domingo, janeiro 24, 2016

Presidente Marcelo Rebelo de Sousa

O voto inequívoco dos portugueses colocou Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém. Não era este o meu candidato, mas este será, a partir de agora, o presidente da minha República. 

Por aqui coloquei, em diversas ocasiões, as dúvidas que conduziram a que não lhe desse meu voto. Espero, com toda a sinceridade, ter estado errado na avaliação que fiz. Espero que Marcelo Rebelo de Sousa me surpreenda. 

Carmona Rodrigues

Carmona Rodrigues foi, há dias, absolvido. Alguém sabe de quê? Eu não sabia, mas desconfiava. Era de "prevaricação". Ninguém o acusou de ter metido indevidamente um tostão ao bolso, de ser corrupto, de ter beneficiado de bens públicos. Ninguém o acusou de ser desonesto e isto é o mais importante.

E, contudo, se se perguntar a muitos portugueses o que acham de Carmona Rodrigues, bastantes dirão algo como isto: "Foi acusado lá na Câmara da Lisboa. Questões de dinheiro, pela certa! Não há fumo sem fogo! E eles acabam todos absolvidos, já se sabe!"

Praticamente, não conheço Carmona Rodrigues. Creio que falei com ele uma única vez, num jantar, há muitos anos. Não faz parte da minha "família" política, não temos amigos comuns, não há nenhuma razão especial para eu estar aqui a escrever esta nota.

Ou melhor, há: é a raiva que sinto com o facto da justiça portuguesa, no vai-e-vem das suas sentenças contraditórias, da politização frequente dos seus procedimentos, na inimputabilidade dos atrasos dos seus magistrados e serviços, nos ter retirado (para sempre?) toda a confiança no sentido das suas decisões.

Num país decente, Carmona Rodrigues devia ser ressarcido, após a absolvição, do labéu que sobre si foi um dia lançado. Quem o acusou, indevidamente, deveria ser "condenado", pela comunicação social, por ter manchado o bom nome de um cidadão que, um dia, se dispôs a servir a causa pública.

Por cá, as coisas não são assim. "Não há fumo sem fogo", é a frase canalha, da mesa do café ou da esquina da intriga, que corroi as instituições e revela a mentalidade "Correio da Manhã" do país em que hoje nos transformámos.

Um abraço solidário a Carmona Rodrigues, pessoa que não conheço.

Se houver segunda volta...


Não há a menor dúvida de que, logo à noite, Marcelo Rebelo de Sousa será o candidato mais votado. Também é claro que a segunda escolha irá para Sampaio da Nóvoa.

A grande questão está em saber se o candidato mais votado não ultrapassa os 50%, caso em que teria de ir a uma segunda volta. Se isso vier a acontecer, as próximas duas semanas de campanha serão muito interessantes.

Para o governo, uma segunda volta seria positiva, porque reforçaria a unidade das formações de esquerda à volta de Sampaio da Nóvoa o que funcionaria como uma sinergia de reforço da aliança política que apoia o executivo.

Devo dizer que não sei se, mesmo nessas condições, Nóvoa teria hipóteses de colmatar o "gap", em termos de votos, que irá ter face a Marcelo. Como também não sei se o eleitorado que apoia Maria de Belém, que irá ter um mau resultado, se transferiria necessariamente para Nóvoa.

É curioso que, se acaso tudo se tivesse passado ao contrário, isto é, se acaso Maria de Belem estivesse em melhor posição do que Nóvoa, as coisas seriam muito diferentes: toda a esquerda votaria nela, numa hipotética segunda volta, sem a menor hesitação. Mas é hoje evidente que o eleitorado de esquerda se revê muito mais num candidato como Sampaio da Nóvoa do que em Maria de Belém e que parte dos votos que esta obtiver nunca iriam para o candidato da esquerda. Muitos poderiam mesmo ir para Rebelo de Sousa. E isso muda toda a equação.

Voltando ainda ao interesse de António Costa e do governo numa segunda volta, há um aspeto a ter em conta. Se acaso a bipolarização e a confrontação viesse a ultrapassar um certo limite de tensão, e se Sampaio da Nóvoa acabasse afinal por não ser eleito, o governo teria perante si um novo presidente que os partidos seus apoiantes tinham acabado de combater fortemente. Por essa razão, não acredito que António Costa, mesmo na hipótese de uma segunda volta, se envolva demasiado na campanha. É que seria imprudente quebrar as "pontes" com um possível presidente Rebelo de Sousa. Percebo que isto possa parecer cínico para alguns, mas é a realidade.

Para Marcelo Rebelo de Sousa, uma segunda volta, a acontecer, não deixaria de ter consequências políticas importantes. Contrariamente ao que ocorreu até agora, Marcelo necessitará da máquina da direita - ou, pelo menos, da máquina do PSD - para o ajudar a defrontar a mobilização que o conjunto dos partidos de esquerda farão em torno de Nóvoa. Ora isso funciona precisamente contra a "imagem" que, até agora, procurou criar: a de um candidato "transversal", que entra por algum eleitorado de esquerda através do fator "simpatia". A "despolitização" de Marcelo tem sido a chave do seu sucesso nas sondagens. Duas semanas de campanha com a máquina PSD ao lado transformarão necessariamente o candidato "mainstream" naquilo que ele, na realidade, é e tenta esconder: um político de direita. E isso tornará tudo muito mais verdadeiro.

Mas, para que tudo isso aconteça, é preciso que haja uma segunda volta. Logo veremos.

França: a direita em papel


Coincidindo com a decisão da direita francesa de organizar, no final deste ano, umas eleições "primárias" para a escolha do seu candidado presidencial em 2017, surgiram a público vários livros assinados pelos potenciais contendores. O mais recente é o Nicolas Sarkozy, publicado nesta sexta-feira e que, a avaliar pelos comentários da imprensa, apresenta uma versão escrita da postura "j'ai changé!", com que o antigo presidente se apresentou não há muito tempo numa célebre entrevista à TF1.

Ninguém em França acredita que Sarkozy tenha mudado. Mas cai sempre bem dar um ar de humildade, de arrependimento, porque talvez seja esse o caminho para tentar atenuar a elevadíssima taxa de rejeição que as sondagens mostram a seu respeito. Sarkozy mudou entretanto o nome do partido UMP para "Les Republicans" (em França isto é vulgar acontecer à direita e ao centro, embora menos à esquerda), num "rellabeling" que também quer fazer presumir mudanças de rumo. Veremos em que medida terá sucesso nesta operação, perante um país que, em 2012, se revelou exausto da sua "hiperpresidência", da sua agressividade e com crescentes dúvidas sobre a sua distância face a certos "affaires". Agora, o "novo Sarkozy" quer sugerir-se como "protetor" dos franceses, procurando evitar que a sedução do "Front National" de Marine Le Pen se acentue. Resta saber se não acabará por reproduzir a agenda da extrema-direita, como muitas das suas atitudes recentes parecem indicar.

Sarkozy não está isolado nesta sua nova aventura editorial (em França, um político que não publica um "bouquin" todos os dois anos praticamente não existe). Desde logo, das cinzas da última eleição interna dentro da ex-UMP, "renasceu" Jean-François Copé, o "maire" de Meaux, uma figura muito controversa, que tenta um "comeback" com um livro "de ideias". Nas mesas das livrarias, vi também edições dos dois outros pretendentes ao Eliseu, os ex-PM François Fillon e Alain Juppé e o ex-ministro Bruno Le Maire. E anunciam-se publicações de mulheres que já foram "escudeiras" de Sarkozy e que agora se distanciaram, como Nathalie Kosciusko-Morizet, Nadine Morano e Valérie Pécresse. E outros aparecerão, pela certa.

Um amigo socialista francês comentava-me, há dias, que os próximos tempos da direita vão ser muito interessantes de seguir. E, maldoso, comentava: "Não sei se Valls ou Macron não se aventurarão a concorrer às 'primárias' da direita". Ora Manuel Valls e Emmanuel Macron são respetivamente primeiro-ministro e ministro das Finanças ... do atual governo socialista! Mas ambos têm uma posição política tão à direita que a anedota não deixa de ter algum sentido.

sábado, janeiro 23, 2016

A sobrinha


Caíram logo sobre mim, no final daquele jantar, há dias, em Paris, comemorativo da exposição (excelente, diga-se) de Julião Sarmento. Um após outro, com uma curiosidade gulosa, aqueles amigos declinaram, cada um a seu modo, a questão essencial: "então que tal foi a conversa com a sobrinha da Jane Fonda?"

Eu havia jantado ao lado de uma sobrinha da Jane Fonda?! Não sabia! 

O jantar tinha sido em mesas redondas, creio que com umas dez pessoas cada. Na minha mesa, à direita, ficou uma senhora nos seus "mid-forties". Havíamos falado de muita coisa, de termos coincidido em Angola durante três anos, nos idos de 80, quando ela era uma criança filha de um diplomata italiano (tinha na memória, como eu, o som das armas que, por noites seguidas, regularmente pontuavam o recolher obrigatório noturno). Contou-me do pai e das ideias, pouco comuns mas muito interessantes, que hoje cultiva, trocámos notas sobre livros (vários), ouvi-lhe um delicioso episódio passado com Isabel dos Santos, escutei-a sobre esse assunto fascinante (e, para mim, misterioso) que é a relação dos artistas com os curadores das suas exposições, relatou-me divertidas histórias sobre os galeristas e o seu mundo, deu-me notícias sobre uma certa Londres que me intriga e que ela conhece muito bem. Foi um jantar muito divertido, solto, bem disposto, ao lado de uma mulher elegante, risonha, inteligente e muito interessante ("não desfazendo" na companhia feminina do outro lado, que não vem para a história).

E se eu tivesse sabido que ela era sobrinha de Jane Fonda? Por certo, estando em Paris, a conversa iria ter a Roger Vadim (e à imbatível série das mulheres que teve, de que a tia dela fora um mero episódio), provavelmente perguntar-lhe-ia coisas sobre o avô (ou teria uma relação por afinidade?), Henry Fonda (escondendo-lhe eu, por recato, o sentimento de o achar um ator muito sobrevalorizado, sempre com ar "enjoado"), pelo tio, Peter Fonda (passando a conversa pelo inevitável "Easy Ryder" e talvez por umas suas polémicas declarações, há semanas, em que chamou "f...-traitor" a Obama), e, como é óbvio, falaríamos da senhora sua tia, que admiro pela coragem na denúncia da guerra no Vietnam, famosa pelos músculos do "workout" e, claro, pela sua filmografia (que nunca me convenceu muito) - eu que bem a conheço desde o (hoje ridículo) "Barbarella". E, claro, viria à baila o ex-tio Ted Turner, o ricaço da CNN, um liberal (no bom sentido, isto é, no sentido americano) com ar de cowboy, que conheci pessoalmente em Nova Iorque, que havia dado um bilião de dólares à ONU, para um fundo em cuja gestão tive o gosto de participar, durante um ano. Já imagino mesmo o muito vulgar "name-dropping" em que cairíamos (ou melhor, em que eu teria a tentação de cair, confesso). Até porque, finalmente, seria preciso falar sobre quem era a mãe dela (irmã de Jane? de um marido?). 

Feitas bem as contas, ainda bem que eu não sabia de quem a minha companheira de mesa era sobrinha. A conversa acabou assim por ser bem mais interessante. E, para aqueles amigos, ficou-me no "currículo": "Com que então numa grande conversa com a sobrinha da Jane Fonda, ehin?!"

sexta-feira, janeiro 22, 2016

Muito lá de casa...

Há umas semanas, publiquei este artigo. Revisito-o agora porque, creio, dele fica evidente o nome de um candidato presidencial em quem não votarei...

Um dos candidatos que estas eleições presidenciais oferecem à escolha dos portugueses é uma figura que, durante anos, entrou na nossa casa com grande frequência. Não tocou à porta, mas esteve connosco na sala, conversando sobre tudo e sobre todos, de futebol a política, de “faits divers” às finanças, da justiça aos espetáculos, da lombada de livros às questões de saúde, etc, etc.

Sobre tudo tinha ideias, de tudo parecia que sabia um pouco, num modelo a que os italianos chamam de “tudólogo”. Diz coisas certas? Claro que sim, a par de outras que são tão discutíveis como as que qualquer um de nós costuma ter. Educado, inteligente, informado, às vezes um tanto “pela rama”, outras um pouco mais profundo, o tal candidato provou que quase nada do mundo lhe era alheio. Ou parecia ser. A sua melhor definição foi-me dada um dia por um amigo: “estou quase sempre de acordo com ele, exceto quando conheço bem os assuntos!”

No cenário de fundo da vida da esmagadora maioria dos portugueses adultos, o tal candidato é uma figura que nunca esteve distante. Os mais velhos lembram-no como jornalista, outros como político ou como jornalista político, muitos outros simplesmente como professor – e nós sabemos como ser “professor” sempre por cá funciona subliminarmente como um fator de prestígio para credibilizar o que se diz. A maioria dos contemporâneos recordá-lo-á como opinador, primeiro na rádio, depois nas televisões, nestas tendo vogado entre canais. No desporto, não é do Benfica nem do Sporting, antes pelo contrário, não sendo também do Porto. Todos o identificam com um partido mas também já o ouviram criticar, sem exceção, os líderes desse mesmo partido. Todos? Todos! Mesmo que ele próprio tenha também cumprido um dia essa função…

Para muitos dos portugueses, esse candidato sugere a intimidade que temos com um primo distante, daqueles que irrompe nos casamentos ou nos batizados. Não o conhecemos bem, mas é insinuante, simpático e dialogante. Conta anedotas, é espirituoso, desenha uma presença agradável, sai-se com tiradas inteligentes, às vezes iconoclastas, as mais das vezes jogando no “mainstream” do senso comum. Algumas mulheres acham-lhe piada, alguns homens apreciam-no como divertido e eternamente bem humorado. Todos o tratamos pelo primeiro nome, claro. É muito lá de casa…

Há uma década, quando Cavaco Silva foi candidato a presidente, recordo-me do modo complacente como alguns, mesmo nele não votando, encararam com resignada aceitação a sua eleição, não obstante ser “do outro lado”. Dizia-se que era um homem “rigoroso”, “austero”, uma figura "em quem se podia confiar”. Depois, foi eleito e saiu-nos na rifa o que temos visto!

Imaginem agora que outro alguém, também “do outro lado”, mas a quem ninguém se atreverá a colar os qualificativos sossegantes que ingenuamente concedíamos ao presidente cessante, volta a ocupar Belém! Ah! “Mas este tem muito mais graça, é divertido! Vai ser um tempo interessante!” Pois, pois! Esperem pelas crises, pelos dias em que as coisas não estejam a correr bem! Depois não me venham dizer que não avisei!    

O risco


Na República em que vivemos, mesmo contando os momentos de reeleição dos quatro anteriores presidentes (Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco), nenhuma outra campanha terá contribuído mais fortemente para criar um sentimento de irrelevância da função presidencial. 

O desinteresse que se instalou na opinião pública em torno da escolha do chefe do Estado tem vários responsáveis e o principal chama-se Cavaco Silva. Foi-o pela forma como se comportou no exercício do cargo (as sucessivas sondagens são inequívocas), em particular neste segundo mandato e, muito em especial, pela sua catastrófica gestão da agenda política em 2015. 

Parte da responsabilidade cabe contudo às principais forças políticas. Habituámo-nos ao discurso de que esta eleição é unipessoal, que os partidos políticos surgem apenas como coadjuvantes da vontade dos candidatos. Mas todos sabemos que as coisas, sendo formalmente assim, na prática são diferentes. O envolvimento das forças políticas organizadas é essencial para garantir a mobilização popular que transforma a escolha de uma pessoa e na sua legitimação política pelo sufrágio. E os partidos notaram-se pela sua ausência.

A sucessão temporal entre as eleições legislativas e a campanha presidencial, cumulada com a circunstância da solução governativa ter assumido contornos atípicos, criou uma conjuntura bizarra, a que os partidos não souberam dar a volta. Isso acabou por instalar na opinião pública um alheamento que se somou também à ideia de que estávamos a escolher apenas, perdoe-se-me a simplicidade, “o sucessor de Cavaco”. E isso, percebe-se, não era a coisa mais estimulante do mundo.

Os figurantes não ajudaram? Convenhamos que a direita não tinha muito melhor para apresentar. Na esquerda socialista, as figuras com melhores condições cedo se colocaram fora da contenda e as que apareceram a jogo desempenharam o papel que as circunstâncias permitiram. Nas restante forças políticas com expressão, as escolhas foram “honorables”. E os “espontâneos” e os “cromos” são, hoje como sempre, apenas isso mesmo.

A função presidencial não sai elevada desta campanha. Ironicamente, a responsabilidade de quem vier a ser eleito será grande, porque lhe vai competir – se souber e puder – retomar a importância da instituição Presidência da República no quadro interinstitucional. Se o não conseguir fazer, o risco é claro: é a possibilidade de, no seio das principais forças políticas, vir a gerar-se um consenso no sentido de rever a Constituição, por forma a reforçar o pendor cada vez mais parlamentar do regime, passando o Presidente a ser eleito na Assembleia da República, como acontece, por exemplo, na Alemanha ou na Itália. Ou na Grécia.

quinta-feira, janeiro 21, 2016

Política

É impressão minha ou, de repente, isto dá ares de estar a começar a ficar esquisito? 

É o comportamento da bolsa, são os sinais e recados de Bruxelas, são as dúvidas das agências de notação, é a conversa já seca da meninas do Bloco, é o avanço firme do Marcelo Nuno, são as rugas crescentes no discurso de Jerónimo de Sousa, são as parcelas das contas com zeros que parecem a mais, é o atenuar do discurso de observância dos "targets" europeus, é o reafirmar prioritário do "compromisso histórico" conjuntural. 

Mas pode ser só impressão minha.

quarta-feira, janeiro 20, 2016

A cunha

Aquele amigo olhou para o secretário-geral do MNE com uma cara que denunciava uma qualquer núvem de divergência entre ambos.

- Devo dizer-te que fiquei bastante desiludido por afinal não teres colocado o rapaz de quem te tinha falado naquele posto. Eu havia-te dito que tinha um grande empenho em que fosse ele o nomeado...

- Eu tinha percebido, meu caro! Só que verifiquei que todos os outros candidatos eram melhores que o "teu"...

- Ora bolas! Mas a minha "cunha" era precisamente pelo facto de se saber que os outros eram melhores... 

Pergunta e resposta

- Olha lá! O teu blogue deixou de ter fotografias? Fica mais triste...

- Já voltarão, já voltarão! O que acontece é que estou fora de Portugal há quase uma semana e, como sou um "nabo" informático, não consigo colocar fotografias nos posts, com o iPad.

terça-feira, janeiro 19, 2016

Emprego?

Numa notícia de jornal de hoje, o meu nome surge simpaticamente citado como hipótese para o lugar de próximo Secretário Executivo da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). 

Tenho a certeza de que se trata de uma mera especulação mediática, tanto mais que, de há muito, é sobejamente conhecida, nomeadamente por parte de quem é relevante nestas coisas, a minha definitiva e irrevogável (e, no meu caso, "irrevogável" significa isso mesmo) indisponibilidade para quaisquer funções remuneradas de natureza oficial. Isto é válido para este caso como já o foi no passado para outros e o será no futuro para tudo.

Pode parecer pretensioso estar a afirmar isto desta forma, mas apetece-me cortar cerce qualquer especulação.

Almeida Santos

Para a minha geração política, António Almeida Santos era um nome mítico da oposição moçambicana ao salazarismo, ligado aos "Democratas de Moçambique" que, ciclicamente, causavam engulhos à ditadura, por ocasião das farsas eleitorais a que esta não se podia furtar. Foi assim com naturalidade que, em 1974, o vi surgir como ministro da Coordenação Interterritorial, esse nome rebuscado com que a Revolução crismou um Ministério do Ultramar em transição. Depois, como não podia deixar de ser, na raiva da diabolização, vi-o colocado no pelourinho por quantos foram vítimas inocentes de uma descolonização apressada e de desfecho inevitável, uma bomba-relógio criminosamente deixada avançar pela cegueira colonial.

António Almeida Santos foi um dos mais prolíficos legisladores do regime democrático. Senhor de uma escrita límpida e rigorosa, era um jurista eminente e a República deve-lhe muito. Ministro em diversos governos e em várias pastas, não conseguiu chegar à chefia do executivo quando Mário Soares a abandonou, muito por mérito da onda cavaquista que os fundos comunitários já começavam a adubar, nesses anos 80. Também nunca foi presidente da República, um lugar que lhe cairia como uma luva, mas em que os "timings" eleitorais o não favoreceram. Mas o seu período como presidente da Assembleia da República, quando melhor o conheci, ficou gravado como um marco naquela casa da democracia.

Tinha-o como um amigo certo, um homem sereno, ponderado e sempre disponível para quem o conhecia. Era senhor de uma palavra serena, de um juízo sólido, de conselho avisado. Sabia quando e como manifestar a solidariedade devida, como eu próprio tive o privilégio de apreciar. Guardo dele muitos daqueles cartões escritos numa letra límpida (como também era a do seu grande amigo Mário Soares), alinhada, desenhando palavras amáveis, às vezes com uma sugestão, outras com uma nota de simpatia. As mesmas palavras que trocámos, pela última vez, num almoço nas Amoreiras, um pouso gastronómico que curiosamente apreciava. Disse-lhe então que, há anos, o achava "sempre na mesma", com o um aspeto físico imutável. Respondeu-me: "o meu querido amigo nem imagina como esta "máquina" se vai estragando..."

A vida trouxe-lhe algumas fortes tristezas, talvez só compensadas pelo respeito e pela muita consideração que sabia gerar e cultivar nos outros, com naturalidade e imensa simpatia. Os socialistas devem-lhe a lealdade, o equilíbrio e o testemunho de quem soube unir diferentes gerações e protagonistas.

Tenho muita pena que uma inadiável missão de trabalho no estrangeiro me impeça de lhe poder deixar o último testemunho de uma amizade que não esquecerei.

"Much ado about nothing"

Nos últimos anos, dei aulas sobre prática diplomática a estudantes universitários. Alguns deles eram estrangeiros, o que fez com que, em diversas ocasiões, tivesse de abordar o modo muito diferenciado como cada país leva à prática aquilo que Paulouro das Neves tão bem trata no livro a que, com felicidade, deu o nome de "Rituais de Entendimento".

Um dos temas que sempre verifico que suscita curiosidade nas aulas prende-se com as condecorações que são atribuídas por um país a cidadãos estrangeiros. Se há práticas diplomáticas que é tradicional serem comuns, neste domínio elas divergem de Estado para Estado e cada país é chamado a definir as suas regras próprias, feitas de um historial que lhe é específico. E que, naturalmente, compete aos profissionais de cada diplomacia nacional acatar e respeitar.

Nas últimas horas, vi na internet e na comunicação social uma estranha polémica, aparentemente pelo facto da nossa embaixada em Paris não ter acolhido a entrega de uma condecoração atribuída pelo governo francês a uma determinada personalidade portuguesa.

Atentas as últimas funções diplomáticas que exerci, compreender-se-á que aborde este assunto com extremo cuidado, tanto mais que desconheço, em absoluto, o contexto dos factos. Mas há uma coisa que não posso deixar de afirmar, com a maior clareza: eu teria ficado surpreendido se uma condecoração francesa tivesse sido entregue a um cidadão português, quem quer que ele fosse, nas instalações da nossa embaixada em Paris. Apenas porque não é essa a regra.

Nunca vi - mas admito, modestamente, que possa não ter visto tudo - uma representação diplomática portuguesa acolher a entrega de condecorações oficiais estrangeiras. Posso entender que o agraciado pudesse ter gosto nisso, admito mesmo que o país agraciante pudesse não ver inconveniente em que um território diplomático estrangeiro pudesse ser usado para esse fim. Admito tudo isso, mas um Estado não deve adaptar as suas regras protocolares às vontades pessoais, por mais respeitáveis que sejam, ou a quaisquer práticas estrangeiras. Às representações diplomáticas e consulares portuguesas compete zelar pela observância das regras que são próprias a Portugal. E elas são, nesta matéria, muito claras. Nada disto me parece, sequer, discutível.

Com toda a franqueza, tudo isto me parece "much ado about nothing", como dizia Shakespeare para significar o nosso simples "tanto barulho por nada".

segunda-feira, janeiro 18, 2016

Italiano

Só tenho um livro em italiano. Comprei-o há muitos anos, era sobre um tema que me interessava bastante e, na minha ingenuidade, pensei que conseguiria lê-lo. Qual quê! O italiano é, para mim, uma língua muito difícil, quase impossível. Por muito que reconheça algumas palavras, não consigo ler longos textos, da mesma maneira que, muitas vezes, vejo-me em palpos de aranha para entender a própria língua falada, ainda que com a ajuda dos gestos que fazem parte da sua coreografia tradicional. 

Hoje, em Roma, entrei numa Feltrinelli, livraria da fantástica editora do mesmo nome. Há muitos anos que me impressiona a variedade e a qualidade da edição italiana! (Para além do próprio país, onde se venderão os livros em italiano? No Ticino suíço ou em alguns bairros de Nova Iorque?). Olhei para tudo aquilo com o ar de um verdadeiro analfabeto. A verdade é que por muito que sempre me agrade espiolhar o cenário das livrarias, em qualquer parte do mundo onde vá, saio sempre um pouco frustrado dos locais onde não consiga comprar qualquer livro. Como me acontece agora, já à saída do voo para Lisboa. 

Trivia

Adoro o conhecimento "inútil". Desde que me conheço que tenho um fascínio, talvez até um pouco adolescente, por um tipo de informação que não tem a menor utilidade, que não seja a satisfação da curiosidade própria. Tenho vários livros sobre "trivia", que tratam de tudo e de mais alguma coisa. Os mais céticos chamam a isto depreciativamente "cultura de almanaque", mas a mim é-me completamente indiferente a sua opinião. Continuo, por exemplo, nesta busca incessante de resposta para essa questão "grave" e polémica que é a origem da expressão "OK", embora já tenha descoberto a razão pela qual os barcos de turistas no Sena se chamam "bateau mouche". Eu sei que o "tio Google" hoje responde (embora às vezes com respostas contraditórias entre si) à maioria das perguntas, mas eu sou de outro (glorioso) tempo, das discussões intermináveis da mesa da Gomes em Vila Real ou da "sala verde" do velho ISCSPU da Junqueira, acabando nas noitadas do Montecarlo ou do Procópio. Nada se equipara a uma boa discussão, por tudo ou por nada, principalmente por nada.

Ontem, no final do almoço (segui o conselho do papa Francisco, o qual, do alto da janela na praça de S. Pedro, nos havia recomendado, minutos antes, "buon pranzo a tutti"), tive uma conversa com o dono de uma "trattoria" romana e, já não sei bem a que propósito, veio à baila a palavra "tedesco", estranho termo com que os italianos se referem aos alemães. Não falo uma linha de italiano (entendo alguma coisa, mas não passo do "arriverderci" ou da "buona notte"), mas andava há anos com a curiosidade de conhecer a origem da expressão. O homem, pessoa culta que falava um francês magnífico, fruto da emigração que lhe permitiu amealhar para comprar a casa, mostrou-se tão intrigado como eu. E lá andámos nós, entre um "lemoncello" que acabou por ter de duplicar-se, à procura da etimologia da palavra. E que descobrimos? Que a palavra tem origem na designação de uma língua medieval alemã, o "theodisce", utilizada popularmente, e que significava precisamente "do povo". É aliás a partir do final dessa palavra que nasce o conhecido "deusch". 

As coisas que se aprendem quando se quer saber! Estava eu a pensar nisto, para fazer a nota para este blogue, quando deparei com uma reportagem com os golos da jornada futebolística italiana na televisão. Fiquei preso ao écran por uns minutos, até que, nesta língua cheia de "is" que é o italiano, ouvi a conhecida expressão "calcio" para designar futebol. E lá vou eu à procura da razão que leva a Itália a usar uma palavra tão diferente da generalidade das línguas conhecidas, para se referir ao mais belo jogo do mundo...

domingo, janeiro 17, 2016

Comunicação social

Não aprecio muito as análises sobre a comunicação social que assentam na presunção mecanicista de que a orientação dos "media" depende quase exclusivamente das pessoas escolhidas para os dirigirem. Uma avaliação deste tipo pressupõe que o corpo redatorial desses jornais, rádios ou televisões não passa de meros "paus mandados", sem coluna vertebral deontológica, que se vergarão às determinantes que lhes vierem a ser impostas, sem um mínimo de resistência se acaso lhes vier a determinada uma inflexão enviesada na linha informativa. Também resisto a pensar que certos profissionais nomeados para lugares de chefia nesse órgãos, conhecidos pelas suas posições mais à esquerda ou à direita, tendem a que essa sua orientação ideológica se sobreponha em absoluto ao seu compromisso profissional com a verdade. 

Penso tudo o que escrevi. Mas a vida e a experiência também me ensinaram a já não ser excessivamente ingénuo neste tipo de questões, "if you know what I mean".

sábado, janeiro 16, 2016

Remunerar o trabalho

Desde que, há cerca de três anos, regressei definitivamente a Portugal, tenho vindo a ser convidado a estar presente em colóquios ou palestras, sobre temas em que, aparentemente, se considera que posso dar alguma contribuição com interesse, normalmente sobre temas de natureza internacional, mas não só. 

Na medida da minha disponibilidade, faço-o sempre com gosto, embora algumas dessas prestações deem, por vezes, bastante trabalho a preparar. Não raramente, esses eventos têm lugar fora de Lisboa, implicando deslocações, por vezes longas e cansativas. Nesses casos, quem convida prevê, muitas vezes, alojamento e, em algumas ocasiões, as refeições e o transporte. Porém, só em situações muito pontuais a presença nessas tarefas inclui o direito a uma qualquer remuneração, ainda que pequena, ou o pagamento de um qualquer per diem

A experiência mostra que, em muitos países, as coisas se passam de forma diferente: quem é convidado a falar recebe, por regra, uma remuneração por esse trabalho, por vezes mesmo uma quantia significativa, outras vezes um valor pouco mais que simbólico. Mas há quase sempre um determinado montante, às vezes umas escassas centenas de euros, como forma de retribuir o trabalho executado. Por vezes, como já me aconteceu nos Estados Unidos, na Polónia, na Coreia do Sul, na Alemanha e em outros lugares, torna-se mesmo obrigatório aceitar esse montante, não podendo os oradores dispensá-lo. 

Por que será que, entre nós, as coisas se passam quase sempre como se fosse natural que o trabalho pro bono devesse ser a regra? Será que se considera que somos nós que nos devemos sentir honrados com o convite? Nesse caso, "à la limite", talvez devêssemos ser nós a pagar alguma coisa! Ou será porque se entende que quem é convidado a falar tem recursos suficientes para dispensar ser recompensado pelo seu esforço? Conheço pessoas que, entre nós, já só se disponibilizam para falar em público mediante remuneração. E, infelizmente, também já assisti a casos em que oradores não remunerados estavam sentados lado a lado com outros pagos para a mesmíssima tarefa.

Posso perceber que, tratando-se de instituições sem fins lucrativos ou de natureza beneficente, a gratuitidade possa ser solicitada. Mas já compreendo menos bem que, quando há uma "sponsorização" dos eventos, por parte de entidades públicas ou de empresas, neles não esteja prevista uma qualquer remuneração para os oradores, repito, mesmo que não seja muito elevada. E em especial não consigo entender muito bem que, quando os organizadores desses eventos são profissionalmente remunerados para os prepararem e gerirem, possam legitimamente pedir a alguém que convidam para falar que se disponibilize a nada receber.

Lembrei-me disto ontem, aqui em Roma, onde vim falar a convite de uma determinada entidade. Transportes (mesmo em Lisboa, até ao aeroporto e no regresso a casa), alojamento e todas as horas de trabalho que executei foram devidamente compensadas monetariamente. Não foram números muito expressivos, mas representam o respeito devido pelo labor na preparação de uma conferência e em algumas horas de debate especializado.

É assim que as coisas devem ser e espero que, cada vez mais, entre nós também comecem a ser assim.

sexta-feira, janeiro 15, 2016

Bola ao centro

Recomeça o jogo no CDS. Um novo líder agarra o testemunho de uma formação que o destino condenou a nunca poder ser o maior partido.

Num dia de dezembro de 1974, uma delegação do CDS expôs ao Movimento das Forças Armadas o problema existencial que afetava o partido. O CDS fora estimulado a organizar-se pelo presidente Spínola, Freitas do Amaral integrara o Conselho de Estado, mas o CDS não ingressara nos governos provisórios (não viria a fazer parte de qualquer deles, até 1976). A sua legalidade era indiscutível e o seu programa era compatível com os princípios da Revolução (teria graça relê-lo hoje). No entanto, o CDS defrontava crescentes dificuldades de organização (comícios boicotados, sedes assaltadas, militantes ameaçados), sob a aparente indiferença das forças da ordem.

Recordo bem a intervenção de Vitor Sá Machado: o CDS pretendia acolher quem não se reconhecia à esquerda (na altura, afirmar-se "de direita" era quase tabu), dar a esse setor um espaço democrático de expressão e, por essa via, "servir o 25 de abril”. Porém, para tal, necessitava de saber se as Forças Armadas estavam dispostas a dar garantias para a sua existência, se o partido poderia, ou não, ter condições de se estruturar em liberdade. Deixou subentendido que, se acaso o CDS desaparecesse, haveria o risco de determinados meios mais conservadores poderem optar por se colocarem violentamente fora do sistema

A delegação do MFA era chefiada pelo (então) tenente-coronel Franco Charais (eu estava lá como militar). Assegurou que o CDS tinha todas as condições para continuar a existir, parte das dificuldades do partido deviam-se ao facto de muitos dos seus aderentes serem antigos apoiantes da ditadura. Fixei uma frase: "Um outro partido de direita, como o PPD, também tem esse problema"...

O CDS fez entretanto o seu percurso. Enquadrou o desespero dos "retornados", escapou à "poluição" das derivas bombistas do MDLP e do ELP, conjugou verdadeiros democratas com reacionários assumidos. Integrou governos, esteve em riscos de apagamento parlamentar (fase do "taxi"), vagueou por lideranças contraditórias. Foi do federalismo europeu ao discurso eurocético radical, da democracia cristã ao neo-liberalismo. Defendeu pensionistas e justificou os cortes que os atingiram, diabolizou os impostos e subscreveu a mais violenta carga fiscal. Às vezes, as caras que titularam essas fases políticas foram diferentes, outras vezes, o mesmo figurante fez os dois papéis.

Uma coisa o CDS nunca fez: assumir causas de extrema-direita, xenófobas, racistas, ultra-securitárias ou discriminatórias, nomeadamente no plano religioso. Só podemos esperar que a nova liderança seja digna deste património.

(Artigo que hoje publico no "Jornal de Notícias")

quinta-feira, janeiro 14, 2016

Boa memória (2)


Há pouco, ao apanhar um táxi para o aeroporto, ainda tive a esperança do carro ser conduzido por este conhecido motorista, que chegou "à praça" lisboeta em 1989. Não era. É que, nos dias que correm, já tudo é possível...

Outros presidentes

Foto de Margarida Lima

Nesta cidade de Lisboa, há umas tertúlias simpáticas, que juntam gente muito diversa, que convida para almoçar ou para jantar uma figura pública que se dispõe a falar sobre a sua atividade ou sobre um tema específico, havendo depois um diálogo alargado com os circunstantes. 

Faço parte de algumas dessas tertúlias. O compromisso dos convidantes é que o que por ali se disser é "sagrado", não vem a público. Até hoje, nunca vi essa regra desrespeitada.

Há semanas, jantei num desses "cenáculos" com o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina. Ontem, tive o gosto de almoçar com o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira.

Ao ouvi-los falar sobre as cidades que gerem, os respetivos problemas, as questões com que se confrontam e os planos que têm para elas, apetece-me utilizar a frase "histórica" do capitão Fernandes, em 1975, no auge do PREC, quando perguntado sobre o destino das armas que tinha desviado de Beirolas: "Estão em boas mãos!"

Os EUA, a ONU e Gaza

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