Jaime Gama há mais de 40 anos, dos tempos de tertúlias no café Grã-fina, um lugar de encontro de universitários, em Entrecampos. Ele era então líder clandestino dos jovens socialistas e viria a ser preso pela polícia política, tal como já acontecera nos Açores, anos antes. Social-democrata assumido, esteve na primeira linha da atividade da oposição democrática e na génese daquilo que viria a ser o Partido Socialista. Foi professor e jornalista profissional no "República", com escritos publicados também em "O Tempo e o Modo". No 25 de abril, estava, como eu, a cumprir serviço militar obrigatório. Em democracia, foi ininterruptamente deputado, desde a Assembleia Constituinte, tendo assumido cargos ministeriais na Administração Interna, Negócios Estrangeiros e Defesa. Por duas vezes à frente da diplomacia portuguesa, Jaime Gama fica na história como um dos políticos que, em Portugal, mais tempo ocuparam esse posto.

Em 1995, fui convidado por Jaime Gama para seu secretário de Estado, funções que exerci por mais de cinco anos. Reconheço nele a figura que mais marcou a política externa portuguesa em democracia, em que muito prestigiou o país e onde contribuiu para afirmar uma doutrina de relações externas que faz hoje parte do nosso património político.

Pessoalmente, Jaime Gama é uma figura muito diferente da imagem que algum país dele fixou. É um conversador excecional, imensamente divertido, com uma cultura enciclopédica e profunda, apreciador requintado das boas coisas da vida. Tem ideias próprias muito arraigadas, que às vezes se chocam com algum convencionalismo, o que o não preocupa minimamente. Tenho muito orgulho em me considerar seu amigo. 

A saída de Jaime Gama - a mais bem preparada figura política da minha geração - da cena pública constitui um imenso empobrecimento para a nossa vida cívica.

quarta-feira, abril 06, 2011

Poema


Se tanto faz que eu suponha
Uma coisa ou não com fé,
Suponho-a se ela é risonha
Se não é, suponho que é.

Fernando Pessoa (1930)

Nada se cria

Neste lado do mundo
há um mistério:
as vozes murmurantes da noite
o sol logo amanhecido
o teu corpo moluscular crescente
o sal do tempo infalível

memória - os cães loucos
os pavores animais - a degola
assim vegetamos (minerais? )
acontecido o tempo - as vísceras
elas estão onde supomos
fervilhantes , quentes , vaporosas

    -adjectivando:
indeferentes      aplicadas
masturbam       caducam
exprimem         indiferentes

Vamos conciliar os opostos
Sorver o ar    a ponta do horizonte
Bastar o instante de um período aéreo
Devastar as sementes  alucinar o dia.

                       Carlos Eurico da Costa (1982)

Astérix

Ao lado da Bíblia de Gutenberg, de incunábulos e de outras obras raríssimas, a Biblioteca Nacional de França acaba de acolher, na sua secção de acesso mais reservado, três valiosos originais de obras de Uderzo e Goscinny, entre os quais o mítico "Astérix le Gaulois", que abriu a série magnífica de álbuns.

Histórias com um final feliz: uma certa aldeia gaulesa, completamente cercada do exterior, garantia a sua sobrevivência graças a uma poção mágica...

Sombras

Nos dias 11 e 12 de abril, no Téâtre de la Ville, aqui em Paris, será apresentado "Sombras", um espetáculo de "téâtre musical/fado", uma criação de Ricardo Pais, originária do Teatro Nacional de S. João, do Porto.

Neste ano em que tentamos que o fado possa ser consagrado como "património imaterial da humanidade", pela UNESCO, saúda-se o empenhamento de Emmanuel Démarcy-Mota na divulgação da canção portuguesa ao público parisiense.

terça-feira, abril 05, 2011

Confiança

Estávamos nos anos 80, em Luanda.

Eu e um colega da embaixada tivemos de nos deslocar a um departamento oficial angolano, protegido por uma barreira de segurança. À entrada, com ar displicente, estava sentado um soldado, com a kalashnikov ao lado. O meu colega saudou-o da forma que era rotineira no tratamento local: "Boa tarde, camarada!".

O homem não respondeu, o que levou o meu amigo a lançar, para o "animar", num tom demasiado provocatório para o meu gosto, o moto do MPLA: "A luta continua, a vitória é certa!".

Aí, sem sorrir, a sentinela lá disse: "É... pode ser".

"Maigret voit rouge"

Que pensaria o inspetor Maigret* se, saído do 36 do quai des Orfèvres, a caminho da sua ritual "blanquette de veau" na Brasserie Dauphine, deparasse com o Palais de Justice envolto pela publicidade da Dior, como ontem o encontrei?

Talvez puxasse uma baforada no seu cachimbo e, para Janvier ou Torrence, soltasse o seu tradicional: "Je ne sais rien du tout!".

* Nem mesmo as adaptações para o cinema (com Jean Gabin) me garantem que muitos leitores deste blogue conheçam a figura criada pelo escritor Georges Simenon, que deu origem a dezenas de romances e novelas que animaram a minha geração dos amantes da literatura policial.

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...