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segunda-feira, junho 18, 2012

Ironias

Há ironias que só o destino sabe desenhar. Ver a Grécia a defrontar a Alemanha no Euro (com todos os trocadilhos a que isso vai levar) é uma dessas deliciosas ocasiões.

No que nos toca, aconteceu o que já estava nas cartas: fazendo o trabalho a que nos tínhamos comprometido, poderíamos acabar por ser ajudados pela Alemanha...

sábado, maio 26, 2012

A boleia

Há semanas, num cruzamento de estrada, na Alemanha, e num segundo, veio-me à memória uma história passada na segunda metade dos anos 60, também na parte ocidental daquele país, também numa confluência de caminhos, num tempo em que, em férias, eu percorria a Europa "à boleia".

(Para as gerações atuais, desde as que já usufruíram do Interail até às que hoje usam a Ryanair, pode parecer bizarra aquela forma de viajar. Hoje, praticamente, ninguém dá boleias, por muitas razões, em especial as questões de segurança. Nesse tempo, as coisas eram muito diferentes. Percorriam-se milhares de quilómetros, sem grandes cuidados, com a graça de conhecer gentes diferentes, sem grandes custos, num acumular de experiências bastante ricas. Eu que o diga! Um ano, saí de Lisboa, da Rotunda do Relógio, chegando até à fronteira da Suécia com a Noruega, dormindo em Pousadas de juventude, passando vários dias em Paris, Amesterdão e Copenhague, "mecas" para alguns de uma geração portuguesa que tentava escapar sazonalmente à periferia. E, noutros dois anos, fiz aventuras similares, embora menos ambiciosas.)

Mas voltemos à estrada. Já não me recordo bem qual a cidade do sul da Alemanha que, naquele dia de século passado, eu pretendia alcançar, mas tinha escrito o seu nome a letras grandes na página de um largo bloco que eu utilizava para solicitar as boleias. A certo passo, parou um automóvel, conduzido por um cavalheiro idoso. Num inglês algo macarrónico mas suficiente, confirmou o meu destino e convidou-me a entrar no carro.

Nesse instante, dei-me conta que era uma pessoa que não utilizava os pedais da viatura, devido a uma acentuada deficiência física. Junto ao volante, tinha manípulos para o acelerador e o travão. Terá sido porventura o olhar menos discreto que deitei para tão pouco usuais instrumentos que logo levou o meu disponível condutor a explicar que havia sido ferido na Segunda Guerra, na frente leste. "Foram os russos que me fizeram isto", disse, com uma voz cortante, para logo acrescentar: "E foram também os russos, durante a invasão do meu país, que mataram a minha mulher". 

Não me recordo da minha reação, porque havia muito pouco que eu pudesse dizer, perante a tragédia que afetara, de forma tão brutal, a vida aquele homem. O tempo que vivíamos era de plena "guerra fria", havia ainda duas Alemanhas, os russos e a sua influência estavam por muito perto, apenas a algumas dezenas ou centenas de quilómetros.

O meu condutor sentiu-se estimulado a continuar a falar contra os russos, contra o comunismo, contra o executivo da "grande coligação", entre os cristão-democratas da CDU e os social-democratas do SPD, que então governava em Bona, em particular contra o então MNE Willy Brandt, que ele achava "um traidor", um esquerdista "vendido aos vermelhos". Ora eu, à época, até considerava Brandt um excessivo moderado, e a expressão "social-democrata", no nosso jargão político-radical de então, tinha uma sonoridade quase insultuosa. Por uma proverbial prudência, mantive-me calado, evitando qualquer comentário que pudesse aumentar a quase ira que jorrava do discurso prolixo e incessante do meu interlocutor.

"Mas isto vai mudar, você vai ver! Aqui na Alemanha, estamos a organizar um novo partido, o NPD, e vamos dar a volta a isto. Um destes dias, vamos acabar com esses vermelhos e vamos criar um regime novo. A Alemanha é um grande país. Temos de resgatar a nossa memória e deixar de ter complexos quanto ao regime que tivemos durante a guerra, que só foi derrotado pela aliança entre as democracias corruptas do ocidente e os bandidos comunistas. Vou hoje mesmo para uma reunião do NPD onde, com gente que combateu na Wehrmacht, mas também já com muitos jovens patriotas, estamos a preparar o futuro. Os Brandts e estes democratas traidores que nos governam vão ter a devida lição".

Importa lembrar, chegado a este ponto, que o NPD foi um partido neonazi criado em 1964, que nunca conseguiu fazer-se eleger para o parlamento federal, mas que chegou a estar representado em assembleias estaduais. A sua influência foi sempre muito diminuta na política alemã e alguma radicalização da conservadora ala bávara dos cristão-democratas, a CSU, de Franz-Josef Strauss, terá contribuído para esse inêxito. 

Aquela viagem estava a ser-me muito incómoda. Ia-me enterrando cada vez mais no banco do automóvel, desejoso que aquilo acabasse rapidamente, perturbado por aquele insólito encontro com uma Alemanha que apenas pelos jornais sabia que existia. Mas, ao mesmo tempo, olhando para o drama pessoal daquele homem, até era levado a entender que ele pudesse pensar da maneira que o fazia. Num certo momento, num cruzamento, tive uma inspiração: disse-lhe que, afinal, tinha mudado de ideias e que ficaria por ali, mudando os meus planos de percurso. Parou, eu retirei a mochila do banco de trás, agradeci a amabilidade da boleia e, quando me preparava para fechar a porta, ouvi-o perguntar "Você disse que era português?" Confirmei, para logo o ouvir de volta: "Que sorte que você tem de viver num país que tem à frente o Salazar. Aquilo é que é um homem!".

Não tenho a certeza, mas, baralhado como eu estava e desejoso de me ver livre do neonazi que, no fundo, tão amável tinha sido para comigo, confesso que não estou nada seguro de não ter confirmado...       

quarta-feira, abril 11, 2012

Marxismo turístico

Há muito quem considere que o marxismo faz hoje parte do "caixote do lixo da História", para utilizar uma formulação do próprio Marx.

Porém, verifiquei, há dias, que Karl Marx mantém uma pujante popularidade na sua terra natal, a cidade alemã de Trier (que, em outros tempos e com outra soberania, se chamava Trèves), próxima do Luxemburgo, onde a sua casa-museu é o principal motivo turístico da cidade.

Poderá assim dizer-se que os habitantes de Trier são, à sua maneira, "marxistas"?

domingo, janeiro 29, 2012

Curt Mayer-Clason (1911-2012)

Ontem, dei-me conta pelo jornais de que morreu, em Munique, com 101 anos, Curt Meyer-Clason.

O nome dirá pouco a gerações recentes, mas a cultura e a liberdade criativa ficaram a dever bastante a este alemão, que dirigiu o Instituto Goethe, em Lisboa, entre 1969 e 1976. 

Viveu duas guerras e duas derrotas alemãs. Durante a 2ª guerra mundial esteve internado num campo de "observação", no Brasil, onde estava como representante comercial, como estrangeiro suspeito, depois de Getúlio Vargas ter decidido mudar de posição em favor dos aliados. Foi na detenção que tomou conhecimento dos grandes escritores brasileiros, tendo-se tornado para sempre íntimo de Guimarães Rosa. Regressado à Alemanha, em 1954, editou e escreveu livros, tendo-se dedicado a traduzir e a fazer conhecer uma imensidão de autores de língua portuguesa e espanhola. 

Mas foi a chefia do centro cultural Goethe, ao Campo de Santana, onde me recordo dele a preponderar com uma pronúncia bizarra da nossa língua, que trouxe Meyer-Clason mais perto de alguns portugueses. O seu "Diários portugueses" dá conta desse tempo, sendo o livro um culto olhar estrangeiro sobre nós próprios. A instituição que chefiava funcionou com um saudável espaço de acolhimento, de que a cultura democrática portuguesa muito beneficiou. Rui Vieira Nery chamou-lhe "um polo insubstituível de produção artística de vanguarda e um espaço de liberdade criativa inusitada no meio das brumas da censura e da repressão". Sem partidarismos nem radicalismos, Meyer-Clason soube perceber os anseios de um certo Portugal e entender que por aí passava a chave do futuro do país.

Na hora do desaparecimento de Curt Meyer-Clason, e para que não se diga que a nossa memória se torna ingrata, quero aqui deixar uma palavra de saudade por um homem que também ajudou a construir a nossa liberdade.

terça-feira, setembro 13, 2011

Ouvi bem?

Leio na imprensa, nesta madrugada, que o comissário europeu de nacionalidade alemã teria sugerido que as bandeiras dos países membros endividados fossem colocadas a meia-haste. 

Independentemente de outras razões bem ponderosas que justificariam que certos países mantivessem a sua bandeira a meia haste, pode presumir-se que a sugestão possa ter efeitos retroativos - isto é, que assim se recorde todos os países que, em 2003, violaram os limites do défice público previstos no "pacto de estabilidade e crescimento" e que, desta forma, iniciaram o processo de fragilização de todo o sistema.

sexta-feira, outubro 02, 2009

Alemanha

Há 20 anos, o muro de Berlim caía e a reunificação alemã iniciava-se.

Ontem, na Embaixada alemã em Paris, uma festa celebrou, por antecipação, esse histórico momento em que uma nova Europa estava a começar. Todos parecem reconhecer hoje as virtualidades desse passo político e o modo como ele veio a contribuir para a estabilidade europeia. O que viria a ocorrer depois, no Centro e no Leste do continente, completou o fim da traumática divisão alemã e consagrou a própria reunificação política do continente, simbolizada nos alargamentos da União Europeia e da NATO.

Mas nem sempre foi assim. Ao tempo da queda do muro, muitas dúvidas se levantavam ainda sobre qual iria ser o destino dessa nova Alemanha, se o seu histórico tropismo para Leste suplantaria a força das alianças que entretanto gizara a Oeste. Alguns mantinham ainda o cínico dito do pós-guerra: "gosto tanto da Alemanha que até prefiro que existam duas!".

O tempo veio a provar que tais reticências eram totalmente infundadas e que a evolução da Alemanha se fez num sentido consonante com os interesses da unidade europeia, para a qual muito contribuiu e de que continua hoje a ser um dos principais esteios.

quarta-feira, setembro 02, 2009

Europa

Há dias, numa busca nocturna nas estantes mais recônditas dessa mina bibliográfica que é a "Shakespeare and Company", o alfarrabista de livros ingleses com melhor vista para a catedral da Notre Dame, dei com o livro "The Memoirs of an Ambassador", de Freiherr Von Schoen. Nunca tinha ouvido falar da personagem: foi membro do governo alemão, embaixador de Berlim em Paris de 1910 a 1914 e a pessoa que entregou o ultimatum alemão aos franceses, nas vésperas da 1ª Guerra Mundial. O livro havia sido editado em Londres em 1922, quatro anos depois da guerra, e a minha curiosidade maior era, naturalmente "et pour cause", o capítulo "Ambassador in Paris". E decidi matá-la, por uns meros 4 euros.

Retiro do livro esta passagem, cujo teor deve ser contextualizado à época precisa em que foi escrito: "Se ela (França) tivesse querido a paz, teria sido natural procurá-la mantendo-se em "tolerably" (deixo a expressão inglesa) bons termos connosco, enquanto vizinhos; nós queríamos isso, mas a França não se decidia a isso de forma incondicional. Estava, e continuou a manter-se, irreconciliável. Não obstante vários actos de cortesia e amizade da nossa parte, não obstante muitos, e nem sempre sem sucesso, esforços nossos para se chegar a um entendimento em aspectos pontuais, em trabalhar com a França em algumas questões internacionais de ocasião, que pudessem conduzir a um "rapprochement" (em francês no texto) em termos globais, e mesmo a despeito de intervalos de acalmia, a grande distância entre nós manteve-se aberta".

Deixo-lhes esta longa citação, a meu ver significativa do modo como um responsável de uma Alemanha derrotada viu, já em 1922, momento ainda traumático da relação do seu país com a França, como ínvia introdução a uma outra história, bem mais recente, mas que envolve também ambos os países.

Nas últimas semanas, estabeleceu-se aqui por França, nas colunas do "L'Express", entre Jacques Attali e o embaixador alemão em Paris, Reinhard Schafers, uma polémica a propósito da importância da queda do muro de Berlim e do papel relativo dos alemães nesse contexto. O primeiro desvalorizou o papel de Bona num artigo e o segundo contrariou-o, numa carta à revista, dizendo-se "chocado ao constatar que o medo do 'demónio alemão' esteja assim tão presente em alguns dos nossos amigos franceses", depois de "décadas de reconciliação, partenariado e vasta cooperação" entre os dois países.

Mas é a tréplica, que o prolífico escritor e antigo conselheiro especial de François Mitterrand Attali faz no último número da revista, que aqui me importa destacar. O que diz ele? No essencial, três coisas.

A primeira é que a queda do muro, em Novembro de 1989, "não é um acontecimento histórico importante", porque desde Agosto desse ano que milhares de alemães de Leste estavam já a sair para o Ocidente através da Hungria.

A segundo é que "os alemães não tiveram nenhum papel naquela queda" e que tudo ficou a dever-se apenas à vontade de Gorbachev. E afirma isto: "Sem ele, nada se teria produzido: se as tropas soviéticas tivessem atirado sobre os manifestantes na Polónia, na Hungria ou na Alemanha de Leste, como em 1956, 1968 e 1981, tudo teria entrado na ordem, a NATO não teria naturalmente levantado o mais pequeno dedo, o muro estaria lá e a URSS sem dúvida existiria ainda".

A terceira coisa que Attali relembra - e ele considera-se a si próprio "mais do que uma testemunha (como o embaixador o havia qualificado na sua carta), um actor desta história" - são as três condições que terão sido colocadas por Mitterrand para a unificação alemã: o reconhecimento da fronteira Oder-Neisse (entre a Alemanha e Polónia), a concretização do euro e a renúncia prévia da futura Alemanha à arma nuclear.

E Attali termina "choqué, pour dire le moins", por ver um embaixador alemão recusar-se a reconhecer a existência de um "demónio alemão", afirmando que "todos nós temos os nossos demónios e não é negando-os que os exorcizamos".

Este é um debate que, até na forma, não deixa de ser muito sintomático. Por ter lugar, por ainda mobilizar desta forma pessoas como Attali e, enfim, por provar que a Europa é também, e pergunto-me se para sempre, precisamente isto mesmo.

Os EUA, a ONU e Gaza

Ver aqui .