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quarta-feira, outubro 24, 2018

O fim de uma bela ideia

Viena, 24 de outubro de 1998. Há vinte anos. Jantar em casa de João Lima Pimentel, nosso embaixador representante permanente junto da OSCE. 

António Guterres estava muito bem disposto. Sem que ninguém tivesse reparado, passou pela sala de jantar e retirou o cartão de mesa que tinha o nome do seu assessor diplomático, Freitas Ferraz. Quando nos íamos a sentar, este último deu várias e angustiadas voltas à mesa, para tentar perceber qual seria o seu lugar. Por algum tempo, terá pensado que o anfitrião, e seu antecessor no cargo em São Bento, o tinha excluído do repasto. Alguma conflitualidade passada entre os dois legitimava a dúvida. Guterres inaugurou o coro das gargalhadas que todos soltámos com o quase incidente. E foi um belo jantar.

Passados à sala, Guterres disse que queria falar, à parte, com Joaquim Pina Moura, ministro da Economia, com Lima Pimentel e comigo, ao tempo secretário de Estado dos Assuntos Europeus. Recolhemo-nos numa zona mais privada, com porta de vidro. 

Nem eu adivinhava que, tempos mais tarde, eu iria viver nessa casa, um belo apartamento sobre o Graben, por mais de dois anos.

Guterres foi direito ao assunto. Era necessário desmontar o plano que estava em curso, destinado a criar condições para a sua escolha para presidente da Comissão Europeia. 

O João Lima Pimentel, em finais de 1997, tinha sido a primeira pessoa a falar-me da ideia. Foi num jantar no "Vela Latina", com o Joaquim Pina Moura. 

Inicialmente muito cético, achei que o assunto não tinha pernas para andar. O Joaquim, ao que recordo, estava tentado a que se avançasse, o que me levou a deduzir que já tinha falado com Guterres. 

O João, que já conversara "com Bona" (seguramente com o Joachim Bitterlich, assessor diplomático de Kohl, a quem, um ano antes, ele me tinha apresentado, num périplo que ambos tínhamos feito a Paris e Bona), tinha já várias ideias concretas sobre o que fazer e desenhou, num papel, aquilo que ele passou a designar, para sempre, como o "Plano Alfa". Fiquei de pensar sobre como poderia contribuir para o processo. À saída, alertei para o facto de ser necessário informar Jaime Gama. "Está descansado, o António encarrega-se disso", sossegou-me o João, com a sua tradicional gargalhada.

Por muito estranho que possa parecer, a partir daí e durante alguns meses, não abordei diretamente a questão com António Guterres. E, com Jaime Gama, não me lembro de ter falado nunca do assunto. 

Respaldado pela garantia de que Guterres abençoava a aventura, fui fazendo, por minha conta e risco, algumas diligências exploratórias. Às vezes, isso incluiu lançar pistas equívocas em meios da imprensa internacional em Bruxelas, do género: "posso assegurar que Guterres diria que não, se acaso o seu nome viesse a ser falado para o Berlayamont!". É assim que se põe coisas a correr...

Ao longo de 1998, em diversas conversas a que assisti, entre Guterres e alguns dos seus pares, testemunhei, sempre por iniciativa dos interlocutores do primeiro-ministro português, várias insistências para que ele considerasse aceitar candidatar-se ao cargo. Guterres nunca era conclusivo sobre o seu possível interesse. Recordo-me, em especial, de ouvir Tony Blair, em Downing Street, a ser bastante enfático nessa insistência, numa longa conversa em que referiu, nominativamente, outros possíveis apoiantes de Guterres, avaliando que o ambiente, em Conselho Europeu, lhe era amplamente favorável. Os meus pares dos Assuntos Europeus, com quem me ia cruzando pela Europa, davam, cada vez mais, o assunto por quase decidido. 

Regressemos então a Viena, a outubro de 1998. A decisão que Guterres nos transmitia não era uma completa surpresa para mim e, seguramente, não o era para Pina Moura, que já devia estar avisado dessa intenção. Desde há semanas que me tinham chegado sinais de que Guterres estava cada vez mais avesso à ideia de ir para Bruxelas. Aquele era então o ponto final, concluí

João Pimentel, que um ano antes fora o "pai" da ideia, mas estava então afastado da convivência diária com Guterres, era o mais inconformado. "Porquê, António? Está tudo a correr tão bem! Cada vez me chegam mais sinais que o teu nome tem condições para ser aceite".

Guterres explicou. Estava viúvo desde janeiro. A filha, que aliás estivera no jantar, era muito nova e precisava muito da atenção do pai. Até ali, ele tinha sacrificado a sua irmã, no acompanhamento da sobrinha. E isso não podia continuar. Uma ida para Bruxelas ocupar-lhe-ia ainda mais a vida, de uma forma que não era compatível com a atenção que devia à filha. Tinha de pôr a família primeiro.

"Além disso, há a questão política interna". Eu e Pina Moura mantinhamo-nos calados. Lima Pimentel fazia a despesa da conversa e das perguntas.

"Com a saída do governo do Vitorino, por aquele assunto da sisa da propriedade no Alentejo, não há um sucessor natural para mim. Se eu anuncio a saída, o PS parte-se, saltam dois ou três putativos substitutos e o mais provável é que quem ganhe o partido venha depois a perder as eleições legislativas, daqui a um ano. Nessa altura, eu estaria já em Bruxelas e o partido nunca me iria perdoar. Não posso sair". 

A reserva impede-me de referir a análise que, na ocasião, fez a cada um dos nomes possíveis, como hipóteses para o substituirem como líder. Foi interessante o modo como avaliou, com respeito político e pessoal mas com realismo, o perfil de cada um, para depois os excluir a todos, por não terem, não obstante as suas qualidades, um sucesso garantido, no partido e no eleitorado. 

Mas senti que havia ali mais qualquer coisa. Havia já um desânimo, uma falta de motivação. A morte de Luísa, cuja doença todos tínhamos acompanhado no governo, tinha ajudado a criar um outro António Guterres. 

A noite acabou comigo e o Joaquim Pina Moura a passear no frio da Kärntner Strasse, a caminho dos diferentes hotéis em que estávamos alojados. De certo modo, ambos nos sentíamos um pouco aliviados. A continuidade de Guterres na liderança do governo sossegava-nos. A situação política interna não se apresentava brilhante, a imprensa, depois de um longo estado de graça, tinha "virado" e, nessas circunstâncias, ele era a melhor cara para tentar conseguir uma nova vitória, em outubro do ano seguinte. 

Na manhã seguinte, partimos para Pörtschach, no sul da Áustria, para uma reunião informal de líderes europeus. Pina Moura regressaria a Lisboa. O ministro das Finanças, Sousa Franco, iria a juntar-se-nos, para parte dessa reunião. 

Vivia-se então um tempo intenso e muito difícil de negociações financeiras, na preparação do quadro de financiamento que iria vigorar nos sete anos seguintes a 2000. Muitos jornalistas portugueses acompanhavam a nossa delegação. Antes do encontro europeu, não havia muito para dizer, mas Guterres entendeu que era importante que Sousa Franco e eu falássemos à imprensa. Acabou por não ser um bom momento. O ministro estava tenso e teve uma troca de argumentos menos simpática com Sérgio Figueiredo, diretor do "Diário Económico", que procurei atenuar. Valeu a conferência de imprensa final, em que Guterres esteve, como sempre, muito bem.

Nesse mesmo dia, o meu gabinete tinha-me enviado, por fax, o texto de uma longa entrevista ao "Público" que, dois dias antes, eu tinha dado a Teresa de Sousa, a propósito das negociações financeiras então em curso na Europa. Com má fé, a paginação do jornal tinha-a ilustrado com uma inesperada e oportunista fotografia minha a colocar as mãos sobre os olhos, como que a traduzir desespero. A Teresa, ali mesmo, pediu-me desculpa pelo incidente, a que era em absoluto alheia. 

Aquilo era, no entanto, significativo. O estado de graça do governo Guterres, perante a imprensa, que se tinha prolongado por imenso tempo, já tinha acabado. O vento tinha, definitivamente mudado. E nós passámos a navegar contra ele.

quinta-feira, outubro 26, 2023

Entrevista ao "Diário de Notícias"



O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, foi acusado por Israel de ter quebrado a imparcialidade do cargo. Concorda com esta leitura? 

Não. Acho que a função do secretário-geral é defender os princípios da carta das Nações Unidas e o engenheiro António Guterres, ao dizer o que disse e da maneira como disse, não só sublinhou aquilo que eram os princípios básicos da ONU como dignificou o cargo. O engenheiro António Guterres, na questão da Ucrânia, também se colocou de uma forma que foi lida negativamente por Moscovo, precisamente pela mesma razão, precisamente porque decidiu lembrar aquilo que são os princípios fundamentais da ONU.

E agora foi Israel.

Na questão de Israel, da Palestina e do Hamas, Guterres disse duas coisas e só está a ser sublinhada uma. Disse uma coisa que naturalmente funciona bem aos ouvidos de Israel, que é a questão da denúncia da ação terrorista do Hamas e do caráter absolutamente inaceitável de ter atacado populações civis, ter morto civis de forma cobarde e, de forma cobarde, ter raptado civis que agora procura instrumentalizar. Mas também disse uma coisa que é uma evidência e que muitas vezes a cobardia e a complacência no plano internacional têm evitado dizer. Disse que isto não aconteceu do nada. Porque é preciso percebermos que o Hamas faz aproveitamento daquilo que é a radicalização da injustiça de décadas a que a população palestina tem sido sujeita. Tem havido, por exemplo, contra a vontade das Nações Unidas, a construção de colonatos na Cisjordânia.

É isso que está a ser usado contra Guterres...

Eu tenho o maior dos respeitos por Israel e mais do que isso, Israel é um país cuja existência não está em causa e não deve estar em causa pela comunidade internacional. Mas a segurança de Israel, para mim, não é superior à importância da segurança dos palestinos e da vida dos palestinos. E enquanto Israel tem um Estado para proteger os seus cidadãos, só a comunidade internacional, isto é, as Nações Unidas, pode proteger os palestinos. É um bocadinho irónico, devo dizer, ver Israel a acusar as Nações Unidas de falta de independência quando Israel não cumpre as próprias resoluções das Nações Unidas. E mais: se eu disser que sou a favor da existência do Estado de Israel com fronteiras definidas à luz do direito internacional, serei considerado um adversário de Israel. Porque Israel não aceita as fronteiras que o direito internacional lhe atribuiu.

Voltando ao papel do secretário-geral, Kofi Annan disse uma vez que tem que ter imparcialidade, mas isso não significa neutralidade. Concorda?

É evidente que o secretário-geral não pode ser neutral, o secretário-geral tem um problema histórico, que é ser a voz do Conselho de Segurança. E fora desse tempo em que é a voz do Conselho de Segurança, quando o Conselho de Segurança está bloqueado, o secretário-geral tem apenas que ecoar os princípios gerais das Nações Unidas, aqueles que vêm da Carta da ONU. Não é por qualquer razão que Boutros Ghali não foi reeleito secretário-geral da ONU. Não foi pela simples razão de que, ao defender os princípios gerais da Carta, se colocou contra um Estado, que eram os EUA. E, portanto, o engenheiro Guterres sabe que, ao dizer estas palavras, está a defender aquilo que são os princípios das Nações Unidas, que é a razão pela qual ele foi eleito. Como português, fiquei muito honrado por aquilo que ele disse e fiquei altamente marcado por aquilo que ele disse. Ele tem que ser isento, não tem que ser neutral de maneira nenhuma, porque só podia ser neutral se fosse amoral. E ele não é amoral. Nós aqui em Portugal, que o conhecemos bem, sabemos perfeitamente bem que os princípios e os valores são a coisa que Guterres mais acarinha.

Israel pede agora a demissão de Guterres. Tem força para o fazer?

Israel tem a mesma força que tem um país que incumpre com todas as resoluções de Conselho de Segurança. Quer dizer, é evidente que se amanhã os EUA, a França, o Reino Unido, a Rússia, a China ou alguns deles subscreverem essas mesmas posições, a fragilidade do papel do secretário-geral aumenta. Eu diria, no entanto, que o secretário-geral, neste momento, tem um mandato e que o deve levar até ao fim e que só honra às Nações Unidas a circunstância de ter um secretário-geral que foi capaz de levantar bem alto os princípios da Carta das Nações Unidas.

Na história das Nações Unidas só houve um secretário-geral que se demitiu, que foi logo o primeiro, o norueguês Trygve Lie.

Exatamente. E outro [Dag Hammarskjöld] morreu num acidente de avião, provavelmente num atentado, no Congo. Mas houve outro que não viu o seu mandato renovado, que foi o Boutros Ghali, porque se opôs aos EUA, que não o deixaram renovar o mandato. Foi um conjunto de declarações que basicamente pôs em causa o papel dos EUA. Em relação ao engenheiro Guterres, eu acho que só honra as Nações Unidas ter um secretário-geral que diga estas coisas, que são, volto a dizer, banalidades. Isto se o mundo não tivesse uma complacência há muito tempo estabelecida. Nomeadamente esta entidade que tem uma postura absolutamente medíocre no Médio Oriente que se chama a União Europeia, que só serve para pagar estragos feitos nas guerras e que é incapaz de ter uma posição comum e que hesita sempre entre uma grande complacência em face às questões de Israel e alguma sensibilidade moral face à Palestina e não consegue a partir daqui ter nenhuma decisão definitivamente satisfatória. E que ainda outro dia titulou, com as declarações da senhora Ursula von der Leyen, um dos momentos mais baixos da história da sua própria política externa. Eu acho que Guterres fez muito bem e Guterres não pode ser neutral e acho que o pedido da sua demissão por parte de Israel deve ter como resposta um encolher de ombros.

Para finalizar, penso que a frase de Trygve Lie, de que o cargo é "o mais difícil do mundo" estará na sede das Nações Unidas. 

O que Trygve Lie dizia, no auge da Guerra Fria e no início das Nações Unidas, era porque sabia que no próprio quadro do Conselho de Segurança e nos membros permanentes com o direito de veto havia países que têm posições completamente diferentes e leituras completamente diferentes. O secretário-geral tem que ser uma espécie de representante de uma conflitualidade e portanto, quando a situação, quando o Conselho de Segurança decide sobre uma questão que não importa de forma vital a qualquer membro permanente do Conselho de Segurança, o secretário-geral tem um imediato poder e um imediato poder que pode exercer. Agora, quando há membros do Conselho de Segurança profundamente envolvidos, é evidente que a sua situação torna-se impossível. Eu não excluo que a situação, a certo momento se possa tornar impossível para António Guterres, num cenário em que os EUA subscreverem as posições de Israel. Guterres tem que ter a confiança dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Se não tiver essa confiança, eu espero que o Brasil, que tem a presidência neste momento, seja capaz de tomar posições que permitam encontrar um caminho comum.

susana.f.salvador@dn.pt



sábado, junho 19, 2021

Guterres

Há cinco anos, quando António Guterres tomou posse do cargo de secretário-geral da ONU, senti um imenso orgulho pela circunstância de alguém com quem tinha trabalhado de perto, cujas excecionais qualidades havia tido o ensejo de apreciar e admirar, ter ascendido à mais relevante posição no quadro multilateral mundial.

Fui um entusiasta dessa candidatura, por três básicas razões. 

A primeira é que acho que, salvo alguns momentos menos felizes, o Portugal democrático, nos seus diversos ciclos políticos, tem sabido ser fiel aos grandes princípios e valores que fazem parte do acervo civilizacional coletivo dos mundos a que o país decidiu pertencer, que a diplomacia permitida pela Revolução de Abril ajudou a construir. A chegada de um cidadão português àquele lugar de topo no sistema de regulação internacional, por evidente mérito e não por combinas de lóbis e jogos de poder, representava uma prestigiante consagração para Portugal e para a sua diplomacia.

A segunda razão tinha a ver com o próprio António Guterres. A política é uma atividade dura e, muitas vezes, injusta para os seus atores. Fiz parte, com grande orgulho, dos dois governos chefiados por António Guterres. No termo desse ciclo, dei-me conta de que a retribuição, no imaginário nacional, face ao esforço feito por António Guterres para contribuir para uma transformação serena e não confrontacional do país, havia sido escassa. Guterres provou depois, no excecional trabalho feito na área dos refugiados, a consistência de um pensamento solidário e de um elevado sentido de responsabilidade moral. A sua escolha, transparente e indiscutível, para as Nações Unidas, foi um corolário de justiça.

Finalmente, conhecendo um pouco das Nações Unidas, por lá ter trabalhado e por acompanhar com alguma atenção a sua evolução, mas igualmente por ser um “militante” do multilateralismo, achei que uma figura como António Guterres representava, à perfeição, aquilo de que a organização necessitava, em especial no tocante à sua adaptação às agendas de modernidade - menos retóricas e mais práticas - que lhe permitissem ganhar legitimidade e espaço de mobilização no seio das opiniões públicas.

A estas três razões positivas, somava-se uma preocupação: o risco de que uma evolução negativa dentro do país-chave para os sucessos ou insucessos da ONU, os Estados Unidos, pudesse vir fazer correr à organização estaria melhor protegido com alguém que lhe soubesse preservar os princípios e servisse de escudo ético a qualquer instrumentalização ou desvirtuamento. Isso aconteceu, com Trump. Guterres acabou por ser o líder da “resistência”.

Agora, o sentido aclamatório que acolheu a reeleição de Guterres prova o acerto da anterior decisão. Os sinais que chegam de Washington a Nova Iorque são positivos, embora a experiência nos deva tornar prudentes quanto a um excessivo otimismo. Se Biden vier a ser o que parece ser, com Guterres na chefia da ONU, não obstante um tempo turbulento que se aguarda no cenário confrontacional global, o mundo fica muito mais seguro.

sábado, novembro 12, 2016

Berlim, os aviões e eu


Tenho pena que o aeroporto de Tempelhof, aqui em Berlim, onde estou hoje, tenha acabado . E parece que não estou sozinho. Até Angela Merkel terá votado, sem sucesso, contra o fim daquele símbolo da Guerra Fria, um belíssimo edifício do tempo nazi que, desde há alguns anos, permanece sem préstimo, com as pistas transformadas em jardins. As imagens da ponte aérea dos anos 60 do século passado vinham-me sempre à imaginação, nas várias vezes que tive de apanhar aviões em Tempelhof. Por que diabo não tirei uma fotografia de um desses momentos?

Mas não era sobre os aviões a aterrar em Berlim que eu hoje queria aqui falar. Era sobre aviões de papel. A sério!

Entre 1997 e 1999, coube-me coordenar, por Portugal, sob a orientação do primeiro-ministro António Guterres, as negociações financeiras do orçamento comunitário, que viria a vigorar entre 2000 e 2006. Foi um trabalho interessantíssimo, em que Guterres e Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros, se foram progressivamente envolvendo, à medida o processo saiu do terreno técnico e passou a estar no domínio das decisões políticas. A conclusão dessa negociação iria caber à Alemanha, durante a sua presidência da União Europeia, no primeiro semestre 1999. (Sendo o principal financiador da União - também o maior ganhador, há que lembrar - é sempre "confortável" ver a Alemanha a assinar os cheques...) A administração alemã fazia, por esse tempo, a sua transição entre a antiga capital, Bona, e Berlim. 

Recordo-me de, nesses escassos meses, ter feito várias viagens a ambas as cidades alemãs. Os meus interlocutores foram variando, nesse período em que a nova coligação no poder, entre o SPD e os Verde, revelava fortes dificuldades de coordenação entre si. 

Nunca esqueci uma tarde, em Bona, em que, saído da Chancelaria Federal, onde tinha ido falar com um colaborador de topo do primeiro-ministro Gehrard Schroeder, recebi um telefonema de um alto responsável do ministério dos Negócios Estrangeiros alemão, estrutura que tinha sido afastado dessa fase na negociação, pretendendo saber ... o que me tinha sido dito na sede da chefia do governo do seu país! E ainda dizemos nós que somos descordenados!

Mas voltemos ao avião de papel.

Gunther Verheugen, o ministro adjunto para os Assuntos Europeus, passou, na fase derradeira da negociação, a ser o meu contraparte quase diário. A sua relação com o seu ministro "verde" Joshka Fischer não era das melhores, mas o primeiro-ministro Schroeder, como ele socialista do SPD, tinha-o por colaborador direto. E a palavra de Verheugen, a partir de certa altura, era "his master's voice". E isso, para nós, era o essencial.

A negociação tinha uma multiplicidade de vetores, desde as políticas estruturais às questões agrícolas. Foram muitos meses de trabalho, porque partíamos de uma muito má proposta da Comissão Europeia, que foi necessário retificar, quase ponto por ponto. A presidência alemã, depois de um início bastante hesitante, percebeu bem o nosso problema e ajudou-nos, muito graças ao modo construtivo como António Guterres se comportou - procurando identificar e promover os interesses dos outros parceiros que não fossem contraditórios com os nossos.

Os dias finais de Berlim - em Conselho Europeu muito "dramático" - foram muito complexos. Pela nossa parte, tentávamos obter verbas para diversos setores (do leite ao trigo duro e muitos outros produtos, cuja produção nacional desejávamos que fosse apoiada financeiramente). A soma final era importante, até porque seria sempre comparada com o período anterior - e isso não era indiferente politicamente, como se compreenderá. 

Portugal tinha aquilo que Guterres considerava ser um "número mágico" (que não revelávamos) - nosso objetivo ideal. Mas, chegados a Berlim, uma SMS que recebi de Verheugen não nos sossegava. O número que a presidência alemã nos dedicava estava ainda distante do nosso. Recordo ter-lhe respondido, com uma adaptação da frase do Marquês de Sade, na "Filosofia de Alcova": "Alemans, encore un éffort!". Nunca cuidei em saber se ele percebeu a graça...

No dia seguinte à nossa chegada, para a reunião decisiva dos líderes, Guterres, Gama e eu reunimos com Schroeder, Fischer e Verheugen. Verheugen ficou à minha frente na mesa. A conversa era em inglês, entre Guterres e Schroeder, com este a entrecortar com frases em alemão, traduzidas já não sei por quem. 

A certo passo, vi Verheugen pegar numa folha branca de A4 e começar a fazer o que me pareceu ser um avião de papel. E era. Ninguém notara, a não ser eu, que olhava para a cara risonha do meu contraparte, entretido no processo construtivo, com aqueles óculos muito grossos que eram a sua imagem de marca. No final, o "avião" cruzou, baixo, a nossa mesa, aterrando à minha frente. Fiquei com a ideia de que todo o lado alemão não notou. Vi que Guterres ficou curioso, mas não mais do que eu, que, estudadamente, sem qualquer pressa, abri o avião. Lá dentro, havia um número, com dois algarismos: melhor do que o que ele me enviar na véspera, quase igual ao nosso objetivo máximo. 

Olhei para o meu amigo Gunther Verheugen e, com um sorriso, fiz-lhe um sinal negativo com a cabeça. A tática a isso obrigava. Guterres, à minha direita, continuava curioso. Antes de lhe passar o papel, com o número, recomendei, sussurrando: "Faça uma cara descontente". Guterres olhou para Vereugen, também sorriu e fez um discretíssimo "não". Puxei o papel para mim. Do outro lado de Guterres, vi surgir o rosto impassível de Jaime Gama: naturalmentr, queria saber o que era aquela semiologia. Por detrás de Guterres, passei-lhe o número. Não reagiu. Do lado alemão, atento às palavras de Schroeder, ninguém parecia ter notado o avião de papel de Verheugen. Ou talvez eu esteja errado.

A negociação só terminaria já muito dentro da madrugada do dia seguinte. Para a pequena história, vale a pena registar que conseguimos algo mais do que o nosso "número mágico", um número acima do montante que "aterrara" no avião de papel que Gunther Verheugen me enviara. 

De toda a forma, para mim, Berlim ficou para sempre muito ligado à memória de aviões. E agora, se me permitem, vou imprimir os cartões de embarque para o regresso à pátria.

segunda-feira, novembro 29, 2021

Tempos de Guterres

 

O livro “O Mundo não tem de ser assim”, a biografia de António Guterres escrita por Pedro Latoeiro e Filipe Domingues, editada pela Casa das Letras, serviu de pretexto a uma agradável conversa, ao final da tarde do passado sábado, na Livraria Ler, em Campo de Ourique.

Vale a pena revelar que, há já uns anos, numa data que não posso precisar, o meu colega embaixador João Lima Pimentel e eu próprio tivémos um longo jantar com aqueles que viriam a ser os autores do livro e que, à época, esboçavam ainda essa obra. O Filipe Domingues, que eu já conhecia, tinha-me contactado e eu apresentei-os nessa noite ao João Lima Pimentel. O repasto e a sua sequência acabou, recordo-me, quase às quatro da manhã…

Lima Pimentel é um amigo antigo de António Guterres e foi o seu primeiro assessor diplomático. Eu apenas conheci Guterres pessoalmente em 1994, tendo trabalhado com ele durante mais de cinco anos, a partir do ano seguinte. 

Naquela anterior conversa, ambos havíamos dito aos putativos biógrafos o que cada um de nós entendia poder ser dito, para os ajudar a gizar o “retrato” do atual e já então Secretário-Geral da ONU. João Lima Pimentel voltou, depois disso, a falar com os autores, devidamente autorizado por Guterres. Eu, que aliás não tinha muito mais a dizer, remeti-os, sobre o assunto, para algumas coisas que, ao longo dos anos, escrevi no meu blogue sobre o tempo de governo e outras ocasiões.

O livro, que já aqui recomendei, é um excelente repositório de dados e episódios que nos permitem conhecer melhor António Guterres, até ao dia em que ele chegou ao mais alto posto na ONU. No sábado passado, os autores quiseram ir ainda um pouco mais longe na conversa, desta vez com testemunhas, em torno de alguns episódios da vida de Guterres. 

Falou-se então um pouco de tudo, desde o seu trabalho para desalojar o “cavaquismo” até aos tempos de governo, muito em especial o seu percurso europeu. Mas também do seu catolicismo, da entrada para o PS, das suas relações com outras linhas políticas do Portugal democrático saído de Abril. Eu relatei um episódio de que fui testemunha presencial na Sedes, em inícios de 1973, envolvendo Francisco Sá Carneiro, António Guterres e… Marcelo Rebelo de Sousa.

E também se falou da ONU, das dificuldades e limites imperativos de atuação de um Secretário-Geral. E falou-se do “caso austríaco” como a primeira grande confrontação com a extrema-direita europeia, da resistência de Guterres aos convites para aceitar ser presidente da Comissão Europeia e de várias outras histórias mais. 

Tenho a imodéstia de pensar que as pessoas que tiveram a amabilidade de assistir ao “interrogatório” que Pedro Latoeiro e Filipe Domingues nos fizeram não deram o seu tempo por mal empregado.

Contudo, histórias há, desses tempos, que não podem ser contadas, algumas das quais talvez ajudassem a explicar coisas da nossa vida política que ficaram pouco claras. Mas há limites para a transparência: quem, como o João Lima Pimentel e eu próprio, assistiu a certos episódios apenas porque a nossa presença e intervenção, como colaboradores próximos, pressupunha total confiança na nossa discrição, passa a ter um dever permanente de lealdade perante quem nos concedeu esse privilégio. Nenhum de nós ultrapassará nunca essa barreira. 

(Ilustro este texto com uma fotografia no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, em janeiro de 2000)

sexta-feira, fevereiro 21, 2020

Joaquim Pina Moura


Morreu-me um amigo. Morreu Joaquim Pina Moura. Tinha 67 anos e estava doente, há muito tempo.

Conheci-o em 1995, quando ambos trabalhámos com António Guterres. Criámos, de imediato, uma magnífica relação pessoal, sempre divertida, recheada de humor e de crescente cumplicidade. Posso dizer que foi das pessoas com quem acabei por ter uma maior empatia, dentro dos dois governos a que pertencemos. Com uma inteligência fulgurante, rápida e arguta, apanhava o essencial num instante, sabendo transformar logo uma ideia numa proposta realista e com sentido. Ia “a todas”, sabia de tudo. Era um “mouro” de trabalho, uma figura em quem Guterres tinha uma extrema e justificada confiança, nele delegando imensas tarefas. Lembro-me das suas chamadas telefónicas pela noite dentro, ainda como secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, quando alguns problemas europeus “apertavam”, sempre, mas sempre!, atuando com uma insuperável delicadeza para comigo.

Os obituários das próximas horas recolherão, com toda a certeza, o seu histórico afastamento do PCP, de que se tornou num dos mais famosos críticos, após aí ter sido uma “estrela”, em forte ascensão. Nesse percurso, a partir de certa altura, foi-se aproximando de António Guterres, tendo estado no centro da operação “Estados Gerais”, que catapultou o PS para o governo, entronizando Guterres como primeiro-ministro. Durante todo esse tempo, colaborou fortemente com o PS, mesmo sem ser ainda militante do partido. Atribui-se a Jaime Gama, com quem Pina Moura tinha uma excelente relação e uma visível admiração mútua, uma graça que ficou memorável nas hostes socialistas. Reza a “lenda” que, um dia, numa conversa nesse ano de 1995, com Pina Moura presente, Gama terá dito a Guterres que era importante ele entrar para o PS. E descreveu a forma como isso aconteceria: “Um dia, o Joaquim Pina Moura decide aderir ao PS. Vai ao largo do Rato, toca à campaínha e quem é que, do lado de dentro, lhe abre a porta? O Joaquim Pina Moura!”

Lembro-me agora do jantar que ele organizou, com o João Lima Pimentel, assessor diplomático do primeiro-ministro, e para o qual me convidou, no “Vela Latina”, para explorar a ideia, congeminada por ambos, da candidatura de António Guterres à presidência da Comissão Europeia. Pouco dado a ousadias, achei a iniciativa “louca” e sem pés para andar, mas, meses depois, verifiquei que era ele, e o João Lima Pimentel, quem afinal tinha razão - e eu não. O apoio a Guterres, por parte de vários líderes europeus, começou a ser esmagador e a discreta campanha de imprensa e de contactos que o Joaquim e o João tinham engendrado - o chamado “Plano Alfa “, como então foi ironicamente crismado, de que há mesmo um registo “gráfico” - foi de vento em popa. Guterres só não foi presidente da Comissão Europeia porque não quis. Foi ele próprio quem pôs fim à ideia, por razões que um dia serão devidamente explicadas, numa reunião a quatro, na Áustria, numa noite de 1999, com o Joaquim, o João e eu. Lembro-me de mim e do Joaquim Pina Moura, já então ministro da Economia, depois do jantar, a “digerir” a nossa frustração, passeando pelo Graben, na noite fria de Viena.

Tenho muitas recordações do Joaquim Pina Moura. Todas boas. A nossa última e longa conversa acabou por ser em Paris, há já quase uma década, num jantar muito simpático e, como sempre acontecia quando nos juntávamos, bem divertido. Depois do meu regresso a Portugal, a sua progressiva doença forçou o nosso afastamento, com grande pena minha. 

Deixo um grande abraço de pesar a toda a família, em especial à Herculana, uma “mulher-coragem”, de uma lealdade inquebrantável, em especial no sofrimento que para todos foram os últimos anos.

sábado, dezembro 11, 2010

Schussel


Ontem à noite, no hall da residência do embaixador austríaco em Paris, dei de frente com o antigo primeiro-ministro desse país, Wolfgang Schussel. Há mais de uma década que nos não víamos. Conversámos, embora de forma breve – eu estava quase de saída, ele ia a entrar -, sobre coisas comuns de “maratonas” europeias em que havíamos participado, por mais de cinco anos.

Wolfgand Schussel é um homem cordial e agradável, sendo embora um negociador firme e determinado.  Uma noite, durante a presidência austríaca da União, era ele ministro dos Negócios Estrangeiros, foi-me difícil preservar interesses portugueses num acordo europeu com a Suíça, que a Áustria teimava em querer fechar, um pouco à nossa custa. Usava então, por regra, um vistoso “papillon”, adereço que largou, vá-se lá saber porquê, quando assumiu a chefia do governo austríaco. E é a propósito dessa ascensão que vou lembrar uma pequena, mas julgo que divertida, história, se bem que ligada a um tempo bastante complexo.

No início do ano de 2000, e após umas eleições legislativas na Áustria, Schussel foi indigitado para formar governo. Decidiu então coligar-se com um partido tido como de extrema-direita, o FPO, dirigido por Jorg Heider. Essa decisão provocou uma celeuma por toda a Europa comunitária, porque, para muitos, funcionava como um perigoso precedente, ao colocar um grupo extremista à mesa democrática da União Europeia. Recordo que esse “branqueamento” preocupava, em particular, os dirigentes franceses e belgas, que viam nisso uma caução à possível subida interna, respetivamente, do Front National e do Vlaams Blok. Mal sabíamos nós, à época, o que estava aí para vir, nos anos seguintes, em matéria de radicalismo conservador em alguns governos europeus…

Portugal tinha acabado de assumir a presidência da União Europeia e, quase imediatamente, fomos chamados a titular a pressão sobre a Áustria, em nome dos restantes “catorze” países, os quais, com “nuances” entre si, não se reviam na opção austríaca. A coligação acabou por concretizar-se, mas o governo de Viena não deixou de ser mantido sob forte pressão dos seus pares. Um dia se contará, com mais pormenor, o que foi esse complexo período e o modo como ele acabou por condicionar todo o arranque da nossa presidência.

A história que agora aqui anoto passa-se em Paris, no palácio do Eliseu, no gabinete do presidente Jacques Chirac, já em Março de 2000, quando a nossa presidência estava a finalizar os preparativos para o Conselho Europeu de Lisboa.

(Por uma mera curiosidade, e para mostrar o que pode ser a “deliciosa” vida negocial europeia, gostava de registar que essa escala em Paris fez parte do seguinte percurso de três dias: na véspera, eu tinha saído de manhã cedo de Dublin, para juntar-me ao nosso primeiro-ministro, António Guterres, na Haia, para uma reunião, à tarde, com o seu homólogo holandês, Wim Kok. Daí, saímos de carro para Bruxelas, para um jantar de trabalho com o primeiro-ministro belga, Guy Verhofstadt. Ainda nessa noite, fomos, de Falcon, dormir a Paris. De manhã, acompanhei António Guterres a um encontro com o presidente Jacques Chirac, onde se passa a cena adiante relatada, e tivemos um almoço oferecido pelo primeiro-ministro Lionel Jospin. A “coabitação” obrigava a esse duplo encontro em França. Depois do repasto de trabalho, zarpámos para Roma, onde reunimos, durante cerca de uma hora, com o chefe do governo, Máximo d’Alema. Logo de seguida, partimos para Madrid, tendo um jantar na Moncloa, com o presidente do governo espanhol, José Maria Aznar. Chegámos a Lisboa, no estado físico que imaginam, cerca da uma hora da manhã. António Guterres, que tem uma imensa resistência, estava “desfeito”, o que não impediu que tivéssemos revisto cuidadosamente, durante os voos, com Maria João Rodrigues e outros acompanhantes, o avanço negocial produzido por cada contacto. À chegada do Falcon ao aeroporto de Figo Maduro, eu disse a Guterres que ainda ia “beber um copo” ao bar “Procópio”: “Você é doido! Não está cansado?”, atirou-me, surpreendido. Respondi-lhe: “Claro que estou, por isso é que preciso de descontrair um pouco…”. E lá fui passar uns minutos pela minha vetusta tertúlia lisboeta.)

Jacques Chirac havia sido dos mais acérrimos defensores do regime de retaliações contra o novo governo austríaco. Desde o fim de Janeiro de 2000, o presidente francês por várias vezes interpelara telefonicamente António Guterres, incentivando-o a radicalizar a atitude dos “quatorze” contra a solução governativa engendrada em Viena. Por isso, apelava a uma grande pressão sobre os austríacos e queria que ela se projetasse em todos os atos públicos em que eles estivessem presentes.

Não nos pareceu, por isso, estranho que, naquela manhã de Março de 2000, nos cadeirões dourados que revestiam a sua sala de visitas do Eliseu, Chirac quisesse saber pormenores do primeiro-ministro português quanto ao modo como este iria gerir a “coreografia” do próximo Conselho Europeu de Lisboa, em especial a inevitável presença do chanceler austríaco Wolfgang Schussel no evento.


António Guterres não desejava, manifestamente, entrar em pormenores, contando, para isso, com a consabida capacidade portuguesa de improviso para salvar as aparências e o acto solene correspondente. Mas Chirac insistia: “António (soava: Antòniô), tu vas pas nous créer l’embarras de nous trouver sur la même photo avec Schussel !?”, como se o primeiro-ministro austríaco não fosse, desde há anos, um dos seus mais antigos companheiros de imagem em todas as cimeiras europeias. Guterres teimava, inteligentemente, em mudar de conversa e derivava para as virtualidades da Estratégia de Lisboa, que pretendíamos ver aprovada no Conselho Europeu. Mas Jacques Chirac teimava e acabou por concluir que, desta vez, não queria a tradicional “foto de família”, que recorda este tipo de reuniões.

Foi então que, a contraciclo com a obstinação presidencial, uma voz surgiu: “Monsieur le Président, il y a une solution très facile: on le met dérrière vous au moment de la photo. Comme ça, il vas sûrement pas aparaître dans l’image”, sugerindo implicitamente a manifesta diferença de altura física entre Chirac e Schussel.

A frase era de um assessor do primeiro-ministro português. Por um momento, a sala bloqueou. Chirac, cara fechada, voltou-se para a zona de onde o comentário surgira e inquiriu, com o olhar, quanto à identidade do respetivo autor. Recordo-me que, nesse curto segundo, olhei para António Guterres, um tanto à procura implícita de instruções sobre como reagir. O primeiro-ministro português deu então uma gargalhada forte e Chirac afivelou um condescendente sorriso, acabando por legitimar a abafada vontade da onda coletiva de riso que se seguiu. O assessor português havia descoberto a fórmula mágica, se não para nos resolver definitivamente o problema, pelo menos para nos vermos livres dele para o resto da reunião com Jacques Chirac.

Para a pequena história, diga-se que as coisas acabariam por correr em Lisboa sem quaisquer sobressaltos, com Jacques Chirac e Wolfgang Schussel a surgirem na mesma fotografia, através de um hábil “truque”, bem lusitano, que consistiu em incluir o presidente mexicano, Ernesto Zedillo, convidado para a abertura da cimeira, a quem Jacques Chirac não faria a "desfeita" da sua ausência. Daí não veio qualquer mal ao mundo... e nem foi necessário aproveitar a sugestão hábil do assessor português.

quarta-feira, setembro 28, 2016

David contra Guterres

Ontem, numa SMS trocada com um jornalista, escrevi: "há qualquer coisa fácil demais neste processo que me inquieta". Referia-me à acumulação de sinais positivos em torno da candidatura de António Guterres. Estava-me a parecer que quem se lhe opõe não iria ficar de braços cruzados perante a fantástica cavalgada vencedora que o candidato português estava a fazer, no quadro das votações indicativas no Conselho de Segurança. Quem me lê por aqui e por outros locais testemunhará que fui sempre muito prudente na consideração das hipóteses de Guterres, muito embora concordasse que a expressividade do seu destaque perante os seus adversários estava a tornar cada vez mais difícil que o jogo "fosse virado". Mas foi, como a emergência, agora anunciada, de Kristalina Georgieva, bem o prova.

O jogo volta à quadra inicial? Não volta. As votações em Guterres são um "património" muito importante e vai ser difícil revertê-lo. Mas a vice-presidente da Comissão Europeia, apoiada por setores importantes do Partido Popular Europeu, não sairia a terreiro se não tivesse as "costas quentes" e se não fossem minimamente fortes as perspetivas em que a sua ambição se apoia. Angela Merkel e Jean-Claude Junker, figuras cimeiras do PPE europeu - clube político onde também está o portuguesíssimo PSD - são os grande promotores da cartada Georgieva, que se diz que se terá voluntariado a este papel sob a promessa de, em caso de derrota, vir ser a candidata da Alemanha uma eventual sucessão de Junker na Comissão Europeia.

No dia 4 de outubro, quando o P5, os membros permanentes do Conselho de Segurança, tiverem de mostrar as cartas, isto é, revelarem quem vetam, tudo ficará mais claro. Veremos se terão a "lata" de afastar o candidato cuja qualidade relativa ficou bem patente neste processo, cuja transparência acabou por prejudicar os "trade-off" que tradicionalmente eram a regra do jogo. 

Nesse dia, verificaremos se David ganhou a Guterres. Refiro-me a Mário David, o antigo secretário de Estado do PSD que se sabe ser um dos "operadores" da candidatura de Georgieva, sob o impulso do governo húngaro desse expoente da democracia que é Viktor Órban. Claro que ninguém é obrigado, por mero patriotismo, a apoiar António Guterres. Mas parece poder haver alguma esquizofrenia no seio do PSD quanto a este assunto, que ganharia em ser de imediato clarificada: a linha oficial do partido afirma defender a candidatura portuguesa e um dos seus homens de mão no seio do PPE trabalha por Georgieva. Onde ficamos?

quinta-feira, abril 29, 2021

“O Mundo não tem de ser assim”


Ela aí está, com o belo título de “O Mundo não tem de ser assim”, uma biografia muito completa de António Guterres.

Um dia, já há uns bons anos, um dos autores, Filipe Domingues, disse-me ter tido a ideia, com um amigo, de fazerem uma obra sobre a vida do secretário-geral da ONU e antigo primeiro-ministro. Na altura, lembro-me de lhe ter comentado que o único trabalho sobre Guterres que existia, além de datado, ficava muito aquém do que era devido ao cidadão português que mais longe fora no mundo internacional, pelo que uma boa biografia de Guterres claramente que se impunha. E que, antes que alguém, lá por fora, avançasse com isso, era muito bom que se colocassem em movimento.

Para tal, disse-lhes, era vital que eles conhecessem o embaixador João Lima Pimentel, um grande amigo de juventude e que também havia sido colaborador próximo de António Guterres, o qual tinha uma imensidão de histórias sobre o amigo e que, além disso, poderia ser a chave para muitas portas se abrirem, a principal das quais era o próprio potencial biografado, o qual, à época, estaria ainda longe do projeto.

Com os autores, o João Lima Pimentel e eu tivemos uma longa conversa, durante um simpático jantar onde eu conheci aquele que seria o outro autor, Pedro Latoeiro, e em que ambos conheceram João Lima Pimentel. Esse foi, ao que recordo, o meu único contacto com os autores da obra, durante toda a sua feitura. Às vezes, ao longo dos anos que se passaram entretanto, perguntava ao Filipe Domingues como iam as coisas, que sempre teriam de demorar o tempo que este tipo de obras sempre leva.

Fico muito satisfeito por ver agora surgir o fruto daquele que deve ter sido um intensíssimo trabalho. Porque a vida não dá para tudo quando queremos, ainda só tive tempo de passar os olhos por alguns capítulos daquelas quase 700 páginas, densas de um tempo de Guterres que acompanhei, grande parte dele à distância mas, desde cedo, com atenção. Numa outra parte, relativamente curta, com alguma proximidade. Agora, mesmo sem ter lido o livro todo, não quero deixar de saudar um empreendimento que sei ter sido feito com grande rigor e entusiasmo. Como António Guterres merecia, aliás.

domingo, maio 01, 2022

Schröder e Portugal


Gerhard Schröder é, nos dias que correm, uma das figuras mais controversas da Alemanha. Administrador da Nord Stream AG, da Rosneft e da Gazprom, é visto como um “homem de Putin”, o que, no atual contexto, é, porventura, a “recomendação” menos recomendável.

Schröder foi líder dos social-democratas alemães e primeiro-ministro entre 1998 e 2005, numa coligação entre o SPD e os Verdes, então dirigidos por Joschka Fischer, que derrotou a CDU de Helmuth Köhl.

Na memória económica europeia mais liberal, Schröder é creditado como tendo sido responsável pela introdução de importantes reformas, que, para muitos, terão contribuído para um ciclo de prosperidade económica do seu país. Para a esquerda dos social-democratas alemães, porém, o tempo de Schröder é visto como o de uma forte descaraterização ideológica do SPD, um pouco ao jeito daquilo que Tony Blair fez com o “Labour” britânico.

As eleições legislativas de setembro de 1998 deram a maioria absoluta à coligação SPD-Verdes. O novo governo tomou posse em outubro e Schröder, como novo primeiro-ministro, veio a Lisboa, logo no início de novembro, visitar o seu homólogo, António Guterres, num périplo por todos os parceiros.

O principal dossiê europeu de Portugal era, à época, a negociação da programação financeira plurianual da União, a chamada “Agenda 2000”, que deveria passar a vigorar entre 2000 e 2006.

Desde há meses que me competia andar num incessante “shuttle” pelos vários Estados europeus, tentando “vender” a nossa perspetiva sobre a repartição de fundos. Como a Alemanha iria ter a presidência da União no primeiro-semestre de 1999, competindo-lhe então fechar a “Agenda 2000”, ela era, naturalmente, um dos nossos principais interlocutores.

Uma semana antes de Schröder visitar Guterres, eu tinha estado em Bona (é apenas no primeiro semestre de 1999 que a capital alemã se muda definitivamente para Berlim), chefiando uma delegação técnica. Os temas agro-alimentares eram então uma nossa importante prioridade. Já esqueci o que então “sabia” de trigo duro e de quotas de leite…

Schröder jantou com Guterres em S. Bento. Conheciam-se menos bem. Só trazia pessoas do seu gabinete, nenhum ministro ou vice-ministro.

Guterres, ao lado de quem eu estava sentado no jantar, disse-lhe ter sido informado por mim de que havia muito boas perspetivas de as pretensões portuguesas, no quadro das negociações da “Agenda 2000”, estarem a ser bem acolhidas pelo novo governo alemão. Os contactos que eu tinha tido em Bona iam nesse sentido.

Vimos Schröder ficar com um fácies fechado e, voltando-se para mim, inquirou:

- Falou com quem, em Bona?

Disse-lhe que tinha reunido no ministério dos Negócios Estrangeiros, com uma delegação de vários departamentos alemães. 

- E quem é que chefiava a delegação alemã?

A cena estava a ser algo surrealista! Expliquei que tinha sido o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Hans Von Ploetz.

Schröder voltou-se então para a sua delegação e, em alemão, em voz alta, pergunta: “Quem é esse Von Ploetz?”. De um extremo do seu lado da mesa saltou alguém para explicar, já em voz um pouco mais baixa, ao recém-empossado chanceler, que se tratava de um dos seus dois vice-ministros dos Negócios Estrangeiros, um diplomata de carreira. 

Guterres olhou-me com um discreto sorriso. Eu também estava divertido, mas mantinha-me impassível, a observar a cena.

O chanceler olhou para mim, através da mesa, e disse: “Quando é que pode voltar a Bonn? Este assunto tem de ser visto na chancelaria federal, não no AA” (abreviatura de Auswärtiges Amt, nome do MNE alemão).

(Note-se que a diplomacia alemã era dirigida pelo líder do seu parceiro de coligação, os Verdes, Joschka Fischer. Schröder tinha colocado “ao lado” de Fischer, como outro vice-ministro, um seu homem de confiança, Günter Verheugen. Semanas depois de entrar em funções, Verheugen, que eu conhecia de outras circunstâncias, tinha-me confidenciado que as suas relações com Fischer não eram as melhores. Dois anos mais tarde, Schröder nomeá-lo-ia comissário europeu.)

Olhei de viés para Guterres, que continuava a sorrir beatificamente, e respondi a Schröder, arriscando uma graça: “Até posso ir hoje à noite no seu avião, se tiver lugar para mim…”

Schröder deu uma risada e disse: “Não! Não é preciso! Marque depois uma data com o meu conselheiro europeu”, apontando para um tipo gordo e pesado, que viria a ser uma das “chaves” do nosso (por todos reconhecido) sucesso no compromisso final em Berlim, em março de 1999. Infelizmente, não me recordo agora do seu nome.

Dias depois, lá fui de novo a Bona. Com o meu novo interlocutor, fizemos uma revisão criteriosa de tudo o que havia sido acordado na reunião anterior. Ele disse-me que Schröder lhe havia recomendado que devia “ser tão simpático quanto possível, para tentar resolver o ‘problema português’ “. E foi-o.

No caminho de carro entre a chancelaria federal e a nossa embaixada, onde eu iria depois ter de explicar a um grupo de jornalistas portugueses a razão de duas idas a Bona em tão curto prazo, o meu telemóvel tocou. Era Von Ploetz: “Já sei que estiveste na chancelaria. Houve alguma novidade?”

Disse-lhe que não, mas percebi que ele estava “no escuro”. Naturalmente, evitei dizer-lhe que Schröder, em Lisboa, não sabia bem quem ele era. Para seu percetível contentamento, disse-lhe que ficara com a sensação de que o gabinete do primeiro-ministro me havia confirmado, no essencial, aquilo que, dias antes, ele combinara comigo.

Devo dizer que, nesse momento, senti uma satisfação interior: afinal, os alemães, com toda a sua fama de eficácia, ainda eram mais descoordenados do que nós.

Anos mais tarde, vim a cruzar Hans Von Ploetz, que entretanto fez uma bela carreira como diplomata, julgo que numa conferência em Baku, no Azerbaijão. Não resisti a relembrar-lhe esse episódio, de que ele se lembrava.

Schröder acaba de sofrer, há horas, pela boca do novo ministro alemão das Finanças, a ameaça de lhe cortarem os privilégios que ainda terá como antigo chanceler, tal a fúria oficial que está a cair sobre a sua cabeça, em especial depois de uma entrevista, um tanto arrogante, que deu ao “The New York Times”. Fala-se também de poder ser expulso do SPD.

Para o que aqui me importa, apenas recordo que Schröder se portou impecavelmente com Portugal, durante todo o tempo que pude testemunhar - da “Agenda 2000” às negociações institucionais europeias. O resto é lá com os alemães.

sexta-feira, setembro 16, 2016

Dominique Strauss-Kahn

Tenho à minha frente, num painel de debate sobre o futuro do euro, Dominique Strauss-Kahn. É muito interessante observar o seu esforçado regresso à normalidade pública, agora como consultor económico internacional. Depois do imenso escândalo que o envolveu, que arruinou as suas ambições presidenciais em França e mudou dramaticamente a sua vida, deve ter clara consciência de que é olhado de um modo especial. E isso sente-se.

Há duas notas que gostaria de deixar sobre Strauss-Kahn.

A primeira sobre o seu trabalho à frente do FMI. Relembro o que li num editorial do "The Economist", no auge do escândalo: "Whatever the man did, do not forsake his ideas: they are more important". Quero com isto relevar o espírito novo que Dominique Strauss-Kahn soube transmitir ao FMI, o modo como conseguiu modular a rigidez e a cegueira dos números, a insensibilidade social que marcou muitos dos "ajustamentos estruturais" liderados e impostos, no passado, por esta instituição de Bretton Woods. Os "developing countries" devem ter criado muitas reticências sobre a personalidade de Strauss-Kahn, mas é uma evidência que também não esqueceram o modo como ele soube adaptar positivamente a filosofia de atuação da organização. Além disso, vale a pena também ter presente a forma como Strauss-Kahn soube impor o FMI no quadro do G20, como conseguiu reforçar substancialmente os meios financeiros ao seu dispor, contribuindo também para um mais justo posicionamento relativo dos países emergentes no processo decisório dentro do Fundo. O mandato de Strauss-Kahn dentro do FMI foi um imenso sucesso, exceto o seu fim.

Apenas uma vez, e por breves minutos, me recordo de ter falado com Strauss-Kahn, nos momentos que antecederam um almoço oferecido por Lionel Jospin a António Guterres, em Matignon, creio que em 1999. Nem faço ideia do que falámos. Durante esse almoço, teve lugar uma cena algo caricata. 

A certo momento do repasto (aliás, recordo, com excelentes vinhos), achei que deveria transmitir ao primeiro-ministro português uma informação, que me parecia poder ser-lhe útil na sequência da conversa. Eu estava à esquerda de Jospin, que tinha em frente António Guterres, o qual, por sua vez,  dava a direita a Dominique Strauss-Kahn. Gatafunhei umas notas nas costas de um menu, em que devo ter escrito qualquer coisa do estilo: "Seria importante lembrar a Jospin que..." ou "A França não pode esquecer que..." ou outros comentários do género. Era uma nota para ser lida apenas por António Guterres, porque, lembro-me, tinha elementos algo sensíveis na forma como estavam apresentados. Dobrei o menu e, a um empregado de mesa que passava, pedi que o entregasse ao primeiro-ministro português, do outro lado da mesa. O homem terá entendido menos bem o que eu disse, deu a volta à mesa e passou a minha nota a... Dominique Strauss-Kahn, que estava precisamente à minha frente. 

A conversa entre Jospin e Guterres ia animada e eu não tinha a menor possibilidade de a interromper, para dizer ao ministro da Economia e Finanças francês que a nota não lhe era dirigida, mas sim ao seu parceiro do lado. Embaraçado, gesticulei discretamente para chamar a atenção de Strauss-Kahn, o qual, no entanto, se dedicava a ler, com toda a atenção, aquilo que eu tinha escrito, em letras maiúsculas, desejavelmente "for the eyes only" do meu primeiro-ministro. O governante francês deve ter percebido o essencial do texto. Quando acabou a leitura, Strauss-Kahn olhou para mim, esboçou um sorriso e passou o papel a António Guterres. Enfim, imprudências que se cometem... Não me sinto tentado a lembrar-lhe isso hoje.

terça-feira, maio 24, 2011

Ainda Strauss-Kahn

Pode parecer excessiva a insistência sobre o caso de Dominique Strauss-Kahn. A verdade, porém, é que isso mais não corresponde do que à importância que o assunto assume aqui em França, onde é objeto de comentários por parte de qualquer cidadão, no exercício daquilo a que Jean-Luc Godard chamava o "direito à impressão". Dando também razão à ironia clássica de Oscar Wilde segundo a qual "só as pessoas superficiais é que não julgam pelas aparências".

Hoje deixo duas notas, muito diferentes, sobre Strauss-Kahn.

A primeira sobre o seu trabalho à frente do FMI. Relembro apenas o subtítulo do editorial do último "The Economist": "Whatever the man did, do not forsake his ideas: they are more important". Quero com isto dizer que é da maior relevância conseguir preservar, na liderança que lhe irá suceder, o espírito novo que Dominique Strauss-Kahn soube transmitir ao FMI, o modo como conseguiu modular a rigidez e a cegueira dos números, a insensibilidade social que marcou muitos dos "ajustamentos estruturais" liderados e impostos, no passado, por esta instituição de Bretton Woods. Os "developing countries" podem ter muitas reticências sobre a personalidade de Strauss-Kahn, mas é hoje uma evidência que não irão esquecer o modo como ele soube adaptar positivamente a filosofia de atuação da organização. Além disso, vale a pena também ter presente a forma como Strauss-Kahn soube impor o FMI no quadro do G20, como conseguiu reforçar substancialmente os meios financeiros ao seu dispor, contribuindo também para um mais justo posicionamento relativo dos países emergentes no processo decisório dentro do Fundo. O mandato de Strauss-Kahn dentro do FMI foi um imenso sucesso, agora contrastantemente sublinhado pela tragédia pessoal em que está envolvido.

Apenas uma vez, e por breves minutos, me recordo de ter falado com Strauss-Kahn, nos momentos que antecederam um almoço oferecido por Lionel Jospin a António Guterres, em Matignon, creio que em 1999. Nem faço ideia do que falámos. Durante esse almoço, teve lugar uma cena algo caricata. 

A certo momento do repasto (aliás, recordo, com excelentes vinhos), achei que deveria transmitir ao primeiro-ministro português uma informação, que me parecia poder ser-lhe útil na sequência da conversa. Eu estava à esquerda de Jospin, que tinha em frente António Guterres, o qual, por sua vez,  dava a direita a Dominique Strauss-Kahn. Gatafunhei umas notas nas costas de um menu, em que devo ter escrito qualquer coisa do estilo: "Seria importante lembrar a Jospin que..." ou "A França não pode esquecer que..." ou outros comentários do género. Era uma nota para ser lida apenas por António Guterres, porque, lembro-me, tinha elementos algo sensíveis na forma como estavam apresentados. Dobrei o menu e, a um empregado de mesa que passava, pedi que o entregasse ao primeiro-ministro português, do outro lado da mesa. O homem terá entendido menos bem o que eu disse, deu a volta à mesa e passou a minha nota a... Dominique Strauss-Kahn, que estava precisamente à minha frente. 

A conversa entre Jospin e Guterres ia animada e eu não tinha a menor possibilidade de a interromper, para dizer ao ministro da Economia e Finanças francês que a nota não lhe era dirigida, mas sim ao seu parceiro do lado. Embaraçado, gesticulei discretamente para chamar a atenção de Strauss-Kahn, o qual, no entanto, se dedicava a ler, com toda a atenção, aquilo que eu tinha escrito, em letras maiúsculas, desejavelmente "for the eyes only" do meu primeiro-ministro. O governante francês deve ter percebido o essencial do texto. Quando acabou a leitura, olhou para mim, esboçou um sorriso e passou o papel a António Guterres. Enfim, imprudências que se cometem...   

quarta-feira, julho 20, 2016

Memória risonha de Bruxelas


Guardei comigo esta história. Nunca a contei por aqui. Agora, passados que foram mais de 18 anos, acho que o "embargo" já pode ser levantado.

Estávamos algures em 1998. Viviam-se os tempos delicados da negociação do quadro financeiro plurianual da União Europeia, para vigorar entre 2000 e 2006, a chamada Agenda 2000. Esse era, no momento, o nosso principal dossiê europeu. 

Um dia, uma delegação governamental portuguesa - constituída por Guterres, Jaime Gama e eu - foi a Bruxelas, para diversos encontros com a Comissão Europeia. Já não recordo o conteúdo substantivo dos trabalhos desse dia, mas lembro-me muito bem do episódio que vou relatar.

O presidente da Comissão, Jacques Santer, ofereceu um almoço, como era de regra quando um primeiro-ministro se deslocava à Comissão. Era comissário português João de Deus Pinheiro, que ficou sentado na mesa à direita de Guterres e à minha frente. O primeuro-ministro português tinha à sua esquerda Monika Wulf-Mathies, a poderosa comissária que tratava dos fundos estruturais - a razão da nossa visita. Do outro lado da mesa, em frente a Guterres, estava Santer, que tinha Gama à sua direita e eu do outro lado. À minha esquerda sentava-se o comissário britânico Niel Kinnock, por quem passavam alguns outros interesses nacionais que importava cuidar.

O almoço decorria num tom muito agradável, sem obrigar à abordagem conjunta de dossiês técnicos (embora bilateralmente não deixássemos de os tocar, com os nossos parceiros imediatos de mesa), que haviam sido detalhadamente tratados nas reuniões de trabalho. 

Santer era uma homem cordial e, com o evoluir do repasto, ia-se tornando mais prolixo e desinibido. Por isso, a conversa fluía solta, saltitando entre o francês e o inglês, o "franglais", que era então a "língua franca" das instituições comunitárias.

(Para contextualizar o que se segue, convém lembrar que o tema internacional da época era a possibilidade de Bill Clinton poder vir a ser destituído da presidência americana, por acusações de ter faltado à verdade no inquérito judicial sobre o seu "affair" com uma estagiária da Casa Branca, de seu nome Monica Lewinsky).

Num determinado momento, por um daqueles acasos que sucedem durante as refeições, um silêncio estabeleceu-se, por breves instantes, a essa animada mesa. (Os franceses têm uma expressão para designar esses raros momentos: "un ange passe"). Da minha esquerda, ouvi então Kinnock interpelar, cruzando a mesa, a sua colega alemã, sobre uma questão qualquer : "Monika! Did you...? Wulf-Mathies respondeu, creio que por um sim ou um não. George Santer fixou, à sua frente, o primeiro-ministro português, testemunha do diálogo, e resolveu "constatar", com uma pretendida graça: "Tu vois, Antonio! Nous aussi, nous avons notre Monika!". E deixou cair uma gargalhada, de visível contentamento com a "trouvaille" gracejada.

A mesa gelou. Deus Pinheiro, à minha frente, olhou para mim, numa cumplicidade de espanto. À minha esquerda, Niel Kinnock balbuciou, incrédulo: "No! He didn't say what I heard!". De soslaio, olhei para Monika Wulf-Mathies. Por um segundo, temi que um copo voasse da sua frente para a cara de Santer, comigo como provável "colateral casualty". Hábil, Guterres mudou rapidamente de conversa, tentando restabelecer a normalidade das coisas. O almoço terminaria minutos depois. Wulf-Mathies despediu-se rapidamente de Guterres e zarpou, porta fora. Pode imaginar-se como ficaram as suas relações de trabalho com Jacques Santer. Aliás, não por muito tempo. Meses mais tarde a Comissão Santer seria destituída de funções, por razões que não vêm a este caso.

Foi um momento embaraçante. Já testemunhei outros, mas este foi dos mais curiosos.

sexta-feira, setembro 09, 2016

Guterres na ONU

1. É muito positivo que António Guterres se mantenha na liderança das votações indicativas para a escolha de SG da ONU. Candeia que vai à frente...

2. É também muito bom sinal que tenha tido mais um "voto de encorajamento" e menos um de "desencorajamento".

3. Há que ter em atenção a evolução positiva, que se confirma, do candidato eslovaco e a sustentabilidade do candidato sérvio. Ambos são "da região" que era, à partida, tida como origem desejável do próximo SG.

4. O fator género parece estar por ora diluído, pelo menos no tocante à lista de candidatos em presença. 

5. A grande questão está em saber se, na próxima votação, os dois candidatos "da região" se aproximam ou não de Guterres. 

6. Se isso não acontecer, as hipóteses de Guterres sobem exponencialmente e, a menos que haja uma surpresa (veto russo ou chinês), ele será o próximo SG da ONU. É implausívrl, nessas condiçōes, que o veto surja de um dos três membros permanentes ocidentais.

7. Se tal aproximação, em matéria de encorajamentos, vier a acontecer, pode surgir a ideia de que se entrou numa situação de quase empate técnico. 

8. Nesse caso, e embora muitos observadores qualificados achem que já será tarde para tal, o surgimento "out of the blue" de um novo nome ganharia força. E esse nome é só um: a búlgara Kristalina Georgieva, vice-presidenge da Comissão Europeia, desbragadamente protegida por Jean-Claude Juncker nos últimos meses, sem que se tenha percebido bem se com o apoio discreto de que poderes europeus. Seria "da região"... e mulher! 

9. A contraciclo desta hipótese funciona o que se sabe ser alguma rejeição "misógina" em setores do mundo islâmico e não só, temerosos que uma SG mulher pudesse vir a forçar uma agenda com que não concordassem. Atendendo a que Georgieva só avançaria se tivesse a certeza do não-veto russo, só a China poderia protagonizar-se como grande obstáculo.

10. Espero estar redondamente enganado nas minhas preocupações e que o candidato português venha a ser o escolhido. Depois disso, mas só então, direi aqui o conjunto importante de razões pelas quais, para além da consagração dos méritos de António Guterres, considero que isso seria muito importante para Portugal e para a nossa presença no mundo.

sexta-feira, agosto 05, 2016

António Guterres


Continua a ser encorajante a votação obtida por António Guterres, agora no segundo escrutínio na corrida ao lugar de secretário-geral da ONU. O favoritismo que vinha do primeiro apuramento de resultados não se perdeu, mas o facto de terem surgido dois votos de "não encorajamento" tem de ser analisado com atenção.

Na primeira votação Guterres tinha tido 12 votos de "encorajamento" (agora teve 11), nenhum de "não encorajamento" (agora teve dois) e três votos "sem opinião" (agora teve dois). Se acaso pelo menos um desses votos de "não encorajamento" tiver tido origem num dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (os chamados P5), só uma reversão do sentido desse voto pode garantir hipóteses ao candidato português. Chamo a atenção de que um voto negativo de um P5 é um veto.

Mas, atenção! Os principais adversários de António Guterres não mostraram uma evolução favorável nas suas votações. Danilo Turk aumentou de dois para cinco os votos de "não encorajamento", Helen Clark de cinco para oito, Susana Malcorra de quatro para seis, Irina Bukova de quatro para sete. Apenas o sérvio Vuk Jeremic reduziu de cinco para quatro esses votos se sentido negativo. E os 11 votos de "encorajamento" de Guterres comparam com apenas oito para Malcorra e Jeremic, sete para Turk (tinha 11!) e Bukova, seis para Clark.

Este cenário, a meu ver, deixa ainda em aberto a possibilidade de surgirem novos nomes para juntar à lista de candidatos.

Uma pequena nota para o facto de se falar, nos "mentideros" da ONU, do lugar de secretário-geral adjunto poder vir a ser jogado num "trade-off" final.

domingo, dezembro 13, 2015

As pontes esquerda-direita

Marcelo Rebelo de Sousa referiu ontem, numa entrevista ao "Expresso", que, ao tempo em que era líder do PSD (1996-1999), tinha criado, com o então primeiro-ministro António Guterres, uma "miniestrutura de relação permanente", constituída por Isabel Mota e por mim, que "monitorizava o acompanhamento da política europeia passo-a-passo". É um episódio da "pequena História" que, porque revelado, vale a pena recordar.

Desde o início do seu governo, em 1995, António Guterres considerou importante ter o PSD "a bordo" para as grandes questões europeias. Embora com algumas "nuances", as posições dos dois partidos tinham largas similitudes no plano europeu e, muito em especial, ambas eram bem distintas, à direita, das do então muito eurocético CDS e, à esquerda, das do PCP (o Bloco estava ainda para nascer).

Recordo-me de uma reunião entre António Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa, no gabinete do primeiro, em S. Bento, algures em 1996, comigo e com Isabel Mota presentes, em que ficou estabelecido que ambos dialogaríamos com regularidade sobre as posições em temas europeus que pudessem ter implicações importantes para o país. O PSD não teria um "droit de regard" sobre as posições do governo socialista mas, nas principais questões, este procuraria consensualizar com o PSD, na medida do possível, aquilo que viesse a apresentar em Bruxelas.

Isabel Mota, hoje administradora da Fundação Calouste Gulbenkian, tinha sido secretária de Estado do Planeamento durante governos de Cavaco Silva e era uma especialista na matéria europeia. Eu tinha acabado de assumir funções como secretário de Estado dos Assuntos europeus, depois de ter sido subdiretor-geral do setor e, simultaneanente, representante adjunto de Portugal no "grupo de reflexão" europeu para a revisão do Tratado de Maastricht. Muitos anos mais tarde, em 2003, quando eu estava como embaixador na OSCE em Viena, ambos viríamos a encontrar-nos de novo numa "task force" que o governo de Durão Barroso criou para acompanhar as negociações do malogrado Tratado Constitucional europeu.

O meu antecessor na secretaria de Estado dos Assuntos europeus, durante os governos de Cavaco Silva, havia sido, durante uma década, Vitor Martins, um técnico altamente qualificado, que fez um excelente lugar político e com quem eu colaborara intimamente (entre 1986/88 e 1994/95). Quando o substituí no cargo, muitas pessoas ficaram surpreendidas pelo facto de eu ter confirmado, no meu gabinete, alguns dos seus adjuntos, circunstância que julgo quase inédita nas transições de governos entre a esquerda e a direita em Portugal. Alguns desses técnicos manter-se-iam até ao termo das minhas funções, cinco anos e meio depois.

O meu diálogo com Isabel Mota consubstanciava-se numa troca regular de informações, tanto mais que o PSD acompanhava os mesmos temas no âmbito do Partido Popular Europeu. Isso fez-se, em especial, durante as negociações do Tratado de Amesterdão, em que me coube o papel de negociador português, e do quadro financeiro da União para os sete anos seguintes, a "Agenda 2000", cuja coordenação negocial cabia, como era de regra, ao secretário de Estado dos Assuntos europeus.

Esse diálogo, que sempre vi como muito proveitoso, não evitou algumas pequenas "accrochages" entre o governo e o PSD sobre temas europeus, quase sempre tituladas por mim, pelo lado do governo. Recordo-me de pequenas polémicas na imprensa envolvendo Luis Marques Mendes, Pacheco Pereira e o próprio Marcelo Rebelo de Sousa. Com Isabel Mota, que me recorde, só tive uma troca pública de argumentos, aliás bem civilizada, no "Expresso", sobre a questão da regionalização, tema que ela combatia e em que eu defendia a posição governamental, com toda a convicção pessoal que consegui mobilizar na altura para o assunto - e que, agora confesso, não era muita.

Depois da saída de Marcelo Rebelo de Sousa da liderança do PSD, substituído por Durão Barroso, a minha interlocutora do lado do PSD passou a ser Maria Eduarda Azevedo. Devo dizer que construí um relação de boa amizade com ambas as minhas interlocutoras "laranja", que dura até hoje.

Creio que a revelação ontem feita por Marcelo Rebelo de Sousa trouxe para público, pela primeira vez, a existência dessa eficaz "ponte" europeia entre o governo socialista e o PSD, nos idos de 90. Uma relação que, nos últimos tempos do segundo governo Guterres acabou por ter algumas dificuldades, não apenas pela crescente crispação política interna, mas igualmente pelo facto das estruturas do PS, nomeadamente os seus deputados ao Parlamento europeu, serem, por esse mecanismo, como que excluídas desse diálogo. No período decisório sobre o Tratado de Nice, cuja negociação também titulei por parte de Portugal, o diálogo entre o governo e o PSD seria conduzido diretamente por António Guterres com Durão Barroso, acompanhados nesses contactos por Maria Eduarda Azevedo e por mim. 

Nos dias que hoje correm, quando o antigo conceito de "arco da governação" não atravessa as suas melhores horas, não é com certeza muito popular defender que PS e PSD devem manter, entre si, um diálogo regular, como polos naturais de alternância política que nunca deixarão de ser. Contudo, acho que o cultivo desse diálogo se deve manter para as grandes questões de Estado, muito em especial para a política externa e, neste âmbito, para os grandes temas europeus. Quanto mais não seja para constatatar divergências...

sexta-feira, novembro 07, 2014

Presidenciais

Presumo que Jaime Gama não vai gostar daquilo que vou escrever. Mas não posso deixar de fazê-lo.

António Guterres reúne unanimidade dentro do Partido Socialista para vir a ser o candidato presidencial apoiado pelo partido (e por largos setores fora dele). Numa inevitável segunda volta, parece dificilmente batível nas urnas, seja por quem for - e Santana Lopes é, a meu ver, a carta mais provável por que Passos Coelho vai acabar por puxar, quanto mais não seja para travar as ambições do "irritante" Marcelo Rebelo de Sousa. Toda a restante esquerda, com mais ou menos entusiasmo, acabaria por alinhar atrás do atual alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados, lugar em que Guterres se tem prestigiado.

Resta saber se a Guterres "apetece" mais Belém ou o palácio de vidro da 2ª avenida de Nova Iorque. Não estou minimamente "no segredo dos deuses", mas tenho para mim, conhecendo-o, que lhe agradaria mais o lugar internacional. Resta saber se a manutenção em aberto desta hipótese é, em termos de calendário, compatível com o "timing" ótimo para lançamento de uma candidatura presidencial. Quero com isto dizer que o eleitorado potencial de Guterres, e em particular o Partido Socialista, não pode ficar refém desta indecisão e que, prolongando-se a mesma, há que encarar tempestivamente uma outra solução, com vocação vencedora.

Neste caso, não tenho a menor dúvida: o nome de Jaime Gama é, "by far", aquele que me parece indiscutível como podendo encarnar uma candidatura presidencial de altíssima craveira. Trata-se de um dos mais qualificados e bem preparados quadros políticos de que o país hoje dispõe, tem uma grande notoriedade nacional e internacional, revela um equilíbrio e um sentido de Estado que pede meças a quem quer que seja, na nossa política doméstica.

Volto a dizer: não sei se Jaime Gama gostará desta nota, mas entendo que, se o momento assim o exigir, não poderá eximir-se a este dever, que não é só político, mas também é patriótico.

quarta-feira, julho 23, 2014

A pena do comissário

A cara de Jacques Chirac não era das mais satisfeitas. Tive o privilégio de assistir a algumas "cenas" do antigo presidente francês e, por isso, era muito evidente para mim que estava mal disposto, naquela manhã em que eu acompanhava António Guterres ao Eliseu. A única certeza é que não era nada que nos dissesse respeito, tanto mais que estávamos ainda longe dos dias em que nos havíamos de confrontar fortemente com a França em algumas matérias europeias.

António Guterres, que tinha uma muito boa relação de confiança com Chirac, detetando-lhe o "mood", inquiriu da razão dessa evidente irritação. Chirac permitiu-se a franqueza, perante um amigo, e, com aqueles gestos largos e dasajeitados com que alguns franceses grandes dão corpo físico às palavras (já De Gaulle era assim), deixou cair:

- É a Comissão, António. É essa "impossível" Comissão europeia!

Guterres ironizou: "acontece-nos a todos!". Mas Chirac continuava a agitar os braços, como se não precisasse de palavras para traduzir o que pensava. Alguma coisa importante havia "feito" a Comissão Europeia à França, nesse eterno duelo acrimonioso entre Paris e a burocracia bruxelense, que faz parte da história da Europa comunitária. Chirac esclareceu o que tinha sido e que acabara de saber: uma obstinação na recusa sobre um interesse francês, o qual, por definição, é sempre "essencial". Como Guterres tinha dito, não há país que disso não se queixe, mas a França não é um país qualquer...

Por fim, Chirac distendeu-se e comentou, com uma graça forte, sobre a qual já sorriu:

- Sabes, Antonio? Se houvesse uma só razão para reintroduzir a pena de morte, seria para ela ser aplicada a certos comissários europeus, e deu uma sonora gargalhada, contente em ter despachado o que lhe ia na alma.

Nestes dias em que, entre nós, se fala tanto da nomeação de comissários europeus e da famosa moratória guiné-equatoriana sobre a pena de morte, pareceu-me interessante trazer aqui, numa destas minhas histórias dos outros, uma conversa em que os temas se cruzaram.

Atenção

Aconselho a que não se alarguem muito em bocas sobre a ida de comentadores para cargos políticos. É que, como se prova, Cristo é useiro e ve...