A apresentar mensagens correspondentes à consulta guterres ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta guterres ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, março 21, 2024

Foi assim


Outubro de 1999. Na emigração, a arte de José Lello tinha conseguido dar ao PS três deputados, com o PSD a ficar com um, invertendo o que era habitual. Porém, nas contas finais das eleições legislativas, os socialistas só tinham obtido 115 deputados, com outros tantos para toda a oposição somada. Era o empate. A almejada maioria absoluta esfumava-se. Para o primeiro-ministro António Guterres, continuaria a ser necessário recorrer a complicadas negociações para aprovar as leis no parlamento. Como seria o caso de um orçamento, que necessitou do famoso arranjo do "queijo limiano".

Nas hostes socialistas, o ambiente era de alguma desilusão. Depois de uma década de "cavaquismo", em que a esquerda penara a bom penar, refugiada em Macau e em algumas autarquias, já a escassa vitória de Guterres, em minoria, em 1995, se bem que muito saborosa, tinha obrigado a recolher as ambições de moldar algumas políticas públicas ao programa do PS. Esse esforço de contenção de despesas, para conseguir atingir as metas para a entrada no euro, tinha desagradado a muita gente do PS. O resultado da eleição de 1999 ameaçava agora prolongar o "aperto do cinto".

Naquela noite de 1999, o João Paulo Bessa, um arquiteto (ele gosta de "arquitecto", com "c") que vive para o rugby e para as coisas desportivas em geral, entrou, façanhudo, no "Procópio". 

Na "mesa dois", o Nuno Brederode dos Santos filosofava cenários, em frente ao whisky. Recém-reconduzido como secretário de Estado, eu ia alimentando, em voz alta, a narrativa oficial de que, infelizmente, haveria que evitar aumentar o défice, controlando, por essa via, a forte dívida pública. Havia, por isso, a necessidade de continuar a limitar despesas, em algumas áreas, mesmo que incumprindo, aqui ou ali, com algumas promessas eleitorais.

Foi então que a voz do João Paulo, sentado num daqueles bancos aveludados a vermelho, recostado no varandim de madeira, de costas para o bar, explodiu, julgo que desta forma: "Porra, pá! Estivémos dez anos a sofrer as políticas 'dos gajos', sem nada poder fazer. Em 95, lá saiu o Cavaco mas vocês disseram logo: 'Ah! Pois é! Mas não se pode fazer nem isto nem aquilo'. E nós, durante estes quatro anos, a ver o tempo a passar e as coisas a não se fazerem. Agora, o PS continua a governar, mas volta a não ter maioria e, mais uma vez, o teu governo vem dizer que continua a não se poder fazer o que foi prometido. Eh, pá! Explica lá quando é se pode fazer alguma coisa! Primeiro era o Cavaco com as políticas do "Pê-pê-dê", agora é o Guterres com os cuidados para o euro. Porra, pá! Mas, afinal, quando é que se cumpre o programa do PS?" 

Não sei o que respondi ao João Paulo Bessa, comigo feito "situacionista", eu que até nem era do partido, nessa noite de 1999. A minha memória não cobre as conclusões desse debate, tido num lugar onde, como alguns diziam, alguns aculturavam "a via alcoólica para o socialismo". Só sei que, na noite de ontem, na mesma "mesa dois", já com o Nuno ali só em saudade, recordei ao João Paulo aquele episódio. E rimos todos um pouco, embora, para os ocupantes da "dois", o tempo esteja, por estes dias e noites, mais para sorrisos amarelos.

segunda-feira, janeiro 29, 2024

"Friends in high places"


Durante a negociação do Tratado de Nice, que Portugal chefiou no primeiro semestre de 2000, uma das questões mais polémicas era o tema das "cooperações reforçadas", da "integração diferenciada" ou da "flexibilidade", como lhe queiram chamar. Trata-se da possibilidade de um grupo de Estados poder adotar certas políticas dentro da União, sem que os outros os sigam. Para simplificar: modelos similares à moeda única ou ao acordo de Schengen.

Graças à genialidade criativa de Josefina Carvalho, a diplomata portuguesa mais competente que alguma vez conheci em matérias institucionais europeias, e que por sorte então me coadjuvava na chefia da negociação, colocámos sobre a mesa um conjunto engenhoso de propostas sobre esse assunto. Portugal foi mesmo a "vedeta" dessa discussão, que António Guterres titulou à mesa do Conselho europeu. 

Lembrei-me disso, este fim de semana, no hotel de Seteais, que, há precisamente 24 anos, ocupámos para um exercício de reflexão de dois dias, envolvendo os negociadores de todos os Estados membros, e que tinha aquele tema no centro da agenda de trabalhos.

Por essa altura, algumas delegações revelavam particular interesse pelo assunto e ajudaram-nos a desenvolvê-lo. Uma dessas delegações foi a finlandesa, dirigida por um homem magnífico, com uma serenidade ártica, o embaixador Antti Satuli, um bom amigo infelizmente já desaparecido. Antti era coadjuvado por um diplomata muito jovem, entusiasta, inteligente e imaginativo, quase "latino" na atitude, que tinha com a nossa delegação uma relação de grande cordialidade e colaboração. Chamava-se Alexander Stubb. O tema da "flexibilidade" apaixonava-o. 

Em 2002, já eu estava colocado em Viena, envolvido em outras tarefas, recebi um pedido de Alexander Stubb pedindo-me para poder usar um artigo sobre o tema da "flexibilidade", que eu tinha publicado, em tempos, num jornal estrangeiro. Queria utilizá-lo num livro que ia publicar. Acedi com gosto e, meses depois, Stubb enviou-me o livro, editado em inglês, com uma carta muito simpática. Trocámos, depois disso, um ou dois emails e, como é da regra da vida, fomos perdendo o contacto.

Eu, contudo, não o perdi de vista. Ao longo dos anos, vi-o ser, sucessivamente, deputado europeu, ministro dos Assuntos Europeus, ministro das Finanças, ministro dos Negócios Estrangeiros e primeiro-ministro. 

No domingo passado, Alexander Stubb ganhou a primeira volta das eleições presidenciais na Finlândia, sendo muito possível que, daqui a dias, venha a ser o próximo chefe de Estado do seu país. 

Agora, por uma qualquer razão, veio-me à memória o título de um conhecido livro do jornalista britânico Jeremy Paxman: "Friends in high places"...

terça-feira, janeiro 02, 2024

Zé Vera


O meu amigo José Vera Jardim faz hoje 85 anos. Não sei quando nos conhecemos, apenas sei, de certeza segura, que não foi no MES. É que, bem antigo "compagnon de route" e de profissão de Jorge Sampaio, o Zé recusou sempre o epíteto de ex-MES, afirmando, com irritante soberba: "Eu nunca fui ex-MES, porque nunca fui do MES". Entrámos um dia juntos nessa bela e esperançosa aventura que foi a governação Guterres e aí consolidámos uma amizade e um companheirismo que guardamos para sempre entre nós. Com ele ministro, fui visitá-lo ao Terreiro do Paço. Do seu gabinete, olhávamos a praça. A certa altura, disse: "Olha! Vai ali um órgão de soberania". E apontou para um tipo que passava, com ar imponente. Esclareceu, com uma risada: "É um juíz". O Zé é um espírito livre como muito poucos que conheci, pensa pela sua cabeça, mesmo que isso signifique poder, às vezes, contrariar os amigos. Essa plena liberdade, que é um seu lema de vida, usa-a na intervenção institucional, a que se dedica com empenhamento, para assegurar, entre nós, a saudável coexistência das diversas religiões. Tem um humor magnífico, uma cultura soberba, onde brilha uma costela filo-germânica que vem sempre ao de cima. Há uns anos, a morte da Maria Amélia trouxe-lhe uma sombra de tristeza que nunca mais saiu do seu olhar. Por décadas, ambos fizemos parte da tertúlia do Procópio, sob a batuta do ímpar Nuno Brederode Santos. Nos últimos tempo, às vezes, ainda por lá regressamos à antiga Mesa 2, num "remake" esforçado, qual Mesa 2.0 . Por muitos anos, almoçámos quase todas as semanas num grupo que a pandemia e a saída de cena de alguns convivas espantou, mas que, às vezes, ainda se junta no Pátio Bagatela. Espero continuar a encontrar o meu querido amigo Zé, por muito tempo, por todas essas mesas de uma amizade que, tal como nós, está cada vez mais orgulhosa da sua velhice. E, se a sorte nos correr de feição, também espero comemorar com ele, em 2024, algumas vitórias políticas e desportivas em mundos que, com muito orgulho, partilhamos.

sexta-feira, dezembro 29, 2023

quinta-feira, dezembro 21, 2023

Não resisti


Hoje, estive no Europarque, em Santa Maria da Feira. Uma vez por ano, participo no almoço de Natal organizado por uma das empresas a que continuo a prestar a minha colaboração profissional, neste caso, há mais de uma década. Por ali esteve ontem mais de um milhar de pessoas, dentre as muitas dezenas de milhares que essa empresa portuguesa emprega pelo mundo.

À entrada do Europarque, não resisti. Como quem não quer a coisa, fiz-me perdido e, por alguns minutos, andei por salas onde, há 23 anos, trabalhei muitas horas para poder ajudar a concluir, com êxito, o Conselho Europeu de Santa Maria da Feira. Com António Guterres, Jaime Gama, Joaquim Pina Moura, Maria João Rodrigues e tanta e tanta outra gente que construiu a presidência portuguesa da União Europeia de 2000, recordei naquelas salas o muito que me esfalfei por ali.

Abri hoje portas que me recordaram reuniões complicadas, mas que tiveram imensa graça. Como as que tiveram lugar na sala que a imagem mostra, onde chefiei reuniões que me levaram muitas horas, mas que me deram imenso gozo. É que, para o bem ou para o mal, sempre gostei de trabalhar.

sexta-feira, novembro 24, 2023

Entrevista ao "Jornal Económico" (24.11.23)


- Para além da evidência do título, o que esteve por trás da elaboração de ‘Antes que me esqueça’?

Basicamente, foi a vontade de dar guarida, em livro, a relatos de memória que tinha juntado no meu blogue "Duas ou Três Coisas", nos últimos 15 anos. Não tenho quaisquer arquivos, papeis, registos. Apenas possuo uma memória que considero boa (já foi bem melhor, claro!) e, com ela, fui reconstituindo episódios que pessoalmente me marcaram, quer na vida diplomática, quer na passagem pelo governo, a qual, de certo modo, foi também um tempo diplomático, dessas quase quatro décadas. Assim, à medida que me recordava de factos e pessoas relevantes, ou que algum acontecimento os suscitava, elaborava textos e publicava-os, de imediato, no blog. Sempre num estilo completamente despretensioso e sem a menor preocupação literária. Criei assim uma espécie de "gaveta" de episódios e retratos. O "Antes que me esqueça" é, no fundo, um "best of" daquilo que, sobre a minha profissão, tinha escrito no blog. E tenho escrita uma imensidão de outras recordações (não gosto de chamar a isto memórias) que não excluo poder vir a publicar.

- A memória futura - é aí que, digo eu, o livro se inscreve - é uma forma de combater as fake news? Ou mais de explicar o passado recente de uma forma linear e inteligível?

Não tive um objetivo concreto ao fazer este livro. Não quis repor qualquer verdade que estivesse prejudicada por relatos falsos ou distorcidos. Procurei apenas dar um testemunho de cenas que testemunhei, quase sempre na qualidade de ator secundário, porque é esse o papel de um diplomata ou de um político "por empréstimo" como eu fui. Entendi que seria uma pena perder-se o registo de certos episódios, alguns dos quais, por vezes, contava a amigos, que me estimulavam a dar-lhes uma forma escrita. Mas - que fique claro! - não tive a menor pretensão de vir a fazer História! Admito que algumas coisas que coloquei no livro possam ajudar as pessoas a contextualizar certas questões internacionais de que ouviram falar. Em especial, estou seguro que talvez isso os ajude a compreender melhor, quer as tarefas dos diplomatas, quer, em especial, a lógica subjacente a certas tomadas de posição da diplomacia portuguesa. Mas, repito, sou muito modesto quanto aos objetivos deste livro. Longe de mim querer "to put the record straight".

- Até que ponto a diplomacia é, para além dos jornais e dos compêndios de história, um lugar onde as ‘fake news’ são um instrumento de trabalho?

A diplomacia apoia-se essencialmente em factos, embora não deixe de estar atenta ao fenómeno criativo que são as deturpações dos mesmos, que as "fake news" representam. Os diplomatas procuram sempre não se deixar apanhar por uma visão deturpada da realidade. O diálogo bilateral com entidades institucionais estrangeiras ou com os atores político-sociais dos países ajuda a evitar isso. É muito importante saber hierarquizar a qualidade das fontes e, a jusante delas, destrinçar a verosimilhança daquilo que nos chega. Da mesma maneira que o faz a "intelligence", é fundamental para o diplomata aprender a "recortar" as notícias para as transformar, posteriormente, em informação fiável. Passei a minha vida a tentar só usar coisas seguras e "checkadas", mas fui muitas vezes induzido em erro por aquilo que é a mais perigosa forma de "fake news", a informação "orientada", algo que, não sendo em absoluto falso e tendo em si parte da verdade, nos condiciona muito a interpretação dos factos. 

- A verdade, ou toda a verdade, é muitas vezes maçadora, pouco empolgante, descabida ou mesmo perigosa. A ‘razão de Estado’ é motivo suficiente para o seu encobrimento ‘diplomático’?

Esse é um tema muito sensível! O António conta tudo à sua mulher? Nunca contamos, sejamos honestos. E as nossas mulheres sabem disso! Também o público, o cidadão, tem a consciência de que o poder é, muitas vezes, "económico com a verdade", como dizia um político britânico. A questão está sempre no grau de abertura e transparência usado. Os brasileiros têm uma fórmula deliciosa: "o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde". Não estou a afirmar que haja sempre uma verdade visível e outra verdade escondida, mas é óbvio que há uma propensão oficial para dar conta do que corre melhor. É também por essa razão que, nas sociedades democráticas, deve haver um forte escrutínio público - pela oposição, pela imprensa, pelas estruturas da sociedade civil, pelo próprio funcionamento da separação de poderes. Mas há limites para a transparência? Acho que deve haver. As questões de defesa, de segurança, de interesse nacional relevante (você perguntar-me-á: quem decide isso?) devem ser protegidas. Bom senso e sentido de Estado devem prevalecer. Às vezes consegue-se, outras vezes não.

- Dizem alguns que a diplomacia é um assunto demasiado sério para ser deixado das mãos amadoras dos políticos de passagem (necessariamente breve) pelo ministério da tutela. Subscreve esta ideia?

Não, de todo. Os diplomatas executam a política externa e, na maioria das vezes, são eles quem sugere o tipo de intervenção que o Estado deve levar a cabo, na sua ação internacional. Mas quem responde pelos resultados dessas ações, perante os cidadãos, são os políticos. São eles que são eleitos e removidos do poder. Por isso, é natural que sejam eles a orientar a ação do Estado. Nós somos uma espécie de guardiões do "fogo sagrado", que preservamos a continuidade da ação externa do Estado, a própria coerência dessa ação. Mas os políticos podem decidir fazer inflexões, às vezes roturas, e nós temos de aceitar. Podemos e devemos dizer-lhes o que pensamos, mas a última palavra é deles. Quando um determinado governo decidiu, em 2003, ofendendo a honra nacional, organizar a "cimeira" das Lajes, a diplomacia portuguesa teve de obedecer. E muitos de nós éramos contra. A esses políticos nunca foi pedido que mostrassem as "armas de destruição maciça" que os levaram a desrespeitar a ONU e o multilateralismo. E fizeram-no, usando o nome de Portugal. Porque tinham sido eles que tinham sido eleitos. Chama-se a isso diplomacia democrática.

- Do seu ponto de vista, quais são, na história contemporânea, os grandes momentos da diplomacia portuguesa? Timor-Leste faz parte da lista? Se sim, é capaz de aceitar que o jovem país não tem viabilidade, como quem diz ‘tanto esforço para nada?

Em democracia, a luta pelo direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste terá sido, de facto, o grande momento da diplomacia portuguesa. Foi uma ação que nos prestigiou, que nos deu "galões" internacionais no âmbito dos Direitos Humanos e que, de certo modo, contribuiu para aproximar os Estados que falam português, que criou lastro à CPLP. Devemos estar orgulhosos desse trabalho - e digo-o com todo o à-vontade, porque só muito indiretamente participei nele. Mas também, sejamos justos, foi importante para Portugal a tentativa de pacificação da situação em Angola, através dos Acordos de Bicesse, muito embora o processo, num tempo posterior, tivesse descarrilado. No resto, nestes 50 anos de democracia, a diplomacia portuguesa esteve muito bem nas suas passagens pelo Conselho de Segurança da ONU e nas presidências da União Europeia. E quer maior êxito do que ter António Guterres como secretário-geral da ONU?

Quanto a Timor-Leste, discordo, em absoluto, de si. Sou um fã de Timor-Leste, tenho grande admiração pelos timorenses, por Xanana Gusmão, por Ramos-Horta, pelo passado do bispo Ximenes Belo.

- A diplomacia ainda é o que vai salvar o mundo? Em Israel, na Ucrânia, no Iémen, nos Balcãs, etc.?

A diplomacia é uma ação de criação e desenvolvimento de pontes entre os povos, através de técnicos especializados para tal, os diplomatas. Atrás dos diplomatas estão os Estados, os decisores, os políticos. Nós podemos propor e forjar soluções, à luz da nossa experiência anterior, lida na História. Mas não fazemos milagres! Sem a existência da vontade política, não há espaço para a diplomacia intervir. Em todos os cenários de conflito que referiu, há soluções diplomáticas possíveis, mais ou menos agradáveis ou desagradáveis para as partes em litígio. Nós conhecemo-las todas. A questão é apenas haver condições para as "enforce", como se diz na nossa gíria.

- Qual é a diplomacia mais poderosa da atualidade? A chinesa? 

A diplomacia chinesa está muito atrasada face ao poder real que a China tem pelo mundo. Mas lá chegarão! São poderosas as diplomacias dos países poderosos. Se eles têm força, as suas diplomacias ganharão com isso. Eu costumo dizer que, em qualquer parte do mundo, um embaixador americano é sempre influente, não porque seja mais competente ou capaz mas, muito simplesmente, pela força que tem por detrás. Como um embaixador francês ou alemão na União Europeia. Difícil é conseguir ser relevante representando um país sem grande expressão de poder. E alguns diplomatas portugueses provaram e provam que isso é possível.

- Qual foi a personagem mais fascinante que conheceu na sua atividade profissional?

Confesso que não sou muito dado à "glorificação" dos meus interlocutores - ou, então, não conheci mesmo gente muito fascinante. Encontrei pessoas competentes, capazes, com visão, com carisma. já não fui do tempo de um Churchill, de um De Gaulle. Nunca tive o ensejo de me cruzar com Thatcher ou Mitterrand, nem conheci o Mandela. Falei, mas já tarde na sua vida, com uma figura por cuja visão tenho um imenso respeito e que teve uma grande importância na política europeia: Jacques Delors. Ainda vi Helmut Khol em ação, assisti a reuniões com Bill Clinton, Tony Blair ou Jacques Chirac, conversei com Gorbachev e com Arafat, falei bastante com Lula. Foi tudo gente com relevância para o nosso mundo. Quanto a portugueses, pude testemunhar o prestígio internacional de Mário Soares e de António Guterres.

- Quem foi o político mais importante com quem teve de lidar?

Quando exerci funções políticas, estava subordinado a uma hierarquia e os políticos "importantes" tinham como interlocutores pessoas que estavam acima de mim. Enquanto embaixador, os políticos não nos têm, em geral, por interlocutores, salvo para conversas sociais. 

- Porque é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros não é sempre atribuído a um diplomata do topo da carreira?

Em democracia, já aconteceu, por mais de uma vez, o lugar de ministro dos Negócios Estrangeiros ter sido ocupado por diplomatas do topo da carreira, embora sempre por períodos curtos. Mas, na minha perspetiva, essa não parece ser a solução que melhor protege as Necessidades, no equilíbrio interno dentro dos governos. O MNE ganha sempre, em força e relevância, quando a sua titularidade é atribuída a um político com poder no respetivo partido. E os diplomatas nunca têm esse poder.

(Texto completo da entrevista concedida a António Freitas de Sousa)

segunda-feira, novembro 20, 2023

Já se pode contar


Foi algures em 2015. As eleições legislativas portuguesas vinham aí em breve, a votação sobre o Brexit também, uns meses mais tarde. Nesse entretanto, o governo de David Cameron procurava, a todo o custo, garantir concessões da parte da União Europeia que lhe permitissem convencer o eleitorado britânico das vantagens de votar "Remain", no referendo com que, irresponsavelmente, os conservadores tinham aberto a "caixa de Pandora" da sua ligação à Europa. 

Algumas dessas cedências implicavam com interesses nacionais, porque se ligavam a temas de livre circulação e de direitos sociais dos cidadãos portugueses que viviam no Reino Unido.

Um dia, recebi um convite da embaixadora britânica para ir jantar, em "petit comité", com o então chefe da diplomacia de Londres, o "Foreign Secretary" Philip Hammond. 

Quando cheguei à embaixada e olhei os restantes convivas, percebi melhor o sentido da ocasião: ali estavam António Vitorino, o ministro Jorge Moreira da Silva e o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães. Vitorino e eu, por essa altura, aconselhávamos António Costa na preparação do programa socialista para as eleições legislativas, nas questões europeias e internacionais. 

Hammond foi muito claro: o Reino Unido contava com a ajuda de Portugal para obter certas garantias, com que pudesse mostrar ao eleitorado que tinha conseguido algumas novas "exceções" ao regime comum da União Europeia. 

Teve alguma graça ver o que se seguiu. Creio que António Vitorino foi o primeiro a falar e disse o que pensava sobre aquilo que nos era proposto. Eu, que não tinha minimamente coordenado com ele nenhuma posição, ecoei uma perspetiva basicamente idêntica. Ambos considerámos que Portugal não podia aceder às pretensões britânicas e creio que deixámos bem claro que, embora nenhum de nós tivesse qualquer mandato para falar em nome de um eventual futuro governo socialista, não iríamos nunca aconselhar que o nosso país viesse a aceitar o que nos era pedido. 

Hammond voltou-se então para os membros do governo do PSD presentes. E deve ter ficado desiludido: quer Jorge Moreira da Silva, quer Bruno Maçães, no essencial, concordaram connosco. 

Imagino que a embaixadora britânica, que talvez esperasse uma cisão esquerda-direita à volta da mesa, deva ter ficado algo desiludida com o resultado do repasto. 

E Hammond regressou a Londres, como no poema de Irene Lisboa: com uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma. De facto, poucos meses depois, o governo de António Costa manteve-se renitente em anuir às cedências que o Reino Unido desejava e que, a terem sido aceites, teriam afetado os interesses dos nossos concidadãos. 

Lembrei-me desta cena, ao ver o antigo primeiro-ministro David Cameron, agora transformado em ministro dos Negócios Estrangeiros, num derradeiro esforço de Rishi Sunak para "recentrar" o seu executivo, agora que se aproximam, a passos largos, umas eleições legislativas no seu país que, ao que tudo indica, podem afastar os conservadores e trazer de volta ao poder os trabalhistas.

É a vida, como diria António Guterres.

quinta-feira, outubro 26, 2023

Entrevista à CNN Portugal


As declarações de António Guterres e o conflito israelo-palestino.

Pode ver clicando aqui.

Entrevista ao "Diário de Notícias"



O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, foi acusado por Israel de ter quebrado a imparcialidade do cargo. Concorda com esta leitura? 

Não. Acho que a função do secretário-geral é defender os princípios da carta das Nações Unidas e o engenheiro António Guterres, ao dizer o que disse e da maneira como disse, não só sublinhou aquilo que eram os princípios básicos da ONU como dignificou o cargo. O engenheiro António Guterres, na questão da Ucrânia, também se colocou de uma forma que foi lida negativamente por Moscovo, precisamente pela mesma razão, precisamente porque decidiu lembrar aquilo que são os princípios fundamentais da ONU.

E agora foi Israel.

Na questão de Israel, da Palestina e do Hamas, Guterres disse duas coisas e só está a ser sublinhada uma. Disse uma coisa que naturalmente funciona bem aos ouvidos de Israel, que é a questão da denúncia da ação terrorista do Hamas e do caráter absolutamente inaceitável de ter atacado populações civis, ter morto civis de forma cobarde e, de forma cobarde, ter raptado civis que agora procura instrumentalizar. Mas também disse uma coisa que é uma evidência e que muitas vezes a cobardia e a complacência no plano internacional têm evitado dizer. Disse que isto não aconteceu do nada. Porque é preciso percebermos que o Hamas faz aproveitamento daquilo que é a radicalização da injustiça de décadas a que a população palestina tem sido sujeita. Tem havido, por exemplo, contra a vontade das Nações Unidas, a construção de colonatos na Cisjordânia.

É isso que está a ser usado contra Guterres...

Eu tenho o maior dos respeitos por Israel e mais do que isso, Israel é um país cuja existência não está em causa e não deve estar em causa pela comunidade internacional. Mas a segurança de Israel, para mim, não é superior à importância da segurança dos palestinos e da vida dos palestinos. E enquanto Israel tem um Estado para proteger os seus cidadãos, só a comunidade internacional, isto é, as Nações Unidas, pode proteger os palestinos. É um bocadinho irónico, devo dizer, ver Israel a acusar as Nações Unidas de falta de independência quando Israel não cumpre as próprias resoluções das Nações Unidas. E mais: se eu disser que sou a favor da existência do Estado de Israel com fronteiras definidas à luz do direito internacional, serei considerado um adversário de Israel. Porque Israel não aceita as fronteiras que o direito internacional lhe atribuiu.

Voltando ao papel do secretário-geral, Kofi Annan disse uma vez que tem que ter imparcialidade, mas isso não significa neutralidade. Concorda?

É evidente que o secretário-geral não pode ser neutral, o secretário-geral tem um problema histórico, que é ser a voz do Conselho de Segurança. E fora desse tempo em que é a voz do Conselho de Segurança, quando o Conselho de Segurança está bloqueado, o secretário-geral tem apenas que ecoar os princípios gerais das Nações Unidas, aqueles que vêm da Carta da ONU. Não é por qualquer razão que Boutros Ghali não foi reeleito secretário-geral da ONU. Não foi pela simples razão de que, ao defender os princípios gerais da Carta, se colocou contra um Estado, que eram os EUA. E, portanto, o engenheiro Guterres sabe que, ao dizer estas palavras, está a defender aquilo que são os princípios das Nações Unidas, que é a razão pela qual ele foi eleito. Como português, fiquei muito honrado por aquilo que ele disse e fiquei altamente marcado por aquilo que ele disse. Ele tem que ser isento, não tem que ser neutral de maneira nenhuma, porque só podia ser neutral se fosse amoral. E ele não é amoral. Nós aqui em Portugal, que o conhecemos bem, sabemos perfeitamente bem que os princípios e os valores são a coisa que Guterres mais acarinha.

Israel pede agora a demissão de Guterres. Tem força para o fazer?

Israel tem a mesma força que tem um país que incumpre com todas as resoluções de Conselho de Segurança. Quer dizer, é evidente que se amanhã os EUA, a França, o Reino Unido, a Rússia, a China ou alguns deles subscreverem essas mesmas posições, a fragilidade do papel do secretário-geral aumenta. Eu diria, no entanto, que o secretário-geral, neste momento, tem um mandato e que o deve levar até ao fim e que só honra às Nações Unidas a circunstância de ter um secretário-geral que foi capaz de levantar bem alto os princípios da Carta das Nações Unidas.

Na história das Nações Unidas só houve um secretário-geral que se demitiu, que foi logo o primeiro, o norueguês Trygve Lie.

Exatamente. E outro [Dag Hammarskjöld] morreu num acidente de avião, provavelmente num atentado, no Congo. Mas houve outro que não viu o seu mandato renovado, que foi o Boutros Ghali, porque se opôs aos EUA, que não o deixaram renovar o mandato. Foi um conjunto de declarações que basicamente pôs em causa o papel dos EUA. Em relação ao engenheiro Guterres, eu acho que só honra as Nações Unidas ter um secretário-geral que diga estas coisas, que são, volto a dizer, banalidades. Isto se o mundo não tivesse uma complacência há muito tempo estabelecida. Nomeadamente esta entidade que tem uma postura absolutamente medíocre no Médio Oriente que se chama a União Europeia, que só serve para pagar estragos feitos nas guerras e que é incapaz de ter uma posição comum e que hesita sempre entre uma grande complacência em face às questões de Israel e alguma sensibilidade moral face à Palestina e não consegue a partir daqui ter nenhuma decisão definitivamente satisfatória. E que ainda outro dia titulou, com as declarações da senhora Ursula von der Leyen, um dos momentos mais baixos da história da sua própria política externa. Eu acho que Guterres fez muito bem e Guterres não pode ser neutral e acho que o pedido da sua demissão por parte de Israel deve ter como resposta um encolher de ombros.

Para finalizar, penso que a frase de Trygve Lie, de que o cargo é "o mais difícil do mundo" estará na sede das Nações Unidas. 

O que Trygve Lie dizia, no auge da Guerra Fria e no início das Nações Unidas, era porque sabia que no próprio quadro do Conselho de Segurança e nos membros permanentes com o direito de veto havia países que têm posições completamente diferentes e leituras completamente diferentes. O secretário-geral tem que ser uma espécie de representante de uma conflitualidade e portanto, quando a situação, quando o Conselho de Segurança decide sobre uma questão que não importa de forma vital a qualquer membro permanente do Conselho de Segurança, o secretário-geral tem um imediato poder e um imediato poder que pode exercer. Agora, quando há membros do Conselho de Segurança profundamente envolvidos, é evidente que a sua situação torna-se impossível. Eu não excluo que a situação, a certo momento se possa tornar impossível para António Guterres, num cenário em que os EUA subscreverem as posições de Israel. Guterres tem que ter a confiança dos membros permanentes do Conselho de Segurança. Se não tiver essa confiança, eu espero que o Brasil, que tem a presidência neste momento, seja capaz de tomar posições que permitam encontrar um caminho comum.

susana.f.salvador@dn.pt



quarta-feira, outubro 25, 2023

Artigo que publiquei, há uma década, no "Diário Económico"


"Na minha vida diplomática, dei-me conta de que criticar a ação internacional de Israel obrigava sempre a um "disclaimer", implícito ou explícito, sem o que se erguia o risco de cair, de imediato, na jurisdição dos atentos polícias do espírito: cuidar em não poder ser acusado de anti-semitismo e nunca deixar de referir que o povo judeu foi vítima da violência nazi.

A ajudar a este temor reverencial soma-se, desde o primeiro momento, um racismo anti-árabe, que condicionou o discurso popular. Tutelados por regimes retrógrados, embrulhados em panejamentos que os indiciavam noutro patamar da civilização, os árabes são-nos mostrados como uma espécie de bárbaros, apenas desejosos de "deitar os judeus ao mar". Por isso, e porque não eram aceitáveis os métodos extremistas da Fatah ou o não são os das várias seitas em que a revolta palestiniana se balcaniza, aos olhos de muito mundo passou a "valer tudo" por parte de Israel, desde os assassinatos da Mossad ("extra-judicial killings", na linguagem eufemista das Nações Unidas) às incursões sem limite pelas terras vizinhas. Ninguém ousa lembrar que Israel se recusa a cumprir as resoluções que a ONU aprovou (já agora, sem oposição dos EUA), muito embora se levante um escarcéu se outros países procederem de forma similar (desde logo, o Iraque).

Durante a "guerra fria", Israel estava do lado "de cá" e os árabes do "outro lado", embora se soubesse que as coisas não eram bem assim. Os judeus eram o povo perseguido, rodeado de "facínoras" que aproveitariam o seu menor descuido para o esmagar. Por isso, para o ocidente, era de regra apoiar, sem limites, tudo o que pudesse ser apresentado em favor desse "enclave" não árabe, que "dava jeito" quando era necessário (sem que ninguém tivesse de "sujar as mãos"), por exemplo, para dar uma lição às ambições nucleares iranianas ou ver-se livre de alguns terroristas, esquecendo leis. É que, neste "racismo nuclear" que por aí anda, o Irão não pode ter a arma atómica, mas Israel está aparentemente "isento" da observância do Tratado de não-proliferação.

Os EUA, mobilizados pelo lóbi judaico, neutralizam toda a atitude que possa limitar a liberdade do Estado israelita. A Europa, com o ferrete da guerra a marcar-lhe a memória, vive entre piedosos protestos perante os "exageros" de Telavive e os negócios com a constelação dos governos árabes. Estes, com os conflitos entre si a prevalecerem hoje sobre a sua acrimónia face a Israel, vivem mais preocupados em fazer sobreviver os seus heteróclitos regimes do que se sentem mobilizados para a causa palestiniana.

O absurdo de tudo isto é que, se alguém se atrever a afirmar que Israel tem o indeclinável direito de ver respeitadas as fronteiras que lhe foram consagradas pelas resoluções da ONU, é imediatamente acusado de ser inimigo jurado do Estado judaico. E se ousar dizer que, em troca da segurança desse território, garantida, por exemplo, pela colocação de forças internacionais de paz, protetoras dessas mesmas fronteiras, Israel deve prescindir de quaisquer ambições territoriais e recuar na construção de colonatos em territórios que ninguém reconhece como seus, de imediato fica crismado de anti-israelita, provavelmente de anti-semita e, ainda com alguma probabilidade, sei lá!, de simpatizante nazi. Dei-me conta que não falei de Gaza. Para quê?"

Lembrei-me deste texto hoje, dia em que senti orgulho em ser diplomata português, ao ouvir as palavras de António Guterres.

sábado, setembro 16, 2023

Cuba e o G77


Nos últimos dois dias, falou-se bastante do G77, que teve uma reunião em Cuba, onde estiveram presentes António Guterres e Lula da Silva. Muitos se interrogaram sobre que diabo era isso do G77.
Vou contar uma história a propósito.
Em 2001, poucos meses depois de chegar a Nova Iorque para representar Portugal na ONU, e de ter sido eleito para a vice-presidência do Conselho Económico e Social (ECOSOC), fui aproximado pelo meu colega do Reino Unido, que ia deter dentro em breve a presidência do Conselho de Segurança, pedindo a minha ajuda para se organizar uma ação conjunta entre esse órgão e o ECOSOC.
Seria uma jornada de um dia, já não recordo sob que temática, que se me afigurava relativamente neutral e até interessante. Eu estava encarregado de desenvolver um conjunto de ações para dar visibilidade ao trabalho do ECOSOC e uma ideia dessas vinha mesmo a calhar.
Perguntei-lhe se a China estava de acordo, porque o peso do G77 (grupo de países do Sul, onde a voz de Pequim era influente) era essencial. Garantiu-me que sim, que todos os cinco membros permanentes não criariam dificuldades. Achei "fruta a mais", mas falei com o colega camaronês que presidia ao ECOSOC e obtive luz verde para avançar.
As primeiras sondagens tornaram-me otimista. Procurei o colega iraniano, que tinha considerável poder de mobilização para um potencial bloqueio no G77, que, sem mostrar grande entusiasmo, disse que, por ele, não objetaria. Mas advertiu-me: "Não faças nada sem falar com o Bruno!" E lá fui à procura do simpático embaixador cubano na ONU. Na semana anterior, tivera-o a jantar em casa com a mulher. Achei que estava "no papo". Pois isso!
Bruno Rodriguez foi encantador, como sempre, começando por me dizer, com aquela memória de elefante que se cria no mundo multilateral: "Sabes que essa ideia já não é nova?" Eu não sabia. "Mas tens alguma coisa contra a iniciativa?", perguntei-lhe. Expliquei que a temática me parecia inóqua, que os restantes membros permanentes não pareciam ir criar dificuldades, que alguns "key players" do Sul que já tinha contactado também não objetariam. Porém, a influência de Cuba no G77 era grande, pelo que precisava do seu apoio.
Bruno olhou para mim, para a minha "naïveté", e disse-me: "Tens de perceber que não é o tema a tratar que interessa, porque o que importa é quem o propõe. Se essa iniciativa vem dos britânicos é porque interessa "a los yankees" e, Francisco, se a ideia interessa a Washington não nos interessa a nós. E posso assegurar-te uma coisa: os americanos fariam o mesmo, se fôssemos nós a ter a iniciativa. Só que nós nunca o faríamos, porque consideramos importante que o ECOSOC fique imune às iniciativas do Conselho de Segurança, em especial se vindas de certos países. Por isso, tenho muita pena, mas não podes contar com o meu apoio". E a ideia foi "por água abaixo". Quando expliquei, com pena, ao meu colega inglês que não pudera ser-lhe útil, fiquei com a sensação de que não estava à espera de outra coisa...
O Bruno Rodriguez de quem falo nesta história é hoje, nem mais nem menos, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba. O mundo é pequeno.

Tentei explicar na CNN Portugal o que é o G77. Pode ver aqui

sábado, julho 22, 2023

Abertura


Roubo da página de António Guterres no LinkedIn esta sua fotografia de infância, a jogar xadrez. 

Olhando o tabuleiro, sou de opinião de que tem ainda muito jogo pela frente...

terça-feira, julho 11, 2023

Fronteira do Caia

O pragmatismo e o bom-senso fazem com que, no histórico das relações Portugal-Espanha, o equilíbrio de interesses prevaleça sempre sobre a tentação de cumplicidades ideológicas. Cavaco deu-se lindamente com González, tal como Guterres com Aznar. Se Feijóo vier a sair na rifa eleitoral, Costa saberá encontrar o tom certo.

quinta-feira, junho 08, 2023

Clima


Esta magnífica fotografia de António Guterres, a olhar do seu gabinete a poluição do ar em Nova Iorque, é bem reveladora da impotência do SG da ONU perante os obstáculos à implementação das medidas de proteção climática e, simultaneamente, da fragilidade do maior poder mundial.

segunda-feira, maio 22, 2023

Os 25 anos da Expo


Leio agora isto, em especial o último parágrafo, e, pondo-me no lugar do leitor, dei comigo a reagir: "Este tipo foi 10 vezes à Expo? É um "Expo-dependente", como António Costa, Mariano Gago e Manuel Maria Carrilho?". 

Ora eu, na realidade, só fui à Expo, como visitante, um único dia. Estas 10 vezes que vêm hoje referidas nas notícias representaram o acolhimento que me coube fazer a 10 ministros ou dignitários de outros tantos países, no respetivo dia nacional, com a cena dos hinos e do hastear das bandeiras, passagem ao filme de apresentação (que já sabia de cor) no Pavilhão de Portugal, com a Simoneta da Luz Afonso a ter de repetir a sua explicação, subida ao primeiro andar, um Porto ou um Madeira branco (eu pedia sempre um Douro tinto), ida para a mesa, débito de um discurso inventado sobre o país em causa e sobre a conhecida "excelência" das nossas relações bilaterais, seguido do ritual almoço "ex officio". Depois, ala que se faz tarde para o trabalho, porque ninguém o fazia por mim.

Foi uma belíssima realização, saída da genialidade de António Mega Ferreira e Vasco Graça Moura, com o apoio de Cavaco Silva e o empenhamento de António Guterres. O país gostou, os estrangeiros também, os erros de Sevilha foram evitados e lá está hoje o Parque das Nações, nome saído de um conselho de ministros, já no final da Expo, a que, por acaso, estive presente e no qual tive a ousadia de propor, com o resultado que se viu, o nome de "Parque do Oriente", por algumas razões que então adiantei, quando mais não fosse, para homenagear o estimável Clube Oriental de Lisboa...

segunda-feira, maio 01, 2023

O cheiro


Parece que a Ovibeja anda na moda. Ao que li, este ano, o governo não foi convidado para lá ir. A CAP, que parece que não gosta da ministra da Agricultura, terá deixado entender que a senhora não seria bem vinda. No entanto, como a CAP acha que aposta no futuro, entendeu por bem convidar o líder da oposição. Não, não convidou André Ventura, optou pelo "next best", por Luís Montenegro. Ah! E o presidente da República também lá esteve.

Sou pouco dado a cenas rurais, mas, imaginem!, até eu já fui à Ovibeja. É verdade. Há um quarto de século. Tinha estado numa visita oficial à Polónia, a acompanhar António Guterres, e, no regresso, ele disse-me: "Não vamos diretos para o  aeroporto de Figo Maduro. Antes, você vai ter que ir comigo à Ovibeja". 

E o Falcon, em que vínhamos de Varsóvia, lá foi aterrar ao famoso aeroporto de Beja. (A vida é estranha em coincidências: há quatro dias, também num voo que não era de carreira comercial, também vim de Varsóvia, mas para o aeroporto de Tires). Passei assim a fazer parte da restrita lista de pessoas que alguma vez na vida aterrou no aeroporto de Beja. Não guardei o diploma.

À chegada a Beja, esperava-nos o então ministro da Agricultura, Fernando Gomes da Silva. A CAP gostava tanto de Gomes da Silva como gosta da atual ministra. Isto é, muito pouco. E lá fomos os três para a Ovibeja. Aquela visita ficou-me na memória olfativa e auditiva. 

Olfativa porque uma feira de gado é um inigualável deslumbre para as pupilas. Entre bois, vacas, cabras, cavalos e porcos, pelo menos, venha o diabo e escolha o cheiro. Mas aquela foi também uma feira auditiva, porque, para além dos óbvios grunhidos que compõem o som ambiente, teve lugar, a certo passo, uma pequena cerimónia onde António Guterres e o então líder da CAP tomaram a palavra. Nesse momento formal, num palanque, fiquei colocado entre o agricultor-mor de serviço e o Fernando Gomes da Silva. 

Enquanto o homem da CAP se queixava ao primeiro-ministro, com palavras fortes, da ação do Ministério da Agricultura, Gomes da Silva (lembras-te, Fernando?) emitia, ao meu ouvido, sonoras imprecações, reagindo às críticas, às quais, contudo, não ia poder responder. Como a sua voz está muito longe de ser inaudível, fiquei com a nítida sensação de que o líder da lavoura devia estar a tomar nota daqueles pesados comentários. Eu, colocado no meio geográfico do potencial dissídio físico, cheguei a temer o pior.

Já bem ao final da noite, quando, finalmente, conseguimos chegar a Lisboa, e ainda antes de ir para casa, decidi ir beber um copo ao Procópio. Sentei-me na "Dois" e o Nuno (Brederode dos Santos) logo reagiu: "Estás a cheirar a qualquer coisa esquisita!". Expliquei que tinha estado numa feira de pecuária e que devia ser um odor a gado. Ele simplificou: "A mim cheira-me a merda, desculpa lá!"

25 anos depois, o Nuno continua a ter razão. A mim também me cheira.

domingo, abril 30, 2023

"A Arte da Guerra"


Esta semana, no "A Arte da Guerra", o podcast de temas internacionais do "Jornal Económico", converso com o jornalista António Freitas de Sousa sobre as queixas de Sergei Lavrov sobre António Guterres, o curioso empenhamento da Arábia Saudita na reentrada da Síria na Liga Árabe e as dificuldades no governo britânico, pela ocorrência de mais uma demissão ministerial.

Poder e ouvir aqui: https://youtu.be/tdykRB3l0xQ

quarta-feira, outubro 12, 2022

“Ucrânia - é imperioso sair da caixa”


Fez ontem cinco meses, publiquei este artigo no “Expresso”. Algumas coisas estão datadas e ocorreu a alteração de certas circunstâncias, mas, mesmo assim, hoje apetece-me relembrá-lo, porque o essencial não mudou e continuo a pensar exatamente o mesmo:

”Esta guerra já não é apenas entre a Rússia e a Ucrânia. É cada vez maior o envolvimento, através de ajuda militar e de sanções, de muitos países que passaram a ser parte, embora por ora não beligerante, no conflito. Em moldes todavia nunca comparáveis ao sofrimento da população da Ucrânia, as respetivas sociedades estão a começar a sentir as consequências do prolongamento da guerra.

Parece não ter sentido que os países envolvidos no apoio à Ucrânia fiquem a aguardar o resultado, cada vez mais duvidoso, de um processo negocial, aparentemente suspenso, entre Kiev e Moscovo. Há dimensões do conflito, como fica evidente na questão das armas nucleares, que vão muito para além da situação concreta da Ucrânia, embora com ela interligada.

António Guterres disse hoje que não parece haver condições para um cessar-fogo bilateral. Porquê? Porque entende que a Rússia pretende estabilizar alguns dos seus ganhos e não completou o cerco de isolamento que pretende fazer à Ucrânia pelo sul. E também porque o secretário-geral da ONU pressente que a Ucrânia, forte do apoio militar crescente com que conta reverter a sorte do conflito, avalia que as próximas semanas lhe podem trazer vantagens. Um dos dois contendores está enganado na sorte que o relógio lhe pode trazer, mas só no final se saberá qual.

É imperioso sair do impasse da situação no terreno. Os países ocidentais, mantendo-se sempre firmes no apoio que dão à Ucrânia - essa é, alías, a expressão essencial do seu poder neste contexto - deveriam abrir uma frente negocial direta com Moscovo. Um conflito que pode escalar para proporções (in)imagináveis não pode ficar dependente exclusivamente dos eventuais resultados de uma diplomacia ucraniana acossada pela agressão e pela expectativa ansiosa da evolução da situação militar no seu terreno.

O envolvimento negocial ocidental deveria, como é óbvio, associar plenamente a Ucrânia e ter no centro os seus legítimos interesses de soberania, mas igualmente não poderia deixar de ponderar as consequências económicas, e em breve também sócio-políticas, decorrentes do efeito “boomerang” das sanções e dos previsíveis problemas decorrentes da situação dos muitos refugiados que não poderão ainda regressar à sua terra . Há que ter consciência, e aparentemente ela parece não existir, de que o momento ótimo de consenso entre os aliados vai começar a diluir-se, por virtude dos efeitos do inevitável desgaste de vontade, em vários paises europeus.

O mundo que Vladimir Putin conhece é o da força. Ora o ocidente tem hoje, nas suas mãos, dois instrumentos negociais que podem ser decisivos para qualquer compromisso: a sua capacidade e determinação em poder continuar a armar a Ucrânia, colocando-a em condições de ir “empatando” a guerra, e o fortíssimo pacote de sanções, que, recordo, foi posto em prática por virtude da agressão russa, pelo que parte do qual pode ser usado como moeda de troca na hipótese de um eventual compromisso.

Macron mantém o número de telefone de Moscovo. Draghi deu sinais, em Washington, de que favorece um caminho de um diálogo exigente, sempre sob uma posição comum. Berlim, nesta sua fase hesitante, conta bastante pouco para ousadias. O jingoísmo descabelado de Boris Johnson ecoará o que Washington ditar. É nos Estados Unidos que reside a chave de um eventual novo tempo neste processo, pelo que compete aos europeus lembrar-lhes que é só deste lado do Atlântico que, por agora, continua a guerra.

A História mostra que, para pôr termo a um conflito, ou se derrota totalmente o inimigo (e a Rússia não é derrotável, enquanto potência, como sabe quem sabe destas coisas) ou se fala com ele para ir aferindo das hipóteses de um acordo. Pensar que o tempo corre sempre a nosso favor é uma ingenuidade perigosa.

terça-feira, outubro 11, 2022

O título


Um dia, numa conversa durante uma viagem de avião, comentei com António Guterres que estava furioso com a frase que um jornal tinha escolhido para título, de tudo o que eu tinha dito numa entrevista. Era redutora e distorcia por completo o que eu pensava. Guterres riu-se: “Aprenda, meu caro! Numa entrevista, a sua pior frase será sempre o título”.

Lembrei-me disto, ao ver a onda de críticas que hoje choveu sobre o presidente da República. Às vezes, basta uma frase menos feliz para ajudar à festa.

Carlos Antunes

Há uns anos, escrevi por aqui mais ou menos isto: "Guardo (...) um almoço magnífico com o Carlos Antunes, organizado pelo António Dias,...