segunda-feira, janeiro 20, 2014

A cultura da direita


Não faz parte da prática habitual deste espaço dar destaque a artigos de imprensa ou mesmo a textos publicados noutros blogues. Abro, contudo, e com gosto, uma exceção para dar conta de um interessante trabalho de António Araújo, intitulado "A cultura da direita em Portugal".

Não conheço António Araújo, nem creio ter lido antes nenhum seu trabalho. Mas fiquei impressionado e aprendi imenso com este artigo, que muito me ajudou a "arrumar" ideias e a organizar e moldar algumas perceções a que tinha chegado de forma impressionista.

Alerto já que não se trata de um texto de fácil leitura. É também um trabalho relativamente longo, com alguma densidade conceptual que pode afastar muitos leitores, menos habituados a uma linguagem que releva de alguma prática académica.

O artigo leva-nos pelo mundo da nova direita, explícita ou subliminar, no Portugal depois de abril, com os seus jornais, as suas revistas, os seus livros, os seus lugares, as suas músicas e até os seus blogues. É um trabalho muito completo. Senti, contudo, que nele talvez falte uma referência a um terreno de algum relevo - a nova historiografia, onde um inteligente revisionismo se insinua e tem vindo a progredir, de uma forma a que há que estar atento. Um ponto interessante é o facto do artigo destacar que a cultura de direita conseguiu, nas últimas décadas, uma muito maior qualidade intelectual e um justo reconhecimento, garantindo hoje um lugar no espaço público. Essa é a sua grande diferença face a uma certa escola antiga, tributária da ditadura, marcada por um tropismo "traulitano", por um reacionarismo pouco sofisticado, por uma espécie de nacionalismo primário e de seita, às vezes de um tradicionalismo bafiento. A nova direita portuguesa, mesmo para a esquerda que com ela convive, tem hoje muito mais graça, mais "mundo" e, não raramente, é politicamente inteligente. Porém, salvo algumas exceções, esta nova vaga de pensamento diretista deixa-se ainda frequentemente ficar, no plano estratégico, ao serviço de agendas partidárias de mero pragmatismo, de adubo doutrinário para alguns tropismos patrimonialistas. Mas não deixa de ser estimulante ter esta nova direita como adversário no domínio das ideias, em contraste com o que acontecia com aquela que, durante décadas, foi titulada por "reaças" e "fachos" sem a menor piada. Como no futebol, é muito mais interessante jogar contra equipas que "dão luta". E ganhar, claro.

Leia aqui o artigo.

22 comentários:

margarida disse...

" (...) deixa-se ainda frequentemente ficar, no plano estratégico, ao serviço de agendas partidárias de mero pragmatismo, de adubo doutrinário para alguns tropismos patrimonialistas (...)" aplica-se literalmente também à esquerda.
E fico contente que tenha 'descoberto' o Malomil.

Anónimo disse...

Muito obrigado, Senhor Embaixador, por chamar a atenção para este estudo muitíssimo bem informado e muitíssimo bem elaborado, de enorme interesse - e além disso escrito de uma forma muito objectiva, sem quaisquer "arrières pensées".
Leão do Amaral

Anónimo disse...

Continua a confundir-se Portugal com Lisboa (o que de certa forma é correto dada a ditadura “capitalista”), e a catalogar “direitas” e “esquerdas”, que à noite são arguidas, nos mesmos “butecos” com um whisky na mão, apenas com base no verbo (porque os gostos, maus e bons, são os mesmos) de cada um. (O “Estado Novo” e o “Biba o Porto” do Betuxo mereciam uma referência).
Alfabetizar em Democracia de J. M., é um sustentáculo sólido para tirar conclusões sobre este assunto dito de “direitas e esquerdas”…
antonio pa

Anónimo disse...

De certo não vou ter tempo para ler o artigo. Mas haverá nesse texto uma contradição assim tão flagrante? Uma direita intelectual tão inteligente e uns políticos de direita tão medíocres?
Eu bem sei que afirmo isto do alto da minha pequenez! Por isso, se soubesse que o texto me explicava esta contradição, ainda faria um esforço para lê-lo...
José Barros

patricio branco disse...

para o meu gosto achei o texto um pouco desordenado, com demasiados elementos misturados, factos, figuras, tempos. tambem lhe faltará uma estrutura, a introdução e as conclusões.
é no entanto rico em pistas e factos e o leitor pode desenvolver, pensar nelas, é ajudado a recordar, etc.
não o li integralmente, a partir dum certo ponto comecei a ler em diagonal ou aqui e ali à medida que via um nome que chamava a atenção.
talvez seja texto pensado para ser lido e ouvido, escrito necessitaria duma estrutura mais ensaistica e depurado aqui e ali.
é uma visão da direita vista através da história de certa imprensa, mas tambem de outros sectores da sociedade, só lhe falta falar de desporto, futebol, tambem devia ser incluido, mas posso não ter lido e falar.
darei um destes dias outra vista de olhos.

Anónimo disse...


O comentário de Margarida acertou na "mouche".

Os "resquicíos" das dualidades do Séc XIX, mantêm-se em 2014.

O Malomil é um excelente blog, diversificado, que também frequento.

Alexandre

Alcipe disse...

O artigo e bom, sem ser exaustivo, mas e bastante completo. Falta a historiografia revisionista (Rui Ramos, Fatima Bonifácio, para citar gente com perfil académico serio), e verdade. Mas nao se me ocorrem outras omissões. Haveria um estudo a fazer sobre um movimento que, intitulando-se de esquerda, abriu caminho a viragens a direita que hoje alguns dos seus mesmos protagonistas lamentam: refiro-me a Esquerda Liberal, promovida por José Pacheco Pereira, Teresa de Sousa, José Manuel Fernandes, Joao Carlos Espada et alii. Um estudo a fazer.

Unknown disse...

"...a nova historiografia, onde um inteligente revisionismo se insinua e tem vindo a progredir, de uma forma a que há que estar atento"

"revisionismo" ou "des-revisionismo"?
Talvez dependa do ponto de vista...

http://jornalismoassim.blogspot.pt/2013/02/portugal-lisboa-e-o-resto-do-pais-1.html

Defreitas disse...

Recordo ter perguntado ao meu Pai, homem muito politizado e resistente, como ele dizia, o que significava , na vida politica, ser de direita ou de esquerda. Respondeu-me : " Ser de direita, é ver a grandeza da Nação. Ser de esquerda, é querer a felicidade dos cidadãos. "

Segundo as religiões, não estamos sobre a Terra para ser felizes. A felicidade será para depois! Esta é uma crença típica de direita. Mas ela pode convir também a um homem de esquerda, se crê mais ou menos na felicidade. Por isso ela me convém. Porque a Nação e a sua grandeza são abstracções perigosas. A felicidade, ela, merece de ser prosseguida.

Curiosamente, neste "post" está escrito que a direita actual em Portugal seria "inteligente"! Em França, pais com grande experiência , sempre se disse que a direita francesa é a mais estúpida do mundo.
Coluche dizia : Ser de esquerda não dispensa de ser inteligente, o que é uma espécie de vitória moral ou espiritual. Aliás a direita tem ciúmes da qualidade e da profundeza do pensamento de esquerda.

A verdade é que há diferenças entre esquerda e direita. São dois povos ou dois pólos: trabalhadores dum lado; burgueses , grandes proprietários, patrões capitalistas e rendeiros, quadros dirigentes, profissões liberais, artesãos e comerciantes do outro. Com todos os intermediários entre estes dois mundos - as classes médias, os trânsfugas os indecisos.
Mundo poroso, onde se passa facilmente dum lado para o outro.

A esquerda favorece mudanças radicais ou mais ambiciosas. O presente não interessa, o passado ainda menos : ela é reformista ou mesmo revolucionária. Esta é a sua forma de progresso.
A direita , sem ser contra o progresso, prefere defender o que existe, mesmo se possível restaurar o que foi. Temos aqui alguns monárquicos que não pensam noutra coisa.
Partido do movimento dum lado, partido da ordem, da conservação ou da reacção do outro.
Com nuances também: defesa das vantagens adquiridas à esquerda, vontade de reformas liberais à direita . Para esta, o património passa antes de tudo, e "tant pis" para a felicidade da maioria. Que deve submeter-se ou revoltar-se.

António Pedro Pereira disse...

Senhor Embaixador:
António Araújo é Conselheiro de assuntos Políticos de Cavaco Silva.
Acho que é professor de Direito, não sei em que universidade.

Anónimo disse...

Da "Alta" só sabe quem lá está por nascimento. Em alguns casos nem é necessário ter dinheiro mas sim ser honesto. Os sociologos podem conhecer muitas teorias mas.... falta-lhes o "mundo" para a perceberem bem. Isto acontece em toda a parte mas em Portugal foi desde o liberalismo. Em França foi depois da guilhotina.O resto são oportunistas ou "social climbers"

Anónimo disse...

José Barros, eu li o texto e não me parece que a conclusão possa ser a de que a nossa intelectualidade de direita é, ou foi, muito inteligente. Não se confunda inteligência com escrever bem, coisa que se gaba muito ao VPV, por exemplo.

Unknown disse...

Olá,

do mesmo blog recomendo-lhe:
http://malomil.blogspot.pt/2013/12/julia.html

Recomendo também consultar detalhadamente o arquivo do blog de Michael Hagg.
http://michaelhaag.blogspot.pt/

Tem vários posts muito interessantes sobre a Alexandria sonhada e vivida pelos seus escritores suis generis (Cavafis, Durrell, Forster), entre os quais, sem desmerecer outros (posts), o da visita que fez em 1999 a Alexandria com a própria Eve Cohen, 2ª mulher de Lawrence Durrell.

Também publicou 2 excelentes livros sobre Alexandria.

Por fim ainda a ler:
http://www.bu.edu/arion/haag%E2%80%99s-many-alexandrias/

Achei que poderá gostar.


Anónimo disse...

Fica aqui o desafio ao Freitas para escrever um comentário ainda maior do que o texto aconselhado pelo embaixador. Isso é que era de homem!

Portugalredecouvertes disse...


só penso nos conflitos armados que conhecemos quando os indivíduos lutam pela defesa da sua nação, será um termo abstrato da direita?
é que do lado dos que perdem, a "felicidade dos cidadãos" não fica nada garantida,
porque os humanos cobiçam o que os outros têm

será de esquerda o facto de o passado não interessar, levando ao desinteresse pelo património, se nos lembramos de certos "revolucionários" capazes de transformar igrejas e conventos em cavalariças


Defreitas disse...

Ao Portugal découvertes:

Levar a guerra a Alcácer Kibir, para a grandeza da Nação, e lá deixar o rei, a elite e a independência nacional é como fazer a guerra séculos mais tarde nos pântanos da Guiné , para o benefício duma minoria, onde lá deixamos os nossos filhos e, finalmente, mais uma vez, o nosso futuro.
Preferia que a Nação se tivesse engrandecido pela educação, a formação, o desenvolvimento e o trabalho dos seus filhos, e que estes tivessem orgulho no pais que levantaram.
Hoje, vemo-los partir com armas e bagagens, viver sob outros céus, sem orgulho no pais que deixam para trás.
A grandeza duma Nação passa pela igualdade dos cidadãos perante a lei e a justiça na partilha da riqueza produzida pelos mesmos.

Defreitas disse...

Ao anónimo das 21:31:

A sua presença neste blogue parece limitar-se a contar as palavras do texto dos comentários, função que já existe no programa do computador. Claro que quando as ideias falham a tarefa é assim mais fácil. Mas é demasiado curto... para um tão longo vazio.

PS) A única autoridade que reconheço neste blogue é a do seu autor.

Carlos Santos disse...

Exmo. Senhor embaixador,
Li o referido blog. Aquilo é suposto ser o quê? Um trabalho científico? Reportagem de revista cor-de-rosa?
Eu, que sou analfabeto, não vejo o mínimo de argumentação razoável:
1- quem eram os leitores desses jornais/revistas? Classes sociais, localização geográfica, sexo, idade.
2-qual era a tiragem média semanal?
3-a estratificação social tinha desaparecido (com o 25 de abril?) e essas revistas voltaram a institui-la? Brilhante!
4-o autor esqueceu-se de fazer comparação com outros países? Muitos destes modelos não passam de cópias do que se faz lá fora.
5- E a educação? foi uma pena que tantos anos de escolarização de um povo tenham sido estragados por umas revistas! Mais valia o estado ter investido em "jornais virtuosos" do que na escola pública!
Este artigo faz-me lembrar aquela definição da estatística, a ciência de torturar os números até que eles confessem.

Anónimo disse...

Não sei o que é pior, Freitas: se a "essência" do seu remoque, se o facto de ser tão pequenino...

Defreitas disse...

Ao anónimo das 17:24 :

O anonimato confere muita coragem aos fracos . E como não há nada a esperar de tal espécie, ficamos por aqui.

Portugalredecouvertes disse...



Acho bem o que escreve o Sr. Defreitas nos parágrafos
ou seja, permita-me que copie:
""
Preferia que a Nação se tivesse engrandecido pela educação, a formação, o desenvolvimento e o trabalho dos seus filhos, e que estes tivessem orgulho no pais que levantaram.

(mas vejo muita gente aqui a estudar muito e a trabalhar muito)


A grandeza duma Nação passa pela igualdade dos cidadãos perante a lei e a justiça na partilha da riqueza produzida pelos mesmos.""

mas também devemos pensar nas utopias que nos "vendem" de vez em quando, com interesses duvidosos

João Franco disse...

Parente afastada da "Futuro Presente" e mais próxima dessa Nouvelle Droite gaulesa, a revista "Finis Mundi", surgida já na presente década.

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...