quarta-feira, janeiro 22, 2014

Um diplomata na Revolução

Na passada sexta-feira, à volta de um café nos couros queirosianos do Grémio Literário, um capitão de abril lembrava-me que fora daquele mesmo local que, em 25 de abril de 1974, um diplomata português, então no exercício de funções políticas, organizara a mediação entre Marcelo Caetano e António de Spínola, que acabou com a rendição do chefe do governo, aquando da célebre deslocação de Spínola ao Carmo. 

O diplomata chamava-se Pedro Pinto e era, à altura, subsecretário de Estado da Informação. Morreu há semanas. Nesse dia, ao aperceber-se pela rádio do impasse que estava criado no largo do Carmo, com o quartel da GNR rodeado pelas tropas de Salgueiro Maia, que se confrontava com a recusa de Caetano de se render às forças do Movimento das Forças Armadas, Pedro Pinto tomou a iniciativa de enviar ao Carmo o diretor-geral da Informação, Pedro Feytor Pinto, acompanhado de Nuno Távora. Feytor Pinto, homem muito próximo de Caetano, constatou então a disponibilidade deste último de se render, evitando o assalto ao quartel pelas forças do MFA que estava iminente, desde que o poder "não caísse na rua". Caetano aceitou a hipótese de transmitir o poder a António de Spínola que, para tal, foi mandatado pelo Movimento, depois de uma chamada telefónica para o "posto de comando" do MFA, na Pontinha. 

A iniciativa de Pedro Pinto terá tido duas consequências importantes. Por um lado, terá evitado um número significativo de vítimas, que o assalto ao quartel e a reação das respetivas tropas iriam seguramente provocar, não apenas entre militares mas igualmente entre os milhares de civis que enchiam o Carmo, bem como nas famílias dos GNR, que com eles viviam no quartel. A decisão de ataque ao quartel fora já tomada, tendo Salgueiro Maia recebido ordem escrita de Otelo Saraiva de Carvalho para assim proceder, depois das muitas horas de impasse que se viveram.

Mas houve uma consequência política muito importante que a espetacular deslocação de Spínola ao Carmo acabou por ter. O general, que estava a par do Movimento mas que estava longe de ser o seu líder ou sequer a personalidade que o MFA pretendia ver à frente da nova Junta de Salvação Nacional, terá ganho, pelo protagonismo criado nesse momento, uma vantagem imediata na luta pelo poder. Esta sua momentânea proeminência desequilibrou, em definitivo, a relação de forças em seu favor, potenciando a retração de Costa Gomes para assumir a liderança da Junta. A História seria seguramente muito diferente se tivesse sido este último e não Spínola a titular a Revolução.

Se acaso Caetano se tivesse rendido a Salgueiro Maia, se tivesse sido preso e posteriormente julgado com outros responsáveis pelos crimes regime ditatorial, talvez tivesse sido possível fazer o processo do "Estado Novo", talvez os agentes da PIDE e os magistrados cúmplices dos Tribunais Plenários tivessem sido condenados. Nada assim aconteceu. Sem consultar o MFA, contrariando os termos do "memorando" assinado na Pontinha na noite de 25 de abril, a Junta decidiu, poucos dias depois, exilar Caetano, Tomaz e outras figuras para o Brasil. Se os mandantes tinham sido postos a salvo, que legitimidade tinha a condenação dos subordinados? 

Hoje, dia em que falo em Paris sobre a Revolução de abril, apeteceu-me lembrar este episódio e o papel histórico que um diplomata português acabou por nela desempenhar.

15 comentários:

Anónimo disse...

Para que conste: a Deutsche Welle anunciou fechar as emissôes em língua portuguesa para África a partir de 2015. Alguma reacção da CPLP?

Alcipe disse...

Quando morreu o Pedro Pinto, não houve um jornal nem uma televisão a recordar o papel dele na história da capitulação de Marcello (se estou enganado, corrijam-me). Para onde vais, memória?

a) Alcipe

Anónimo disse...

Então esse boluevardzinho? Mesmo com a madame, conseguiu visitar a Lili e a Froufrou? Saudades…

a) Libertino da Mata, Braga

Anónimo disse...

Antes assim. Especulação por especulação, aqui vai outra, talvez mais realista. Se Costa Gomes tivesse sido o primeiro PR depois do 25 de Abril, Vasco Gonçalves também teria sido o primeiro PM e o PC teria tomado o poder, face à pouca implantação do PS e à impossibilidade de organização de partidos como o PSD e o CDS , que comunistas e afins teriam proibido. E, com o PC no poder, teríamos outro banho de sangue em que todos os que fossem considerados fascistas, com razão ou sem ela (sabe-se o que são julgamentos em período revolucionário) seriam suprimidos liminarmente. E Franco teria entrado em Portugal com facilidade, pois tinhamos o grosso das tropas nas colónias, com o apoio entusiástico dos EUA e da Europa que, entre outras coisas, nos vendiam armas. Este banho de sangue seria, repito, muito maior.

patricio branco disse...

pedro feytor pinto fala nas suas memórias deste episódio carmo-gremio literario-marcello caetano-spinola-ele.
o diplomata pedro pinto merecia um obituário sobre a sua vida e papel politico nesses dias, estas figuras e episódios historicos devem ser lembrados, como no post foi feito.
presumo que apesar da iniciativa de mediação no dia 25 o diplomata secretario de estado tenha sido passado à disponibilidade e terminado a carreira.
quanto a pedro feytor pinto era o mensageiro entre o carmo-gremio, sendo pedro pinto o condutor sediado no gremio? presume se que pedro pinto era pessoa proxima de marcello.
interessante tudo isto, merecia mais pormenores, há muitos actores e testemunhos com informação, incluindo esse militar de abril que ontem no gremio literario lembrou o episódio.
li há muitos anos o alvorada de abril de otelo e não me lembro se refere o episódio dos pedros pinto...

Anónimo disse...

É importante recordar o diplomata que ajudou a desatar o nó cego que Salgueiro Maia encontrou ali no Carmo. Isto não tira, só dá, mais relevo à figura de Salgueiro Maia e mais pequenez aos politicos que a seguir o "ostracizaram".
Para mim, Salgueiro Maia ficará uma das figuras de mais relevo do 25 de Abril. Para mim, o Largo do Carmo passou a ser conhecido como Largo Salgueiro Maia e cada vez que vou a Lisboa com amigos franceses levo-os ali, ao Largo Salgueiro Maia, em autentica Peregrinação.
À proposta de Manuel Alegre de levarem Salgueiro Maia para o Panteão, acrescento que se officialise também o nome de Salgueiro Maia para o Largo do Carmo...
José Barros

patricio branco disse...

...já agora, vendo a expressiva e bonita fotografia que ilustra o texto, pessoalmente, minha opinião, preferia ver uma fotografia do gremio literario, a fachada ou a sala da biblioteca, vista menos vulgar para ilustrar o 25 de abril mas, neste caso, adequada e bonita...

Anónimo disse...

Esta coisa do 25/A começa a parecer o natal. Dois ou três meses antes, começa a festa.

Anónimo disse...

Pedro Feytor Pinto era um jovem com ideias democratas e que efectivamente teve um papel fundamental na ponte com Marcelo Caetano, que se tinha deixado enredar pelos "coroneis-tipo_Grécia, num país com imensas falhas de cultura de cidadania.

Se Costa Gomes um "companheiro-intelectual" dos comunistas, mais imagem-Abel Manta-povo-MFA-papoilas-moçoilas alentejanas-sol-a-brilhar,teríamos um maravilhoso-e-feliz-comunismo, no género latino, mantendo o "rumo-á-vitória-final, cujo final seria muito mais degradante que a situação actual.

Salgueiro Maia foi enganado pela "fúria" partidária e rápidamente esquecido pela "elite(?)" dos partidos.

Passados estes anos, vemos que uma simples revindicação de comissões/salários, manobrada por milicianos comunistas e "democratas-unidos" obteve o poder de bandeja.

A democracia efectiva, tão maltratada hoje pelos padrinhos & compadres dos partidos, só a partir do 25 de Novembro de 12975, uma datas políticamente incorrecta pelos detentotes da verdade absoluta, que sabemos ambos quais são, os mesmos desde sempre.

Alexandre

Anónimo disse...

O 25 de Abril dos militares que queriam mais tacho?

Francamente...

margarida disse...

"Esta coisa do 25/A começa a parecer o natal. Dois ou três meses antes, começa a festa."
Anónimo das 13:26

MY THOUGHTS EXACTLY! :(

Anónimo disse...

Para o Anónimo de 22 de Janeiro de 2014 às 02:37:

uma reacção de alívio?

Anónimo disse...

"margarida" escreveu em inglês para aumentar a semelhança com o natal e aquela coisa do "merry christmas", certo?

Anónimo disse...

Senhor Embaixador : lamento, e sempre lamentei, que todos os responsaveis pelos crimes cometidos pelo anterior regime, não tenha sido julgados e punidos.
Obviamente que em julgamentos rodeados de todas as garantias de defesa e não em simulacros.

EGR disse...

Esqueci-me de referir no meu anterior comentário que, em tempos, o actual PR concedeu uma pensão a um dos mais conhecidos PIDES.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...