quarta-feira, março 11, 2009

Sotaque português

Uma amiga brasileira perguntou-me, há dias, se eu achava que existia um "sotaque português". Fiquei um pouco surpreendido com a pergunta, a qual foi formulada, porém, com toda a naturalidade e sem segundos sentidos.

Um sotaque é uma variante de pronúncia face àquilo que cada um de nós considera ser a norma. Para um português, a forma como os brasileiros falam a língua é, obviamente, um sotaque: o sotaque brasileiro.

Porém, devo confessar que, quando cheguei ao Brasil, fiquei muito surpreendido pelo facto de ouvir falar no meu "sotaque português" - a que os brasileiros acham "uma gracinha". Demorou algum tempo até eu me habituar a este conceito, que achei inicialmente muito estranho.

Um dia, ao visitar o Museu da Língua Portuguesa, em S. Paulo, e ao verificar que, para os brasileiros, o "português" se identifica, com toda a naturalidade, com o modo sonoro como falam mais de 190 milhões de pessoas residentes no Brasil, compreendi então que tem alguma lógica que qualquer variante face a essa matriz passe a ser vista como um sotaque. Logo, no Brasil, os portugueses têm, sem qualquer dúvida, um especial sotaque ao falarem... português.

Há, contudo, uma advertência que devo fazer ao meus amigos do Brasil: não se admirem se a esmagadora maioria dos quase 10 milhões de cidadãos portugueses continuarem a considerar esta ideia muito bizarra.

Tudo isto faz parte da diversidade da lusofonia...

Chipre Norte

Há muitos anos, o Sporting Clube de Portugal bateu a equipa do Apoel, de Chipre, por aquela que ainda constitui uma marca record em competições europeias: 16-1.

Com o resultado desta eliminatória contra o Bayern, Portugal passa a poder ser considerado uma espécie de... Chipre Norte.

Mas por que diabo será que o resultado de ontem (7-1), apesar de catastrófico, ressoa um prazer qualquer à minha memória? Alguém me ajuda?

terça-feira, março 10, 2009

O "11 de Março"

Faz hoje 34 anos que teve lugar aquilo que a História contemporânea portuguesa acolheu com a designação de “11 de Março”.

Trata-se de um momento culminante da radicalização do processo político-militar iniciado com a Revolução de Abril e que acabou por ser provocado por uma desastrada tentativa de golpe de Estado, levada a cabo, nessa data, sob a tutela do general António de Spínola – o qual, em Setembro do ano anterior, abandonara a Presidência da República, em conflito com o Movimento das Forças Armadas, mas em torno de quem ainda se concentravam as esperanças de um fiel sector militar conservador.

A reacção a esta tentativa frustrada de golpe militar deu espaço, nesse mesmo dia, à afirmação da predominância de forças que favoreciam um salto qualitativo no processo político, numa direcção mais socializante, levando à quase imediata nacionalização de vários sectores económicos.

A Revolução portuguesa sofreu, a partir daí, uma aceleração que começou a alienar algumas áreas políticas e militares que até então a apoiavam, mas que passaram a não se rever no que consideravam ser o curso extremista do processo político português.

Meses mais tarde, o V Governo provisório, de curta duração e com uma base ideológica muito reduzida, acabou por ser a consagração institucional da radicalização iniciada em 11 de Março de 1975. Num outro registo, o “Documento dos Nove” seria o manifesto doutrinário que reflectiria a visão de sectores militares moderados, que se opunham a esta linha revolucionária.

O conflito, que cedo se verificou insanável, entre estas duas tendências não cessou, a partir de então, de se aprofundar. O movimento iniciado no “11 de Março” acabaria, política e militarmente, por força da reversão política operada pelos acontecimentos de 25 de Novembro de 1975.

Mas a marca do "11 de Março", em especial o seu efeito no tecido económico português, prolongou-se por muitos anos.

A ASAE e os táxis do Aeroporto

Embora saiba que esta não é uma posição popular, afirmo abertamente que sou um adepto da acção ASAE - a (para muitos famigerada) Agência de Segurança Alimentar e Económica.

O trabalho da ASAE repercute um tempo novo na defesa dos direitos dos consumidores portugueses e, por mim, não estou minimamente disponível para me juntar ao coro populista de quantos acham que o nosso país viveria melhor sem essa estrutura de controlo de serviços e, em especial, aos que entendem que Portugal deve manter-se liberalmente no mundo do "jeitinho" e da flexibilização de procedimentos. Às vezes, com patéticos argumentos de tradicionalismo e de românticas pulsões saudosistas.

Mas a ASAE, por mais eficaz que seja, tem ainda à sua frente um desafio que, a ser concretizado, constituiria a sua verdadeira coroa de glória: pôr na ordem o verdadeiro escândalo que constitui o serviço de táxis na zona das chegadas do Aeroporto de Lisboa.

Como diplomata, há anos que oiço, impotente, reclamações de amigos estrangeiros que se queixam do mau serviço prestado por muitos taxistas que operam nessa área, que vão desde a sua atitude pessoal deselegante (e isto é um refinado eufemismo) aos constantes abusos em matéria de preços e outras práticas que nós, portugueses, bem conhecemos. Aliás, chega a ser instrutivo falar com taxistas que não operam nessa zona - de onde eles próprios são excluídos, para evitar concorrência - para se ter uma melhor ideia do que se passa nessa espécie de "Chicago" da sua profissão.

Infelizmente, e como muitas outras pessoas, faço parte do grupo "cobarde" dos que preferem ir apanhar um táxi, no Aeroporto de Lisboa, à zona das partidas, para não ter de me confrontar com a elevada possibilidade de situações desagradáveis na zona das chegadas.

Se a ASAE conseguisse pôr cobro ao que se passa com os táxis nessa zona, estou certo que muitos lhe agradeceriam e que, com isso, a sua imagem pública melhoraria imenso.

A França e NATO

A classe política francesa está hoje dividida pela decisão, anunciada pelo presidente Sarkozy, de fazer regressar o país à estrutura militar integrada da NATO, por ocasião da próxima cimeira da organização, já em Abril.

Este é um debate complexo, porque se prende com a "excepcionalidade" que o Presidente De Gaulle criou para a França face à organização, num momento em que Paris pretendeu afirmar a sua autonomia em matéria de armamento nuclear. A partir de então, polarizada por uma certa conflitualidade com os Estados Unidos, fruto da rejeição do que considerava ser uma espécie de tutela de Washington sobre a defesa europeia, a França marcou as suas distâncias face à NATO, afastando-se da sua estrutura militar, embora não abandonando os mecanismos políticos da Aliança Atlântica.

O mundo, entretanto, mudou muito. O muro de Berlim caiu, a URSS desmoronou-se e a Guerra Fria acabou, o derrubar das torres gémeas trouxe o alerta para novas ameaças e a segurança e a defesa europeias vieram, progressivamente, impor-se como uma realidade sem a qual tem pouco sentido e eficácia o próprio projecto político integrador do continente. A França acabou por caminhar, nos últimos anos, num relação de crescente proximidade com a NATO, participando em operações da organização, dentro e fora do teatro europeu, e partilhando, na prática, as suas novas opções em matéria de afirmação operacional e doutrinária.

Com as expectativas criadas pela chegada de uma nova administração americana, e com as hipóteses disso poder criar um espaço inédito para a estruturação de uma defesa europeia autónoma mas não conflitual com a pertença à NATO, o Presidente Sarkozy decidiu pôr termo ao isolamento simbólico que a França mantinha. E, com isso, pode garantir a obtenção de postos de decisão no seio da organização, à altura da importância da contribuição francesa, bem como passar a ter uma palavra relevante no respectivo planeamento estratégico.

A decisão de fazer regressar o país à estrutura militar integrada da organização é um opção contra a qual hoje se batem, numa conjuntural conjugação táctica, alguma direita e centro políticos, bem como toda a esquerda francesa. A ironia é que, contra a opção do Presidente, acabou por erigir-se uma espécie de nova frente gaullista, sendo que vale a pena notar que o Presidente francês também se reclama historicamente da herança do General. Interpretando-a, contudo, à sua maneira.

Numa era das especulações, a questão poderá ser: que pensaria hoje o General De Gaulle de tudo isto? Como reagiria perante as novas circunstâncias que se impõem ao seu país?

segunda-feira, março 09, 2009

"A Bola"

Acaba de ser anunciado que "A Bola" passa a editar-se em Angola, na sua "velha" periodicidade das segundas, quintas e sábados.

Muitos talvez não tenham consciência do importante papel desempenhado por "A Bola", não apenas na ligação entre Portugal e os portugueses que vivem no exterior, mas igualmente na manutenção de uma relação de afeição pelos principais clubes portugueses, em muitos países africanos de língua portuguesa. Talvez "A Bola" tenha feito mais pela preservação de um vínculo dessas pessoas a Portugal do que muitos actos de política externa...

E, em França, quem não se recorda dos tempos em que "A Bola" estava no centro do apoio a Joaquim Agostinho, em reportagens emocionadas de Carlos Miranda e de Bruno Santos?

O dedo esticado

Admito que possa ser uma reacção pessoal algo epidérmica, mas confesso que me irrita sobremaneira aquele gesto dos políticos que entram num palco ou num acto público e apontam, por sistema, para um ou outro figurante desconhecido na assistência, como que reconhecendo um amigo. Imagino que o visado deva regressar a casa impante, por ter sido singularizado. E algumas pessoas ao lado também, porque pensaram ser para elas a atenção.

O gesto costuma ser mais comum do lado americano do Atlântico, qualquer que seja a sua orientação política, sendo muito vulgar em campanhas presidenciais. Do lado europeu, parece, por ora, haver um maior contenção. Valha-nos isso!

domingo, março 08, 2009

Gérard Castello-Lopes

Uma mostra da obra fotográfica de Gérard Castello-Lopes está presente em Champniers, no festival Mars en Braconne.

Algumas dezenas das suas fotografias, muitas no preto-e-branco do salazarismo, outras mais recentes, constituem um magnífico e quase ímpar retrato sociológico de um certo Portugal.

Gérard Castello-Lopes - filho de mãe francesa, casado com uma francesa e vivendo muito entre os dois países - consegue fixar na sua obra um olhar muito português mas que é, simultaneamente, atravessado por uma leitura fortemente culta e distanciada da nossa realidade nacional.

Confesso que tive um grande prazer em ver a Embaixada associada a esta exposição.

TGV

Sem querer entrar na polémica luso-portuguesa sobre o comboio de alta velocidade, a França já me ensinou que viajar de avião dentro do país é, quase sempre, uma opção a evitar e que, na relação qualidade / preço / conforto, as viagens por TGV são a solução.

sábado, março 07, 2009

Mitterand

Jarnac é uma terra pequena, numa zona plácida e de grandes planuras, no centro da produção do melhor cognac, sem muito que a distinga de tantas outras vilórias de França. Apenas o facto de aí ter nascido e estar sepultado François Mitterand a terá tornado mais conhecida.

Curiosidade: no museu que aí lhe é dedicado, sem grandes nostalgias e com uma forte presença de notas sobre o considerável impulso dado pelo antigo Presidente à arquitectura, figuram alguns livros dos quais não sai muito bem a memória histórica da personagem. Uma lição de coragem, pouco habitual.

Mitterrand é uma figura que hoje divide muito os franceses. Sem lhe negarem a excepcional qualidade intelectual, a dedicação ao país e o arrojo de algumas acções como político, as dúvidas que se foram acumulando sobre vários aspectos da sua vida, muito reforçadas nos últimos anos desta, tornaram-no numa personalidade algo controversa. A seu tempo se verá como a História acabará por decantar tudo isto.

Nós, portugueses, devemos-lhe uma atitude positiva face à nossa adesão à União Europeia e um sentimento de simpatia por Portugal, bem expresso nalgumas belas páginas que nos dedicou. Talvez graças à influência de Mário Soares, Mitterand cedo acreditou no destino europeu de Portugal.

Portugal em Charente

Chama-se Caroline Fombaron e é uma francesa responsável autárquica pela cultura na zona de Angoulême. Deu-nos uma lição de simpatia para com Portugal.

O seu festival Mars en Braconne tem a sabedoria de conseguir combinar, com elegância, dimensões contemporâneas da cultura portuguesa com valores tradicionais que são caros à nossa Comunidade.

Hoje, ouviram-se Eça, Pessoa, Torga e Lobo Antunes. Até dia 28, haverá música (desde a barroca ao fado e ao hip-hop), videos, fotografia, curtas e longas metragens (de Oliveira a Maria de Medeiros e Miguel Gomes), teatro, mais leituras dramáticas de textos e muito mais.

Um festival que tenho pena de não conseguir organizar... em Paris!

quinta-feira, março 05, 2009

Paulo Coelho

É uma figura frágil, franzina, que passa quase despercebida. Todo de negro. Cruzámo-nos numa passadeira, na avenue Victor Hugo, cerca da meia-noite.

Paulo Coelho é um dos mais celebrados autores do mundo. Vende como ninguém. Todo o seu novo livro é traduzido e editado em imensas línguas, em quase todos os países do planeta. Li três das suas obras e, seguramente por defeito meu (e não estou a ser irónico, acreditem), não consegui entender a razão do êxito. Mas algo de importante deve transmitir para provocar a adesão dos milhões de fiéis leitores.

A França e a Europa

O antigo Secretário de Estado dos Assunto Europeus francês, Jean-Pierre Jouyet, acaba de publicar uma interessante memória sobre a Presidência francesa da União Europeia em 2008. Para quem foi do "métier", o livro é extremamente interessante e instrutivo sobre a forma como a França leu o seu semestre de liderança da União. Há que reconhecer que a França fez então um magnífico exercício, que muito ajudou a reforçar a imagem da União, num tempo de crise no Cáucaso e de instabilidade económico-financeira no mundo.

Ao ler o livro de Jouyet, elaborado no género bem francês de entrevista orientada, confesso que senti alguma pena por ter resistido a colocar no papel um relato da nossa Presidência de 2000. De facto, todos ganhamos com este tipo de testemunhos, que nos ajudam a fixar a imagem de certas etapas da política externa e a deixar elementos para estudo futuro.

La Table d'Adrien

Adrien é o cognome francês do sr. Adriano, um português bragançano que, há vários anos, se afeiçoou a Paris e que, com a sua mulher D. Judite, depois de outras experiências, aportou, há meses, ali perto da Opéra, não muito longe do famoso Harry's Bar.

A especialidade da casa são os "foie gras", magníficos, diferentes e "colesterol friendly" (isto é, adorados pelo mau colesterol...). O cliente não deve perder excessivo tempo a olhar o "décor", bem simples, embora pontuado por caixas de belas cepas francesas.

Para quem puder lá passar, aqui vai o endereço: 9, rue Volnay. Mas reserve, que a sala é pequena.

quarta-feira, março 04, 2009

Clain d'Estaing

Hoje, ao passar em frente da casa do antigo presidente francês, Giscard d'Estaing, muito próxima da Embaixada de Portugal, recordei-me do fantástico pseudónimo com que Mário Soares, durante algum tempo, desafiou a estupidez dos coronéis da censura à imprensa em Portugal, nos artigos que escrevia para o "República": "Clain d'Estaing". Simplesmente brilhante!

Mário Soares vivia então exilado em Paris, por imposição do Governo de Marcello Caetano. Só regressou a Portugal após o 25 de Abril de 1974, pouco tempo antes de ser nomeado o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros do novo regime democrático.

Pintor português em Paris

A galeria é pequena - Galerie Octobre (24, rue René Boulanger) -, perto da Place de la République, o pintor é madeirense, residente em Lisboa - Mathieu Camacho.

Um trabalho interessante, onde alguns vêem influência de Léger, outros das passadeiras de flores da terra natal do pintor. Vale a pena ver, como eu fiz, para ajuizar.

terça-feira, março 03, 2009

Lugares da diplomacia

Ao entrar hoje em Matignon, recordei-me que, há dias, ao sair do Eliseu, me esquecera de perguntar sobre um outro assunto que também não suscitara numa conversa no Quai.

Mas que é isto?, perguntará o leitor desprevenido. Esta é a linguagem críptica feita de locais com que os diplomatas se entretêm, já quase sem se darem conta que muito do restante mundo pode não conseguir segui-los.

Claro que, para alguns, é sabido que Matignon é o palácio onde fica o gabinete do Primeiro-Ministro francês, para muitos mais é óbvio que o Eliseu é a Presidência da República e, finalmente, outros suspeitarão que o Quai referido não é o Quai des Orfèvres, tornado famoso pelo inspector Maigret, mas sim o Quai d'Orsay, nome pelo qual é conhecido o Ministério francês dos Negócios Estrangeiros.

Lembro-me que, quando entrei para a carreira diplomática, ao ler telegramas da nossa embaixada em Tóquio, comecei a ficar intrigado com um interlocutor regular do nosso embaixador, fonte credível de interessantes informações. Assim, lia frequentemente nas comunicação do Japão coisas como "apurei junto de Gaimusho", "a opinião de Gaimusho é", etc. Com a patetice de um caloiro que hesita em perguntar o que teme que deva ser óbvio, terei andado umas semanas até descobrir quem era o tal Gaimusho - nome pelo qual é conhecido o ministério dos Estrangeiros japonês.

De certo modo, há a tendência de pensar que uma diplomacia que é conhecida pelo nome da sede da sua chancelaria assume, aos olhos das outras carreiras externas, uma dignificação especial, pelo peso histórico que o nome representa. O que não significa menor prestígio para aquelas que são conhecidas por siglas (AA para a Alemanha, FO para o Reino Unido, MID para a Rússia, etc.).

A verdadeira consciência disso está reflectida no caso do Brasil: ao falar-se do Itamaraty, toda a gente sabe tratar-se do Ministério das Relações Exteriores brasileiro, em Brasília. Porém, alguns não saberão que, na realidade, o original Palácio do Itamaraty se situa no Rio de Janeiro e foi, de facto, a sede da diplomacia brasileira antes de se mudar para Brasília, levando consigo o nome para o novo e belíssimo edifício onde hoje se situa.

Também nós, portugueses, temos a tentação de assumir que os diplomatas estrangeiros em Lisboa devem dizer, nas suas comunicações, "apurei hoje nas Necessidades" e frases do género. A nossa esperança é que não traduzam o nome do palácio...

Regras

Alguma coisa que ainda julgo saber dos temas europeus faz-me pensar que não está hoje criada, no âmbito da União Europeia, uma verdadeira consciência sobre os riscos que o projecto comum tem vindo a correr nestas últimas semanas.

A preservação da União Europeia, e em especial do seu Mercado Interno, pressupõe que todos os seus Estados membros cumpram, com idêntico rigor, as regras acordadas em comum. A actual crise económico-financeira parece estar a ser um alibi de oportunidade para alguns poderem tentar ser beneficiários da quebra desse corpo de regras, o qual é uma das chaves do sucesso do processo comunitário, e que não pode manter-se sem elas. E isto, até historicamente, é muito mais grave do que pode supor-se.

Para vigiar e alertar publicamente para o infringir dessas regras, bem como para propor sancionamento do seu desrespeito, existe a Comissão Europeia, a quem compete o papel de guardiã do interesse comum. Mas será que ela está mesmo a exercer esse papel? E, não estando, por que será?

segunda-feira, março 02, 2009

Estrelar apetites

A chegada anual ao mercado do "Guide Michelin" é sempre um momento ansiado pelos gastrónomos franceses, para quem as edições que actualmente analizam os restaurantes de outros países são um sucedâneo menor e periférico.

O facto da edição desde ano ser a nº 100 terá criado uma expectativa ainda maior, pelo que consta que a corrida às livrarias, para ver quem entrou ou saiu das “estrelas”, foi grande.

Em tempos de crise, penso que talvez se possa dizer que quase são tão relevantes os 548 restaurantes "estrelados" (de um a três estrelas – sendo estes últimos apenas 26) como os 527 marcados como "Bib Gourmand", isto é, casas onde se pratica a melhor relação qualidade/preço.

Por mim, já decidi: aos primeiros, vou com muito gosto, mas só como convidado.

A tragédia da Guiné

O assassinato de Nino Vieira, presidente da Guiné-Bissau, hoje ocorrido, antecedido da morte violenta do principal chefe militar do país, configura mais um episódio trágico no destino daquela que foi a primeira ex-colónia portuguesa a declarar a sua independência, em 24 de Setembro de 1973, ainda à revelia de qualquer acordo com o poder colonial.

Este acaba por ser também um tempo triste para a memória de Amilcar Cabral (na imagem), o líder de recorte humanista que sonhou com a autodeterminação dos povos da Guiné e de Cabo Verde, também ele uma vítima da violência sectária.

A sucessão de tensões no sistema político guineense, ao longo das últimas décadas, com mudanças de líderes e a emergência de motins e golpes militares, revela bem as dificuldades da sua sedimentação institucional enquanto Estado.

A Guiné-Bissau é hoje um país que persiste marcado, política e socialmente, pelas suas diferenças étnicas e por outros inultrapassados factores de divisão interna, além de polarizado por algumas questões de vizinhança que afectam a sua estabilidade, sem que a sua estrutura económica haja revelado, até ao momento, a solidez necessária para garantir um bem-estar mínimo à sua população. Além disso, o facto de, nos últimos anos, ser apontado como uma placa giratória do tráfico internacional de drogas complica mais todo este cenário.

Portugal e os restantes países da CPLP, agora como no passado, dão mostras de estarem disponíveis para ajudar a Guiné-Bissau a ultrapassar mais este momento complexo. Mas, por muito que o mundo possa fazer para apoiar o país, nada nem ninguém se poderá substituir à vontade e capacidade dos guineenses de saberem definir os seus rumos de futuro.

domingo, março 01, 2009

Menos ais!

Ir contra o vento é um movimento que tem sempre os seus riscos. Quem me conhece sabe que não me custa rigorosamente nada corrê-los. Vamos então a isso.

Adubar o pessimismo caseiro constitui uma tarefa a que milhões de portugueses se dedicam com afã diário, tendo mesmo criado, para tal fim, algumas expressões próprias, que fazem parte dos bordões do falar vulgar. Por essa razão, quando alguém se propõe levantar a auto-estima nacional, sublinhar o que de positivo existe ou está a ser feito, logo se ergue um coro ácido de detractores, encostando os autores ao arrasador labéu do colaboracionismo "com eles".

Recordo-me que, há cerca de dois anos, Nicolau Santos, sub-director do Expresso, publicou um texto que era um retrato do Portugal económico "que funcionava bem", onde elencava um conjunto de empresas com sucesso internacional, destacadas nas suas respectivas áreas de actividade e dotadas de um nível de inovação que pedia meças a quem quer que fosse. E lembro-me bem de, dias depois, ter lido num qualquer "blogue da tragédia" - essa multidão de lugares informáticos que por aí pululam, onde causticar o Portugal contemporâneo é um exercício diário, levado a cabo com zelo militante - a afirmação de que era "uma estupidez" publicar essa listagem de êxitos. Porquê? Porque tal divulgação poderia fazer supor que o poder político do momento tinha algo a ver com isso, e esse risco eles não queriam correr... Claro! Não faltava mais nada!

Alguns tempos depois, o empresário Carlos Coelho publicou "Portugal Genial", um curioso livro que se pretendia "uma visão desafiante sobre 82 genialidades portuguesas capazes de contribuir para a afirmação contemporânea da marca de Portugal no mundo". Salvo uma episódicas notas, algumas salpicadas de pouco subtil ironia, o livro caiu rapidamente no esquecimento. Porquê? Porque ia em evidente contra-ciclo com a escola, politicamente correcta, da auto-flagelação vigente. E isso, naturalmente, não convinha...

Agora, Álvaro Santos Pereira, professor português numa universidade do Canadá, que tem textos publicados em vária da nossa imprensa, editou o livro "O Medo do Insucesso Nacional", onde, sem recurso a quaisquer loas aos poderes públicos, sai do registo do destino trágico nacional, apresenta um diagonóstico frio das disfunções do país e avança com algumas propostas de solução, com cuja aberta e despreconceituada discussão todos ganharíamos. E, de passagem, deixa patente que a esperança, mesmo em tempo de crise, assenta em boas e concretas razões, adiantando: "O sucesso nacional não é um mito ou uma ilusão. É real e está ao nosso alcance, faz parte da nossa história e certamente fará parte do nosso futuro".

Pode ser que eu me engane, mas o melhor que este livro pode esperar é o silêncio raivoso da nossa bloguítica comunidade do pessimismo. Sucesso? Não queriam mais nada!?

Flâneur à Paris

Não resisto a registar, com gratidão, a amável dedicatória do Criativemo-nos, que me ofertou o poema "Promenade Sentimentale", de Verlaine, que aqui reproduzo, antecedido da foto que o ilustra


Le couchant dardait ses rayons suprêmes
Et le vent berçait les nénuphars blêmes;
Les grands nénuphars, entre les roseaux,
Tristement luisaient sur les calmes eaux.
Moi, j'errais tout seul, promenant ma plaie
Au long de l'étang, parmi la saulaie
Où la brume vague évoquait un grand
Fantôme laiteux se désespérant
Et pleurant avec la voix des sarcelles
Qui se rappelaient en battant des ailes
Parmi la saulaie où j'errais tout seul
Promenant ma plaie; et l'épais linceul
Des ténèbres vint noyer les suprêmes
Rayons du couchant dans ses ondes blêmes
Et les nénuphars, parmi les roseaux,
Les grands nénuphars sur les calmes eaux.

Paul Verlaine

'Poèmes saturniens'

sábado, fevereiro 28, 2009

Comissões mistas

Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnicas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!

Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.

Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”. Ora eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, cerca de 15 anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por partilhar uma amante com o adido militar soviético.

Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que o nome era Christine Keeler. Ele sabia.

Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.

Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: é um encontro com a História!”.

Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistiu e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.

A minha discreta missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento estusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos.

John Profumo morreu há escassos anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que tem hoje 67 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura londrina. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Omissão

O "The Economist", provavelmente a mais bem escrita revista do mundo, atravessa tempos de notória perplexidade, em face da conjuntural derrota das terapias que sobranceiramente se habituou a espalhar, sempre que em qualquer lugar emergiam sintomas de moléstias político-económicas. Porém, com a inconfundível graça do seu estilo, está a digerir, embora a custo, o que por aí vai em matéria de recurso a um receituário de cariz mais estatizante, nestes tempos em que alguém tem de dar uma mão à "mão invisível" que ela sempre sacralizou.

A sua edição de hoje traz, na capa, um belo desenho com a "conta" a pagar pela Europa em crise, onde se pode ler, no mesmo pacote dos mais evidentes "desastres" nacionais, a referência a alguns países dos últimos aderentes - Hungria, Bulgária, países bálticos – e a outros como a Irlanda, a Grécia e... a Itália.

O "The Economist" nunca faz nada ao acaso, muito menos nos seus "cartoons". Por isso, com alguma ironia, quase que apetece dizer que, num tempo de más notícias como o que vivemos, a omissão de uma referência a Portugal arrisca-se a ser interpretada como um discreto elogio.

Mas, desde já, peço antecipado perdão à poderosa escola do pessimismo profissional lusitano por esta minha arrojada heterodoxia. Não queria ofender, está bem?

O amigo nepalês

Nas estatísticas de consultas deste blogue, dei-me há pouco conta que houve, pelo menos, um visitante oriundo do Nepal. Aguarda-se, com alguma ansiedade, que os nossos leitores no Butão dêem um ar da sua graça.

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Siza

Percebo pouco de arquitectura e, talvez por isso, a obra de Álvaro Siza Vieira que ainda mais me toca continua a ser um dos seus primeiros trabalhos - a Casa de Chá da Boa Nova (na imagem), em Leça, perto do Porto. Mas tenho visto dele outras coisas magníficas, de uma genialidade quase mágica. Embora, também por vezes, tenha de confessar a minha dificuldade em reconciliar-me com certas soluções por ele encontradas, como foi o caso da reconstrução do Chiado, em Lisboa.

Esta minha condição de assumido leigo, e de mero leitor impressionista das suas obras, não me impede de notar que os principais meios da arquitectura universal têm hoje um elevadíssimo apreço por Siza Vieira. Recordo-me que Oscar Niemeyer, quando lhe fui apresentado, me disse espontaneamente: "vocês têm um arquitecto de grande qualidade, lá em Portugal: Álvaro Siza".

A cumular todos os prémios que tem recebido por esse mundo fora, Siza Vieira foi hoje galardoado com o mais importante do Reino Unido, um país onde as coisas da arquitectura, ao que sei, são tratadas com imenso rigor.

Num tempo de algum exacerbar da nossa proverbial tendência para a auto-flagelação, este tipo de acontecimentos deveria ajudar a alimentar o orgulho nacional português. Mas será que vai?

Do anonimato

Alguns comentários anónimos em blogues ou em sítios informáticos de jornais, quando deliberadamente ofensivos ou obscenos, devem merecer da nossa parte a consideração dada à cobardia de uma carta não assinada. Para mim, sem excepção, convocam a piedade que é devida aos pobres de espírito.

É claro que não me estou a referir a anódinos e civilizados comentários que, mesmo quando sem assinatura, dão graça e vida aos blogues e sítios informáticos, servem de estímulo, e até de saudável contraditório, a quem escreve. Esse é o anonimato benévolo, perfeitamente normal e sempre bem-vindo.

O que eu quero notar é a circunstância de, com grande frequência, depararmos, nas áreas dedicadas aos comentários, com uma imensa legião de corajosos escribas anónimos que, na solidão cómoda do seu teclado, se dedicam a insultar quem lhes desagrada, a denegrir aquilo que nunca teriam a coragem de dizer cara-a-cara ou a assinar com o nome verdadeiro e identificável por debaixo.

Há hoje por aí um mundo clandestino que destila fel e acrimónia, muitas vezes com laivos xenófobos e racistas, prenhe de adjectivação ácida e de óbvios recalcamentos. Todas as sociedades, ao que parece, tem destas "faunas rascas", o que talvez justificasse um estudo sócio-psicológico, com uma dimensão médica a ajudar. Embora já haja um óptimo medicamento para esta patologia: chama-se "Delete", é eficaz, tem um efeito imediato e pode usar-se as vezes que se quiser.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Direitos Humanos

Desde há muito que o State Department - o Ministério dos Negócios Estrangeiros americano - distribui, por esta altura do ano, as suas "notas" sobre o comportamento dos vários países do mundo em matéria de Direitos Humanos. Funcionamento das prisões, liberdade de imprensa, actuação de forças policiais, tratamento das minorias e uma panóplia de outras áreas são passados a pente fino, sob critérios que se pretendem paradigmas de uma ordem internacional respeitadora daqueles direitos.

Trata-se de um documento sempre interessante de ler e que, aliás, é curioso comparar com o relatório anual da Amnistia Internacional e com alguns outros estudos similares que vão estando disponíveis, alguns limitados a certas áreas geográficas.

Tenho imensa pena, aliás, que este bom exemplo de Washington não seja seguido por outros Estados, os quais, de caminho, poderiam pronunciar-se também sobre a situação que se vive nos próprios Estados Unidos da América, país que, curiosamente, recusou integrar o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas e não é subscritor do Tribunal Penal Internacional, criado para punir os crimes graves contra a humanidade.


(Em tempo: sobre o tema valerá a pena ler esta notícia)

Clube católico


Há dias, num encontro com membros de uma Comunidade portuguesa perto de Paris, alguém me perguntava, com o notório embaraço de isso poder ser considerado uma curiosidade excessiva, se o novo embaixador português tinha, em Portugal, uma preferência clubística.

Naturalmente que não dei a triste resposta que ouvi, já lá vão mais de duas décadas, a uma personalidade política portuguesa de renome europeu, a qual, no desejo imparável e tonto de querer parecer consensual, e não obstante muitos conhecerem a sua cor futebolística, avançou, à minha frente, com a seguinte patetice: "o meu único clube é a selecção nacional!".

Eu sou mais directo e, por isso, costumo dizer que sou adepto de um clube essencialmente católico: só ganha quando Deus quiser! E, naturalmente, também perde quando Deus quer. Mas hoje à noite fiquei com algumas dúvidas metafísicas: será que houve, de facto, algum desígnio divino no que nos aconteceu?


(Em tempo: isto de ser-se sportinguista tem a superior vantagem de sabermos lidar muito bem com o infortúnio, com grande e insuperável "aisance". Daí que me apeteça deixar-lhes duas belas anedotas que me chegaram sobre a pouco agradável noite de 4ª feira:

A mulher de Paulo Bento acorda-o, de manhã, e diz-lhe:
- Acorda, Paulo, já são seis!
- O quê? Marcaram mais um?

A segunda anedota é apenas um anúncio: a partir de agora a única publicidade inserida nas camisolas do Sporting será a das lavandarias "5 à sec"!)

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Cher collègue...

Da sina de um embaixador chegado a um novo posto faz parte uma prática tradicional: a visita aos colegas. Não a todos, como é evidente, em especial em capitais como Paris, porque, se assim acontecesse, passaríamos meses em conversas. Mas a verdade é que, quantos mais embaixadores visitarmos, mais rapidamente nos tornaremos populares e conhecidos, valha isso o que valer.

Este é o tipo de exercício que, se bem aproveitado, nos pode dar o ensejo de adquirir alguma rápida sensibilidade, extraída da experiência específica de cada um dos colegas visitados. Alguns são mais formais e parcos em palavras, outros mais exuberantes e prolixos, uns mais conhecedores e profundos, outros mais “leves” na qualidade dos seus comentários, uns mais prudentes, outros mais indiscretos. Mas de todos se recolhe sempre alguma coisa de útil, lições resultantes da sua estada no país, do seu contacto com as autoridades, da sua leitura dos acontecimentos políticos, da sua opinião sobre determinadas figuras. E até de aspectos práticos da vida local.

A conversa-tipo tem quatro tempos clássicos: alguma referência ao nosso último posto e a aspectos particulares da nossa carreira (com notas de eventuais contactos com a do interlocutor), lembrança de colegas do embaixador visitado com quem fomos cruzando por esse mundo (quase sempre esquecendo os respectivos nomes...), idem para os portugueses que ele conhece (e que, penosamente, teremos de ajudar a identificar...) e, naturalmente e como “grand final” substantivo, uma abordagem da situação no país onde ambos estamos representados. Enfim, meia-hora de café ou chá e simpatia, que termina, invariavelmente, pela decisão de nos tratarmos pelo nome próprio.

Regra importante da convivência diplomática é procurar conseguir decorar o primeiro nome dos novos conhecimentos, em especial se são oriundos de países com os quais temos relações mais próximas. Mas decisivo, também, é vir evitar a gafe fatal: confundir o nome dos países que eles representam. Vir a encontrar o embaixador, por exemplo, do Ruanda e dizer-lhe “Alors, mon cher Philippe, comment vont les choses à Kigali?” e descobrir, no segundo seguinte, que, afinal, se chama Jacques e é o colega do Burundi, seria garantia certa de desagrado eterno. Nas Nações Unidas, significaria que o voto do Ruanda estaria perdido por muito tempo...

Num mundo diplomático em que muitos nos vamos cruzando, acaba por ser agradável deparar com colegas com os quais coincidimos noutros postos, reforçando uma relação que até pode ter sido então algo distante, mas que a lógica destas coisas leva a que agora seja promovida e saudada como uma “velha amizade”. Não se trata de hipocrisia: trata-se de aproveitar esses ténues laços de ligação pessoal para ultrapassar, de certa forma, algum artificialismo que esta carreira provoca e para atenuar alguma deriva para a solidão a que a vida diplomática a todos nos condena.

O leitor já deve estar a interrogar-se: mas, afinal, a vida diplomática é isto? Não é só isto, mas é também isto. E este tipo de relacionamento humano, por mais “ligeiro” que possa parecer, acaba por ser a rede informal onde assenta muita da nossa recolha de novidades, de confirmação de notícias, de descoberta de algumas informações que nos é importante conhecer. Talvez por esse motivo, alguém já qualificou a diplomacia como o “smart power”.

Voltando ainda à anterior questão do nome do “cher collègue”, e ao facto de podermos lembrar-nos ou não dele, cada vez mais me convenço que a vida social da diplomacia tem a imensa e assustadora virtualidade de funcionar como um permanente teste preventivo da doença de Alzheimer.

Frase

Escreve Bruno Le Maire, actual secretário de Estado francês dos Assuntos Europeus, no seu livro "Des Hommes d'État":

"A aventura europeia, que de aventura já só tem o nome, tem necessidade de projectos para reencontrar um élan, visão, resultados concretos e também precisa de heróis mais modernos do que um Schuman ou um Monnet, desde que sejam respeitáveis".

O texto já tem alguns anos, mas os tempos dão cada vez mais validade a esta simples frase.

Librairie Portugaise


O feriado de Carnaval e um belo sol de inverno deram tempo e ensejo para flanar (de "flâner", o que o meu Pai diria ser um desnecessário galicismo) por Paris. Nessa jornada, por definição, sem destino certo, fui dar à Librairie Portugaise.

Trata-se de um pequeno espaço, dotado de um riquíssimo acervo de obras ligadas a Portugal (mas também ao Brasil e aos restantes países lusófonos), com edições próprias mas com uma muito variada recolha de trabalhos de outros editores.

Haviam sido o Eduardo Prado Coelho, depois a Didas e o Luís Castro Mendes e, mais recentemente, a Manuela e o Nuno Júdice, quem me tinha falado de Michel Chandeigne e do seu trabalho em prol da difusão da língua e da cultura portuguesa em França.

Durante cerca de uma hora, tivemos aquela que terá sido a primeira de várias conversas. Dela resultou o meu compromisso de que o livro "Les Portugais à Paris - au fil des siècles & des arrondissements", a editar pela Chandeigne, vá ser lançado, talvez ainda em Março, na residência da Embaixada de Portugal em Paris.

E, desde já, recomendo vivamente uma visita à Librairie Portugaise.
E aqui fica, desde já, a publicidade plenamente assumida: 10, rue de Tournefort, 75005 Paris, tel. 01 43 36 34 37, tendo por sítio informático http://www.editions-chandeigne.com/, metro Monge, abertura 11-13 h, 14-19h, de 2ª a 6ª.

Bom senso

Detecto muito de hipocrisia e de oportunismo em algumas das indignações, de cariz quase libertário, que por aí emergiram em face da decisão de mandar recolher, da venda indiscriminada ao público, exemplares de uma obra que, ao que li na imprensa, se apresentava na capa com uma famosa, bela e impúdica pintura de Courbet (coloquem a palavra "Courbet" no Google Images e logo a verão).

A esses espíritos tão sensíveis à preservação, sem limites, do direito de expor em todas as dimensões públicas e privadas, independentemente da idade dos que a elas têm acesso, todo o tipo de obras de arte, eu gostaria de perguntar se acaso têm sobre a mesa da sua sala, à vista das crianças da casa, os albuns desse fotógrafo de eleição que é Mapplehorpe. Ou se considerariam natural se certos poemas conhecidos de Bocage ou de António Botto fizessem parte das leituras postas à disposição dos seus jovens filhos.

Por princípio, não é muito saudável ver os poderes públicos arvorarem-se em juízes do que alguém pode ou não ver. Em regra, tudo deve estar acessível a todos e também começa a ser óbvio que o conceito daquilo que possa ser uma imagem chocante tem vindo a variar ao longo dos anos - com impacto nos critérios do seu acesso a determinadas faixas etárias.
Mas sejamos honestos: neste caso do quadro de Courbet, a questão não é do domínio da censura, mas apenas de mero bom-senso.

(Em tempo: acabo de me dar conta que o livro em causa é editado por um velho amigo meu. Como é evidente, nada do que eu penso muda, só por essa circunstância.)

(Em tempo - II: ainda a propósito de Braga, onde o episódio do livro se passou, um outro amigo sugere-me ironicamente, que faça uma referência ao magnífico "O libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor", um belo texto, com quase 40 anos, do Luiz Pacheco. Ela aí fica, "à toutes fins utiles"...)

(Em tempo - III: "a liberdade de atirar o nu explícito de Courbet à cara de quem passa e o não procurou, de um pai indefeso que passeia uma criança pela mão numa inocente feira de livros, é uma falsa liberdade" , escreve hoje no Expresso Miguel de Sousa Tavares no seu artigo "Somos tão modernos!")

Lagoa Henriques (1923-2009)



Tenho a maior da dúvidas que Lagoa Henriques, que há dias nos deixou, gostasse de ficar conhecido apenas como o autor da estátua de Fernando Pessoa à mesa do café, em frente à Brasileira do Chiado, com cuja companhia muitos estrangeiros procuram caricaturar a imagem da sua passagem por Lisboa.


Mestre Lagoa Henriques tem uma imensa obra feita, alguma dela em outros espaços públicos. Mas tem, além disso, décadas de dedicação ao ensino universitário, nas duas principais Escolas de Belas-Artes do país.


Este blogue não tem uma vocação de registo necrológico, mas entendo que é importante não deixar passar em claro factos relevantes ligados a pessoas que desenham, de certo modo, a face de Portugal. E a morte, goste-se ou não, costuma ser o tempo certo para rememorar as vidas que valeram a pena.

segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Europa unida?

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luis Amado, manifestou ontem, publicamente, o desagrado de Portugal pelo facto de um pequeno grupo de países da União Europeia, composto pelos Estados membros europeus do G8 e por alguns outros convidados, terem reunido separadamente, neste fim-de-semana, a nível de chefes de Estado e de Governo. Note-se que, já no próximo fim-de-semana, todos os líderes dos 27 irão estar juntos, numa reunião regular.

A unidade europeia e o carácter colegial das decisões no seio da União fragilizam-se sempre que estes grupos se formam, qualquer que seja o pretexto invocado, assumindo-se como uma espécie de "núcleo duro" de ricos, poderosos e influentes, que define entre si estratégias que, posteriormente, tentam impor aos restantes.

Diga-se que esta é uma prática já antiga, em que alguns dos nossos parceiros europeus são useiros e vezeiros. Mas nunca é demais denunciá-la e reagir contra ela, até para tentar evitar que seja usada com maior frequência.

O que se afigura mais surpreendente - e que o ministro português não deixou, muito justamente, de sublinhar - é que o actual presidente da Comissão Europeia aceite estar presente nestes encontros de "capelinha", dando, dessa forma, uma legitimação formal europeia a modelos discriminatórios que afectam os direitos de representação igualitária de alguns dos Estados. Neste caso, o seu.

Rolex

Uma das mais mediáticas figuras francesas dizia, há dias, na televisão, que "quem, até aos 50 anos, não tiver um Rolex, terá falhado na vida".

Imagino o que ele não pensará de quantos, como é o meu caso, não só não têm um Rolex como nem sequer têm, nem nunca tiveram, a menor vontade em adquirir um.

República

É já para o ano que se comemorará, em Portugal, o centenário da implantação da República. Parte do programa das comemorações acaba de ser anunciado pelo respectivo presidente, Artur Santos Silva.

Historicamente, Portugal foi a segunda República a ser criada na Europa, depois da República Francesa, se descontarmos o modelo mais atípico da Confederação Suíça.

A ideia da República - que em França se assume de há muito como uma espécie de ética colectiva de cidadania - acabou por ter em Portugal um percurso ligeiramente diverso. Explorando o ambiente de alguma decadência nacional, que marcou o período da monarquia constitucional durante o século XIX, as ideias republicanas impuseram-se então como um sopro de patriotismo, naturalmente também marcado pelo cultivo dos princípios da clássica trilogia liberdade - igualdade - fraternidade, bem como pela afirmação da educação como o centro do processo emancipador do povo.

Em 1910, uma Revolução eminentemente urbana derrubou o regime monárquico, que estava muito enfraquecido por sucessivas crises, por uma deriva autoritária e, em particular, pelo assassinato violento, dois anos antes, do rei e do seu sucessor directo. O novo regime que daí resultou - uma democracia parlamentarista que mais tarde veio a ser conhecida como 1ª República - teve um percurso atribulado, numa sociedade política muito dividida, com a emergência de lutas operárias e fortes tensões sociais, instabilizado também pela acção dos seus inimigos, muitos deles ligados aos derrotados de 1910.

No ano de 1926, seguindo a tendência autoritária que se afirmava pela Europa, a 1ª República portuguesa foi derrubada por uma ditadura militar, a qual, a partir de 1933, deu origem ao regime do chamado Estado Novo, servido por uma Constituição antidemocrática e um ambiente de forte limitação das liberdades públicas.

Se bem que inscrito nas novas instituições, o conceito de "República" foi então diabolizado, em permanência, e a imagem dos tempos convulsos da 1ª República foi usada à saciedade como exemplo político negativo. À época, alguém se afirmar "republicano" era equivalente a dizer-se "democrata", o que praticamente significava assumir o risco de ser colocado no grupo dos opositores ao Estado Novo.

Com a Revolução democrática de 25 de Abril de 1974, a República ganhou pleno reconhecimento e dignidade. A Constituição de 1976 consagrou mesmo um novo nome para o parlamento, que deixou de ser a "Assembleia Nacional" do Estado Novo para passar a designar-se "Assembleia da República".

Talvez pelo facto da ideia republicana continuar a não ter hoje em Portugal uma imagem substantiva similiar à que tem em países como a França - e apareça ainda muito ligada ao simplismo da dualidade contrastante com a Monarquia -, as comemorações previstas para 2010 têm a intenção de sublinhar os fortes valores de cidadania que sustentaram a luta de quantos, ao longo de muito mais do que um século, sustentaram em Portugal a luta pelos ideais republicanos.

Mas os opositores do culto da República - uns monárquicos, outros apenas conservadores opostos ao que consideram ser o aproveitamento do ideário histórico republicano pelas forças mais à esquerda no espectro político - prometem contestar estas comemorações, pelo que se anuncia um período de alguma polémica.

domingo, fevereiro 22, 2009

José Megre (1942-2009)

As linhas negras no mapa acima reproduzido, cuja versão maior pode ser vista aqui, representam as viagens feitas através do mundo por José Megre, o engenheiro português que, com 66 anos, ontem morreu. Megre era a verdadeira personificação do conceito de "globetrotter", tendo visitado, quase sempre ao volante de viaturas, 193 dos 194 países do mundo.

Era um homem portador de um sorriso de grande simpatia, que transmitia um ar de serenidade que, com o tempo, se foi tornando quase patriarcal. A RTP trouxe-o aos portugueses, há muitos anos, a falar de motores e de automóveis, numa linguagem para leigos, aproveitando a sua formação técnica. Vimo-lo também muito no mundo dos ralis e do "todo-o-terreno", em especial no tempo em que o Paris-Dakar ainda merecia esse nome.

De todos os Estados que compõem este mundo, José Megre apenas não visitou o Iraque, porque nunca conseguiu autorização para entrar no país. Por ironia, o Iraque é talvez um dos países do mundo onde mais gente entrou sem ser autorizada.

sábado, fevereiro 21, 2009

Alcachofras diplomáticas

Num passeio na fria manhã deste sábado, num mercado de legumes de Paris, deparei com uma bancada cheia de belas alcachofras, o que me recordou uma historieta diplomática do final dos anos 80.

Estávamos nos tempos da renegociação da Convenção de Lomé, o acordo que, nomeadamente, permite aos países africanos (e também a outros das Caraíbas e do Pacífico) exportar para a Europa, em condições privilegiadas, algumas das suas produções agrícolas, parte das quais essencial para sustentarem as suas débeis economias. Nesses cíclicos momentos negociais, os produtores europeus tentavam sempre convencer os seus governos a evitar que a Europa fizesse novas concessões. A Comissão Europeia, responsável pela negociação, propunha uma lista de possíveis novas aberturas e os vários Estados europeus retiravam dela, apresentando as suas razões, produtos que entendessem concorrentes com os seus.

O nosso Ministério da Agricultura enviara-nos uma lista de “produtos sensíveis” para os agricultores portugueses. Conseguíramos sustentar a maior deles, mas, nas versões sucessivas da “lista negativa” europeia, a Comissão teimava em não incluir - imaginem! - as nossas alcachofras. Porque não compete aos diplomatas, que se encarregam de negociar, serem eles a “deixar cair” as objecções colocadas pelos departamentos especializados, era nosso dever tentar encontrar, e até inventar, todos os argumentos possíveis para sustentar o bom fundamento das nossas posições de defesa comercial.

Num determinado passo das discussões técnicas, uma nova “lista negativa” chegou à mesa das negociações. Mas, uma vez mais, nada de alcachofras... Pedimos a palavra e regressámos ao nosso argumentário, tão convincente quanto possível, sublinhando que as margens de comercialização dos nossos produtores de alcachofras eram já muito reduzidas, que uma invasão do nosso mercado por alcachofras de origem africana originaria um desastre económico no sector, etc. Não sei se fomos ao ponto de referir a possibilidade de crescimento de desemprego sectorial, bem como outros efeitos colaterais de natureza social, mas devemos ter ficado perto disso.

Recordo-me que a enfática posição portuguesa foi apoiada pela Grécia e pela Itália, embora, em ambos os casos, com uma convicção que se me afigurou um tanto débil, o que tomei à conta do facto de poderem estar a reservar-se para um defesa prioritária de outros produtos, em que teriam maior interesse.

Finalizada que foi a apresentação do nosso caso, feita com todo o garbo possível, a Comissão Europeia tomou a palavra, através de Manuel Marín, o comissário do pelouro. Como quase todos os espanhóis, Marin falava um francês com uma pronúncia macarrónica, cheia de “xes”, o que dava às suas intervenções uma sonoridade algo caricata, um castelhano em tom rural beirão. Mas Marin – que, entretanto, já foi ministro e presidente das Cortes espanholas – é um homem fino e muito inteligente. Além de ser um bom amigo de Portugal, diga-se de passagem. Dirigindo-se à presidência da sessão, disse ter tomado muito boa nota dos sólidos motivos que a delegação portuguesa, apoiada por outras, acabara de apresentar, "com tanto brilho", com vista a recusar, liminarmente, a possibilidade de autorizar a entrada de alcachofras africanas no mercado português.

Chegado que foi este ponto do discurso do comissário, a delegação portuguesa ficou mais descansada. Imagino que nos teremos recostado nas nossas cadeiras, prenhes de satisfação pelo dever cumprido. E preparávamo-nos para ouvir da Comissão Europeia a confirmação final de que, por consequência, ela iria, finalmente, colocar as nossas prezadas alcachofras na “lista negativa”.

Foi então que, continuando a dirigir-se ao presidente da sessão, como era de regra, mas olhando de viés para a delegação portuguesa, Marin acrescentou: “Mais, M. le Président, je dois vous avouer un secret: il n’a pas d’artichauts en Afrique” (“Mas, senhor Presidente, devo confessar-lhe um segredo: não há alcachofras em África”). Afinal - surpresa das surpresas! -, a África não produzia as alcachofras que nós, tão denodadamente, tentávamos impedir de concorrerem com as nossas!

A sala entrou em gargalhadas – e nós em sorrisos, definitivamente, bem amarelos. Pela teimosia do nosso Ministério da Agricultura, numa defesa pateta das nossas alcachofras, tínhamos perdido uma boa ocasião para não desperdiçar capital negocial numa discussão europeia.

Mas, também eu, devo confessar-lhes um segredo: hoje de manhã, no mercado de Paris, não me contive e deitei um olho às caixas que acondicionavam as alcachofras. Não fosse dar-se o caso de serem originárias de algum país africano. Não eram.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Yé-yé

Não conheço pessoalmente Luís Pinheiro de Almeida, que teve a amabilidade de deixar um comentário no post "Portugal e o Futuro".

Mas acho que faria muito bem a todos os leitores deste blogue, em especial aos que gostam de música francesa, conhecerem alguns CD's por ele organizados, quer "Os anos do yé-yé" (dois CD's), outros com Margarida Pinto Correia, esses sob o título comum "A Idade da Inocência" (sete CD's). E não sei se perdi alguns...

Talvez isso possa não dizer muito a novas gerações, mas essas compilações trazem-nos, entre tantos outros temas dos tempos do vinil, coisas (que aqui pode já ouvir clicando o nome das músicas sublinhadas) como "L'important c'est la rose" (Gilbert Bécaud), "Ça va pas changer le monde" (Joe Dassin), "Tous les garçons et les filles" (Françoise Hardy), "Une belle histoire" (Michel Fugain), "Tombe la neige" (Adamo) - e cito apenas, dentre algumas dezenas, alguns temas escolhidos de dois desses discos.

A música francesa, tal como a italiana, desapareceu quase definitivamente de Portugal, hoje esmagada pela produção anglo-saxónica. Mas acho que vale sempre a pena revisitar os seus anos de ouro, não necessariamente por uma qualquer nostalgia, mas porque representou um tempo magnífico de produção musical que, queiram alguns ou não, faz parte integrante do nosso património de memória.

Nuno Júdice

E não me venham com a conversa de que não se lê literatura porque os livros estão caros! Por 50 cêntimos, com a compra da revista "Visão" desta semana (também em Paris, claro!), é possível adquirir um volume com prosa e poesia de Nuno Júdice, que inclui o seu magnífico ""Pedro, lembrando Inês".

Nuno Júdice é um dos maiores poetas portugueses contemporâneos.

Durante vários anos foi Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e director do Instituto Camões em Paris e, actualmente, dirige a revista "Colóquio Letras", da Fundação Calouste Gulbenkian.

Nascido na Mexilhoeira Grande, em 1949, tem trabalhos na área da poesia, do ensaio e da ficção. Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa e obteve o grau de Doutor pela Universidade Nova de Lisboa, onde é Professor Catedrático.

A sua estreia literária deu-se com "A Noção de Poema", em 1972. Em 1985, recebeu o Prémio Pen Clube e, em 1990, o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus. Em 1994, a Associação Portuguesa de Escritores distinguiu-o pela publicação de "Meditação sobre Ruínas". Foi finalista do Prémio Europeu de Literatura Aristeion. Assinou obras para teatro e traduziu autores como Corneille e Emily Dickinson.

Foi Director da revista literária Tabacaria, editada pela Casa Fernando Pessoa, e Comissário para a área da Literatura da representação portuguesa à 49ª Feira do Livro de Frankfurt. Tem obras traduzidas em Espanha, Itália, Venezuela, Inglaterra e França.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Portugal e o Futuro

O mal-estar entre os militares profissionais fora já potenciado pela decisão do Governo de Marcello Caetano de facilitar o acesso de "milicianos" ao seu quadro de oficiais. A acrescer a esse sentimento corporativo, era patente, em muitos desses quadros, um crescente cansaço pela repetição, sem fim à vista, de comissões de serviço nos três teatro de guerra (Angola, Moçambique e Guiné), naquilo que o regime português chamava "Ultramar" e que o mundo exterior teimava em considerar como meras colónias.

Viviam-se os primeiros anos da década de 70 do século passado e, no imaginário das tropas profissionais, começavam a emergir o nome e o carisma de um general destemido, que, como governador da Guiné, empreendera políticas sociais que haviam cativado sectores populacionais que o PAIGC também disputava e que, ao que se sabia, havia mesmo tentado compromissos com a guerrilha pró-independentista. Um homem que caminhara um longo caminho, desde os tempos em que integrara, como observador, a "Legião Azul" das tropas alemãs no combate na frente russa, até se ter tornado numa figura algo heterodoxa mas muito prestigiada, que sobressaía no seio de uma hierarquia militar marcada pelo cinzentismo acrítico.

Esse general era António de Spínola, uma personalidade com um recorte pessoal muito próprio, oriundo da arma de Cavalaria, da escola dos Pupilos do Exército, que tinha a arte de cativar e criar prosélitos, de lados opostos do espectro político.

Spínola não tinha o estilo de um general moderno - usava monóculo e uma chibata de cavaleiro -, mas era então visto como um militar muito à frente da média dos seus pares, com êxitos operacionais no terreno e já com uma vocação para uma reflexão autónoma no domínio das opções de políticas de enquadramento sócio-económico, o que se configurava quase como um escândalo, no cenário de imobilismo que o regime de então alimentava.

Perante umas Forças Armadas que, no fundo, consideravam ter já sustentado uma guerra, por mais de uma dezena de anos, sem que o poder político tivesse encontrado para ela uma solução política, Spínola funcionava como a principal bandeira de esperança, não obstante alguns sectores militares mais progressistas alimentarem sobre ele algumas desconfianças.

Também a alguns políticos não passou desapercebido o potencial mobilizador de Spínola. Sá Carneiro e o grupo de liberais, então já desiludidos, mas que, inicialmente, haviam acreditado na abertura que Marcello Caetano anunciara sem concretizar, chegaram a pensar nele para uma candidatura alternativa à Presidência da República, em 1971. Mas Spínola não estava então preparado ou inclinado para correr esse risco.

Em 1973, terminada a sua comissão na Guiné, Spínola regressou a Portugal e, claramente "à contrecoeur", Marcello Caetano foi como que obrigado a recompensar o seu inegável e crescente prestígio na corporação militar com a atribuição do posto de vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, subordinado a outra figura também com grande aceitação entre os seus pares, o general Francisco da Costa Gomes.

Com a ajuda de alguns amigos, António de Spínola havia então redigido um livro que iria mudar a História de Portugal - "Portugal e o Futuro". Essa obra, se bem que não trouxesse nada de muito novo no tocante à história das ideias sobre como enquadrar um futuro de evolução de uma situação colonial, representou, no contexto português, uma verdadeira pedrada no charco das ideias feitas. Com alguns episódios que se podem situar entre o críptico e o equívoco, o livro foi publicado e tornou-se, por assim dizer, numa espécie de pronunciamento a prazo, no prenúncio da desinquietação que veio a atravessar, de forma decisiva, as Forças Armadas portuguesas e que veio a dar origem à Revolução de 25 de Abril de 1974.

Passam agora precisamente 35 anos sobre a edição de "Portugal e o Futuro".

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Braga

Algumas vezes, nos anos 60 e 70, fui ver jogos do Sporting de Braga ao velho estádio "28 de Maio", nos tempos da preeminência e da proeminência da família Santos da Cunha na vida política e desportiva da cidade. As suas bancadas de pedra, que lembravam o Estádio Nacional, traziam-nos irresistivelmente à memória obras similares da arquitectura desportiva e monumentalista europeia da época da sua construção. Hoje em dia, o Braga abandonou esse seu campo de matriz "estado-novista" e é servido por um novo e belo estádio (imagem), que é talvez a mais criativa solução arquitectónica que nos resta do Euro 2004.

Mas esta nota serve apenas para registar quanto me impressiona o facto do Sporting de Braga ter vindo a demonstrar uma maturidade desportiva europeia muito pouco comum, um comportamento sem complexos perante equipas que, à partida, estariam num "campeonato" diferente do seu.

Ontem, ao ganhar folgadamente ao consagrado Standard de Liège, consagrando-se como a única equipa portuguesa que nos resta na taça UEFA, o Braga deu uma magnífica demonstração de classe e de cosmopolitismo futebolísticos, consagrando-se, uma vez mais, como um dos clubes portugueses com maior afirmação internacional. É muito bom para o futebol português não ficar eternamente restringido ao Porto, Benfica e Sporting, agora que o Boavista entrou num triste ocaso.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Berardo em Paris

A polémica foi grande, quando o Estado português deu o seu acordo, em 2007, para reservar parte do Centro Cultural de Belém para a exibição permanente da colecção de Joe Berardo, um empresário português apaixonado por arte contemporânea. Pode mesmo dizer-se que esse debate não se extinguiu, argumentando uns com o excessivo compromisso financeiro assumido pelo Estado, atenta a qualidade das obras, arguindo outros com o facto de Portugal passar a garantir a permanência, no seu solo, de um acervo pouco comum de arte contemporânea, reunida ao longo de anos, e com um valor de mercado assegurado.

Para além de tudo o que se possa dizer, a verdade é que a circunstância de, numa cidade como Paris, onde a arte de grande qualidade abunda por tudo quanto é museu, estar hoje em exposição (até 22 de Fevereiro) cerca de 10% da colecção Berardo (no Musée du Luxembourg) parece poder retirar alguns argumentos aos seus detractores.

Nessa exposição podem ser vistos trabalhos de figuras como Vieira da Silva (imagem), Max Ernst, Magritte, Miró, Andy Warhol, Man Ray, de Chirico, Pollock, Dali e muitos outros. Serão as obras maiores desses autores? Claro que não são, mas vale sempre a pena vê-las, quanto mais não seja pelo facto de representarem um conjunto significativo de artistas, reflectindo as principais tendências do século XX. Os parisienses devem ser os primeiros a pensar assim, a ajuizar pelo sucesso do evento.

O cozinheiro "iraniano"

A revolução iraniana acabara de acontecer. Estava na Noruega, era 1980, há 30 anos. O Xá tinha saído do país e os nossos colegas iranianos tinham desaparecido dos circuitos diplomáticos. A Embaixada do Irão era um belo edifício, quase em frente à nossa, na Drammensvein.

Um dia, sou avisado que um português, residente em Oslo, queria falar comigo - eu era então o encarregado de negócios, na ausência do embaixador. Aparece-me um tipo gorducho, algo afogueado, a apresentar um problema. Desde há anos que era cozinheiro da Embaixada iraniana. De um dia para o outro, todos os iranianos da Embaixada se tinham ido embora. Ele estava sozinho, sem instruções, sem dinheiro... o que havia de fazer? Pensava ir à procura de um novo emprego. E faz-me uma pergunta inesperada: podia eu ficar com a chave da Embaixada, para eu a dar aos meus futuros novos colegas iranianos?

A ideia era bizarríssima. Cuidei em nem sequer transmitir o assunto a Lisboa. Os telegramas com historietas, subscritos pelos substitutos dos chefes de missão são, no anedotário do MNE, motivo regular de gozo dos colegas. E a história de um cozinheiro português a "entregar-me" a Embaixada do Irão iria fazer o gáudio dos claustros das Necessidades. Assim, optei por entrar em contacto com o serviço do protocolo do Ministério dos estrangeiros norueguês, com quem aconselhei o cozinheiro a falar.

Passadas semanas, uma nova e mais ortodoxa equipa diplomática iraniana chegou, finalmente. O nosso cozinheiro foi, de imediato, despedido. O menu tinha mudado no Irão.

Lembrei-me deste episódio ao verificar que, aqui por Paris, está a ser recordada a mudança política ocorrida há três séculos no Irão. Aliás, foi de França que, nesse mesmo ano de 1979, partiu o Ayatollah Khomeini, que aqui viveu refugiado por cerca de um ano, depois de um exílio por vários outros países.

Imigração

A imprensa portuguesa dá hoje conta do facto de cerca de 38 mil estrangeiros, imigrantes em Portugal, terem pedido a nacionalidade portuguesa, durante o ano de 2008.

Algumas vozes, de forma mais ou menos audível, são contra aquilo que consideram ser a criação "artificial" de cidadãos portugueses, por um mero motivo de interesse e oportunidade. Outros entendem ser de toda a justiça dar, a quem contribui para a criação de riqueza no nosso país, o direito de poder usufruir, em pleno, dos nossos direitos de cidadania.

Tenho uma visão muito positiva do efeito global da presença e integração dos estrangeiros em Portugal, embora não desconheça alguns dos problemas por elas suscitados. Mas, historicamente, foi o facto de ser um porto de chegada para muitas gentes, um cruzamento e ponto de passagem de várias nacionalidades, que deu a Portugal a imagem de país acolhedor e simpático que hoje tem no mundo e que, por outro lado, acabou por tornar a nossa cultura mais aberta e tolerante.

Nos dias que se vivem na Europa, quanto ao modo de lidar com os estrangeiros, devemos ter orgulho na nossa diferença.

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...