sábado, janeiro 11, 2014

Ariel Sharon

Depois de um muito longo coma, foi anunciada a morte do antigo primeiro-ministro israelita Ariel Sharon.

O mundo quase se havia esquecido dessa figura intransigente da direita israelita, celebrada pela arrojada travessia militar do canal do Suez, na guerra do Yon Kippur, em 1973, e, mais tarde, por fortes responsabilidades no massacre de Saabra e Chatila, no Líbano, em 1982. Deve-se ainda a Sharon, no entender de muitos observadores, a deliberada "provocação" que deu origem à segunda Intifada, após a sua ostensiva visita à esplanada das mesquitas, em 2000.

Recordei os dias em que, em 1978, acompanhando o então ministro da Agricultura e Pescas português, Luis Saias, visitei o seu "bunker" na propriedade familiar que tinha no deserto do Negev. Sharon era, então, ministro da Agricultura do seu país. Guardo fotografias desse momento.

Sharon era uma figura rotunda, com um ar um tanto "patronizing" mas com alguma cordialidade, de onde transparecia uma autoridade natural que advinha, sem dúvida, dos seus tempos militares. Na lógica tradicional da composição dos governos israelitas, cujo sistema eleitoral "balcaniza" o executivo por uma imensidão de partidos, a Sharon calhara a Agricultura, como mais tarde iria caber a Habitação. A importante dimensão político-estratégica destes cargos ia, porém, muito para além da tecnicidade do lugar, pelo que as conversas com o seu homólogo português - cuja especialização era, aliás, também limitada - não passaram de vagas generalidades.

A visita correu bem, com demonstrações de simpatia pessoal de parte a parte, com alguns projetos de cooperação técnica assinados. No seu termo, Luis Saias informou-me que decidira convidar aquele seu homólogo a visitar Portugal. A seu ver, a amabilidade com que este o recebera tinha de ser recompensada. Expliquei então ao nosso ministro que, como diplomata e representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros na delegação, desaconselhava vivamente que convidasse Sharon a ir a Lisboa. A posição portuguesa no delicado equilíbrio da questão do Médio Oriente era muito cautelosa e o MNE nunca viria a aceitar dar "luz verde", naquela conjuntura, à concretização do convite.

(Antes da nossa partida para Israel, como já relatei aqui há tempos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sá Machado, havia-me transmitido pessoalmente as linhas "limite" de enquadramento desta visita técnico-política. Um convite para uma visita de Sharon a Lisboa ia, claramente, muito para além dessas instruções).

Luis Saias não teve em conta as minhas objeções e, na conferência de imprensa final (em que eu tive de traduzir o que disse...), deixou expresso o convite para Ariel Sharon visitar Portugal. Saias deixaria de ser ministro tempos depois, com o fim do governo PS-CDS. Para a História, Sharon não veio a Portugal.

(Adaptação de um post aqui publicado há mais de três anos)

6 comentários:

Anónimo disse...

Que a terra lhe seja pesada!
Lourenço

Defreitas disse...

Nunca gostei deste personagem. Saabra e Chatilla são uma das razoes. Duma maneira geral a sua politica para com os Palestinos detestei e continuo a detestar.
Curiosamente, Senhor Embaixador, desculpe mas também conheci Sharon duma forma particular. Responsável comercial para o Médio Oriente, após uma semana de trabalho em Israel, embarquei uma noite no voo Air France Tel-Aviv- Lyon- Paris. Depois de ter sido interrogado, na véspera, no Hotel Diplomate ,onde residi, pela polícia , em previsão do meu embarque à noite, no dia seguinte, ( o que vim fazer, quem visitei, os nomes das fábricas, se tive contactos com alguém doutro, etc!) lá me encontrei sentado , no dia seguinte, no meu lugar no Airbus, por acaso nos lugares da frente.

Com um atraso de 15 minutos , lá apareceu Sharon , reconhecível à sua corpulência, e a esposa, acompanhado de dois "seguranças" israelitas. Um problema se põe a mim, quando o steward d'Air France me pede delicadamente de mudar de lugar porque a disposição de "segurança" imposta pelos polícias que acompanhavam Sharon obrigavam a que os dois tivessem os olhos em permanência sobre o casal... em frente deles. Ora eu estava no meio do dispositivo e faltava um lugar. Pediram me portanto de passar para trás. Francamente, recusei. Não via razão para isso. O steward pediu a assistência do comandante que me explicou que devia ajudà-lo porque o erro da distribuição dos lugares foi da Air France. Acedi. Francamente, de mau grado.

Durante o voo, tive necessidade de aceder a um documento na minha pasta, colocada na parte superior. Desde que me levantei, os dois policias levantaram-se como fossem sentados em duas molas potentes... Acompanharam os meus gestos meticulosamente.
Ao chegar a Lyon Satolas, constatei que era o único passageiro a desembarcar. Os outros seguiam para Paris. Da porta do avião até à aerogare e à volta do aparelho, dezenas de CRS guardavam o aparelho, armas na mão.
Sharon e a esposa tinham vindo fazer "shoping" em Paris. O Natal aproximava-se.

Escrevi uma carta à direcção da Air France protestando contra o facto que tinham embarcado num avião civil alguém que era considerado como criminoso de guerra por milhões de Árabes, e que os civis estiveram assim, durante algumas horas, expostos a perigos consideráveis se esse voo , com um tal passageiro tivesse sido descoberto. Nunca obtive resposta. Os grandes deste mundo pesam muito mais que um simples cidadão lambda.

Anónimo disse...

O que tenho vivo na memória, e não se apaga, são os cadávers estendidos pelo caos provocado aquando do massacre de Sabra e Chatila de que Sharon é responsável direto e nunca se lhe pediram contas... Creio que nessa altura ainda não se havia adotado esta moderna fórmula diplomática do "devoir d'ingérence" que veio tornar menos chocante um qualquer país intervir belicamente no interior das fronteiras de outro.
José Barros

São disse...

Como sou crente , só posso rogar a DEus que o ilumine e lhe faça sentir muito e muito arrependimento.

Esta criatura era tão perversa como os nazis.

Os meus respeitos

Anónimo disse...

Há um filme fabuloso que vi em Paris e que recomendo: Valse avec Bachir.

São disse...

Eu vi esse filme e também o recomendo vivamente.

E quando ouço um dos Bush a falar dos esforços que Sharon fez pala paz (deveria ser a paz dos cemitérios), sugiro fortemente que se leia "Palestina:Paz, Sim.Apartheid, Não", escrito por Jimmy Carter, antigo Presidente dos EUA e Prémio Nobel da Paz.

Bom domingo

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