terça-feira, outubro 17, 2017

E agora, António?


“Toda a vida é feita de mudança”, escrevia Camões. Em poucos meses, do Portugal otimista - do Europeu à Eurovisão, dos sorrisos das agências de “rating” ao namoro Belém-S. Bento, do deslumbre dos turistas ao colorido orgulho nacional, enfim, do país das maravilhas abençoado até pelo papa - caiu-se na depressão, por culpa da tragédia dos fogos e dos mortos que eles trouxeram. A tragicomédia de Tancos também ajudou ao fim da festa. E a fácil ciclotimia emocional lusitana confirmou-se, uma vez mais. 

Há que convir que o governo não tem conseguido gizar um discurso totalmente convincente, pelo que uma parte do país, mesmo dentre aqueles que o apoiam, passou a colá-lo à insegurança que hoje visivelmente muitos sentem. Alguns já pensam que o executivo “is in office, but not in charge”, para usar a clássica dualidade anglo-saxónica. Governar é também saber transmitir confiança, e esta está hoje visivelmente em carência. 

As pessoas até sabem que o estado da floresta é o que é, que a inconsciência e o crime espreitam por aí, que a meteorologia tem sido excecionalmente adversa, que os meios disponíveis seriam sempre finitos e insuficientes se acaso as condições ultrapassassem, como ultrapassaram, o razoável e o expectável, que quem chefia as operações fez seguramente todo o melhor que sabia, fosse o que fosse esse melhor - sabem tudo isso, mas não conseguem aceitar o que lhes sucedeu. A racionalidade é um bem escasso, por estes tempos, com tantas tragédias em cenário de fundo.

Saído de uma vitória eleitoral sólida, há meia-dúzia de dias, António Costa vê-se assim, da noite para a manhã, objeto de um clamor nacional, fruto de um imenso desespero, convertido em desesperança. O presidente da República, sintonizado com a óbvia emoção das pessoas, entrega agora ao parlamento a resposta sobre a sustentabilidade da solução política que gere o país. E sublinha isso com rara ênfase. Coloca-se numa posição de atentismo, o que é um claro recuo face ao modo como vinha a relacionar-se até aqui com o executivo. Porém, ele também sabe que não tem, por ora, condições para proceder a um teste eleitoral relegitimador, tanto mais que o principal partido da oposição vive uma indefinição interna. 

Escrevi “por ora”: é ao governo, é a António Costa que compete criar condições para que Marcelo Rebelo de Sousa não venha a ter essa tentação. Cada dia que passe sem que o país mude da perceção em que parece ter caído torna as coisas mais difíceis, tudo agravado por uma comunicação social crescentemente hostil, com uma oposição sem sombra de vontade de compromisso, com um apoio político-partidário ao governo ainda atravessado por várias tensões. É, porém, nestes momentos complexos que os verdadeiros líderes se testam. António Costa tem aqui o seu grande exame. Por mim, continuo plenamente confiante em que será aprovado. Alguns acharão que se trata apenas de “wishful thinking”. Logo veremos.

9 comentários:

Anónimo disse...

pelo que fui passeando nas redes sociais, não me parece que se tenha desfeito a confiança no Governo. Está tudo muito polarizado nas suas posições. Não há transferências.

Anónimo disse...

Serviços secretos a estudar o caso!!!
Há, ou não, coincidências entre as melhorias económicas e momentos de alegria coletiva e as coisas que dinamitam a confiança das pessoas nas instituições?
Quando algo puxa para cima, aparece um "disparate". Estudem as datas

Anónimo disse...


Seria de deixar a politica de lado, e de dar razão ao portugueses e outra gente de bem que protestam e se indignam.
ao não colocar esse sentimento na esfera politica seria já uma ajuda, é simplesmente o respeito pelo sofrimento de tantas vidas humanas perdidas, tantos animais, tanto património e bens materiais e ver crescer o aumento da pobreza para o país
e evidentemente corrigir situações rapidamente e tomar medidas para que não volte a ocorrer o que tem vindo a acontecer há demasiados anos

Anónimo disse...

Finalmente houve bom senso e a Dr. Urbano de Sousa foi demitida.

Foi contudo necessário uma intervenção do Presidente da república para que tal acontecesse.

Manuel do Edmundo-Filho disse...

Ao PR faltou-lhe uma coisa: pôr tónica veemente na necessidade de uma investigação sobre a origem dos fogos (não é crivel que 530 e tal incêndios num só dia sejam fruto de mera negligência)e na evidente necessidade de alterar a moldural penal para os incendiários tratando-os o direito penal como homicidas (como acontece em Espanha) sem o costumado e perverso recurso ao insituto da inimputabilidade.

De resto o PR esteve muito bem no discurso, ao contrário de Costa. Todos sabemos do desordenamento da floresta e do território, da escassez dos meios e das condições climáticas adversas e também ninguém desconhece que uma reforma profunda da floresta e do território leva anos. Mas o país não pode assitir impávido e sereno a estas tragédias enquanto paulatinamente espera que as reformas sejam levadas a cabo. Insitir neste dicurso, como fez Costa, é "dourar a pílula".

Ninguém compreende a incompetência da cadeia de comando (desde a ministra aos responsáveis nacionais e locais da protecção civil, conforme se conclui do relatório da camissão independente) e a inacção do governo. O país não precisa que o governo "saiba gizar um discurso convivente". Isso ajudá-lo-ia, com ceteza. Mas só. Precisa que o governo aja.

Anónimo disse...

E agora ?....

"Nunca foi sensata a decisão de causar desespero nos homens, pois quem não espera o bem não teme o mal."

Maquievel (HOJE).....

Anónimo disse...

Pois...

Já alguns historiadores neste país criaram, de longa data, a ideia da necessiade de cataclismos naturais para darem origem a mudança nos regimes.
Veja-se 1755, em que diziam imperou o fogo e não o tsunami, que deu origem às mudanças efectuadas pelo Marquês de Pombal na administração do país. A história e as ciências ocultas. [Mas isso é outra estória]

Enfim vê-se o país que somos: conservador só cedendo a cataclismos naturais que modificam a estrutura política.

Anónimo disse...

A culpa dos assalto a Tancos e dos incêndios foi sem dúvida do Ministro da Defesa e da Adm. Interna. E de Costa também. Mas anda tudo louco?
Fossem deste Governo ou de outro qualquer,cabe na cabeça de alguém colocar a culpa nos políticos?

Anónimo disse...

Até gostava que fosse aprovada a moção de censura! A direita no seu melhor!. O que substituiu o Montenegro na bancada do PSD, é cá uma belíssima escolha; bastou tê-lo ouvido hoje na Assembleia da República, com uma prosa excrementícia, contra o Primeiro Ministro. Vamos ver o futuro chefe?

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