quarta-feira, março 11, 2015

Corrupção


Não conheço Paulo Morais. Ouvi falar dele pela primeira vez quando, há anos, se soube que um vereador tinha abandonado a Câmara Municipal do Porto (creio que) em protesto contra a falta de determinação revelada pela instituição em matéria de combate à corrupção. Estranhei, tanto mais que se havia uma qualidade que se colara à pele do então presidente do município, Rui Rio, essa era a honestidade. Mas acabei por ficar com admiração por quem, aparentemente, queria ir mais longe nessa nunca concluída luta pela limpeza de processos na administração.

A partir daí, comecei a atentar mais no discurso público de Paulo Morais, que surgiu ligado à ONG Transparency International. Leio-o e ouço-o, a espaços. Notei que cavalgava essa saudável onda que percorre o país na rejeição dos atos de corrupção, na denúncia dos tráficos de influência e de todas as formas de conduta ilegítima e ilegal, que corroem a política e a administração pública.

Até aí tudo bem. Mas, ressalvada a hipótese de me ter falhado alguma coisa substancial (o que não excluo e, a ser verdade, me fará retratar) nunca me constou que Paulo Morais tivesse apresentado às autoridades dados comprovativos de malfeitorias dos quais tivessem resultados condenações. O que tenho visto é um discurso vago, que se aproxima muito da chamada "conversa de taxista", isto é, o apontar, com sobrolho cerrado e ar grave e indignado, de suspeitas sobre um mundo sem fim de áreas económicas e da administração, como se bastasse dizer que "toda a gente sabe" e "as autoridades que investiguem". Paulo Morais tem vivido a coberto de uma espécie de bula, que está consagrada aos olhos dos utentes dos meios de comunicação que lhe acolhem os textos e as intervenções, meio em que se criou já a ideia de que basta denunciar e que não se tem a menor obrigação de ir mais além - no género, "eu já avisei que ali há marosca, agora atuem". Acho isto de uma ligeireza inaudita.

Ontem, ficou-se a saber que Paulo Morais enviou à Assembleia da República dados sobre um determinado caso de corrupção em que o suporte das denúncias assenta... em citações de si mesmo e em programas de televisão em que participou. Com ironia, fez-me lembrar o exemplo daquele académico francês que passava o tempo a citar-se a si mesmo e de quem se dizia que tinha como rendimentos os "royalties" que recebia dos direitos de autor que pagava pelo uso das suas próprias citações...

O combate à corrupção, ao tráfico de influências e a outra criminalidade de "colarinho branco" é uma coisa demasiado séria para ficar reduzida a este tipo de caricaturas que só o desqualificam e apenas bebem de um populismo mediático que vive à base de "bocas & bitaites", apoiadas na má língua e na inveja reinante. Se Paulo Morais quer estar para além disto, tem de ser mais consequente e concreto. 

terça-feira, março 10, 2015

Aviso à navegação

Ontem, disse aqui que iria fazer parte de uma estrutura de aconselhamento para a elaboração do programa socialista para as próximas eleições legislativas. Horas depois, um jornal, ao acolher uma opinião minha sobre um qualquer assunto de política interna, atribuiu-me a qualidade de "conselheiro" do secretário-geral socialista, como que a sugerir que o que eu dizia refletia essa proximidade - melhor, que a minha opinião comprometia António Costa. Não sou "conselheiro" do meu amigo António Costa, sou conselheiro do "gabinete de estudos" que está a preparar o programa político do partido que dirige. Eu dou pareceres que os responsáveis políticos seguirão ou não. Tão simples como isso.

Coloquemos assim as coisas nos seus devidos termos. Nenhuma opinião minha vincula, em nenhuma circunstância, o Partido Socialista nem compromete politicamente António Costa, seja em matéria de política interna ou externa. Não sou dirigente do PS, não estou subordinado a qualquer disciplina opinativa e tudo - repito, tudo! - o que eu digo e escrevo responsabiliza-me exclusivamente a mim próprio e não pode ser tomado à conta de decorrer de qualquer linha partidária, de que não sou porta-voz. Nesse contexto, nào será de estranhar que, aqui ou ali, venham a encontrar, nas opiniões que eu vá emitindo, eventuais contradições com aquilo que o PS oficialmente preconiza.

Gostava que isto ficasse bem claro!

A Venezuela e a doutrina Monroe revisitada

A situação que se vive na Venezuela deve preocupar-nos a todos. Por lá reside a maior comunidade portuguesa emigrada num só país, cujos interesses económicos e segurança pessoal têm de merecer um atento acompanhamento diplomático da nossa parte, em especial no período de instabilidade político-económica que o país atravessa. Uma comunidade que, sem surpresas, não parece estar muito em sintonia com a linha política que domina o governo da Venezuela, mas a quem a prudência parece dever aconselhar contenção, neutralidade e um comportamento que, tanto quanto possível, não facilite a sua instrumentalização pelas forças político-partidárias que polarizam o debate. Mas, naturalmente, os portugueses e luso-venuzuelanos são livres de tomarem as opções que muito bem entenderem, na plena certeza de que as consequências que delas puderem resultar serão da sua inteira responsabilidade. 

A Venezuela que passou a existir depois da morte de Hugo Chávez acelerou ou sinais de instabilidade já existentes. Nicolás Maduro dá sinais de ser um líder fraco, enveredando por uma permanente fuga em frente, numa deriva que soa a desespero, agora agravado pela queda drástica dos preços do petróleo e pelas consequências que daí resultam para o alimentar de políticas públicas que tinham nessa matéria prima a essencial base financeira. O caminho "bolivariano" pôde manter-se enquanto apoiado em réditos regulares, que permitiam favorecer os "descamisados" e sustentar artificialmente preços e serviços, alimentando a gigantesca máquina estatal.

O presidente Lula, do Brasil, tinha algum "leverage" sobre Chávez e achava-lhe genuinamente alguma graça. Falei com ele algumas vezes sobre a personagem, que ele distinguia de forma muito clara de outros líderes locais, como Morales (da Bolívia) ou Correa (do Equador), e notei que, perdendo por vezes a cabeça com algumas das atitudes do líder venezuelano, tinha por ele alguma afetividade, embora estivesse muito longe de partilhar as suas bizarras e idiosincráticas atitudes. O Brasil foi um importante fator de tentativa de credibilização de Chávez junto de outros parceiros, com um sucesso que o líder venezuelano regularmente se encarregava de arruinar, pela imprevisibilidade das suas reações e atitudes.

Um dia, um importante ministro brasileiro, que acompanhou Lula numa das suas frequentes visitas a Caracas, contou-me uma história significativa que era bem reveladora do pensamento íntimo de Chavez. Numa conversa, Lula fazia notar a Chávez que os ganhos do Brasil, no seu comércio com a Venezuela, eram exponenciais. O Brasil nunca ganhara tanto nos seus negócios no país, numa a balança comercial lhe fora tão favorável. E, no entanto, "com amizade", afirmou que o Brasil não se sentia bem nessa relação tão desequilibrada, em grande parte devida à ausência de um setor produtivo venezuelano que se pudesse desenvolver e criar produtos essenciais à satisfação de setores básicos da sua população, nomeadamente na área alimentar. O Brasil estaria disposto a ajudar nisso, na criação de empresas industriais que pudessem substituir importações e reforçar a produção industrial venezuelana. 

Chavez olhou para Lula, percebeu a genuinidade do gesto e adiantou: "Tens razão! Já tinha pensado nisso e tenho um grupo a estudar a criação de um conjunto de empresas estatais dedicadas a vários setores de produção de produtos essenciais". O presidente brasileiro deu um salto na cadeira: "Eu queria dizer empresas privadas, não empresas estatais!" Foi a vez de Chávez se alarmar: "No, privadas, jamás!" Para logo acrscentar: "Os privados ligam-se logo à reação contra mim!".

No avião de regresso a Brasília, Lula comentou com os seus ministros e colaboradores: "Este Chavéz é incorrigível. Dificilmente não acabará mal, por muita ajuda que lhe dermos".

Chavéz "se calló" para sempre. Lula saiu de cena (por ora?). Na Venezuela, subiu Maduro, um subproduto da memória chavista. No Brasil, Lula, o tal que, segundo a tradição, "elege um poste", conseguiu eleger Dilma Rouseff e foi uma âncora indispensável à sua recondução. A aliança entre o Brasil e a Venezuela já teve dias melhores, com ambas as economias, em parte por razões diferentes, a atravessarem dificuldades. Em Caracas, nos dias que correm, as atenções devem agora estar voltada para o "big brother" do Norte. É que Washington, de quando em vez, lembra-se da "doutina Monroe", em especial quando as coisas lhe começam a correr mal noutras geografias e quando, para efeitos internos, tem de "compensar" os novos gestos face a Cuba. É tudo tão óbvio, não é?

Memorabilia Diplomatica (II) - O cozinheiro "iraniano"

Eu estava na Noruega, em 1980. Era, episodicamente, "encarregado de negócios", na ausência em férias do embaixador. A revolução no Irão acabara de acontecer. O Xá tinha saído do país, Khomeini tinha regressado do seu exílio parisiense. Em Oslo, o meu colega iraniano, Parviz Azarnia, uma figura muito ativa e agradável dos circuitos diplomáticos locais, desapareceu da circulação, de um dia para o outro. Pelas notícias, íamos seguindo a agitação no Irão, com grande curiosidade.

Um dia, na nossa embaixada, fui avisado de que um cidadão português, residente em Oslo, queria falar comigo. Os nossos compatriotas não excediam então as duas centenas, por todo o território norueguês. Apareceu-me um tipo gorducho, algo afogueado, a apresentar um problema. Desde há anos que era cozinheiro da Embaixada iraniana. De um dia para o outro, todos os iranianos da Embaixada, residência e chancelaria, se tinham ido embora. Ele estava sozinho, há duas semanas, sem saber o que fazer, quase sem dinheiro. Tinha a intenção de procurar um novo emprego. Mas não sabia o que havia que fazer com a chave da residência, de que era o único ocupante. E fez-me uma inesperada sugestão: podia eu ficar com a chave da Embaixada, dando-a, mais tarde, aos futuros novos colegas iranianos?

A ideia era bizarríssima. A embaixada iraniana era, e é, um imponente edifício quase em frente à nossa residência, em Drammensveien, em Oslo. Tive o bom senso denem sequer transmitir o assunto para conhecimento de Lisboa. Os telegramas com historietas, subscritos pelos substitutos dos chefes de missão são, no anedotário do MNE, motivo regular de gozo dos colegas. E a história de um cozinheiro português a "entregar-me" a Embaixada do Irão iria fazer o gáudio dos claustros das Necessidades, por muito tempo. Assim, optei por entrar em contacto com o serviço do protocolo do Ministério dos estrangeiros norueguês, com quem aconselhei o cozinheiro a falar. Nunca soube se o fez.

O que eu soube, poucos dias mais tarde, é que uma nova e mais ortodoxa equipa diplomática iraniana chegou, finalmente, a Oslo. O cozinheiro português terá sido de imediato despedido. O menu tinha mudado no Irão.

(Reedição de historietas da diplomacia por aqui já publicadas)

segunda-feira, março 09, 2015

Garagens


Um velho e querido amigo polaco, de há mais de duas décadas, antigo membro do governo e hoje deputado europeu, ironizava ontem no seu Twitter que, enquanto os cidadãos da Europa ocidental se preocupam em ter um segundo carro na sua garagem, os cidadãos do leste europeu preocupam-se em não ter por lá um tanque russo...

Esta é a mostra do contraste de perspetivas que se vive no seio da União Europeia sobre a questão russa. Na Polónia, tal como nos países bálticos, respira-se hoje um ambiente de pouco abafada angústia quanto à Rússia, às suas ambições e ao grau de determinação do mundo ocidental de lhe fazer frente. Essa Europa mais a Leste vê com preocupação que a prosperidade e o bem-estar no ocidente europeu, ameaçados, por exemplo, pelo custo das sanções à Rússia e pelas necessidades em fornecimento de gás cuja torneira está em Moscovo, são fatores que mobilizam, muito mais que a segurança, as respetivas opiniões públicas.

Ao meu amigo polaco eu poderia perguntar se o seu país e outros dessa área não terão, involuntariamente, sido co-responsáveis pela criação na Ucrânia de expetativas que o bom-senso deveria ter moderado e que, indiretamente, também estão hoje por detrás da tragédia que aquele país atravessa. Eu não tenho certezas mas, na verdade, também não sou vizinho próximo da Rússia.

A Europa, a Grécia e nós


Aqui fica o link para a intervenção que fiz na conferência "Grécia e agora?" promovida pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade do Direito da Universidade de Lisboa, no passado dia 4 de março.

Declaração de interesses

Neste ano em que, lá para outubro, se decidirá a quem vai competir a futura liderança política do país, decidi aceitar o honroso convite que me foi feito para integrar um grupo de pessoas a quem caberá acompanhar a preparação do programa socialista para as próximas eleições legislativas.
 
Fazem parte desse grupo Ana Maria Bettencourt, António Correia de Campos, António Vitorino, Augusto Santos Silva, Gustavo Cardoso, Helena André, Helena Freitas, João Cravinho, Paulo Pedroso e eu próprio.
 
Há muito que decidi, em definitivo - e eu sou dos que levam a sério a palavra irrevogável -, nunca mais voltar a ter ação política ativa, mas considerei ser meu dever cívico integrar esta tarefa, pontual e limitada no tempo, de aconselhamento de quantos  se envolvem no esforço democrático e patriótico de preparar uma agenda de alternância, capaz de resgatar o país do improviso governativo que sobre ele se abateu nos últimos anos.
 
Se estiverem de acordo comigo, "wish me luck"! Se não estiverem, amigos como dantes e, lá para outubro, logo regressa o quartel-general a Abrantes...

domingo, março 08, 2015

Viva o Estado!

Nestes dias que antecederam o 8 de março, o que mais se ouviu por aí foi a crítica - muito justa - ao facto de muitas mulheres serem discriminadas, face aos homens, na sua retribuição salarial. 

Ninguém se terá lembrado - e seria muito justo que isso fosse dito - que, na Administração Pública, não existe hoje a menor discrepância de salários entre homens e mulheres.

Quando tanto se diaboliza o serviço público, convém que, ainda dentro do dia internacional da mulher, possamos, também a este respeito, dizer com orgulho: viva o Estado! 

8 de março

Neste dia internacional da mulher, e num tempo em que combate à violência doméstica está (felizmente) na atualidade, vale a pena lembrar, pelo que revela de um Portugal que, se calhar, ainda continua a existir por aí, o que uma mulher de A-Ver-o-Mar dizia à escritora Luísa Dacosta, quando interrogada sobre se o marido lhe batia: "Ele não me bate muito, só o preciso".

O drama presidencial


O senhor presidente da República deve receber em Belém os insofismáveis registos de opinião que dão nota de que a generalidade dos portugueses avalia hoje, de forma amplamente negativa, a sua prestação no lugar que ocupa. Seria interessante, se não fosse impossível, o país conhecer o que infere o chefe do Estado desse facto, a quem atribui as culpas desse estado de alma da nação face ao seu supremo magistrado - num fim de mandato que, por regra, leva à atenuação das arestas da crítica e à cristalização, no imaginário coletivo, de um somatório das qualidades que a benevolência da memória pública foi capaz de decantar nos titulares cessantes do cargo. Mas podemos imaginar, atentando naquilo que conhecemos da personagem, que o senhor Presidente não se deve auto-atribuir grandes responsabilidades nesse estado de coisas, passando as culpas para a conjuntura adversa, para o viés da comunicação social, para a má fé das forças políticas e dos fazedores de opinião. O senhor presidente, lá no fundo, deve achar-se filho daquela senhora que, ao ver um pelotão militar marchar, conclui que só o seu rebento leva o passo certo.

Ontem, o senhor presidente, ao comentar as trapalhadas das contas do primeiro-ministro com o erário, deu uma prova mais de que permanece numa profunda dessintonia com o país, que - com todo o devido respeito - não entende que lhe compete interpretar o sentimento maioritário dos portugueses e que o cargo que ocupa imporia que mantivesse, até ao último dia que o vai exercer, uma neutralidade e uma avaliação elevada da situação política que lhe compete tutelar. Resta a leitura de que, por detrás deste evidente gesto de não adesão à exigência nacional da clarificação, de uma vez por todas, do passado profissional, fiscal e contributivo do dr. Passos Coelho, o senhor presidente da República possa estar a ecoar subliminarmente o seu próprio embaraço, o facto de não ter deliberadamente deixado dilucidada uma questão que o país sabe que continua a ser-lhe incómoda: a sua lamentável relação com o caso BPN. Neste teatro de sombras em que o palácio de Belém se converteu, este parece ser o drama do senhor presidente. Que, para o país, é uma tragédia.

Festivais


Sou de um tempo em que o festival português da canção e, depois, o da Eurovisão, paravam o país, comigo incluído, bem entendido. Lembro-me bem de uma noite de 1967, no Porto, em que só uma réstea de bom-senso me fez optar por ir para o "galinheiro" do Palácio de Cristal, ver um Portugal-Espanha em hóquei, em vez de assistir, na sala de TV do Centro Universitário, à vitoria de "O vento mudou", de Eduardo Nascimento. No ano seguinte, colaborei com o júri que, em Vila Real ("Aqui vão os votos do júri de Vila Real: canção número 1..."), certificou a escolha de "Verão", de Carlos Mendes.  Em 1969, Simone de Oliveira quase que trasladou para a final da Eurovisão, em Madrid, a "alma" do país, com a "Desfolhada". A dimensão popular da sua recepção em Santa Apolónia derrotou a chegada do Porto de Humberto Delgado, em 1958, e estabeleceu uma fasquia a que Mário Soares não conseguiu estar à altura, quando por aí regressou do exílio, em 1974.

Esse foi também o início do cíclico, angustiado e também muito lusitano tempo das "vitórias morais", da denúncia das sinistras conspirações internacionais contra as nossas inspiradas obras, pela óbvia perfídia dessa Europa a que já havíamos aderido vocalmente "avant la lettre". Tempo que passou a consagrar, com a vitória interna, a saudável presença de José Carlos Ary dos Santos nestas lides musicais. A textos seus se ficaram a dever alguns dos melhores momentos do festival.

A canção vitoriosa em 1974 foi a senha da Revolução de abril, com Paulo de Carvalho a cantar "E depois do adeus". O adeus à ditadura foi, para mim, o início do adeus ao festival. Em 1975, um capitão de Abril (!) representou Portugal na Eurovisão, num escusado pleonasmo político-musical. Seguiram-se dois anos de canções militantes para, finalmente, o nosso país passar a eleger coisas com títulos tão significativos como "Dai-li, dai-li dou", "Sobe, sobe, balão sobe", "Baunilha e Chocolate" ou outros com idêntica profundidade e inspiração lexical. Nuns anos, ainda houve recaídas para o cançonetismo de "mensagem", noutros, há que reconhecer, aconteceram momentos musicais com alguma graça e qualidade. Muito poucos.

A presença da canção portuguesa nos festivais da Eurovisão é, desde o primeiro dia, desde 1964, um dos raros momentos do ano em que a política externa portuguesa é assumida pela generalidade dos telespetadores que ainda ligam ao tema: "vamos a ver se os "nuestros hermanos" votam ou não em nós!"; "ainda estou para saber para que serve a velha Aliança? Os "bifes" deixaram-nos cair"; "espero que os nossos emigrantes ponham a França a nosso favor"; ou "e deixámos nós aqueles tipos entrar para a Europa para agora não nos darem nem um pontinho...". E só registo os comentários publicáveis, claro. João Abel Manta retratou como ninguém, em tempos de ditadura (e, julgo, teve um ridículo processo censório por isso), esse "musicopatriotismo", como a imagem acima atesta.

Há cinco anos, escrevi por aqui o texto que acaba de ler. Há minutos, ao ouvir uma miúda (bem gira, por sinal!) aos berros e desafinada, que parece que nos vai representar à cidade da música, para uma gala da Eurovisão que agora inclui a Austrália (!!!), quase que senti saudades da "Oração" do António Calvário, já há meio século.

sábado, março 07, 2015

Memorabilia diplomatica* (I): Comissões mistas

Naqueles tempos, as chamadas “comissões mistas”, as visitas técnicas de membros dos governos aos seus homólogos de outros países, para assinar ou cumprir acordos, demoravam vários dias, entrecortados de trabalho e de algum lazer. Bons tempos esses!

Estávamos em Marrocos, no início da minha carreira, e eu fazia parte de uma dessas delegações, chefiada por um político jovial e mundano, saído de uma área técnica que não vem para o caso referir.

Acabado o jantar oficial do primeiro dia, em Rabat, o nosso governante chama-me à parte e coloca-me uma questão: “Você é muito mais novo que eu, mas já ouviu falar do caso Profumo?”. Ora eu conhecia bastante bem a história do ministro da Defesa britânico, John Profumo, que, uns bons anos antes, havia caído em desgraça, com grande escândalo público, por partilhar uma amante com o adido militar soviético.

Estranhei um pouco que a curiosidade prosseguisse, numa linha inquisitiva: “E lembra-se do nome dela?”. Com algum gozo, mostrei a minha familiaridade com a intriga política londrina e disse-lhe que ela se chamava Christine Keeler. Ele ficou satisfeito.

Mas o que eu não sabia, e ele logo me revelou com um sorriso cúmplice, é que, segundo informações seguras de que dispunha, Christine Keeler vivia então em Marrrocos, mais precisamente em Casablanca, onde dirigia nada mais nada menos que uma próspera “casa de meninas”.

Chegado a este ponto, o nosso político – que, diga-se de passagem, não foi muito longe na sua carreira governativa – lança-me o desafio: “Meu caro, você é um homem do mundo, lá dos Estrangeiros e agora vai ter de mostrar o que vale. Tem como missão arranjar maneira de, numa destas noites, eu dar um salto lá à “casa” da Keeler. Fale com o protocolo marroquino, eles estão habituados a estas coisas. E você, se quiser, até pode vir comigo. Tome bem nota: é um encontro com a História!”.

Caí das nuvens, confesso. Fiz-lhe ver que, andando nós com batedores, com uma delegação relativamente numerosa e enredados em compromissos oficiais vários, era um pouco delicado e difícil montar uma escapada lúdica daquele porte, para uma cidade a quase uma centena de quilómetros da capital. Mas o nosso político insistia e, praticamente, só não ameaçou queixar-se de mim em Lisboa porque, apesar de tudo, este tipo de tarefas não fazia parte, pelo menos obrigatória, da “job description” dos nossos diplomatas.

A minha discreta missão junto do protocolo marroquino não teve, porém, aquilo que se possa qualificar como um acolhimento entusiasmado. No entanto, para atenuar os fulgores do nosso político, lá se conseguiu para ele um programa alternativo, através de uma espécie de “room service” feminino, que a viúva de um antigo chefe da polícia de Rabat tinha à época instalado para clientes VIP, no hotel onde nos alojávamos. Do mal o menos.

John Profumo morreu já há alguns anos, bem depois no nosso episódico governante. Christine Keeler, que tem hoje 73 anos (na bela foto que reproduzo tinha 19), acabou por ganhar renovada fama, em 1989, com o filme “Scandal“, onde era relatada a sua aventura londrina. Não verifiquei, na autobiografia que publicou, os relatos das suas posteriores noites de Casablanca. Mesmo que o tivesse feito, e graças à minha lamentável imperícia diplomática, eles não poderiam incluir qualquer nota sobre a visita de um fogoso político português, nos idos da década de 70. A menos que outros por lá tivessem andado! Quem sabe?...
* Memorabilia diplomatica : inicio hoje a republicação de historietas diplomáticas já inseridas neste blogue, que o tempo deixou para trás e que, naturalmente, dificilmente serão do conhecimento dos leitores mais recentes. Irei numerá-las à medida da sua republicação, que será feita sem qualquer critério temporal. Usando a frase que as escolas hoteleiras ensinaram a dizer, nos restaurantes, aos miúdos delas saídos, "espero que gostem".

sexta-feira, março 06, 2015

Quadratura do Círculo


Por amiga sugestão de Jorge Coelho, simpaticamente aceite pela equipa da "Quadratura do Círculo", substituí-o na última edição do programa. Agradeço-lhe a experiência. Como diria Américo Tomás, só tenho um "adjetivo" para a qualificar: gostei! 

O convidado foi muito bem tratado pelos episódicos companheiros de mesa. Quem o não terá sido da mesma forma foi o dr. Passos Coelho, sobre quem convergiram algumas críticas fortes, de que pode ver uma amostra aqui. É a vida, repetindo a frase de um seu saudoso antecessor no cargo que ocupa!

quinta-feira, março 05, 2015

"Público"


Hoje, o "Público" faz 25 anos.

Quando apareceu, em 1990. o diário representou uma lufada de ar fresco no panorama jornalístico português, com uma importância quase similar àquela que o "Expresso" teve nos estertores da ditadura - e não será por acaso que o "Público" foi criado por gente saída do "Expresso". O "Público" passou a ser o nosso "Le Monde", o nosso "El País", o nosso "La Reppublica". Era, manifestamente, era um corte cultural com a prática de imprensa diária em que, até aí, Portugal tinha vivido.

Sempre tive no "Público" pessoas que mereceram a minha estima e amizade, ao longo destas duas décadas e meia em que, com as limitações frequentes da distância, acompanho regularmente o jornal. Devo ao "Público" a simpática atenção que deu às diversas atividades que desenvolvi ao longo dos anos. Nele publiquei vários artigos, por ele fui entrevistado algumas vezes. A todos os meus amigos do "Público"-  mesmo àqueles que dele se afastaram há muito, como é o caso do seu fundador e idealizador, Vicente Jorge Silva - deixo aqui um forte abraço coletivo de parabéns.

Por muita água que tenha corrido sob as pontes, por muito que o "Público" tenha mudado, uma realidade é indiscutível: há uma imprensa portuguesa antes do "Público" e outra depois da sua aparição.

Profissionalismo


Ontem à noite assisti a uma demonstração pouco comum de profissionalismo. 

Paulo Dentinho, correspondente da RTP em Paris, fez uma excelente entrevista ao ditador sírio Bashar al-Assad. Com frontalidade, sem deixar de colocar todas as questões pertinentes, Dentinho conseguir conduzir, com extremo profissionalismo, um diálogo de onde nunca transpareceu a menor subserviência. Domínio dos assuntos, profundidade nas questões, assertividade na colocação dos temas.

Uma entrevista deste tipo é um poço de riscos. Deixar de colocar questões essenciais seria uma prova de tibieza e poderia ser vista como um "frete", como uma espécie de compensação pela obtenção deste raro "furo" jornalístico. Paulo Dentinho não se deixou cair nessa ratoeira, tal como, há quatro anos, havia feito o mesmo com Mouammar Khadafi, no auge da guerra na Líbia.

O profissionalismo é a marca de bons profissionais da RTP e é a prova provada de que a televisão de serviço público tem hoje, a servi-la, gente de imensa qualidade. Como é o caso de Paulo Dentinho. Apetece assim dizer a quem tutela a RTP, uma variante da frase clássica: deixem-nos trabalhar!

Quadratura do Círculo


Hoje à noite, a partir das 23 horas, na SIC Notícias, vou ter o gosto de substituir pontualmente Jorge Coelho no seu debate semanal com António Lobo Xavier e José Pacheco Pereira, sob moderação de Carlos Andrade.

quarta-feira, março 04, 2015

Indignidade parlamentar

Nunca fui deputado, mas julgo conhecer o essencial da ética de relacionamento entre os parlamentares. Nesse âmbito, para além da vivacidade dos debates, creio que há um código implícito de comportamento que rege as relações entre os eleitos. Nele se insere um mínimo respeito mútuo que, naturalmente, tem um maior rigor quando se trata de figuras cimeiras de qualquer dos grupos políticos.

Hoje, no quadro da polémica sobre as dívidas do primeiro-ministro à Segurança Social, a maioria vetou o envio de perguntas escritas ao chefe do governo. Pense-se o que se pensar deste assunto, PSD e CDS estão no pleno uso das suas faculdades parlamentares so assim procederem. Até aqui, tudo bem.

O que é inadmissível, e de uma baixeza e indignidade política que eu pensava ser impossível de ocorrer, foi ouvir um obscuro deputado social-democrata, de seu nome Adão e Silva, que falava em nome do seu partido no tratamento da questão, inquirir jocosamente sobre se a relutância do PS em utilizar o debate quinzenal para inquirir pessoalmente o dr. Passos Coelho não teria a ver com o facto dos socialistas não confiarem na capacidade do seu líder parlamentar. Já vi o nível das intervenções políticas descer muito, mas a triste realidade surpreende-nos sempre.

É nestas alturas que sinto saudades do tempo em que, com gente desta, isto se resolvia com umas bengaladas.

ps -  Fui agora informado que o "e" em "Adão e Silva" foi um erro do oráculo televisivo. Devo dizer que estava algo perplexo, porque conheço vários "Adão e Silva" e estava a estranhar que este senhor fosse da mesma extração familiar. Afinal é "Adão Silva". Ainda bem!

Queixas

Os governos português e espanhol queixaram-se à Comissão Europeia das acusações do PM grego de que Madrid e Lisboa - ainda não percebi bem por que ordem - tinham estado na linha da frente da tentativa de isolamento da Grécia no âmbito do Eurogrupo.

Hoje, o presidente da Comissão Europeia veio confirmar que os dois países ibéricos foram dos mais intransigentes, ainda mais do que a Alemanha, nessa discussão. 

Portugal vai agora queixar-se do sr. Juncker? E a quem?

Espionagem

Um pequeno escândalo abala a próxima candidatura de Hillary Clinton à presidência americana: aparentemente, durante a sua anterior encarnação como responsável pela diplomacia americana, a senhora terá usado, em regra, o seu endereço pessoal de mail, não tendo trabalhado usualmente com um endereço "corporativo" governamental. Ora isso, segundo os especialistas, poderá ter fragilizado a segurança das suas comunicações. A polémica está assim lançada.

Manifesto a minha solidariedade com a sra. Clinton. Passei os últimos anos a usar o meu email pessoal para coisas oficiais. Porquê? Isso não podia ser "apanhado" por terceiros? Não podiam ter lido o que eu escrevia? Claro, foi sempre esse o meu sonho...

A Cimeira das Lajes

 
Na edição correspondente a Dezembro de 2014 da revista "Relações Internacionais" publico uma recensão sobre o livro de Bernardo Pires de Lima "A Cimeira das Lajes. Portugal, Espanha e a Guerra do Iraque", editado pela "Tinta da China", que pode ser lida aqui.
 
O autor é um académico com um importante trabalho diário na imprensa sobre questões internacionais. Agora que passou mais de uma década sobre esse evento, parece ser importante revisitar esse momento em que se verificou uma quebra de consenso nacional sobre política externa. 

O outro lado do vento

Na passada semana, publiquei na "Visão", a convite da revista, um artigo com o título em epígrafe.  Agora que já saiu um novo núme...