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segunda-feira, julho 30, 2012

A Europa e a nossa cultura

Foi na noite de sábado. O espaço era magnífico: a biblioteca que Siza Vieira desenhou para Viana do Castelo. O debate, que durou quase duas horas, fazia-se em torno do tema "A influência da Europa na cultura portuguesa".

Partindo de perspetivas diferentes, mas coincidindo no essencial da abordagem, a antiga ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, e eu próprio acabámos, pela influência das questões surgidas, por evoluir do centro temático da nossa prestação para a discussão das grandes incógnitas que hoje atravessam o espaço europeu - o que prova que é isso, na verdade, aquilo que mais mobiliza as pessoas e que angustia o seu quotidiano.

Devo dizer que gostei muito desta experiência, feita a convite da Câmara Municipal de Viana do Castelo, uma terra a que cada vez volto mais.

quarta-feira, julho 25, 2012

Krivine

"Sabes quem é aquele tipo, ali na mesa do canto? É o Alain Krivine". A revelação do meu amigo, feita no Café de Flore, há algumas semanas, trouxe-me à memória um outro tempo.

As tardes no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, respondendo aos deputados, durante a presidência portuguesa da União Europeia de 2000, tinham alguma graça. O secretariado-geral do Conselho preparava-nos umas respostas em "langue de bois", para as perguntas enviadas por escrito pelos deputados, com antecedência. A "emoção" estava, assim, nas réplicas a que os parlamentares perguntadores têm direito, feitas de improviso, muito mais "livres" e, às vezes, fugindo claramente  ao tema da pergunta. Devo confessar que me dava um certo gozo exercitar a minha criatividade discursiva nas respostas a essa segunda parte de cada intervenção. Quase tanto como olhar, de viés, para as caras ansiosas dos funcionários do Conselho, que tão ciosamente haviam preparado as respostas "by the book" e que viviam esses momentos de liberdade do representante da presidência com clara expetativa e burocrática angústia.

Entre os deputados eleitos para o PE houve e há figuras gradas da política passada de vários países, muito ministros e até primeiros ministros. Mas aqueles que me "saíram em rifa", nesse semestre de 2000, foram quase sempre obscuros parlamentares, com nomes algumas vezes muito estranhos, de sonoridades gregas, eslavas ou nórdicas. É que esse tempo é utilizado, quase sempre, para afirmação da devoção desses deputados a causas muito específicas, o que lhes permite uma saliência mediática de que os seus colegas mais conhecidos já não necessitam.

Numa dessas longas tardes de Estrasburgo, ouço o presidente do parlamento anunciar: "Dou a palavra ao deputado Alain Krivine". Acordei do marasmo com aquela menção e, de imediato, procurei, no imenso areópago quase vazio, colocar um retrato no nome acabado de anunciar. O nome de Alain Krivine dizia-me alguma coisa. Figura histórica do trotskismo francês, havia sido candidato à presidência da República, não me passando a mim pela cabeça que fosse então deputado europeu.

Anos antes, no início da década de 70, numa visita a Paris, eu fora arrastado por uns amigos para assistir a um comício da "Ligue Comuniste Revolutionnaire", que teve lugar na "Mutualité", perto da Sorbonne. A LCR era um grupo trotskista com certa expressão na esquerda francesa e, embora as teorias de Trotsky pouco me dissessem, achei graça assistir a um comício dessa extrema-esquerda - num tempo em que, em Portugal, apenas a União Nacional e a sua sucessora Ação Nacional Popular reuniam em público sem medo de vigilância policial.

A pergunta que Krivine fez à presidência portuguesa foi, como era de esperar, violenta e agressiva, sobre uma temática que já não recordo. Devo confessar que tenho ideia de que a  minha resposta foi mais "soft", nostalgicamente atenuada pela memória de um passado no qual, embora de forma menos radical, eu também acreditava em que os "amanhãs" poderiam vir a cantar. Depois, foi o que se viu...

Naquele final de tarde no Flore, perguntei ao Francis, que vagueava patronalmente entre as mesas, o que é que Alain Krivine estava a beber. Era um Chablis. Pedi outro para mim. Afinal, como dizia Voltaire, "les beaux esprits se rencontrent".

sexta-feira, julho 13, 2012

Grandes e pequenos

Ontem, durante um almoço de trabalho de alguns embaixadores europeus com a nova presidente da Comissão de Negócios estrangeiros da Assembleia Nacional francesa, Elisabeth Guigou, falou-se, como recorrentemente acontece, do conceito de "países grandes" e de "países pequenos" na União Europeia, a propósito da necessidade da gestão europeia não aparecer dominada por qualquer "diretório" auto-assumido, que afaste alguns das decisões que a todos importam.

O meu colega luxemburguês, George Santer, com a sua proverbial boa disposição, que muita falta vai fazer em Paris, quando, daqui a dias, trocar esta capital por Berlim, citava alguém, dizendo que, em rigor, só há dois "grandes" países na Europa: "La Grande-Bretagne et le Grand-Duché du Luxembourg..."

segunda-feira, julho 09, 2012

O poder dos intérpretes

É uma rua "paralela" à Étoile: rue de Presbourg. Passei por lá há pouco. O tempo de um semáforo deu-me oportunidade de atentar na explicação de ser o antigo nome de Bratislava, hoje capital da Eslováquia.

Fui a Bratislava, pela primeira vez, como turista, ainda no tempo da Checoslováquia. Em termos de beleza, não se compara com Praga, sendo embora uma cidade bastante agradável para viver, ao que me dizem. Um choque de modernidade provocado no tempo do "socialismo real" construiu-lhe, no centro, uma sinistra ponte sobre o Danúbio, que rasgou o coração histórico da cidade, arrasando um bairro judaico, destruindo uma zona que deve ter tido uma apreciável unidade arquitetónica. Agora que ando pela UNESCO, refletindo nos atentados ao património, tenho pensado nisso com alguma frequência.

Desde então, fui várias vezes a Bratislava, em especial quando vivi em Viena. Em fins de semana, ia por lá à ópera, para simples passeio ou para a feira de antiguidades. E tenho hoje por lá amigos eslovacos.

Um dia, creio que 1997, recebi em Lisboa o presidente do parlamento eslovaco, Ivan Gašparovič. O país era então candidato à União Europeia, mas o governo autoritário eslovaco, chefiado por Vladimir Mečiar, era execrado pelos países comunitários, sensíveis aos justos protestos da oposição sobre as limitações colocadas à liberdade da comunicação social, às inaceitáveis pressões sobre a vida política e aos métodos brutais da sua polícia. 

No encontro que tive com o meu interlocutor eslovaco, para além de expressar a simpatia de princípio de Portugal pelas aspirações europeias do país, repeti, com a necessária delicadeza de termos que a ocasião e o seu elevado estatuto impunham, as preocupações que o estado de coisas que se vivia no país a todos criavam - e neste "todos" incluía outros países candidatos à adesão, que viam o seu processo sofrer atrasos pela singularidade negativa do exemplo eslovaco.

A conversa foi feita por intermédio de um intérprete eslovaco, que insistiu em que eu falasse português. À medida que ia ouvindo a versão que lhe era dada das minhas palavras, notei que o meu interlocutor ia ficando nervoso, crispado e muito tenso. O que eu dizia, porém, bem como a forma que eu utilizava para o dizer, não justificava minimamente esse estado de espírito. Na resposta que deu à minha intervenção, contestou, com alguma rudeza, o que acabara de ouvir. E, de forma um tanto inopinada, apressou o fim da reunião. Fiquei algo perplexo, mas não liguei muito ao assunto.

Dias mais tarde, ao nosso embaixador em Viena, acreditado em Bratislava, chegou um protesto informal das autoridades eslovacas, reclamando pelo modo, tido por menos cordial, como eu tinha interpelado a segunda figura da hierarquia do país. Lembro-me de ter reagido e, já não sei bem como, fiz chegar a minha maior estranheza pela ocorrência ao meu contraparte no governo eslovaco, que conhecera brevemente numa reunião em Bruxelas. Se há tradição que a diplomacia portuguesa tem é a preservação do diálogo e uma constante prática de cordialidade, mesmo em momentos mais tensos, onde a firmeza se impõe. Eu sabia muito bem o que tinha dito, e que diria de novo, e se havia alguém que era culpado de qualquer "misunderstanding" essa pessoa era o intérprete eslovaco. Mas como me era possível provar isto?

Pouco tempo depois, percebi que algo tinha mudado: recebi um convite oficial para me deslocar à Eslováquia. Era uma visita com algum risco, porque não se podia permitir que fosse aproveitada pelo regime como traduzindo um gesto que indiciasse qualquer fragilização da atitude crítica que prevalecia na Europa sobre o comportamento do regime. Insisti, por isso, em encontrar os principais partidos políticos de oposição, tendo visitado a sede de um deles e recebido dois outros responsáveis oposicionistas no hotel. Esta é uma prática que nunca agrada aos nossos anfitriões oficiais, mas coloquei-a como condição sine qua non para a realização da visita. E, para evitar declarações isoladas à imprensa, proferi uma conferência sobre o processo de integração num instituto dedicado aos estudos europeus, com uma surpreendente enchente e um animado debate.

Apenas um pormenor mais. No programa da visita, pedi que fosse incluído um encontro com o interlocutor que encontrara em Lisboa, para lhe apresentar cumprimentos. Não tinha disponibilidade, como eu imaginava. Ivan Gašparovič é hoje presidente da República da Eslováquia.

Várias vezes me tenho interrogado sobre a quantidade de confusões políticas que os intérpretes já devem ter provocado por esse mundo fora.

sábado, junho 23, 2012

A política interna e a Europa

Acaba de ser anunciado que, entre os dois maiores partidos políticos portugueses, não foi possível chegar a um consenso sobre temáticas europeias, com vista às grandes decisões que pode vir a ser necessário tomar, em nome do país, nesse plano, nos próximos dias. Não conheço o assunto em pormenor, mas posso imaginar a imensa complexidade desse esforço comum.

No passado, estive ligado a exercícios similares, alguns com êxito, outros com desfecho menos feliz. Convém dizer que, nas últimas décadas, as relações entre as duas maiores formações políticas portuguesas - ou melhor, entre os governos e o principal partido da oposição - raramente dispensaram a existência de canais discretos de comunicação, como é próprio dos regimes democráticos com maturidade. Às vezes, as tensões políticas internas tornaram esse diálogo mais difícil e menos constante, mas, que eu saiba, nunca foram quebrados, por completo, tais contactos. E isso tem todo o sentido: há mais país, nomeadamente na ordem internacional, para além da inevitável guerrilha política interna.

Em tempos em que tive algumas responsabilidades governativas nessa área, e por instruções expressas do primeiro-ministro e do ministro dos Negócios Estrangeiros de então, esses canais de comunicação estiveram sempre abertos. Mas a vida política faz-se de altos-e-baixos, como a historieta que vou contar demonstra. 

Um dia, a propósito de uma negociação europeia de grande importância, o primeiro-ministro e o líder da oposição reuniram, acolitados por mim e pela minha "sombra" nesse partido da oposição. Tratava-se de tentar apresentar, a público, uma posição comum, a montante de um Conselho europeu. Isso reforçaria o governo no plano dessa negociação e daria ao principal partido da oposição uma imagem de responsabilidade de Estado, naquele que era então um grande dossiê externo. 

A reunião em S. Bento correu bem. Tínhamo-la preparado antes com algum cuidado e, depois de algum tempo de debate, assentou-se num conjunto de pontos comuns. As questões na agenda europeia eram então relativamente consensuais e os interesses portugueses a defender eram claros. Fiquei encarregado de escrever um projeto do texto que se pretendia divulgar, que teria cerca de duas páginas. Pelo que conhecia das preocupações da oposição, não tinha a menor dúvida de que seria capaz de elaborar um documento suscetível de ser assinado pelos dois lados. Em diplomacia, as palavras, se bem usadas, podem servir, simultaneamente, para destacar as convergências e para esconder, de forma elegante, as inevitáveis divergências. 

Escrevi o texto num avião em que fui, nessa tarde, para Bruxelas, onde tinha uma reunião na manhã do dia seguinte. Chegado ao hotel, enviei-o por fax à pessoa que era minha contraparte na oposição. Cerca da meia-noite, ela confirmou-me, como eu esperava, que, por si, não tinha objeções. Restava passá-lo ao seu "chefe".  No dia seguinte, a meio da manhã, ainda antes do meu regresso a Lisboa, recebi a indicação de que o texto podia merecer o acordo da oposição, "em termos gerais". Alguma experiência alertou-me logo para esta reticência.

Entretanto, pela parte do governo, as coisas avançaram rapidamente. Dois ministros leram o texto, por indicação do primeiro-ministro, e mostraram-se positivos face ao respetivo conteúdo. O chefe do executivo considerava, no entanto, essencial obter a concordância prévia do ministro dos Negócios Estrangeiros, que andava algures pelo mundo. Horas depois, veio também a luz verde deste. Marcou-se um encontro com a oposição, no formato do dia anterior, em S. Bento, para cerca da meia-noite.

Na política interna, durante esse mesmo dia, as coisas haviam estado muito agitadas. Por virtude de um facto político de grande expressão mediática, um membro do governo viu-se envolvido numa imensa polémica, com o pedido da generalidade da oposição para a sua demissão. A tarde, na Assembleia da República, fora um "inferno". As declarações do líder da oposição contra o governo subiam de tom. Os telejornais da noite, que antecederam a reunião em S. Bento, foram palco de tomadas de posição muito fortes, de ambos os lados. A crispação política estava no auge.

Quando cheguei a S. Bento, não tive tempo para falar com o primeiro-ministro, antes da reunião com a oposição. À entrada do edifício, a expressão facial da pessoa que era minha contraparte do outro lado do espelho político não prenunciava nada de bom. Vi que alguma coisa tinha mudado, relativamente ao ambiente do dia anterior.

O líder da oposição também entrou tenso. Sentámo-nos. Começou por dizer que tinha lido o texto, que "genericamente" lhe parecia bem, mas que, depois de ponderar, tinha várias alterações a propor. Mesmo à distância, pude ver que havia, no papel que tinha na mão, uma imensidão de anotações manuscritas. Ia ser bonito...

Na cara do primeiro-ministro, notei uma grande serenidade. E logo perguntou: "Se não quiser, não fazemos texto nenhum. Desta conversa pode resultar um compromisso sobre certos pontos, que não precisa de ser anunciado. Basta-me a sua palavra". Pareceu-me que o líder da oposição deu um suspiro de alívio. E, desde logo, apressou-se a concordar. "Então, esquecemos o documento e passemos adiante", disse o primeiro ministro. E o resto da reunião foi rápido, relembrando os pontos comuns que tinham sido abordados no dia anterior. Para quem, como eu, tinha perdido horas a tratar do texto e da sua afinação, era uma desilusão, mas, como costumava dizer esse primeiro-ministro, "é a vida!". Espantou-me, contudo, a rápida cedência do chefe do governo, sem sequer se ter dado ao trabalho de ouvir as divergências que a oposição teria para sublinhar e sobre as quais, até hoje, sempre fiquei curioso.

Quando as duas figuras da oposição saíram da sala, não me contive e perguntei ao primeiro-ministro a razão por que tinha dispensado o documento com tanta prestreza. A sua resposta foi clara: "Você acha que, depois do governo ter sido insultado durante todo o dia, em tudo quanto foi rádio e televisão, o meu partido me perdoaria que, ao fim da noite, eu anunciasse um entendimento, fosse sobre o que fosse, com o líder da oposição?". Fiquei a pensar que, de forma simétrica, deveria ter sido esse também o pensamento deste último. A vida política é assim mesmo.  

segunda-feira, junho 18, 2012

Ironias

Há ironias que só o destino sabe desenhar. Ver a Grécia a defrontar a Alemanha no Euro (com todos os trocadilhos a que isso vai levar) é uma dessas deliciosas ocasiões.

No que nos toca, aconteceu o que já estava nas cartas: fazendo o trabalho a que nos tínhamos comprometido, poderíamos acabar por ser ajudados pela Alemanha...

domingo, junho 17, 2012

As Europas

Hoje, há eleições legislativas em França e na Grécia. Se, nas primeiras, poucas incertezas há quando ao respetivo desfecho e às suas consequências em termos de orientação política do país, já ninguém tem dúvidas que, do que emergir das segundas, resultarão consequências muito importantes, e imprevisíveis, não apenas para a Grécia mas igualmente para todo o resto da Europa comunitária.

Uma das grandes fragilidades do projeto europeu continua a ser a sua dependência do curso da História em cada um dos países que o integram, dos diferentes calendários eleitorais, da força muito diversa dos governos que resultam desses mesmos processos internos, para além das naturais divergências entre os programas políticos sufragados pelos votantes nacionais, mobilizados por agendas de preocupações frequentemente muito afastadas entre si. Dir-se-á que não há muito que se possa fazer para obviar a isto: cada país tem a sua tradição constitucional própria, nalguns casos resultante de processos políticos bem anteriores à criação das próprias instituições europeias. Estas, aliás, quando foram instituídas, estavam muito longe de ter uma ambição, em termos de projeto político e económico, como aquela que marca a União Europeia de hoje. E, salvo em pormenores, as ordens constitucionais nacionais pouco se alteraram, por virtude da pertença ao projeto continental.

Desde há muito, todos temos vindo a dizer que a Europa deve aprender a viver com a sua diversidade, que é, indiscutivelmente, a sua grande riqueza. Mas se é verdade que os países não estão preparados para ceder no essencial das suas tradições constitucionais - e sendo isso verdade para um, sê-lo-á para todos -, deixando-se marcar por uma espécie de "template" europeu, criado em torno dos seus tratados, também não deixa de ser evidente que, cada vez mais, se torna difícil tomar decisões importantes no seio dessa mesma diversidade.

Que se há-de fazer? Ninguém sabe e, por isso, vamos andando, um pouco numa "navegação à vista", que dá aos cidadãos uma imagem de uma Europa à deriva, zigzagueando num insolúvel labirinto, imagem que naturalmente também os não mobiliza para entregarem ao projeto europeu o essencial do seu destino.

Isto não está fácil! 

segunda-feira, maio 28, 2012

Grécia

Na Grécia, o povo votou e os políticos que escolheu consideraram-se incapazes de gerar uma solução governativa que permitisse impor as reformas que ajuda externa hoje exige. Por essa razão, a Grécia regressa, daqui a dias, às urnas, na esperança de que o povo grego reveja o seu sentido de voto e faça uma escolha diferente. 

E se não o fizer? E se o sentido desse voto confirmar a não aceitação das políticas de rigor que, há mais de dois anos, estão a ser impostas ao país, sem que, no entanto, os gregos vejam uma luz de esperança, ao fundo do túnel de sofrimento que atravessam?

Ontem, um português, amigo de há mais de meio século, que vive na Grécia, deixou-me no Facebook a mensagem: "por aqui vai tudo mal, mas ainda vai ser pior".

E juntou-lhe um poema de Gunter Grass, que ele próprio traduziu:

                         "A vergonha da Europa"

À beira do caos porque fora da razão dos mercados,
Tu estás longe da terra que te serviu de berço.

O que buscou a Tua alma e encontrou
rejeita-lo Tu agora, vale menos do que sucata.

Nua como o devedor no pelourinho sofre aquela terra
a quem dizer que devias era para Ti tão natural como falar.

À pobreza condenada a terra da sofisticação
e do requinte que adornam os museus: espólio que está à Tua cura.

Os que com a força das armas arrasaram o país de ilhas
abençoado levavam com a farda Hölderlin na mochila.

País a custo tolerado cujos coronéis
toleraste outrora na Tua Aliança.

Terra sem direitos a quem o poder
do dogma aperta o cinto mais e mais.

Trajada de negro, Antígona desafia-te e no país inteiro
o povo cujo hóspede foste veste-se de luto.

Contudo os sósias de Creso foram em procissão entesourar
fora de portas tudo o que tem a luz do ouro.

Bebe duma vez, bebe! grita a claque dos comissários,
mas Sócrates devolve-Te, irado, a taça cheia até à borda.

Os deuses amaldiçoarão em coro quem és e o que tens
se a Tua vontade exige a venda do Olimpo.

Sem a terra cujo espírito Te concebeu, Europa,
murcharás estupidamente.

quinta-feira, abril 19, 2012

Os jardins da Europa

No domingo passado, ao passar na "bruxelense" rue de la Loi, recheada de endereços que albergam outras tantas estruturas da União Europeia, alguém me perguntava se não estaríamos perante uma "mastodôntica" instituição, gastadora de recursos.

(A obcecação pelo "downsizing" dos serviços públicos é hoje um virus subliminar a que poucos escapam).

Ontem, num almoço, aqui em Paris, alguém lembrava que a União Europeia, no seu conjunto, tem menos funcionários do que a "Mairie" (Câmara municipal) de Paris. Ao que alguém comentou, numa nota primaveril: "mas tem muito menos jardineiros..." 

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

As contas

Um dia, no auge da negociação do tratado de Amesterdão, em 1997, o atual comissário europeu Michel Barnier, que ao tempo era ministro francês dos Assuntos Europeus, trouxe para a mesa um tema então quase "tabu": as diferentes contribuições financeiras dos países para o orçamento comunitário e o modo como isso poderia, um dia, vir a refletir-se na força de relativa dos países no processo decisório.

O assunto surgiu porque os países mais pequenos, como era o caso de Portugal, resistiam então a alterar, sob pressão dos grandes Estados, o poder de voto que tinham negociado aquando da sua respetiva entrada para as instituições comunitárias. Por essa altura, a opção que se discutia era a combinação do poder de voto com uma relativa ponderação do peso populacional de cada Estado. A França não gostava da ideia, porque isso abalava o equilíbrio formal de poder que mantinha com a Alemanha, desde a criação da CEE. E Michel Barnier notou, num tom que se pretendia de aviso aos Estados mais pobres, que se fôssemos por caminhos de fatores de diferenciação objetiva, então, mais cedo ou mais tarde, acabaríamos por ter também de considerar a desigual contribuição financeira dos Estados para o orçamento comunitário.

Confesso que a fria invocação do argumento me chocou, porque era a primeira vez que via fontalmente expostos por um responsável político, embora num quadro de discussão não pública, os limites da solidariedade intracomunitária. O argumento era rebatível em termos políticos e económicos, nomeadamente com as vantagens diferenciadas que os grandes países retiram do mercado interno, bem como de outros fatores, que não deixei de mencionar, de imediato, à mesa do debate. Mas a conversa parou por aí.

Nos últimos meses, ao observar o modo como alguns Estados tomaram conta, na prática, da gestão das contas da União, tenho vindo a pensar um pouco mais na premonição de Michel Barnier. Que acabou por se concretizar, mesmo sem uma mudança formal dos tratados.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

Nós e a Europa

Há dias, ainda antes da degradação da nota francesa pela agência de notação "Standard & Poor's", dizia-se aqui que esse facto, a vir a ter lugar, constituiria uma má notícia, não apenas para a França, mas, em geral, para toda a Europa. Confesso que, na altura, não quis acrescentar, embora o pensasse: também para Portugal.

A realidade aí está a prová-lo. A importância da França no Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) fez com que este instrumento sofresse, por virtude da nova notação francesa, uma consequente desqualificação. E, somado isto a mais uma degradação da nota portuguesa pela S&P ("cirurgicamente", na véspera de uma ida aos mercados do tesouro português) e à possibilidade de um "default" grego (que, para alguns mais pessimistas, pode indiciar o início de um cenário de "purga" da zona euro), aí temos perante nós, em alguma imprensa internacional, uma nova onda de desconfiança sobre a capacidade de Portugal inverter a situação que atravessa.

Resta esperar que o "tratado intergovernamental" que sairá da cimeira europeia do fim deste mês possa dar algum alento à confiança dos mercados e aliviar a pressão que hoje se projeta sobre alguns países - muito embora, em certos casos, a pressão desses mercados esteja a ser mais benévola do que esperado. É muito importante que as mensagens políticas que vierem a acompanhar esse acordo não surjam, como aconteceu no passado, matizadas por reticências que fragilizem o objetivo comum. Já vimos, algumas vezes, que considerações de política interna têm levado líderes europeus a assumir, de regresso às suas capitais, atitudes que são lidas como detrimentais para o que se acorda em Bruxelas - ou a deixar que isso possa emergir de posteriores reuniões do "eurogrupo" ou do Ecofin.

No caso de Portugal, um país que está a fazer um esforço notável de reconversão da sua situação macroeconómica, um ambiente europeu negativo funciona em claro contra-ciclo desse mesmo esforço. O que o tornará mais difícil de aceitação, porque é complicado manter a esperança quando os alvos se movem cada vez que trabalhamos mais para deles nos aproximarmos.

quinta-feira, janeiro 05, 2012

Nacionalismo económico

O nacionalismo económico é um reflexo normal em tempos de crise. A tendência para o argumentário protecionista, para o estímulo a consumir preferencialmente o que é "nacional" e, à la limite, a busca tendencial da autosuficiência (ouve-se muito isso, sob o conceito de "segurança alimentar", no debate sobre política agrícola), tudo isso faz parte de uma reação natural num tempo de medos e de incertezas.

Sem negar a importância de tentar reduzir, por todos os meios possíveis, o défice da nossa balança comercial externa, alguma prudência e racionalidade devem ser mantidas neste tipo de discurso: basta lembrar que, se todos os outros procedessem da mesma forma, ninguém consumiria um único produto português no estrangeiro. Ora é unânime o reconhecimento de que é na exportação que reside grande parte da chave para o nosso crescimento. Mas convenhamos que é um pouco irónico estar a apelar ao "patriotismo" dos consumidores quando - como se viu  nos últimos dias - há operadores económicos com uma noção de Pátria bem mais ligada à folha de lucros.

O debate sobre esta temática está muito aceso aqui em França, em tempos de campanha presidencial, com os vários candidatos a falarem nela, em tons diferenciados. Há dias, o presidente Sarkozy fazia uma importante distinção entre o conceito de "comprar produtos franceses" e o de "comprar produtos produzidos em França", dizendo ser favorável a que se privilegie a compra destes últimos (mesmo por empresas estrangeiras que aqui investiram e atuam - criando postos de trabalho, pagando impostos) ainda que em detrimento de que de produtos fabricados no estrangeiro por empresas francesas (fruto de deslocalizações, por virtude de regimes salariais e fiscais mais favoráveis e, eventualmente, de algum "dumping" social). Percebe-se a racionalidade desta tese mas, também ela, se confronta com uma realidade inescapável: muito daquilo que, na área industrial, é atualmente produzido, em França como em outras partes do mundo, nomeadamente nas áreas com maior valor acrescentado, obriga à utilização de componentes importados de países com custos de produção mais baixos, sendo de todo impossível garantir a sua substituição por produtos idênticos gerados em território francês.

A globalização (a que, em França, se chama "mundialização") criou uma lógica de funcionamento coletivo dos mercados que, na prática, limita hoje muito o recurso a medidas de "preferência nacional" através de decisões administrativas ou outras de sentido normativo. E a plena interiorização disso na filosofia da política externa da UE reduziu, também bastante, as possibilidades de recuo para a retoma da antiga "preferência comunitária", tanto mais que a justiça comunitária é de um irreversível rigor. O único espaço que hoje ainda existe, para os países que não queiram violar abertamente as regras a que se comprometeram na Organização Mundial de Comércio, é trabalhar nas margens de recuo que o fracasso do "ciclo de Doha" da organização acaba por dar. Basta ver as medidas que o Brasil tomou nos últimos dias para se perceber o que pode representar uma assumida agenda protecionista nos tempos modernos.

Mas é importante que cada um seja chamado a assumir as suas responsabilidades. Muitos dos que agora protestam contra as consequências negativas deste estado de coisas estiveram, com todo o entusiasmo, ao lado dos promotores das aberturas dos mercados nas liberalizações dos anos 80 e 90, quando isso lhes dava jeito para adubar as loas que faziam ao "internacionalismo dos mercado". Isso era então o salvatério para um mirífico bem-estar coletivo, um espécie de "amanhãs que cantam" do liberalismo, aprendido em MBA anglo-saxónicos ou que em Portugal se esforçam por passar por isso. São os mesmos, aliás, que endeusaram a desregulação "criativa" dos mercados financeiros internacionais, com as consequências que agora se viu. E gostaria de lembrar que quando, por essa altura, alguém se atrevia a falar das condições sociais de produção em certos espaços geográficos (trabalho infantil, regras laborais, limitações sindicais, "dumpings" diversos), era um "aqui d'el rei!" de que se estava a tocar na liberdade de comércio. Agora queixem-se...

sexta-feira, dezembro 30, 2011

Presidências rotativas

O futuro dirá se 2011 ficará na história da União Europeia como o ano que consagrou o verdadeiro fim da importância das presidências rotativas.

Elemento tido outrora por essencial para a ligação de cada país ao projeto integrador, por suscitar uma mobilização nacional e promover a diversidade de agendas e sensibilidades, a presidência rotativa esteve sempre sob fogo por parte de alguns, que consideravam o modelo como cada vez mais fragilizante da continuidade do trabalho comunitário. Com a passagem da União a 27, foram claras e públicas as dúvidas sobre a capacidade de alguns Estados assumirem as responsabilidades decorrentes da presidência. O tratado de Lisboa, ao criar a figura de presidente do Conselho Europeu e ao retirar à presidência rotativa muitas das suas competências, terá sido a machadada formal no modelo.

Em tempos mais recentes, as coisas foram, porém, muito mais longe. A circunstância de países que assumiam as presidências estarem afastadas do projeto da moeda única, sendo que esta está no centro das preocupações da União, tornou ainda um pouco virtual a sobrevivência do modelo. E esse facto, por outro lado, abriu caminho à emergência dos poderes fáticos dentro da UE, o que, não sendo uma novidade, nunca tinha sido expresso publicamente de forma tão ostensiva.

Como irão evoluir as coisas a partir daqui? A Dinamarca, que assume a presidência no primeiro semestre de 2012, é um país que não adota o euro e tem um "opting-out" no quadro da União Económica e Monetária consagrado nos tratados. Seguem-se Chipre, com um conflito interno que tem repercussões importantes nas relações externas da UE, a Irlanda e a Lituânia. Trata-se de um conjunto de pequenos Estados, numa Europa em que o papel dos grandes Estados parece estar a afirmar-se de modo flagrante. Mas, por exemplo, a Dinamarca e a Irlanda são países com muito forte identidade comunitária, que, no passado, levaram a cabo presidências com grande sucesso. Deixar-se-ão menorizar no seu exercício? Contestarão a preeminência a que alguns se habituaram?

Ironicamente, pode hoje dizer-se que as presidências rotativas estão hoje "protegidas", em ultima ratio, pelo tratado de Lisboa, que foi quem conduziu ao seu enfraquecimento. O facto de, como recentemente se viu, ser muito difícil obter um consenso a 27 para alterar aquele acordo, como que garante que o modelo, pelo menos no plano formal, vai continuar a subsistir.

terça-feira, dezembro 20, 2011

Tratado

Para quem tiver paciência e gosto por estas coisas, aqui fica o link para o (uma discutível tradução do) projeto de novo tratado intergovernamental europeu, desde agora em negociação.

Comentários ao correr da tecla que o texto me sugere:
  • o texto é curto, o que é muito bom.
  • ressalta do projeto um tom "inclusivo", por forma a abranger os países da zona euro e aqueles que só são parte da UEM. Tudo o que aponte para a inclusividade é bom para a Europa. E para nós nela.
  • é dada uma razoável latitude quanto à sede jurídica da inclusão da "regra de ouro" sobre o défice, o que pode facilitar a sua aprovação em muitos países.
  • continua a não resultar claro como será possível um tratado intergovernamental vir utilizar as instituições comunitárias (Conselho europeu, comissão e tribunal de Justiça), sem um consentimento unânime. De facto, sem uma aquiscência do Reino Unido, isso será impossível. Mas a predisposição de Londres a ser "observador" do processo é uma boa notícia para os restantes subscritores. Resta saber a que "preço", nomeadamente nas próximas "perspetivas financeiras" (quadro orçamental plurianual)...
  • é dúbia, e juridicamente pouco consistente, embora por isso aparentemente inóqua, a referência ao pacto "euro plus", que se pretendia um reforço do pacto de Estabilidade e Crescimento, através do "método aberto de coordenação" (que, diga-se, tanto se criticou à "agenda de Lisboa" de 2000). Será apenas para não deixar cair, por completo, uma "construção" que tanto agrada a um Estado membro cujo nome, como Cervantes dizia de um certo lugar da Mancha, no "Dom Quixote", não me quero lembrar?
  • as "cimeiras do euro" afinal já não reunem mensalmente, como fora anunciado no dia 9. É de elementar bom senso... Às vezes, penso que quem vive aqui no centro da Europa não tem a noção do que representa, em termos de esforço, uma deslocação a Bruxelas, quando se está num país geograficamente periférico. As vídeo conferências para alguma coisa existem, embora tenham a "desvantagem" de não garantirem conferências de imprensa de exploração dos "sucessos".
  • a entrada em vigor do tratado, após o nono subscritor, parece uma medida com sentido, forçando de forma razoável os restantes. 
Algumas dúvidas que o texto (e a filosofia do mesmo) me suscita não podem ser abordadas neste âmbito.
    Devo dizer que continua a não ser, para mim, muito clara a razão técnica por que não se optou pelo modelo de uma "cooperação reforçada", que, nos termos do atual tratado, se poderia fazer (a partir de oito Estados membros) sem a presença do Reino Unido e teria a importante vantagem de não confrontar o quadro institucional. Mas devo ser eu quem está a ver mal, por ter já "perdido a mão" destas coisas europeias...

    Treaty

    Começou hoje a negociação do texto fundador da nova "União Orçamental", o tratado intergovernamental lançado em 9 de dezembro e que os mais otimistas entendem poder ficar concluído até março.  

    Como é sabido, o Reino Unido colocou-se inicialmente fora do processo, embora posteriormente tenha vindo a juntar-se a ele, mas apenas como observador. O mais irónico de tudo isto, que também dá nota do possível destino futuro das línguas oficiais no quadro europeu, é que a discussão se fará exclusivamente sobre uma única versão de projeto do tratado, redigida em... inglês.

    segunda-feira, dezembro 19, 2011

    Mario Draghi

    É muito interessante observar a diferença de atitude, em termos de apresentação pública das coisas, entre o atual presidente do Banco Central Europeu, o italiano Mario Draghi, e o seu antecessor, o francês Jean-Claude Trichet. 

    Há cerca de dois meses ouvi ambos falar em Paris, num seminário fechado à imprensa, e fiquei com a impressão (errada, pelos vistos) de que ambos seguiam um firme guião, que já pudera detetar numa conferência do vice-presidente do BCE, Vitor Constâncio. Hoje, ao ler a entrevista que Draghi dá ao "Financial Times", mudei essa ideia.

    Draghi começa a afirmar uma linha pública que, não se afastando da proverbial prudência da instituição, analisa cenários que Trichet recusava, como é o caso da possibilidade do fim do euro. Mais do que na esfera política, eu habituei-me a ter em conta muito particular estas "nuances" de discurso deste tipo de banqueiros que, como é sabido, acarretam muitas vezes consigo (e eles sabem isso melhor que ninguém) consequências no comportamento dos mercados. Um governador de um banco central (e o BCE não é um qualquer banco central) nunca diz nada por acaso e Mario Draghi tem revelado ser um homem altamente qualificado e preparado. Só que - e o defeito é meu, com certeza -, eu ainda não entendi até onde Mario Graghi quer chegar com a adoção deste diferente discurso. Mas vou continuar a tentar perceber, até porque isto não é indiferente para um país como o nosso.

    sábado, dezembro 10, 2011

    "Tina"

    O "The Sun" não foi nada inventivo na sua primeira página de hoje. Num "remake" sem rasgo do celebre, insultuoso e eurofóbico título de Novembro de 1990, sobre Delors (que a proverbial decência deste blogue obriga a não repetir aqui) o tablóide saúda a atitude intransigente de David Cameron em Bruxelas, mas não deixa de alertar para um possível "backlash" detrimental para os interesses britânicos.

    Nao estivesse a senhora Thatcher (ironicamente) com a doença do alemão e talvez repetisse ao seu sucessor o acrónimo de que tanto gostava quaando falava do capitalismo liberal: "tina" ("there is no alternative"). Palavra que, paradoxalmente mas noutro sentido, é verdadeira para todos os outros.

    É a vida. Foi uma certa e breve Europa.

    sexta-feira, dezembro 02, 2011

    Negociar na Europa

    O ministro dos Negócios Estrangeiros português referiu, há poucas horas, a necessidade da complexa negociação que aí vem, sobre a reforma dos tratados europeus, dever ser objeto de uma "frente" política interna de elevado consenso, que permita ao Estado português garantir, no plano externo, uma voz comum que potencie o seu espaço de manobra.

    O projeto europeu nunca teve uma leitura unívoca em Portugal. Não obstante a opção europeia ser historicamente objeto de uma atitude maioritariamente favorável no nosso país, setores houve que sempre se mostraram reticentes a certas políticas europeias ou ao modo como elas eram acompanhadas por Lisboa. Sei do que falo, porque, durante mais de meia década, passei longas horas na Assembleia da República a apresentar a  política europeia que era encarregado de defender, sendo regularmente confrontado, no jogo democrático interno, com posturas críticas do modo como então a dirigíamos. Em todo esse período, porém, com maior ou menor dificuldade, foi sempre possível garantir um diálogo construtivo com aqueles que, tendo divergências no pormenor, se mostravam de acordo com o essencial. E, sem limitar o espaço de afirmação das naturais diferenças, conseguiu-se projetar essas linhas comuns, não apenas nas fase decisivas das principais negociação mas, igualmente, nos processos internos de ratificação parlamentar.

    Tais negociações, que então envolveram dois tratados - Amesterdão e Nice -, não tinham, há que reconhecê-lo, a delicadeza quase "existencial" daquela com que Portugal se vai confrontar daqui a pouco tempo, a qual pode representar uma mudança do paradigma europeu e, muito provavelmente, da própria natureza da União. Como há dias tive ocasião de referir publicamente em Lisboa (ver mais abaixo), dá-se o acaso infeliz dela ter lugar num momento de alguma fragilidade da posição do nosso país, por virtude do processo de ajuda externa de que estamos dependentes, o que torna a questão ainda de muito maior sensibilidade.

    Por esse conjunto complexo de razões conjunturais, é decisivo, agora mais do que nunca, que Portugal se apresente nessa negociação com o mais alargado consenso que o diálogo político interno torne possível desenhar, com vista a maximizar a nossa influência, num esforço que é imperativo que inclua um a atuação conjugada no seio das grandes formações políticas europeias em que os partidos portugueses de matriz europeísta estão integrados.

    Refundar a Europa (3)

    O debate no painel em que participei no Congresso sobre o "25 anos na União Europeia" não foi isento de polémica. A política agrícola portuguesa para a Europa foi um dos temas mais controversos, com João Cravinho e eu próprio a não concordarmos com a abordagem de Rosado Fernandes, o que, aliás, esteve longe de ser uma surpresa. Devo dizer que, discordando genericamente da leitura que o antigo deputado europeu e dirigente da CAP faz sobre o "saldo" da nossa presença na Europa, respeito a sua perspetiva soberanista e reconheço nela uma genuinidade que me não é indiferente.

    Rosado Fernandes e eu próprio repetiríamos uma outra cordial conflitualidade, quando o professor universitário disse que tinha optado por ser deputado ao Parlamento europeu para que Portugal "se visse livre o MFA".

    Não resisti à provocação e disse que o Comandante Costa Correia, destacada figura do Movimento das Forças Armadas, presente na sala, e eu próprio, ambos militares no dia 25 de abril de 1974, embora com graus muito diferenciados de responsabilidade, tínhamos uma imenso orgulho na "herança do MFA". Não o disse, mas poderia tê-lo dito, que Portugal apenas foi admitido como membro das comunidades europeias depois da Revolução ter aberto o país à liberdade que a ditadura lhe negava. 

    Os borregos

    Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...