sábado, setembro 30, 2017

É isto!

Uma excelente entrevista do ministro Augusto Santos Silva a Teresa de Sousa, no "Público". Esta posição de Portugal no debate europeu, naturalmente consonante com aquilo que António Costa disse há dias em Bruges, é, na minha opinião, a atitude mais responsável e em sintonia com os reais interesses nacionais. Trata-se de uma política que se nota que tem vindo a ser maturada no seio do governo e que apresenta, para quem acompanha com atenção estas coisas, algumas novas (e muitos corretas) "nuances".

Imagino que PCP e BE continuem a não se rever nesta perspetiva europeia. Outros setores soberanistas também não. Nada que espante. Contudo, posso crer que - politiquices conjunturais à parte - esta posição não cause dificuldades programáticas significativas a áreas responsáveis do PSD e do CDS. E, com imensa certeza também, ao presidente da República.

A política europeia, tal como desejavelmente a política externa em geral, deve projetar uma vontade maioritária do país, o que só ajuda a reforças a posição de Portugal na ordem internacional. Infelizmente, este não será nunca um tema comum no seio da "geringonça". É a vida!

Uma Graciosa surpresa


A quem interessar, aqui deixo o link para o meu blogue Ponto Come, onde insiro uma "crítica gastrófila" à Marisqueira José João, texto que ontem publiquei na revista "Evasões", distribuída com o "Diário de Notícias"e o "Jornal de Notícias".

sexta-feira, setembro 29, 2017

"Global Challenges"


Um belo debate, ao final da tarde de hoje, com Marina Costa Lobo e Jaime Nogueira Pinto, sobre o tema "The European Union between integration and nationalism", no âmbito de mais um curso anual "Global Challenges", do ISCTE. Alunos de mais de uma dezena de países, com troca de opiniões muito animada com a audiência, no final. 

A síntese deste debate ficou registada pelo engenhoso desenho de Daniel Perdigão, que a imagem mostra.

Os partidos e o poder autárquico

A democracia criada pelo 25 de abril entregou grande parte do exercício do poder político aos partidos. No pós-Revolução, as « internacionais » inundaram de dinheiro, através de disfarçadas fundações ou por outras vias, os seus protegidos no espetro político português, com isso vindo a fixar o essencial do leque partidário que aí está. Depois, o condomínio partidário encarregou-se de colocar o orçamento do Estado a financiá-lo, atento o monopólio consagrado na Assembleia da República. E assim chegámos aos dias de hoje.

Não sei se houve alguma racionalidade subjacente a esta opção, que aliás não se afasta muito de modelos congéneres lá de fora. É normal que, atenta a diabolização a que a ditadura sujeitara as forças políticas clandestinas, estas, logo que estruturadas em liberdade, quisessem garantir-se como os principais mediadores da vontade cívica dos cidadãos. E também pode ser compreensível que, tendo sido aprendida a lição da fulanização caciquista da I República, as forças políticas tivessem adotados mecanismos de proteção centralista, que evitassem o “rapto” da representação política por personalidades capazes de controlar os “sindicatos de voto”. A experiência, contudo, veio a provar que esse meritório objetivo nem sempre foi conseguido.

Uma coisa é certa: o monopólio parlamentar pelos partidos, no eixo de quem gera e gere os governos, criou entidades fechadas, sujeitas a regras próprias, feitas de mecanismos de cooptação que, como não podia deixar de ser, estruturaram aparelhos de capilaridade política. Nos partidos com ambições de governo, as “jotas”, as assessorias de governantes e a mão-cheia de lugares nas empresas públicas e no aparelho de Estado deram pasto às ambições carreiristas e aos “jobs for the boys”, e cada vez mais, “girls”.

Podia ter sido de forma diferente? A democracia não existe sem partidos e, com todas as suas disfunções, e contrariamente à opinião de alguns, acho até que o modelo funciona basicamente bem, desde que permaneça sujeito a “accountability” e a um forte e transparente escrutínio, nomeadamente mediático.

Domingo, vamos ter a possibilidade de escolher os nossos autarcas, um dos mais notáveis factores de democraticidade e proximidade política que o 25 de abril nos trouxe. Sei que não é simpático para ouvidos partidários ouvirem isto, mas entendo saudável que esta dimensão do Estado envolva, cada vez mais, cidadãos vindos de fora dos partidos – embora não necessariamente os trânsfugas deles. Olhando para a campanha que aí anda, não me agrada esta visível acaparação da vida autárquica pelas máquinas partidárias, numa espécie de “remake” daquilo que é uma eleição legislativa. Há mais vida cívica para além dos partidos.

quinta-feira, setembro 28, 2017

Clubite

Na história da democracia portuguesa, o envolvimento dos líderes partidários nas eleições autárquicas varia sempre na razão direta da expetativa que os protagonistas locais possam ter do efeito potenciador de voto desses mesmos líderes. Isso é válido para quem está no poder ou fora dele. E esse raciocínio é também relevante no que toca à convocação dos "barões" dos partidos, quase sempre chamados a "dar uma mão" na retas finais de campanha. 

Mas, neste caso, a pergunta pode fazer-se: Passos Coelho, com uma imagem de liderança fraca na oposição, será mesmo um "trunfo" para os autarcas do PSD? E Portas? Que sentido tem chamá-lo "a los tercios", agora que está num percurso empresarial que suscita reticências a muitos? 

A explicação parece óbvia. Passos ou Portas carreiam para os respetivos partidos muito poucos votos oriundos de fora desse seu universo partidário. Mas podem contribuir, num tempo de contagem desesperada de "espingardas", para mobilizar os votantes tradicionais dessas mesmas formações, gente que, por desânimo, poderia ter a tentação cómoda de ficar em casa. É o apelo à "clubite", à "camisola", ao "emblema", à fidelidade ao partido. 

Ontem, ao ouvir o desesperado e triste apelo aos "militantes e simpatizantes do PSD" por parte dessa figura patética de anti-carisma que é o seu candidato à Câmara do Porto, percebeu-se isso muito bem. Como se entende o esforço feito por Passos Coelho em apoio à sua candidata em Lisboa (aliás, sua escolha pessoal), a qual, já não conseguindo evitar a "banhada" histórica que irá ter no domingo, tentará (e é plausível que o possa conseguir, atenta a diferença abissal de implantação dos respetivos partidos) não sofrer a humilhação suprema de ser ultrapassada pela lider do CDS. E cada voto de cada militante "de carteirinha" conta para isso.

É que não é só no futebol que a "clubite" funciona.

quarta-feira, setembro 27, 2017

Blogs do ano


Acabo de saber que o "Duas ou Três Coisas" foi selecionado como um dos quatro finalistas na categoria "Política e Economia" no concurso "Blogs do Ano".

Satisfaz-me que este exercício solitário, iniciado vai para nove anos, sem uma única falha diária ao longo desse tempo, mereça esta atenção. E agradeço a quem a teve.

Agora, vamos a votos: quem quiser votar no "Duas ou Três Coisas" pode fazê-lo acedendo aqui.

Este blogue foi criado com o objetivo, simples e claro, de servir de espaço para comentários pessoais sobre o quotidiano, à luz do que vai surgindo na atualidade, chamando à colação algumas memórias - de episódios familiares, da minha profissão ou mesmo da política onde, há muito, passei. Aqui entre nós (que ninguém nos ouve...), quero confessar que, muitas das vezes, deixo por aqui algumas historietas mais como "gaveta" para delas me não esquecer do que com a finalidade de as ver lidas por uma ampla audiência.

Acabo, dizendo aquilo que me parece uma evidência: o tempo dos blogues desta natureza está a passar. Não só há hoje outras plataformas mais ágeis e atrativas, como sinto que a média etária dos leitores é cada vez mais elevada - e isso não é uma retrato com futuro. Por ora, vou mantendo este exercício. Quando um dia me der "na gana" suspendê-lo, fá-lo-ei. Sem angústias, sem nostalgias e, essencialmente, de bem com a vida - que é como gosto de me sentir.

Quem quer regueifas?


Hoje já não se ouve este pregão, mas ele era comum, há umas décadas, nas paragens do comboio, na linha do Douro. E, igualmente, da boca de uma senhora, com forte bigodaça, que sempre assomava à porta das camionetas do Cabanelas, à passagem por Valongo, nas viagens entre Vila Real e o Porto. Imagino que a circunstância dessas vendedoras trazerem as regueifas - um pão furado ao meio - enfiadas no braço provocasse hoje enfartes aos agentes da ASAE. Mas era assim, então, esse Portugal.

Há pouco, comi de novo regueifa, em Valongo. Dizem-me que agora só se fabrica ao domingo. E recordei aquele pão macio, de crosta estaladiça, que há que consumir em escassas horas, caso contrário torna-se "borrachoso" e sem graça. É como muitas coisas na vida...

A imagem? Não tem nada a ver com a regueifa, mas com o belo Outono que aí já está.

O candidato

O candidato que o PSD apresenta em Loures - a quem não repugna a pena de morte, a prisão perpétua e outras medidas de idêntico jaez, formalmente rejeitadas no programa do partido que lhe dá guarida - não ficou constituído arguido, depois da queixa de racismo e xenofobia que sobre ele havia sido feita pelo Bloco de Esquerda.

Ainda bem. Era só o que faltava que pudesse ter essa "medalha" de vitimização. Tal como Paulo Baldaia disse ontem no DN, só espero que ninguém caia na asneira de lhe pregar entretanto um par de estalos. É que uma "Marinha Grande" era mesmo o que lhe dava jeito para potenciar e coroar a campanha politicamente mais obscena que, em nome de um partido decente, com uma história democrática profundamente respeitável, como é o PSD, se assistiu desde o 25 de abril.

Não tenho a certeza de isso ir acontecer, mas, para bem da sociedade portuguesa e dos seus valores de tolerância, que são um magnífico património humanista que sempre nos caraterizou como povo, só posso desejar que esta inqualificável aventura política acabe naquilo que Marx qualificou como o "caixote do lixo da História".

À la Hopper


Estação de serviço de Vagos, há pouco

terça-feira, setembro 26, 2017

Eleições na Alemanha


Convidado pela TVI, conversei ontem com Judite de Sousa sobre o resultado das eleições legislativas na Alemanha.

Pode ser visto ver aqui.

segunda-feira, setembro 25, 2017

Portugal pensa que...

A maioria dos andares do edifício da Avenida Visconde Valmor onde, a partir de janeiro de 1986, data da nossa entrada para as Comunidades Europeias, estava instalada a Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, era num modelo de "open space", dividido por armários que davam uma muito escassa privacidade ao nosso trabalho. 

No meu caso, que nunca consegui estudar em cafés e que tenho dificuldade de me concentrar se ouvir o voo de uma mosca, aquele meu destino de trabalho, ainda por cima com uma acústica muito má, constituia um martírio diário. Por muito tempo, éramos só dois homens - o Alfredo Magalhães Coelho e eu - num "mar" de mulheres. E eu era o único diplomata, aliás o primeiro, da história do MNE, que estava sob a chefia de uma técnica não diplomata, coisa que, à época, era quase um escândalo - circunstância que, como é sabido, sempre encarei "na boa". Os telefones tocavam a toda a hora, as conversas à distância eram o pão nosso de cada dia e eu, para escrever qualquer coisa de jeito, ficava às vezes em casa a trabalhar. 

Um dia, entrou uma terceira figura masculina para o serviço, um jovem diplomata. Tinha acabado de ingressar na carreira, era bem falante, inteligente e articulado, embora um tanto arrogante. Talvez porque enebriado pela "glória" de ter ultrapassado as exigentes provas do concurso de admissão - naquela que é, a grande distância, a mais exigente prova de ingresso em toda a Administração Pública portuguesa - o jovem estava ainda "cheio de si". Costumo chamar a estes espécimens os "adidos plenipotenciários de primeira classe"...

Repito: era um elemento muito promissor, mas não tinha um pingo de humildade. Como dizia o meu colega (e escritor) Paulo Castilho, trata-se de gente que, de manhã, ao acordar, devem achar que o mundo teria de fazer uma ação de graças pelo privilégio deles existirem...

O rapaz falava alto, mandava bitaites de doutrina sobre questões várias no complexo universo das relações económicas externas da então CEE, área que tínhamos a nosso cargo. Para quem tinha muito mais experiência, técnica ou diplomática, o "espetáculo" diário do "puto" era um tanto irritante. Mas, um tanto à solta como então todos nós andávamos, acorrendo aos "incêndios" nesses primeiros meses da nossa aventura europeia, ele prosseguia, com alguma impunidade, o seu "show".

Um dia, tinha o rapaz pouco mais de um mês de casa, não pude deixar de ouvir uma conversa sua, em inglês, com alguém da embaixada holandesa em Lisboa, que havia telefonado a pedir uma informação sobre uma posição portuguesa. Foi então que o ouvi, também para espanto e sorrisos dos colegas em volta, num súbito silêncio que casualmente se criou, dizer: "Sobre esse assunto, é preciso que a Holanda tome bem nota da nossa posição, que é "crystal clear". Portugal pensa que..." e passou a desenvolver uma doutrina que estava muito longe de estar estabilizada entre nós e que era, muito simplesmente, uma dedução que ele próprio se permitia fazer, em torno de um tema em si muito complexo, que não havia sido sujeito à necessária arbitragem interministerial. O que ele fazia era uma irresponsabilidade. Não se dar conta disso, era uma evidente falta de maturidade profissional.

Estávamos todos siderados! Quando desligou o telefone, tinha a sala a olhar para ele. Eu, que tinha por ali um lugar de chefia, embora não o tutelando diretamente, era, com ele, o único diplomata no seio daquele serviço, no oceano de técnicos de várias especialidades que nos rodeavam. Não pude assim deixar de lhe mandar um amigável "Você está maluco?" O rapaz, que era pouco dado a recuos de modéstia, como a vida viria a demonstrar, aliás sem grandes vantagens para o próprio, tentou justificar a sua "performance" e a assertividade usada na conversa. Eu fui muito claro: "Vá já falar com a diretora de serviços e ponha-a a par do que disse aos holandeses". Foi. Veio de volta um tanto murcho. 

"Parece que o diretor-geral irá falar ao embaixador da Holanda, para explicar melhor o assunto", disse-me, horas mais tarde. "Melhor?", gozei eu. "Mas então na Haia não sabem já, detalhadamente, o que Portugal pensa?"...

domingo, setembro 24, 2017

António Costa Lobo (1932-2017)


Acabo de saber que morreu Antonio Costa Lobo. Foi um magnífico diplomata, um embaixador que cruzei várias vezes na minha vida profissional e de quem, no plano pessoal, me tornei amigo. 

Era um homem suave, educado, com uma graça muito subtil e uma fina inteligência. Olhava o mundo de uma forma realista, quase "possibilista", sem deixar de manter uma postura ética muito apurada, onde não fazia cedências. Creio que a fama de hesitante que alguns lhe colavam tinha menos a ver com qualquer dificuldade nas escolhas e, muito mais, com o seu permanente esforço em obter compromissos e tentar que o interlocutor fosse conduzido pela razão e menos pela instrução hierárquica ou pela pressão negocial. Nunca o vi deixar de ser firme naquilo que era essencial.

Em Paris, nas vezes em que por lá passou já na sua reforma, contou-me histórias deliciosas da carreira, onde chegaria a secretário-geral do MNE e a embaixador em Pequim, Moscovo e Londres, o que qualifica um percurso profissional. Depois de reformado, faria ainda uma carreira académica de mérito na Universidade Católica, atenta a sua particular qualificação na área do Direito Internacional Público, onde o multilateralismo o apaixonava.

Nunca tive coragem para lhe perguntar, ponderando a sua proverbial discrição, se era verdadeira a história, que sempre correu nos corredores das Necessidades, de que o "Lobinho" - como carinhosamente era referido entre muitos colegas -, quando encarregado de negócios em Havana, havia roubado uma namorada a Fidel de Castro. É pena, se não for verídica, porque era uma bela "medalha"...

Tive muita pena de não poder aceitar o convite que António Costa Lobo me fez, em 1989, para ser seu "número dois" em Genebra, onde então chefiava a nossa missão junto dos organismos internacionais. O convite terá surgido por virtude da experiência de trabalho em comum que havíamos tido, dois anos antes, aquando da Unctad VII - uma bela aventura, de algumas semanas, com o Frederico Alcântara de Melo, o Rui Felix Alves e o João Niza Pinheiro. 

Posso revelar que Costa Lobo, com Leonardo Matias e Paulouro das Neves, era um dos embaixadores com quem sempre lamentei não ter trabalhado em posto no estrangeiro.

Foi em 1976 que conheci pessoalmente António Costa Lobo, em Nova Iorque, onde ele era encarregado de negócios, quando José Manuel Galvão deixou de ser representante português junto da ONU. Anos mais tarde, em Lisboa, tive o gosto de o acompanhar na criação da Associação para Cooperação com as Nações Unidas em Portugal - sob o impulso do Carlos Eurico da Costa, com Rui Machete, dom José Policarpo e João Palmeiro, entre alguns outros.

Em 1994, aceitei o convite de Costa Lobo para membro do concurso para Conselheiros de Embaixada e do concurso de acesso à carreira diplomática, neste último onde estavam também Marcelo Rebelo de Sousa e Miguel Beleza.

É do processo deste último concurso que quero deixar uma história, verdadeiramente edificante, que nos atesta o caráter impoluto de António Costa Lobo.

Como secretário-geral, o embaixador Costa Lobo presidia ao júri. Como sempre acontece nestas ocasiões, as dúvidas dos examinadores sobre os candidatos a selecionar concentram-se, na parte final, num grupo muito pequeno de nomes. Havíamos hesitado muito, mas, finalmente, acordámos na lista dos excluídos, encabeçada por um determinado nome. 

Costa Lobo em nenhum momento utilizou a sua posição de secretário-geral para impor a sua vontade nas escolhas do juri - e podia tê-lo feito sem o menor problema. Recordo-me muito bem de que, quando, finalmente, as listas dos aprovados e dos excluídos foram finalizadas e assinadas, ele nos comentou, com a voz baixa e serena que era a sua: "É curioso, mas eu, praticamente, não conhecia nenhum dos candidatos a este concurso. Ou melhor, com uma exceção: conhecia o candidato que encabeça a lista dos excluídos". 

É assim que se comportam os homens de bem, como era o embaixador António Costa Lobo, que agora nos deixa. 

sábado, setembro 23, 2017

Afinal, quando é?

Estava um grupo sentado na mesa do Procópio, a meio dos anos 90. Três membros do governo de António Guterres, recém-nomeado, faziam parte da tertúlia, numa dessas barulhentas sextas-feiras. Eu era um deles.

Veio à conversa uma determinada política pública, de natureza social, e, perante uma reivindicação sobre a urgência na sua implementação, um dos nóveis governantes comentou que havia que dar mostras de contenção, que era irresponsável estar a "pedir o céu", que devíamos ser gradualistas nas nossas ambições.

Foi então que um menos contido membro do nosso grupo, um homem que desportivamente arquiteta a alegria da vida com voz grossa e gesto largo, que se havia entretanto juntado à "mêlée" da Mesa Dois, interpelou os governantes que por ali estavam, de copo à ilharga:

- Eh pá! Desculpem lá! Durante os últimos 13 anos, andámos a "levar porrada" do Cavaco, que se marimbava para tudo o que nós defendíamos. Nessa altura, pronto!, nada era possível e a malta tinha de amouxar. Agora que o PS chegou ao poder, porque o país estava farto das políticas "do gajo", surgem-me vocês a dizer que temos de ser "modestos", que não é prudente colocar excessiva pressão sobre um governo que "é nosso". Então respondam-me lá: quando é que podemos, sem qualquer limitação, pedir e obter financiamento para uma política que é necessária, justa e que o país compreende como essencial? É que assim não se percebe para que serve mudar de governo, a não ser para estarem lá vocês e não os outros? 

Às vezes, nestes tempos de Geringonça, lembro-me disto.

Passado presente


Foi ministro de Salazar (sim, de Salazar!) e académico prestigiado. (Creio que há apenas dois ministros desse tempo vivos). Cruzei-me com ele ao início da tarde de ontem, no Chiado. Só lhe posso desejar, com a maior sinceridade, uma longa vida nesta democracia que sempre tão generosamente o acolheu no seu seio.

sexta-feira, setembro 22, 2017

Estatística


Será esta a tradução rural do quadro de redução do nosso défice?

Diretas ainda?

No Brasil, noutros tempos, ficou crismada a expressão "Diretas já!". (Verdade seja que, nessa conjuntura de ditadura, não chegou a haver nem diretas nem "já").

Alguns partidos hesitam, como agora se vê com o debate interno no PSD, entre a eleição do líder em congresso ou através de eleições por voto direto dos militantes. 

O escrutínio em conclave tem a peculiaridade do resultado ser a conjugação da vontade ponderada das estruturas locais, somado ao "psicodrama" do evento, onde os tribunos levam teórica vantagem. No passado, todos fomos testemunhas televisivas desses curiosos embates no PSD, onde um partido "sulista, elitista e liberal" se confrontou com um aparelho mais provinciano e basista. Era um público "contar de espingardas", com grande mérito para o espetáculo e algum suspense.

O voto direto traz outras incógnitas e é bastante mais laborioso, implicando "circuitos da carne assada" por parte dos candidatos a líder. Trata-se, além disso, de um processo menos controlado. Pergunto-me se a ocorrência de um certo deslizar populista interno no seio do PSD, de que o racista de Loures é o exemplo mais preocupante, não poderá estar na origem deste recuo para formas de eleição mais aparelhísticas. Se for essa a razão, congresso já!

O discurso da América


Não partilho a visão de quantos se chocaram com o discurso de Donald Trump nas Nações Unidas. Nem entendo que alguma coisa do que afirmou possa ser lida num registo de escândalo. Aquilo que o presidente americano expressou no plenário da Assembleia Geral acabou por ser uma boa mostra do que é a agenda atual da sua administração, estabilizadas que foram algumas variáveis que o tempo obrigou a redefinir, a principal das quais, naturalmente, tem a ver com a Rússia.

A agenda americana começa a fixar-se na expressão arrogante do seu poder nacional perante o mundo, ao serviço da consagração de uma obsessiva diplomacia de interesses próprios. O "America first" significa a prevalência dos negócios sobre os valores, mesmo que isso coloque em questão algum património moral que os EUA, com altos e baixos, tenham conseguido historicamente criar. A dimensão multilateral dessa agenda será sempre feita "à la carte", seguindo essa poderosa lógica de interesses. Se há algo que "ganhamos" com Trump é a clareza, o fim dos eufemismos legitimadores com que, muitas vezes, vimos a América embrulhar algumas das suas políticas mais brutais, disfarçando o seu poder.

A candura com que Trump diz que cada país deve lutar pelos seus interesses, como os Estados Unidos se propõem fazer, é uma cínica falácia que esconde que, num mundo de poderes em competição aberta, não mediado por estruturas multilaterais que regulem a diferente capacidade de expressão dos interesses, o poder dominante é aquele que dita as regras do jogo. 

Nesta conjuntura, a Coreia do Norte dá a Trump um belo pretexto para revelar a matriz jingoísta do seu discurso. E permite-lhe juntar, no elenco de ameaças, os inimigos de Israel (o Irão e o Hezzbolah), sossegando de caminho uma assustada Arábia Saudita (a que Obama tinha voltado as costas), com a Síria, o Daesh e os talibã afegãos, com naturalidade, a comporem o resto do pacote da diabolização. Com esta agenda, o complexo militar-industrial tem assegurado o essencial do "procurement", em casa e nos balcões de venda externa de armamento. Venezuela e Cuba compõem o ramalhete dos ódios – terreno que, aliás, foi objeto de uma singular incursão ideológica no texto lido por Trump.

Um parêntesis para assinalar que ficou mais do que aberta a porta para um afastamento do EUA face ao laborioso compromisso nuclear com o Irão, nunca aceite por Tel-Aviv e por Riade. Isso pode abrir uma tensão nova com as potências europeias que nisso se empenharam, como Macron já expressou de forma clara. Mas a Europa, cuja unidade Trump despreza e teme, esteve praticamente ausente do discurso, que apenas se preocupou com uma vaga referência ao Reino Unido e à Polónia, bem como às tensões com Moscovo que, por via da Ucrânia, fazem fervilhar o seu Leste.

A Rússia, com a qual Trump sonhou um “deal” estratégico, com consequências no Médio Oriente, talvez mesmo à custa da Ucrânia, foi um tiro pela culatra face às intenções originais de Trump. Uma grande parte da América olha ainda para Moscovo pelo filtro da Guerra Fria e Putin seria sempre o mais improvável novo “amigo americano”. As trapalhadas com a Rússia revelaram-se o principal “faux pas” de Trump.

E a China, onde fica? Washington percebeu, de há muito, que o seu verdadeiro adversário estratégico se chama China. Sabia-se que era a China que preocupava uma possível administração Clinton e uma agenda tão “business-oriented” como aquela que levou Trump ao poder deu a isso um elevado grau de atenção. A lógica de abordagem do problema chinês era, contudo, diferente, entre Clinton e Trump. A primeira iria privilegiar o tecido de alianças económicas na região, através da Parceria Transpacífico. O segundo, indisponível para aceitar as concessões que o jogo multilateral implica, preso aos compromissos imediatistas da agenda protecionista que a sua base empresarial e laboral de apoio lhe impôs, foi por outro caminho. Um caminho mais confrontacional e muito menos confortável para os aliados americanos na região.

Conluio


Esta campanha autárquica veio confirmar, uma vez mais, o estafado conluio das televisões com os partidos políticos, que faz com que a tomada de imagens das açōes de rua seja sempre feita através de planos próximos, que, com o cenário de bandeiras por detrás, criam sensações de multidão que estão muito longe de existirem no locais.

A verdade das reportagens, que seria desejável levar aos espetadores, porque tem um real significado político, implicaria a execução de planos à distância, que transmitissem uma ideia mais real da dimensão das mobilizações. 

Há muitos anos que esta triste prática continua, ludibriando quem vê as reportagens nos noticiários. Isto é, todos nós, telespetadores e eleitores.

As Nações Unidas têm futuro


As Nações Unidas são uma "criação" americana, como já o havia sido a sua antecessora Sociedade das Nações. No termo da Segunda Guerra mundial, de que foi o mais destacado vencedor, a América considerou que um órgão regulador dos poderes à escala global seria a solução mais eficaz para a preservação da paz e da estabilidade. E convenceu disso o mundo. Claro que pretendia que fosse uma "pax americana", porque o "America first", lá no fundo, sempre sobredeterminou todos os gestos de Washington, o que, convenhamos, não deixa de ser natural.

A Guerra Fria transformou a ONU numa espécie de arena diplomática, com lugares marcados. O espetáculo principal tinha dois lutadores e acabou com a exaustão de um. As lutas secundárias foram, quase sempre, reflexo do prélio central, da Coreia ao Vietnam, do Afeganistão a Angola. Sob o ponto de vista do seu papel resolutivo de crises, a ONU passou por alguma obscuridade até à queda do muro de Berlim.

Mas, entretanto, a ONU não foi apenas isso. Na constelação das suas estruturas e agências, as Nações Unidas revelaram-se um formidável instrumento da História, na construção do sistema multilateral que hoje estrutura toda a ordem internacional. Foi nesse universo onusino que o "terceiro mundo" encontrou expressão institucionalizada depois da Conferência de Bandung, foi através dele que conquistas de modernidade, como os temas ambientais ou as grandes questões de desenvolvimento, encontraram o seu espaço, onde a defesa dos Direitos Humanos garantiu um terreno de prestígio, por maiores que sejam as limitações que ainda condicionam a respetiva implementação. 

Com todas as suas deficiências, o património – não hesito em escrever “moral” – das Nações Unidas não deixa de ser enorme e essencial para um ciclo importante do percurso da humanidade. O mundo deve imenso à ONU, isto é, deve congratular-se consigo mesmo por ter conseguido estruturar e manter esta instituição “do bem”.

Ao terem impulsionado a criação da ONU, os Estados Unidos geraram  um “monstro” que já não conseguem dominar, quanto mais não seja pelo facto da “ideologia” multilateral já não ser reversível na consciência universal. É-lhes possível, nos intervalos da sua história nacional em que a decência é raptada pela prevalência de uma agenda escandalosamente egoísta, bloquear a capacidade resolutiva da organização e enveredar pelo unilateralismo. Mas o resto do mundo continua lá, não dá a mínima mostra de deixar de acreditar em que aquele é o caminho – desde o acordo climático de Paris à proteção dos refugiados, passando por milhares de outros dossiês da modernidade civilizacional. 

As Nações Unidas não apenas têm futuro como são, elas mesmas, o futuro da ordem internacional. Um futuro depois de Trump, claro.

Carlos Antunes

Há uns anos, escrevi por aqui mais ou menos isto: "Guardo (...) um almoço magnífico com o Carlos Antunes, organizado pelo António Dias,...