quarta-feira, abril 05, 2017

"Eléments de langage"


Uma noite, numa esquina do Boulevard Saint Germain, em Paris, cruzei-me com um amigo, membro proeminente do Partido Socialista francês (chegaria a ministro), que verifiquei que ia como alguma pressa.

Explicou-me que estava caminho de um debate na televisão e que ia passar pela sede do partido, ali perto, para recolher os "éléments de langage". Perante a minha dúvida sobre o que é que isso significava, explicou-me que, sem exceção, aos comentadores que iam a debates televisivos ou radiofónicos, os serviços partidários forneciam um guião com argumentário sobre a perspetiva do partido relativamente a temas de atualidade, por forma a permitir que as vozes e caras que representassem os socialistas nessas ocasiões dissessem, no essencial, o mesmo.

(Posso imaginar que, nos dias de hoje, com o PSF dividido como nunca pelas eleições presidenciais, deve haver uma grande dificuldade em preparar "éléments de language" lá pela Solferino).

Lembrei-me disto há pouco ao ler algumas notas escritas, deliciosas no estilo e na expectável autencidade subjacente, que o Benfica prepara para os comentadores "encarnados" (o dr. Salazar proibiu-os um dia de serem 'vermelhos" e eles obedecem até hoje) que vão à televisões.

Estou a imaginar o que passará por essas cabeças, na (rara) angústia que os atravessará quando, perante o lance de um seu avançado caído com estrondo coreográfico na área adversária, não foi ouvido o complacente (e de regra) apito arbitral ("andrade" ou "lagarto", pela certa) para a ("justíssima") grande penalidade. "Digo que foi penalti? Ora deixa aqui ver as instruções da rapaziada lá da Luz..."

O profissionalismo é outra coisa...

Ser diplomata


Os portões do Palácio das Necessidades que a fotografia mostra estão fechados mas abrir-se-ão futuramente a quem vier a aceder à Carreira Diplomática, no concurso de admissão que ontem se iniciou com a publicação do regulamento que pode ser consultado aqui.

Como em ocasiões anteriores, a Universidade Autónoma de Lisboa levará a cabo um curso intensivo de preparação para potenciais candidatos. 

Tal como aconteceu no último concurso, terei o prazer de trabalhar na coordenação do curso organizado pela Universidade Autónoma, que contará com reputados especialistas nas várias áreas temáticas.

Será um curso de natureza eminentemente prática, concentrado no essencial, com o objetivo de capacitar os candidatos para todo o tipo de provas que o concurso de acesso à Carreira implica. 

Os eventuais interessados devem dirigir-se aos serviços da Universidade Autónoma para obtenção dos necessários esclarecimento, através do mail fromao@ual.pt

Força de fogo


"Força de fogo, senhor arcebispo!" terá sido a frase entusiasmada que, há umas décadas, durante as Festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, um popular vianense atirou à passagem do Arcebispo Primaz de Braga, lembrando todo o seu orgulho pelo esplendor da oferta pirotécnica que sempre é apresentada, na ocasião, por aquela que é a maior romaria do país. Até hoje, não se sabe se o então Arcebispo entendeu a tirada...

O meu pai contava, divertido, que ouviu o homem lançar aquela frase, de um modo um tanto provocatório, à veneranda figura religiosa, num tom fonético muito "à Viana", pretendendo sublinhar a notória diferença de qualidade entre a oferta pirotécnica das festividades das duas cidades - um dito que encerra todo o sentido competitivo que Viana sempre cuida em manter com a urbe vizinha.

(Esqueci-me de contar esta história ao atual Arcebispo Primaz de Braga, Dom Jorge Ortiga, quando, há semanas, me convidou, com grande simpatia, para um interessante debate público que o Arcebispado organizou).

A expressão "força de", que pelo Minho quer dizer "muito", usa-se um pouco para tudo: "está ali força de gente", "lá em casa há força de livros", "o homem tem força de dinheiro", etc.

Ontem, num outro sentido, o fogo mostrou a sua força. Tal como, com trágica regularidade, ocorre um pouco por todo o mundo na pirotecnia, há por vezes naquela indústria desastres, quase sempre com perdas humanas, que, tristemente, devastam instalações onde se pratica essa nobre arte de construção de deliciosos efeitos fátuos e rapidamente perecíveis. Ontem foi a vez de Lamego.

De quando em quando, essas tragédias voltam a ocorrer, quase sempre no aproximar do Verão e das festividades populares que se aproximam. Quem, lá por Vila Real, não ouviu falar dos "acidentes do Ramalheda" ou, no Minho, de idênticos desastres envolvendo os célebres Silvas ou os Castros, produtores consagrados de deslumbres óticos noturnos ou, num registo que não faz nada o meu gosto, de "salvas de morteiros" que nos arruinam o sono da manhã?

A "força", neste caso "humana", foi também o tema de um debate em que ontem à noite participei, na Casa-Museu da Fundação Medeiros e Almeida (já visitaram essa magnífica coleção, a dois passos da Barata Salgueiro?), com António Correia de Campos e Filipe de Sousa Magalhães.

Uma discussão aberta, moderada pelo entusiasmo congregador da Fátima Pinheiro, em que se falou um pouco de tudo, da força das pessoas à força relativa dos países, dos excessos da força às fraquezas feitas forças, da força e do poder, da energia e da astúcia que às vezes passam ou se transformam em força. Até de Sansão e Dalila se falou, sob o patrocínio de uma bela estátua do primeiro, que domina a sala.

Na ocasião, sem combinarmos, fui o pessimista de serviço, com o António no papel do otimista que sempre é e o Filipe, um jovem empresário de uma "startup", na função surpreendente de um realista num mundo onde as coisas, muitas vezes, só lá vão à força.

Justiça

Não sou jurista, mas acho muito estranho o que se passou com o processo Dias Loureiro/Oliveira Costa.

Não se conseguem provas capazes para formular uma acusação, mas deixa-se no ar a convicção - que se sabe confortavelmente consonante com o sentimento público - de que houve um crime. E a justiça "sangra-se em saúde".

Desta maneira, de facto, é muito fácil "fazer justiça".

terça-feira, abril 04, 2017

Isto não é um cabide

Gostava de repetir, uma vez mais, que a caixa de comentário deste blogue não se destina a tratar de assuntos diferentes daqueles que são abordados nos posts e, em particular, não serve de "cabide" para links que levam a outros temas.

Referências

Um energúmeno, feito jogador de um clube qualquer, que aliás parece pertencer à estimável claque portista, agrediu barbaramente um árbitro no decurso de um jogo. Uma televisão "de referência" deu mesmo honras de entrevista à personagem, que, com ar manso, pretendeu "não se lembrar" dos factos. 

A Federação, como é de regra nestes momentos de escândalo público, lançou o "rigoroso inquérito" da praxe. Tem, aliás, grande autoridade para isso: dos seus quadros superiores faz parte João Pinto, antigo jogador, também "de referência", que um dia deu um murro num árbitro, à vista das imagens que correram o mundo. Em lugar de o irradiar eternamente do mundo do desporto, os federativos cooptaram-no para a sua direção. Estão bem uns para os outros.

Aliás, nesse desporto sobrevive também alguém que, se houvesse um mínimo de decência, estaria, desde há muito, higienicamente afastado do menor contacto com o futebol: Sá Pinto, que agrediu publicamente o selecionador de futebol da época. Mas, qual quê! É uma figura "de referência", neste caso do meu clube.

Este mundo dos futebóis, para armar ao sério, faz de conta que tem uma "justiça". Pois. A justiça desportiva está para a Justiça como a música militar está para a Música...

"Clube de Lisboa"


Ao final da tarde de ontem, numa bela sala da Câmara Municipal de Lisboa, foram eleitos os primeiros Corpos Gerentes do "Clube de Lisboa", numa Assembleia Geral para a qual foram convocados os seus 100 sócios fundadores. O Clube, uma organização sem fins lucrativos, terá a seu cargo a organização futura das Conferências de Lisboa, um evento bienal de reflexão sobre temas internacionais, de que houve já duas edições. (Saiba aqui mais sobre as Conferências de Lisboa) 

Com a criação do "Clube de Lisboa", pretende-se não apenas dar continuidade às Conferências mas, igualmente, lançar um programa com outras iniciativas que permitam colocar Lisboa no centro da reflexão internacional sobre diversas temáticas de natureza global. Integram o Clube personalidades de diversos setores ligados às relações externas, ficando futuramente a porta aberta para a adesão de muitas outras pessoas que operam no mesmo âmbito.

Dentro em breve, o Conselho Diretivo do Clube - presidido por Luis Amado, de que faço parte com Marina Costa Lobo, Alberto Laplaine Guimarães, Fernando Jorge Cardoso, Hélder de Oliveira, Luis Pais Antunes, Mónica Ferro e Raquel Vaz Pinto - vai apresentar o seu plano de atividades.

segunda-feira, abril 03, 2017

Gostava de entender melhor

Alguém um dia me há-de explicar por que razão não se pode conduzir na faixa central das auto-estradas mantendo uma velocidade de cerca de 120 km/h. (Já sei que a proibição está no Código da Estrada, mas a minha questão não é essa, é a racionalidade subjacente à medida). Se essa é a velocidade máxima permitida, quem é que estamos a impedir? As emergências podem sempre utilizar a faixa da esquerda. Conduzir na faixa da direita obriga a constantes mudanças, seja para ultrapassar condutores mais lentos, seja para evitar quem chega à autoestrada vindo dos acessos laterais, o que provoca maiores riscos.

É isto mesmo!

Nas suas "Memórias Anotadas", editadas postumamente na passada semana, José Medeiros Ferreira descreve assim a sua relação com o mundo da blogosfera:

"(...) Trata-se de um exercício quotidiano sobre temas impessoais, as mais das vezes políticos. São oito anos de atividade constante cuja instantaneidade de publicação cria um sentimento raro do poder do autor enquanto editor universal. Essa nova forma de "edição de autor" é uma das razões do sucesso da blogosfera em que participo pelo mero prazer de comunicar o que penso sobre vários assuntos. Tenho a felicidade de me saber apreciado por espíritos estimáveis e atentos".

Bem dito!

domingo, abril 02, 2017

O que diz Vicente


Na sua coluna na última página do "Público" dos domingos, Vicente Jorge Silva - que, para sempre, acarretará consigo a honrosa "culpa" de ter sido o criador dessa primeira marca do novo jornalismo quotidiano português - zurze hoje, embora moderadamente, o meu nome e o de José Pacheco Pereira por termos ousado referir o nome de Alberto João Jardim, no contexto da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto de Santa Catarina, na Madeira (e a igreja católica não se ofendeu com a retirada do nome da santa da placa toponímica?).

O que diz Vicente? "Mas existem pessoas altamente estimáveis, como Seixas da Costa ou Pacheco Pereira que, eventualmente por preconceito antifutebolístico primário, preferiam ver no aeroporto o nome de Alberto João Jardim".

Ó Vicente! Eu escrevi: "que me chocaria muito menos que o nome de AJJ fosse dado ao aeroporto da Madeira, em lugar do de Cristiano Ronaldo". Noto: chocar-me-ia que o aeroporto tivesse o nome de AJJ. Isto é, chocar-me-ia na mesma, embora "muito menos" do que o de CR. Só isso!

"Preconceito futebolístico primário"?! Eu que adoro futebol, que, depois de ter sido "blaugrana" com Figo, passei a adepto "de carteirinha" (como dizem os brasileiros) do Real de Madrid por causa de Ronaldo?! Eu que, todos os fins de semana, "torço" pelos "merengues", pelas "performances" e recordes de Ronaldo e faço figas contra Messi?! Eu que acho que CR (detesto, confesso, as simplificações como CR7 e coisas de "merchandising" assim) é um homem inteligente, simples, bem mais modesto do que eu seria se tivesse o seu sucesso e todo o "pequename" do mundo aos pés, como ele tem?! Eu que tenho uma admiração (profunda e sincera) pela pessoa humana de Cristiano Ronaldo, pela sua maturidade com trinta e poucos anos, pelo seu amor à família e aos amigos? 

Dito isto, continuo um profundo opositor à ideia - na minha opinião, oportunista e ridícula - de dar o seu nome ao aeroporto da Madeira, como disse e reafirmo. Uma saloiíce que nada tem a ver com ele mas apenas com o facto do PSD Madeira conviver mal com o seu próprio passado, usando Ronaldo como uma arma populista de arremesso político interno, com (todos) os poderes de Lisboa a sorrirem amareladamente perante o que sabem ser peso da opinião pública.

Espero, Vicente, que amanhã, como é nosso hábito às segundas-feiras (tenho sido um tanto relapso, penitencio-me), naquele mesa longa de Campo de Ourique, onde sob a "direção artística" do Manuel Costa Cabral e a tutela pictórica do Jorge Martins, com a prevalência esmagadora das amigas que nos abafam a igualdade de género, trocamos graças e amizade, possamos pôr "a conversa em noite". E, enfim, resolver "the relevant Ronaldo question"...

Não é a "finest hour"


Foi Churchill quem cunhou a expressão “the finest hour”, para designar esse tempo em que, com estoicismo e sacrifício, o povo britânico ajudou a vencer a barbárie nazi.  Nos dias que correm, por mais auto-convincentes que os discursos de Westminster possam parecer, este é um tempo muito menos glorioso e bastante mais temeroso. Embora, para a Europa em geral, também esteja longe de ser um bom momento.

A entrada do Reino Unido para a Europa comunitária, de que a França seria o principal objetor, representou um gesto de pragmatismo político, levado a cabo por uma classe dirigente que percebia que o país tinha tudo a ganhar, pelas oportunidades que isso trazia ao seu pendor globalista « avant la lettre », com a integração num clube que se projetava de forma crescente no cenário internacional. “Se não os podes vencer”, através de uma EFTA débil, “junta-te a eles”. Foi uma adesão pragmática, com os meios industriais e financeiros por detrás, mas que, há que reconhecer, teve um assumido pendor oportunista.

Não obstante o referendo consagrador da adesão, a opinião pública britânica deu sempre sinais de uma grande reticência face ao projeto europeu. Nisso foi, em permanência, seguida e estimulada por uma imprensa que diabolizou cada passo integrador, visto como usurpador da sacrossanta soberania das instituições da ilha. Os políticos, poucos dos quais ousaram enveredar por um proselitismo mobilizador em favor do projeto europeu, acabaram grande parte das vezes por se colar ao euroceticismo que sempre foi o “politicamente correto” dominante no país. Claro que houve exceções, períodos em que certas figuras políticas se mostraram de pendor mais europeísta. Mas isso foi sempre sol de pouca dura, num ambiente em que quase já se não estranhava que a imprensa tablóide apelidasse de “federastas” quantos se mostravam favoráveis ao projeto integrador.

Para o Reino Unido, desde o primeiro momento, viveu-se uma batalha de permanente disputa com Bruxelas, vista como fonte de todos os males e vícios, de onde os seus dirigentes regressavam sempre tentando bramar vitórias, fosse no “rebate” financeiro compensatório, fosse na obstrução aos avanços nos tratados. Os governos ingleses, hipocritamente, iam-se calando quando a sua imprensa clamava contra as “ingerências” legislativas de Bruxelas, fazendo esquecer que esse acervo se foi criando sob os olhos e o voto complacente dos seus representantes, à mesa dos conselhos de ministros.

Margareth Thatcher foi a cara mais evidente do confronto aberto com Bruxelas, numa atitude popular (e populista) que contrastou, com êxito, com a imagem de europeísmo envergonhado, e quase culpabilizado, de seus antecessores, de Edward Heath a James Callagham, com Harold Wilson dividido. John Major seguiu-a e clamou “game, set and match”, quando regressou de Maastricht com o grande « opt out » de uma vitória que foi pírrica.

Só Tony Blair viria a mudar um pouco o tom, pretendendo mostrar aos britânicos que uma nova Europa podia ser criada sob forte influência britânica. O líder trabalhista contava com o alargamento ao Centro e Leste europeu, que Thatcher já favorecera, como um fator diluidor da temida homogeneidade da Europa continental, para o que jogava também com o peso da « special relationship » com Washington. Estava certo nisso no plano político, como ficou patente na « carta dos oito » na crise do Iraque, mas a sua ambição vivia desligada da realidade essencial dos equilíbrios intracomunitários. E a sua progressiva debilitação interna não permitiu que Londres fosse colocado no « the heart of Europe », como proclamava.

Depois, foi o que se viu. Gordon Brown foi um parêntesis, Cameron um irresponsável ponto final, bem pouco glorioso. Theresa May tem agora uma tarefa quase impossível.

Como europeu, deste lado da Mancha, só posso desejar que, no fim do jogo, Londres venha a ter saudades de Bruxelas. As boas lições, as mais das vezes, saem caras.

sábado, abril 01, 2017

Por um país decente


Aquilo a que o país hoje assistiu pela televisão, ao ver uma bárbara e desproporcionada agressão de um polícia a um adepto do futebol, é uma mancha na imagem das nossas forças de segurança.

Espera-se que não entremos agora, como é vício velho entre nós, num coro corporativo de justificações, num protelar do inquérito+processo disciplinar, por forma a atenuar o efeito de escândalo, dando hipóteses a um aligeirar da necessária pena.


Ao rever aquelas tristes imagens, lembrei-me inevitavelmente do sinistro capitão Maltez. Estou certo que ele não desaproveitaria um quadro desta "qualidade".

Lampiões & Andrades


É nestes dias, em que a "guerra" não é do Sporting, que sinto alguma serenidade como espetador de futebol, embora, como é natural, o resultado do jogo me não seja indiferente.

Um dia, ao tempo em que eu era embaixador no Brasil, uma cadeia de televisão brasileira transmitiu, em direto, um Benfica-Porto ou vive-versa. Os dois excelentes comentadores, ambos brasileiros, entraram então em especulação sobre os nomes "antipáticos" que eles sabiam que eram dados aos dois clubes: aos benfiquistas "lampiões" e aos portistas "andrades". As hipóteses que aventaram sobre a origem dos nomes foram tão fantasiosas que me atrevi a escrever uma mensagem de email (que a emissora ia divulgando à medida que o jogo decorria), identificando-me como embaixador, tentando pôr "the record straight". Aproveitei, claro, para notar também que os adeptos do meu Sporting são chamados de "lagartos". Ou há moralidade...

O termo "lampiões" não oferece dúvidas sobre a sua origem: trata-se de brincar com o facto do estádio do clube se chamar "da Luz".

Já poucos sabem, contudo, a origem do termo "andrades". Vou pedir de "empréstimo" ao site Futebol Portugal uma síntese, tida por mais rigorosa, dessa história:

Nos anos 30, o F.C. Porto tinha já alguma projecção em termos nacionais e recebia frequentemente a visita de equipas estrangeiras. Os jogos com o Benfica, por exemplo, eram sinónimo de grandes receitas, mas o campo da Constituição revelava-se exíguo para a grandiosidade destes eventos.

Em 1937, em Assembleia-geral, foi feita a proposta para que o clube contraísse um empréstimo para a construção de um estádio próprio. Para o efeito, os sócios teriam de subscrever obrigações. No entanto, a procura não correu como o previsto e o sonho foi adiado. O F.C. Porto alugou então, para os jogos grandes, o campo do Ameal, um dos melhores estádios de Portugal, que recebeu mesmo alguns encontros da selecção nacional. 

Mas o Sport Progresso, arrendatário do terreno, reclamou em tribunal por alegadas falhas no pagamento. Os portistas passaram então a jogar no campo do Lima, que era utilizado pelo Académico e cujo aluguer era considerado exorbitante pelos sócios dos «azuis e bancos». Os três clubes envolveram-se então numa guerra de comunicados, que culminou numa série de acontecimentos estranhos: um incêndio destruiu parcialmente as bancadas da Constituição; e as do Ameal foram destruídas a camartelo. Houve quem atribuísse essa demolição ao senhorio, alegadamente portista e que teria pensado que assim poderia mais facilmente vender o campo do Ameal ao seu clube do coração. Houve quem nunca perdoasse ao senhor Andrade tal gesto e por isso os simpatizantes dos «azuis e brancos» começaram a ser conhecidos por «andrades»…"

sexta-feira, março 31, 2017

O novo mapa da França


A história da V República francesa, regime que no final dos anos 50 pôs fim a um modelo parlamentar atribulado e visivelmente ineficaz, tornou muito evidente que o sistema partidário se transformou, naquele país, numa dimensão puramente subsidiária na afirmação da vontade política. Quero com isto dizer que, à esquerda e à direita, a dinâmica de agregação de forças se revela dependente de lógicas conjunturais e, frequentemente, do apoio a alguns atores políticos. A meu ver, os dias que aí vêm, vão confirmar isto de modo claro.

Durante alguns anos, o Partido Comunista Francês foi a exceção, conseguindo sobreviver e prolongar, nesse regime constitucional quase imposto por De Gaulle, um forte poder de influência política que, em particular, lhe advinha da sua força sindical, como eficaz contra-poder. Curiosamente, os comunistas iniciaram aí o seu imparável declínio, com a cooptação para o governo com que François Mitterrand consagrou a sua vitória presidencial.

Convém lembrar que o Partido Socialista Francês é uma « construção » de Mitterrand, feita pela agregação de várias estruturas, clubes e sensibilidades socialistas, desejosas de esquecer o passado pouco glorioso, na IV República, da estrutura dominante nesse setor. Com a linha que impôs no início do governo, a partir da sua vitória em 1981, Mitterrand « secou » o terreno à sua esquerda e ligou o PS a uma agenda que tornou mesmo a expressão « social-democrata » num anátema.

É o ressurgimento dessa dualidade esquerda-direita que se verifica nesta eleição presidencial, com Hamon e Macron a prenunciarem o que, com toda a certeza, será a implosão do PSF.

À direita, desde De Gaulle, as forças políticas foram sempre desenhadas em torno dos presidentes, com o chamado « centro » a ser chamado a compor o ramalhete. Sem uma tradição democrata-cristã, o centro optou por uma « fulanização » (como aconteceu com Giscard d’Estaing) ou um vago credo liberal. Mitterrand tinha razão, quando ironizava que « em França, o centro não está nem à esquerda, nem à esquerda », isto é, é um parceiro tradicional da direita.

Assumindo que Emmanuel Macron ganha as eleições, com quem governará, partindo-se do princípio que, no sufrágio legislativo subsequente, a direita de Sarkozy e do « Les Republicains » sairão seguramente maioritários ? Como se comporá a « majorité presidentielle » no pós-Hollande e pós-PSF ? Terão futuro governativo as figuras da direita socialista que entretanto se juntaram ao « presidente Macron » ? E como se comportará, em termos de projeto, a direita democrática, desafiada pelo crecimento do Front National de Le Pen ?

(O leitor terá notado que dou Le Pen por derrotada. É isso mesmo, embora eu me tenha enganado no Brexit e em Trump.)

quinta-feira, março 30, 2017

O precedente

Ouvido ao almoço:

- Não percebo toda esta polémica por ter sido dado o nome de um futebolista português, com grande projeção internacional, a um aeroporto. Vendo bem, já havia por cá um precedente.

- Essa agora! Onde?

- Então não conheces o Aeroporto Figo... Maduro?

quarta-feira, março 29, 2017

David contra Michel


Em 1995, a União Europeia iniciou um processo de revisão do Tratado de Maastricht, que iria ter como resultante, dois anos depois, o Tratado de Amesterdão. Cada país designou o seu "chief negotiator". A França indicou o seu ministro delegado para os Assuntos europeus, Michel Barnier (à direita, na foto). O Reino Unido tinha então o seu "minister for Europe", Davis Davis (à esquerda). Conheci muito bem os dois, porque representava Portugal nessa negociação.

Hoje, curiosamente, Davis é "minister for exiting the European Union", o que significa que tem a responsabilidade de conduzir, por Londres, a espinhosa negociação do Brexit. Vi sempre David Davis como um conservador fortemente eurocético, dotado de um espírito sardónico, muito cáustico face aos costumes da máquina bruxelense, que visivelmente desprezava. Nessa sua vontade de afrontar a UE foi sempre coerente até ao fim, pelo chegou a ser interessante observar o modo como a nova administração trabalhista, sem perder por completo as "reticências" dos seus antecessores, se conseguiu adaptar a um estilo mais pró-europeu, sob a batuta de Tony Blair.

Por seu turno, Barnier, depois de ter sido ministro em governos franceses (da Agricultura aos Negócios Estrangeiros), foi membro da Comissão europeia e agora foi escolhido para chefiar as negociações, em nome dos 27, para a consecução do Brexit. É um homem muito diferente de Davis, com muito menor humor e quase sem capacidade de saber rir das coisas sérias, mas é seguramente um melhor conhecedor dos dossiês, pela sua ampla e diversificada experiência. É um fervoroso europeísta, bastante mais até do que o generalidade dos membros da sua família política da direita francesa.

Não vai ser um despique fácil. Boa sorte, Michel Barnier!

terça-feira, março 28, 2017

"Fake news"

Donald Trump fala muitas vezes de "fake news", quando as notícias não lhe agradam. Mas, às vezes, há mesmo "fake news". E a imprensa portuguesa está cheia delas, às vezes assinadas por plumitivos que, depois, se queixam de que não levamos a sério o que escrevem a propósito de outros assuntos.

Os leitores deste blogue podem ler o que escrevi (abaixo) sobre a questão da atribuição do nome de Cristiano Ronaldo ao aeroporto da Madeira. Peço que releiam o texto. Nele insurjo-me - e essa é a minha livre opinião, contestável como qualquer outra - contra o que considero ser a insensatez dessa decisão, que me chocou. E, no texto, referi "que me chocaria muito menos" (isto é, que também me chocaria, mas muito menos) se acaso o governo regional tivesse optado pelo nome do seu antigo presidente e principal promotor da modernização do aeroporto, Alberto João Jardim. No texto, como notará qualquer leitor de boa fé, faço um perfil muito crítico do modo político de atuar de AJJ, com o qual nunca me identifiquei, como fica claro. 

Pois muito bem, esta "comparação" entre os dois nomes, foi transformada numa "proposta" da minha parte, em notícias publicadas, para que ao aeroporto fosse dado o nome de AJJ O meu único comentário a isto é que o mau jornalismo e a má fé têm um nome: desonestidade. E quem assinou essas peças foi, além de mentiroso, desonesto. Isto é, fez "fake news" e isso fica-lhe no currículo.

segunda-feira, março 27, 2017

O nome

Meço bem o que vou escrever.

Durante décadas, chocou-me bastante o modo como Alberto João Jardim exerceu a sua ação como presidente do Governo Regional da Madeira. Não apreciei o seu frequente autoritarismo, o modo displicente e desrespeitador como sempre tratou a oposição, as instituições nacionais e a comunicação social. A Madeira, durante o seu longo reinado, teve uma existência política com sérias e evidentes falhas na democraticidade da sua vida cívica. Um estilo de caudilhismo ao jeito sul-americano impôs-se por décadas naquela região e Alberto João Jardim foi a cara dessa pouco prestigiante excecionalidade.

Dito isto, a Madeira contemporânea, com todas as suas desigualdades e fragilidades, está hoje a anos-luz da ilha pobre e subdesenvolvida que conheci nos anos 70. Foi, a meu ver, a zona do território português que mais beneficiou em termos de "salto em frente" em múltiplos domínios, através de um discutível mas eficaz "keynesianismo", bem visível na paisagem embora, infelizmente, também, injustamente, nos bolsos de alguns ramos de apadrinhamento local - sendo que, neste caso, julgo que ninguém poderá acusar Jardim de qualquer improbidade a nível pessoal. Uma vez mais, também aqui, a cara dessa imensa mudança positiva é, indiscutivelmente, a de Alberto João Jardim.

Sou testemunha presencial do modo como soube lutar, junto do governo central mas, muito particularmente, junto das entidades europeias, pelos interesses da sua região, do seu esforço continuado e persistente, às vezes por meios menos ortodoxos, para obter tudo o que considerava necessário para a sua Madeira. Recordo, porque estive diretamente ligado a isso, o seu extraordinário trabalho que, com o apoio do governo de Lisboa, veio a permitir a fantástica obra que foi a extensão da pista do aeroporto da Madeira, uma infraestrutura-chave para desbloquear o estrangulamento do acesso turístico à ilha. Alguns corredores de Bruxelas percorremos em comum para tal.

Por isso, e sabendo bem que o que escrevo é polémico e desagradará a muitos dos meus amigos (e, infelizmente, agradará a muitos que prezo em não ter como tal), quero aqui dizer, com total frontalidade e sem ambiguidades, que me chocaria muito menos que o nome de Alberto João Jardim fosse dado ao aeroporto da Madeira, em lugar do de Cristiano Ronaldo, cujas qualidades atléticas ficariam, com certeza, muito mais adequadamente consagradas num estádio ou outra instalação desportiva.

O oportunismo turístico tem limites, que são os do bom-senso, da justiça e, claro, do ridículo.

À Madeira!


Afinal, confirma-se, já chegámos à Madeira!

Humor & covilhetes



Ontem, na "Gomes", com um covilhete à ilharga.

- É um exagero andar para aí a dizer que o PSD vai ter maus resultados nas capitais de distrito, nas próximas autárquicas.

- Como é sabes? 

- Ora essa! Porque os distritos já acabaram há muito...

Notícias da aldeia

Nas aldeias, os cartazes das festas de verão, em honra do santo padroeiro, costumam apodrecer de velhos, chegando até à primavera. O país pa...