segunda-feira, dezembro 02, 2013

A ver navios

Nos muitos anos em que férias foram para mim sinónimo de Viana do Castelo, os Estaleiros faziam parte da paisagem de fundo. Amigos do meu pai trabalhavam "nos Estaleiros", raramente havia uma família de alguém conhecido que não tivessem gente ligada a essa indústria central na vida da cidade, atravessava-se os Estaleiros, de onde saíam sirenes e barulhos estranhos, para ir à praia norte, onde se dizia que as virtudes do iodo compensavam a ventania das tardes desabrigadas, logo que passado o Campo. Na minha memória, os Estaleiros fazem parte da identidade de Viana tanto quanto as lavradeiras da Senhora da Agonia, as montras do Valencinha da Praça ou do Eugénio Pinheiro, os doces do Natário, o mazagran do Límia Parque ou do Girassol ou o escadório de Santa Luzia. E, mais modernamente, a fama dos ouros da ourivesaria Freitas ou os advogados espertalhotes do prédio Coutinho, para dar dois exemplos de sentido contrário.
 
Com tudo em crise por aí, só espantaria que os Estaleiros não seguissem a sina da pátria. A espaços, Viana apareceu nas televisões com façanhudos operários reclamando de problemas na empresa. Com os empregos em risco, percebi entretanto que se justificava amplamente serem façanhudos. E com a gestão errática dos últimos anos - em que "dom Sebastião" oscilou entre os russos, os Açores, Hugo Chavez e, agora, as ventoínhas da nossa poluição visual (uma das quais já emerge lá pela zona) -, assistimos a decisões e contra-decisões ministeriais (com trapalhadas europeias à mistura) que, para o cidadão comum como eu sou, têm um ar de ligeireza e de aparente irresponsabilidade. Ou os estaleiros são para fechar ou são para ter futuro. Este vai-e-vem de manifs e de declarações oficiais com ar de Estado, com os Estaleiros a ver navios, é que tem de acabar. 

6 comentários:

opjj disse...

Estocada em estocada até à morte final.
1º Chavez, mistério dos mistérios?
2º Carlos César o bom português que recusa um barco, diz-se,por andar menos 5Km/h.
Com amigos destes, quem precisa d inimigos!
Sem encomendas, vai acontecer o mesmo que aos outros estaleiros, morre.
Cumpre o ciclo natural, nasce, cresce e morre.
Cumprimentos

opjj disse...

Terei ouvido bem! Chavez não terá dito que ficava com o barco recusado por Carlos César "Atlântida"e muito mais!?
BH

Anónimo disse...

Ler o artigo de Cátia Simões no DEconómico , de 29/11/13:

"Quase 70 anos de actividade e um passivo de 281 milhões de euros "


A história normal das famigeradas empresas públicas, "albergue" de muitos amigos da "democracia unitária".

Lá se menciona o "mistério" do ferry encomendado pelo Gov Regional dos Açores:

"O desequilíbrio do balanço dos Estaleiros agravou-se com o ‘ferry' Atlântida. Encomendado pela Atlanticoline em 2009, o navio foi recusado por não cumprir os requisitos técnicos. O navio foi transferido para o Arsenal do Alfeite e o caso está em tribunal mas não tem fim à vista. Enquanto isso, os custos para a empresa já atingiram os 57 milhões de euros: só por estar ancorado no Alfeite o ‘ferry' custa cerca de 500 mil euros anuais."

alexandre

LUIS MIGUEL CORREIA disse...

Uma grande trapalhada esta a juntar a todas as outras recentes e menos recentes. Muita incompetência e ligeireza, mas o problema não é de agora. Arrasta-se há muito e entretanto muita da informação é pouco objectiva. Dos navios construídos em Viana, a componente principal portuguesa tem sido a mão de obra, dado que os equipamentos quase todos, do aço às máquinas e maior parte dos aprestos são importados. A desmaritimização das últimas décadas em Portugal matou as várias marinhas e as indústrias associadas, caso da indústria naval que chegou a ter uma enorme importância económica, principalmente devido à Lisnave. Nada que não se passe igualmente um pouco por toda a Europa, onde só sobrevivem os estaleiros especializados em navios de elevada tecnologia, passo que não se conseguiu dar em Viana. Esperemos pelos próximos capítulos da novela...

Anónimo disse...

Terá sido culpa dos façanhudos operários mas cheira que tresanda a muscambilha engravatada.
É é, na descrição muito expressiva do Pacheco Pereira, a salga da construção naval portuguesa.
Quando se perceber a negociata já vai ser tarde.

patricio branco disse...

triste, triste...

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