domingo, julho 09, 2017

Fim de tarde na redação

- Ó chefe! Demitiram-se três secretários de Estado. Que título quer para abrir?

- Eh pá! Um que seja de pancada no governo, claro! E da de criar bicho! 

- Por eles se terem demitido?

- Sei lá! Para já, um porradão forte no Costa. Depois, logo se vê! Olha! E ouve-me já as reações da oposição, não te esqueças!

- Mas não havia uns deputados deles que também aproveitaram borlas de empresários?

- Mau, mau! Mas tu agora deste em funcionário dos gajos ou quê? Fogo à peça e deixa-te de ideias. Olha que o patrão anda a rever a lista de dispensas...

"O período Milu"


Ao rever hoje "Kilas, o mau da fita", o filme de José Fonseca e Costa, dei-me conta, pela primeira vez, que uma atriz que foi convidada a nele participar era Milu. 

No filme, Milu tinha 52 anos e ainda muita da beleza que a havia tornado uma grande vedeta do cinema português dos anos 40 - do "Costa do Castelo" ao "Leão da Estrela". Foi também ela quem lançou canções tão populares como "Cantiga da rua" e "A minha casinha".

Mas a razão por que me lembrei de Milu foi mais "corporativa". É que consta que, num certo tempo da vida do Palácio das Necessidades, muito antes de eu ter para lá entrado, Milu terá tido um "caso" com uma figura central daquela casa da diplomacia. E de tal modo a relação seria intensa que a dedicação dessa figura ao trabalho quotidiano do MNE se ressentiu fortemente por um certo tempo, com isso conduzindo a algum marasmo na ação do ministério. Por essa razão, esse tempo ficou por lá conhecido pelo "período Milu". Devo confessar que, olhando para a fotografia junta, sou facilmente levado a identificar algumas atenuantes bem atendíveis...

Será realmente verdadeira esta história? Bom, este é, pelo menos, um "mito urbano-diplomático" que sempre ouvi de colegas mais antigos.

sábado, julho 08, 2017

Senhor presidente, senhoras e senhores deputados!

Utilizo o vocativo de norma, que aprendi quando andei pela bancada governativa, para deixar expressa a imensa tristeza cívica que me deixa o facto de alguém (ou "alguéns") ter "bufado" para o exterior da Comissão parlamentar, em que foi ouvido o Chefe do Estado-Maior do Exército, o essencial do que foi dito, sobre uma matéria da maior delicadeza, num contexto que o respetivo presidente da Comissão havia previamente qualificado em absoluto como de "reservado".
Que tristeza!

À GNR

(Foto de Alcina Ribeiro/ página da GNR)

Há umas semanas, destaquei aqui um comportamento exemplar da GNR de Mangualde (como antes o havia feito em relação a uma ação da PSP de Vila Real). 


Hoje, em homenagem à corporação, deixo esta bela fotografia

Cansaço

Pode ser defeito meu, mas fica aqui a minha palavra de honra de que, quando chego a um canal televisivo e vejo deputados de dois ou mais partidos a discutir, qualquer que seja o tema, mudo de imediato de programa. Faço isso há muitos anos e não julgo ficar menos bem informado por virtude dessa atitude. É que a um comentador eu posso exigir independência, num deputado isso seria até estranho. Pelo que é para mim mais do que óbvio que essas figuras - salvo alguns, muito raros, mais heterodoxos - vão ali debitar apenas a receita partidária, com maior ou menor desenvoltura retórica. E eu, para tempos de antena, já dei!

No tempo dos gambuzinos


Houve por aí um tempo em que a América, no imaginário português, foi muito marcada (para além dos filmes, claro) pela influência das "Seleções do Reader's Digest" (escrevo "Seleções" sem "c" porque, à época, a única versão em português era brasileira).
Os EUA que as Seleções (era assim que dizíamos) nos traziam era um mundo feito de clichés otimistas, muito bem construído ideologicamente, com dois ou três artigos por número de pendor subliminar ou abertamente anticomunista, a que se somavam textos interessantes, que carreavam uma realidade sedutora, bem distante do cinzentismo do Portugal de então. (Já sei: e o "Meu tipo inesquecível, "Piadas de caserna", "Flagrantes da vida real", "Rir é o melhor remédio" e outras secções clássicas).
Hoje, ao encontrar na net esta imagem, recuperei por um instante "essa minha América", presente na publicidade inserida na revista, o retrato imagético perfeito do "American way of life".

sexta-feira, julho 07, 2017

Política externa

Há pouco, ao olhar as presenças na reunião do G20, lembrei-me de um episódio do género daqueles que a diplomacia guarda no chamado "segredo das chancelarias": o dia em que Portugal, país cuja dimensão económica o exclui naturalmente de uma presença nas reuniões do G20, foi aproximado por um certo Estado, que à partida estava com dificuldades para ser cooptado para a primeira reunião do grupo (em que merecia estar, diga-se). O objetivo era que "metessemos uma cunha" ao presidente Lula, figura então poderosa no cenário internacional, à luz da nossa particular relação com o Brasil, para ele ajudar a esse objetivo. Fizemo-lo discretamente, da forma e com a argumentação que entendemos mais adequada, Lula interveio, esse país acedeu ao grupo e, há momentos, lá vislumbrei o respetivo líder na reunião do G20. Chama-se a isto ter uma política externa global e ser respeitado internacionalmente pelos outros (por quem pede e por quem aceita o pedido). Poucos países com a nossa dimensão se podem orgulhar disto.

Exemplaridade cívica


Somos cidadãos de um país em que o quotidiano político-mediático, hoje “democratizado” pelas redes sociais, vive numa quase completa relativização dos valores, em permanente suspeição sobre tudo e sobre todos. Quase não há mérito que sobreviva ao innuendo recorrente, que, no fundo, mais não é do que uma forma pouco sofisticada de despeito e inveja. O destaque e o sucesso incomodam, estimulando as mais doentias teorias conspirativas.  Estranhamente, isso parece trazer, nos dias que correm, um conforto igualitário à sociedade. 

Há mesmo, na parapolítica das carreiras públicas frustradas, algumas autoproclamadas vestais éticas que fazem da má-língua impune o seu “fond de commerce”, tendo como “eleitorado” uma classe de ódios mesquinhos, que hoje pulula nas caixas de comentários. Dir-se-á que a caravana, não obstante, vai passando. Talvez, mas convenhamos que tudo isto diz bastante do estado de saúde cívica do nosso país.

Há dias, a Universidade Nova de Lisboa atribuiu a Artur Santos Silva o seu doutoramento “honoris causa”. Na altura, dei comigo a pensar que, apesar de tudo quanto atrás referi, há figuras cuja exemplaridade de percurso as mantém relativamente à margem da máquina medíocre do denegrimento. E, confesso, acho que Portugal deve ficar feliz por isso. 

Artur Santos Silva é, para mim, e desde há muito, a personalização discreta da ética na vida cívica portuguesa. Oriundo de uma família liberal do Porto, cedo foi educado no culto da liberdade. Passou brevemente pela política e, tendo decidido adotar a independência como modo de vida, prestigiou-se profissionalmente, vindo a ser o criador de uma instituição bancária de referência, tendo trabalhado ainda em gestão empresarial. Pelo caminho, não deixou de intervir na vida pública, a seu modo e de forma equilibrada, com permanente bom-senso, grangeando um raro respeito alargado. A cultura esteve sempre nos seus genes. Da Fundação de Serralves ao Porto Capital da Cultura (onde mostrou saber bater fragorosamente com a porta, quando isso se revelou imperativo), passando pela (sua) Universidade de Coimbra, Artur Santos Silva viria a titular com sucesso, na Fundação Calouste Gulbenkian, a presidência da mais importante instituição cultural do país,  numa conjuntura bastante complexa da respetiva existência. Pelo meio, ficou também a liderança da comissão para a comemoração do Centenário da República - uma vez mais, o culto da ética republicana que sempre foi a sua.

Artur Santos Silva pode, muito simplesmente, ser qualificado como um grande homem de bem. Lamento que o país, em alguns ciclos de atribuição de responsabilidades para a sua gestão coletiva, não tenha tido a sabedoria de o aproveitar nas mais altas funções de Estado. Portugal teria ganho bastante com isso.

quinta-feira, julho 06, 2017

Da vaidade alheia como arma

"Quer resolver o problema? Vá falar com ele." 

Eu tinha uma questão complicade entre mãos. Enquanto embaixador português naquele país, havia recebido um apelo de uma empresa nacional que estava a ser vítima de uma flagrante arbitrariedade, contra todas as regras, de um modo perfeitamente discriminatório. Constatei que existia uma manifesta má vontade contra esse investimento nacional, só passível de ser ultrapassado por via judicial, o que demoraria eternidades.

Durante semanas, tinha tentado tudo. Desde o ministério dos Negócios Estrangeiros daquele país até às autoridades locais, bem como o recurso a outros poderes fáticos, nomeadamente na área parlamentar. Sem sucesso. Tudo continuava num impasse, com o nosso pequeno empresário à beira de um ataque de nervos.

Um dia, tendo referido o assunto a alguém, foi-me recomendado que fosse falar com um determinado ministro. "Mas a pasta dele nada tem a ver com o assunto!", argumentei. "Isso não interessa. Mas é ele quem puxa os cordelinhos locais", foi-me respondido. Exauridos outros meios, decidi seguir o conselho.

O homem recebeu-me, muito cordial, interrogando-se seguramente sobre o motivo pelo qual lhe tinha pedido a audiência, que havia "embrulhado" junto do seu secretariado numa justificação muito vaga. Expliquei, com franqueza, o essencial do problema com que me debatia e, no final da minha apresentação, ouvi dele uma resposta compreensiva: "O assunto que me traz parece-me óbvio. A ser verdade o que me diz - e eu não duvido - é inadmissível o modo como a empresa do seu país está a ser tratada. Contudo, o meu ministério não tem nada a ver com essa área, como saberá".

Foi então que joguei a "cartada" que trazia preparada: "O senhor ministro tem toda a razão. O assunto nada tem a ver com o seu ministério. Mas tem tudo a ver com a dignidade e o nível da segurança jurídica, para o investimento estrangeiro, na região de onde o senhor ministro é oriundo e da qual é reconhecido ser, sem a menor dúvida, a mais saliente personalidade, no seio do governo de que faz parte. Ninguém neste país desconhece o seu peso político, a sua capacidade de influência, enfim, para ser muito direto, o seu poder. Se o assunto que aqui me traz lhe oferecer a menor dúvida quanto à legitimidade da pretensão da empresa, peço que o esqueça e não o incomodarei mais. Mas se acaso o senhor ministro concordar comigo na validade da questão que lhe apresentei - e vou deixar-lhe um dossiê com a documentação essencial - estou certo que o seu conhecido sentido de justiça não deixará de o levar a uma possível intervenção que permita ultrapassar o problema".

À medida que falava, fui olhando para homem e notei o crescente prazer com que ia ouvindo as minhas referências à sua força política e às "certezas" que eu tinha da sua sensibilidade às razões da justiça. Verdade seja que, se das primeiras eu não tinha dúvidas, já no tocante às segundas ele passava a partir de então a ser testado.

Para encurtar a história: o assunto resolveu-se, ao fim de um mês, a nosso contento, tendo a influência do ministro sido essencial e aquele (justo) interesse português sido atendido em pleno.

Jogar com a vaidade alheia é um expediente que as boas causas absolvem. Como creio ter sido o caso. Já as razões da justiça são bastante mais complexas, não fora dar-se o caso do nosso homem andar, por estes dias, em sérios embaraços com o sistema judicial do seu país.

quarta-feira, julho 05, 2017

Pontualidade


Faltavam 45 minutos para o meu compromisso em Campolide. Em regra, demoraria 15 minutos a lá chegar. Fui com tempo. "Esperto", ao ver a intensidade do trânsito na rua da Lapa, que indiciava já um "rush" sobre o Rato, "escapei" por Campo de Ourique. Mas nem uma agulha bulia, logo no meio da Sampaio Bruno. "Connaisseur" como sou, tentei ir dar aos Terramotos por uma via interna que eu cá sei. Qual quê! Nada, ninguém se mexia, pelos vários cruzamentos do bairro. Ao fundo de cada rua, viam-se filas perpendiculares de carros, sempre parados. Bom, para grandes males, grandes remédios: talvez por Alcântara e, depois, "fintar" os engarrafamentos pela Avenida de Ceuta. Ia já pela Maria Pia quando percebi que, por ali, também estava "perdido". Rumei de volta aos Prazeres e, claro, regressei a casa. Pontualmente. Cheguei precisamente à hora a que deveria arribar ao meu compromisso. Achei que, para comemorar, merecia um gin tónico, no jardim. E cá estou. A horas, claro.

Elogio das manhãs cinzentas




O dia acabou por se "ajeitar", como se diz na minha terra. Mas, ontem, ao sair de casa, de manhã, pairava sobre Lisboa um céu de cinza, um leve vento fresco, mesmo alguma humidade.

A nossa memória guarda coisas longínquas e, nesse instante, o que é que me veio à cabeça? Imaginem lá! Algumas "belas" manhãs de agosto, em Viana do Castelo, na minha infância.

O meu pai, nos verões, zarpava com a minha mãe e comigo, por umas três semanas, para Viana. Desde o dia imediato à nossa chegada até à véspera do regresso a Vila Real, as manhãs na praia do Cabedelo eram "sagradas".

Para mim, aquilo era um excesso de praia, atividade que, se matutina, nunca me entusiasmou por aí além. Era preciso levantar bem cedo, caminhar até à avenida, toalha sob o braço a embrulhar o calção de banho, embarcar numas camionetes a cair de velhas, vermelhas, da Auto-Viação do Minho, partir para a praia através da ponte e do Cais Novo. O cheiro "mecânico" daquelas viaturas está-me ainda no olfato, o arrascanhar do "meter da segunda", a meio da curva de 180° de entrada para a ponte, é um ruído que também me ficou.

Chegados ao Cabedelo, lá para as nove e meia, era habitual começar-se o dia de vilegiatura com um vento desagradável, arenoso. Eu procurava o refúgio da barraca, o meu pai forçava um passeio e, no seu termo, havia sempre um sinistro banho! A água, por ali, sempre foi frigidérrima, detestável, mas o meu pai obrigava-me a mergulhar, pelo menos uma vez. À medida que fui tendo direito a opinião, argumentava já com as constipações que aquilo podia criar (tentando por aí a cumplicidade da minha mãe), mas o meu pai contrariava-me com os efeitos salutares dos "pirolitos" de água salgada. Era uma guerra perdida, da qual só consegui "desertar" já na adolescência. Com sorte, havia pelo meio uma escapela ao "Raio Verde", para um Rajá, uma Invicta Cola ou um Ginger Ale (em Vila Real, sei lá porquê!, ainda não havia Ginger Ale). Aproximada a hora de almoço, lá vínhamos nós no percurso inverso, com banho a correr, porque a minha avó exigia tudo sentado, impreterivelmente, à mesa, à uma hora. Se bem me lembro, era uma canseira!

Porque é que a manhã de ontem me trouxe, então, uma memória positiva? Porque me recordou alguns dias em que, bem cedo, ao abrir-se a janela que dava para Santa Luzia, o meu pai constatava que estava tudo enevoado - e, em alguns dias (gloriosos!), até chovia!

O meu contentamento íntimo era então inversamente proporcional à irritação do meu pai, para quem a perda de um dia de praia era algo de terrível. Eu olhava-o, ansioso, da cama, temendo apenas ouvir o "isto ainda pode abrir...", que às vezes o levava a arriscar cruzar a neblina, connosco atrás.

Para mim, os dias ideais eram, então, aqueles em que ele concluia que "isto hoje já não se compõe!". Ouvir isso era uma benção: dava-me mais uma hora ou duas de cama e era a garantia de um dia de brincadeira lá por casa, com os meus primos, da "torre" (as águas furtadas) à "loja" (uma cave que conserva o cheiro a humidade desses tempos).

A imensa casa da minha avó é agora uma escola de música. Consegui, há tempos, visitá-la. E lá fui encontrar, na "loja", o cheiro, bem como a janela sobre Santa Luzia, que me deu tão deliciosos dias de névoa e preguiça.

terça-feira, julho 04, 2017

A Papuda

- ... e agora, se quiser, posso ir informá-lo à Papuda.

Aquele responsável político português, cujo nome me escapou para sempre, deve ter ficado espantado, do outro lado da linha, quando ouviu este meu final de frase.

- À Papuda? O que é a Papuda?, perguntou-me o homem, a alguns milhares de quilómetros de distância.

Eu estava, devo confessar, cheio de gozo. Embaixador no Brasil, desde há alguns meses que havia recebido instruções para praticar uma determinada "diligência", que envolvia um cidadão português. E, durante esse longo tempo, deliberadamente, não cumpri tais instruções. Fiz o chamado "veto de bolso". De Lisboa, as pressões começaram a chover, por várias vias, algumas das quais seguramente mobilizadas pelo homem, cujos telefonemas eu cuidava em não atender. E mantinha, sobre o assunto, um total silêncio. Estava, a bem dizer, no limiar da prática de uma infração disciplinar, ao não dar sequência ao que me tinha sido oficialmente solicitado. 

Mas eu sabia bem o que estava a fazer. A figura em causa estava sob forte suspeita de ter cometido um grave crime, por parte das autoridades policiais brasileiras. Isso mesmo me fora dito, "a título pessoal", com pedido de total confidência ("mesmo perante as suas autoridades"), por parte de uma figura cimeira do aparelho judicial brasileiro.

Ninguém, em Portugal, tinha a menor ideia de que essa pessoa era um potencial criminoso e, por essa razão, persistia-se na insistência de que eu tomasse uma iniciativa que a iria favorecer. Ora eu tinha dado a minha palavra de que não revelaria a ninguém, nem mesmo às minhas autoridades, as graves suspeitas que impendiam sobre essa pessoa, enquanto durasse o processo de investigação. Temia que, caso eu "abrisse o jogo" e revelasse a "Lisboa" as suspeitas existentes, algo pudesse chegar ao conhecimento do homem, que assim poderia precaver-se e frustrar a ação da justiça brasileira.A minha posição não era, assim, nada fácil. 

Numa manhã, porém, ao abrir o jornal, deparei com uma notícia: o tal cidadão português, com um conjunto de outras pessoas, fora detido sob acusação de crimes graves (tão graves que viriam, meses mais tarde, a levar à sua condenação a um cúmulo jurídico de dezenas de anos de cadeia). 

Foi então que liguei, "vingado", ao tal responsável político português. Seguramente com alguma ironia na voz, sintetizei o assunto e disse a frase com que abro este texto. Do outro lado da linha, a pessoa percebeu, finalmente, as (escondidas) razões da minha "indisciplina". Às vezes, não é fácil ser-se embaixador, podem crer.

Mas, finalmente, o que é a Papuda? É uma prisão de alta segurança, em Brasília. Lembrei-me da história ao ler, há pouco, que uma importante figura política brasileira - das várias com quem tenho fotografias sociais, neste caso ao tempo em que a pessoa em causa era ministro... - acaba de ingressar na Papuda.

É a vida!

O discurso

O discurso político é parte da ação política. Não a substitui, mas complementa-a, explicando-a e procurando torná-la percetível e aceite aos olhos dos cidadãos. 

Quando se exerce funções políticas, a regra (não escrita) é assumir um discurso afirmativo, com escassas dúvidas, transmitindo confiança às pessoas. Parte-se do princípio de que, perante a insegurança e as dúvidas naturais das pessoas, em face de situações que abalem o seu quotidiano, cabe aos dirigentes políticos oferecer uma direção, dar a ideia de que as coisas estão "em boas mãos". Se o cidadão delegou em alguém o exercício da autoridade e da gestão do Estado, é importante que esse mesmo cidadão, ao olhar para quem titula o Estado, encontre razões para atenuar por as suas eventuais inseguranças, ao ver que a governação aponta um caminho em que ele acredita.

Em tese, as coisas são assim. Mas a eficácia do discurso, junto de quem o ouve, nem sempre é garantida. Desde logo, isso acontece se alguns dos titulares políticos, na perceção própria de cada cidadão ou que nele foi induzida por setores críticos, perderam entretanto a imagem de um portador da confiança. Por maior simpatia que Constança Urbano de Sousa me mereça - e merece-me muita - tenho a sensação de que, perante a opinião pública portuguesa, hoje acontece isso com ela.

A segunda marca de um discurso ineficaz é a que é dada por uma afirmação de segurança que a realidade não acompanha. Azeredo Lopes foi, para mim, uma surpresa bastante positiva à frente da pasta da Defesa. Porém, o modo como tem reagido ao escandaloso roubo de armamento em Tancos é, a meu ver, menos adequado. Perante um país mergulhado em fortes dúvidas sobre a capacidade das Forças Armadas em guardarem as suas instalações, entendo que o ministro não deve e não pode assumir um tom "neutro", cheio de rigor "técnico", um fácies impassível. 

O ministro deveria ter acompanhado o sentimento coletivo, deveria ter-se indignado. A emoção faz parte da política: o cidadão que (como eu) se sente encandalizado perante a bandalheira a que (pelos vistos!) chegou a segurança dos paióis militares, quer ter um ministro a partilhar a sua indignação, solidário com o seu espanto, em sintonia com a sua exigência de responsabilidades, perante uma omissão que tem graves efeitos reputacionais na imagem do país.

O discurso, para ser eficaz, tem de ser credível. Às vezes, isso é injusto para a qualidade objetiva dos agentes políticos - como me parece, aliás, ser o caso -, mas é a vida!

segunda-feira, julho 03, 2017

Transições energéticas


Uma conferência imperdível, amanhã, terça-feira, dia 4 de julho, às 10 horas, na Câmara Municipal de Lisboa, com dois convidados "de luxo", sobre um tema da maior importância.
Mais uma organização do Clube de Lisboa.

Eu, a Leste

Na minha rua, há uma loja de produtos do Leste europeu. Hoje, passando pela porta, deu-me para entrar. Alguns pares de olhos com aquele tom de quem teve uma insónia leve, caras para mim algo inexpressivas, de sorrisos escassos, em cabeças loiras, olharam placidamente o "alien". 

Tenho um imenso respeito por quem veio, do outro lado da Europa, tentar a sorte da vida por aqui. Sou, de há muito, um assumido fã dessa imigração. (Sei que é "politicamente incorreto" escolher entre os imigrantes, mas eu assumo a discriminação). Tirando as máfias e os ricos abrutalhados, há uma imensidão de gente de bem oriunda dos países da antiga União Soviética que por aí vive, trabalhando no duro, com filhos nas escolas, muitas vezes falando português quase melhor do que nós (as sonoridades eslavas facilitam isso). Frequentemente - e volto ao simplismo impressionista e à sociologia de pacotilha que aduba as redes sociais -, alguma rigidez e imobilidade naqueles rostos pode causar-nos estranheza, chegando a induzir desconfiança em algumas pessoas. Quem trabalha no dia a dia com imigrantes do Leste diz-me que, passando essa barreira idiossincrática, que pode resultar nalguma dureza fruto das dificuldades da vida, estamos, em geral, perante gente determinada, trabalhadora, fiel aos seus compromissos. Há exceções? Há, como há, e muito, entre os portugueses.

Regresso à loja. Olhei as prateleiras com alguns produtos designados em cirílico e lembrei-me da graça que achava, aqui há uns anos, em fins de semana a errar por Paris, ao encontrar uma mercearia de produtos portugueses, coisas que por cá nunca me passaria pela cabeça trazer para casa.

(Um dia, numa loja perto da Porte d'Italie, a minha mulher surpreendeu-se ao ver-me apresentar, na caixa, uma garrafa de brandy Macieira 5 estrelas: "Para que é que compras isso? Não te estou a ver a beber brandy..." Comprei, claro. Nunca abri a garrafa, mas sabe-se lá se um dia me dá uma de saudade e bebo um cálice (ainda guardo alguns com aquela risca encarnada). Saudade de quê? De mim, nessa idade em que bebia brandy e não me fazia mal. É que, desses tempos de total impunidade hepático-digestiva, confesso, tenho insuperáveis saudades.)

Saí da loja de Leste sem comprar nada. Mas ainda olhei, concupiscente, para um vodka. Mas lembrei-me de que tenho por casa algumas garrafas intocadas desse líquido dos deuses e que seria um excesso somar-lhe, sem o menor objetivo, uma outra. Mas fiquei a imaginar que o vodka seja, para os imigrantes de Leste, o que o Macieira 5 estrelas é para muitos portugueses que lutam pela vida no mundo, fora da terra de que tanto gostam - e que, infelizmente, lhes não deu condições para aí se realizarem. A emigração é a grande fábrica de saudades.  

domingo, julho 02, 2017

Inspiração

"E não lhe acontece não ter rigorosamente nada para escrever no blogue?" A pergunta foi-me feita num jantar, no sábado, por alguém, surpreendido com o facto de eu lhe ter dito que, em mais de oito anos e meio, não ter deixado de colocar por aqui, pelo menos, um post por dia. A minha resposta foi confiante: "Aparece sempre qualquer coisa..." 

É verdade: hoje foi isto. Boa noite! 

sábado, julho 01, 2017

... de autor


Eu tinha-o conhecido há muitos anos, algures no mundo. Sabia, desde então, que nunca fora nem iria ser um diplomata excecional. Fazia apenas o essencial, cumpria os mínimos, dava ares de tentar aproveitar os postos o melhor que podia. Em consequência desta postura pouco ambiciosa e empenhada, a sua carreira foi o que foi: mediana. Como tinha uma vasta rede de amigos, cultivava-os nas suas colocações no estrangeiro, acolhia-os por ali, organizava festas, tinha fama de divertido e espirituoso. De certa maneira, eram esses conhecimentos que acabavam por protegê-lo na sua capital.

Todos os seus colegas ficaram curiosos quando, um dia, ele foi nomeado embaixador. Como iria chefiar um posto? Não desiludiu. Tornou a embaixada que passou a dirigir, localizada numa capital pouco relevante, num local movimentado, sem que daí, porém, resultassem resultados significativos para os interesses do país que representava - um Estado com alguma importância, que dele exigia algo mais. 

Mas o seu consabido estilo sobrepunha-se a tudo. A residência da embaixada fora por si decorada de uma forma tida como bizarra, típica da sua personalidade, bem distante daquilo que era a matriz normal, discreta e funcional, habitual nos postos diplomáticos daquele país. Também a chancelaria acabou por ter um ambiente pouco comum, quase "caseiro", cheia da notas pessoais, sem a "neutralidade" típica desses locais. Para cúmulo, o secretário de embaixada que lhe coube em rifa era também um "cromo" pouco conforme com os padrões da diplomacia do país. Dizia-se que ver o embaixador e o secretário chegarem a uma receção, vestidos ambos de um modo pouco vulgar, era um verdadeiro espetáculo. Com todos os relatos recebidos, a diplomacia desse país começou a cansar-se dele, correndo as versões mais fantasistas sobre o dia-a-dia aquela embaixada.

Um dia, num jantar, encontrei um diplomata "chevronné", colega de carreira do nosso homem, que por acaso o visitara recentemente no país onde este estava colocado. Estava curioso em conhecer o resultado da sua observação "in loco", pelo que logo inquiri sobre quais tinham sido as suas impressões. O velho diplomata, que já tinha visto muito e de tudo, sorriu e, numa expressão curta, em que tudo disse, descreveu-me o posto diplomático: "Sabe, aquilo é uma espécie de 'embaixada de autor' ". Percebi. 

sexta-feira, junho 30, 2017

Para memória futura

Hoje, 30 de junho.

O dilema do eucalipto

Passos Coelho sobre o eucalipto: "Até eu que não sou particularmente defensor do eucalipto acho que não faz sentido estar a demonizar o eucalipto, porque nós sabemos que uma grande parte do território não tem eucalipto e que o eucalipto é o que menos arde."
Depois de ler isto, nesta peculiar forma que me lembra um clássico qualquer que me está a escapar, dei comigo a pensar que, fosse eu eucalipto, não gostaria muito deste elogio.

Desculpem lá!

Num tempo em que os atos terroristas já se praticam de faca e de camião, este roubo de material militar parece-me um acontecimento da maior gravidade, que afeta a imagem do país junto dos seus parceiros e aliados. Com todas as letras, isto é um verdadeiro escândalo!

Seria uma patetice, demagógica e sem sentido, pedir a demissão do ministro (só faltava que ele fosse responsável pela guarda de um paiol!), mas é urgentíssimo saber quem permitiu que as coisas chegassem a este estado de bandalheira, porque as consequências potenciais podem ser imensas. E responsabilizar essa ou essas pessoas, pondo-as "com dono", de "armas & bagagens".

Só para lembrar

Porque estas coisas têm de ser ditas, irritem quem irritarem, quero destacar a serenidade construtiva demonstrada por Pedro Nuno Santos e pe...