segunda-feira, setembro 09, 2013

Síria

Governar é escolher, dizia Mendès-France. A escolha, no caso sírio, é de uma extrema complexidade. Deixar impunemente Bashir Al-Assad continuar a repressão de parte do seu povo parece obsceno, agora que as acusações de uso de armas químicas fizeram a guerra civil mudar de patamar. Mas decapitar o poder em Damasco, provocando uma espécie de "balcanização" armada, com a entrega do poder a grupos islamistas radicais, muito fragmentados entre si, sem a menor garantia da criação de um processo democrático alternativo, é também um risco estratégico fortíssimo.
 
Que fazer? A escolha dos EUA e alguns aliados, mas ainda não plenamente assumida e fragilizada na reunião do G20, seria no sentido de provocar um forte abalo do regime sírio, por ataques cirúrgicos a estruturas e entidades que suportam o essencial da sua ação militar, com vista a provocar o seu enfraquecimento e a forçá-lo à negociação de um qualquer compromisso. Curiosamente, no discurso ocidental, poucos falam na substituição de Assad e mesmo no seu possível julgamento pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), talvez porque alguns considerem que um cenário "menos mau" ainda pode ter de vir a passar por ele. Longe vão os tempos do "regime change" que era voz corrente no caso do Iraque.
 
Em todo este contexto, valerá a pena não perder de vista algumas coisas:
 
  • que o regime de Assad, não obstante a violência dos seus métodos (aliás, na velha tradição bárbara do pai do ditador), tem um considerável apoio popular no país, por razões de equilíbrios étnicos que têm muito a ver com a própria existência do país. O sunitas moderados, bem como as minorias cristãs, druzas, chiitas e curdas parece continuarem a preferir Assad à instauração de um modelo islâmico radical.
  • que a oposição está extremamente fragmentada entre grupos no exterior, sem grande influência interna e apenas relevantes nos refugiados e na diáspora, e os grupos internos que conduzem as operações militares, fortemente extremistas, que fazem parte de uma espécie de "brigadas internacionais" salafistas, que o ocidente se resignou a apoiar, sob pressão dos seus aliados sunitas (Turquia, Arábia Saudita e Qatar).
  • que a agenda anti-Assad, na realidade, tem como importante objetivo tentar enfraquecer a aliança entre a Síria e o Irão - porque a questão iraniana permanece como o elemento vital de toda esta questão. Por forma a evitar que o Irão se assuma potência central da região, em especial se vier a obter poder nuclear, o ocidente decidiu tomar partido pelas forças sunitas, na tentativa de quebrar a ligação entre as forças chiitas que ligam Síria, Irão e Iraque, bem como o Hezbollah libanês.
 
No caso sírio, como às vezes acontece, parte do mundo encontra-se perante a "alternativa do diabo": qualquer escolha será má, restando saber qual será a pior.
 
ps - porque é bem ilustrativa do que a Europa política é, note-se o esforço declaratório da União Europeia sobre este assunto, recheado de ambiguidades para poder acomodar o mar de divergências no seu seio.

18 comentários:

ignatz disse...

oh sr. ex-embaixador! até aí já tinha chegado, gostava de conhecer era a solução do imbróglio.

Anónimo disse...

caro embaixador

deixo aqui o artigo de maria joao tomas que me parece fazer uma analise interessante

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3405861&seccao=Maria%20Jo%E3o%20Tom%E1s

"O sunitas moderados, bem como as minorias cristãs, druzas, chiitas e curdas parece continuarem a preferir Assad à instauração de um modelo islâmico radical."

eu alteraria esta frase apenas para dizer que quem neste momento protege os cristaos na siria de uma limpeza religiosa é assad,

"Por forma a evitar que o Irão se assuma potência central da região, em especial se vier a obter poder nuclear, o ocidente decidiu tomar partido pelas forças sunitas, na tentativa de quebrar a ligação entre as forças chiitas que ligam Síria, Irão e Iraque, bem como o Hezbollah libanês."

ainda estou para perceber se o irao é menos racional que o qatar ou a arabia saudita; uma coisa é certa, certamente esta mais proximo de uma democracia e dos objectivos do milenio

http://en.wikipedia.org/wiki/Millennium_Development_Goals

deixo uma analise da stratfor

http://www.stratfor.com/analysis/iran-managing-us-military-action-syria?utm_source=freelist-f&utm_medium=email&utm_campaign=20130905&utm_term=FreeReport&utm_content=readmore&elq=5c61e57c62cc412e9a29a1b09c7f45a3

e israel o que pensara disto tudo? tambem seria interessante de saber.



bem haja

Joaquim de Freitas disse...

Complexo, escreveu? Como é verdade! E para o provar basta ler o memorando que os antigos do VIPS ( Veteran Intelligence Professionals for Sanity ) escreveram ao Presidente Obama!), no qual comparam o relatório sobre o ataque químico de Assad, aos frasquinhos de Colin Powell antes da invasão do Iraque! Neste memorando falam de " negação plausível", por causa da "ligeira incerteza", ("flou decisionaire"), que faz que não se pode provar formalmente que o cume do Estado está implicado na decisão directa e reflectida do ataque químico.
Quando os Americanos escrevem que, " as fontes de informação ('intelligence) confirmam que um incidente químico qualquer provocou mortos e feridos em 21 de Agosto em Damasco, insistindo que o "incidente" não foi o resultado dum ataque do exército sírio empregando armas químicas de tipo militar do seu arsenal, este é, segundo a CIA o facto mais importante. Estes veteranos do VIPS vão mais longe, afirmando que John Brennan, patrão da CIA comete uma fraude (escroquerie) do tipo daquela da guerra do Iraque, sobre o Congresso, os media, o publico e mesmo o presidente Obama, ao deixar pensar que foi um ataque de Assad.

Dizem ainda que John Brennan, para aqueles que trabalharam com ele e o conhecem, merece "0" credibilidade!( Quando na administração se fazem rasteiras aos colegas, deve ser terrível!). E quando dizem que o director da informação (intelligence) nacional, James Clapper, não vale melhor, recordam que ele admitiu ter jurado diante do Congresso de "maneira errada" no caso das escutas da NSA sobre os Americanos.

Que pensar de tudo isto, quando se sabe que Blair tomou a decisão da guerra contra o Iraque, depois de ter recebido um raport do chefe do serviço de l' "intelligence" britânico, Dearlove, no qual este o informava ter recebido uma "confidência" do patrão da CIA sob Bush, Charles Tenet, segundo a qual Bush tinha decidido eliminar Saddam Hussein por acção militar que seria "justificada pela acusação de terrorismo e das AMD" ! Isto é, ataca-se primeiro e justifica-se depois.
"But the intelligence and facts were beeing fixed around the policy" . Du joli ! Creio que podemos recear que isto seja precisamente o que se passou com a "intelligence" sobre a Síria!
Kerry, ao anunciar, hoje, que a solução é primeiramente diplomática, antes de ser militar, talvez anuncie a retirada!
Porque, como diria um italiano : Cui bono ? Por qual interesse ou no interesse de quem ? Quantas facções, como bem escreve, estariam interessadas num empenhamento mais profundo dos EUA na guerra?
Quando se lê a imprensa israelita, não parece evidente que estes desejem que a guerra civil se termine rapidamente na Síria.
""The longer Sunni and Shia are at each other’s throats in Syria and in the wider region, the safer Israel calculates that it is."
Deixai-os sangrar , provocar hemorragias até à morte, é a reflexão estratégica dos Israelitas! Entretanto temos a paz!


Mas na realidade, a caldeira do Médio Oriente só poderá arrefecer no dia em que a política estrangeira dos EUA deixar de ser pautada em Tel Aviv ou nos bastidores do Congresso americano, onde o lobby judeu americano faz a chuva e o bom tempo! A AIPAC ainda tem muitos belos dias diante dela!

Para o momento, os "beligerantes" vão continuar a tarefa mórbida que irá até ao aniquilamento duma das partes. E não será aquela que parece mais ameaçada que cederá! A sobrevivência de varias etnias depende de Assad para evitar o tsunami islamista que se vê operar no Egipto, na Tunísia, na Líbia e além...

Anónimo disse...

Dar cada vez mais poder aos wahabbitas (sunitas extremistas) parece ser a grande opcao estratégica do Ocidente, desde que Winston Churchill disse que "os muçulmanos sao os melhores amigos do Ocidente" e os ingleses puseram a familia Saud a tomar conta do petróleo da Arabia. Allah sera clemente e misericordioso connosco, porque dos pobres de espirito sera o Reino dos Céus, desde que falem Inglês... A quem convém tudo isto e a defesa de Israel, mas se eu disser isto chamam-me nazi...

a) Feliciano da Mata, geomaniaco

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Ignatz: eu não conheço a solução para o imbróglio. Apenas tenhoopinião sobre qual deve ser a posição portuguesa perante o assunto. Mas disso falaremos oportunamente.

ignatz disse...

pois, eu tamém estou de acordo com a resolução da onu se e quando aprovarem alguma.

Anónimo disse...

No início do conflito o governo sírio convidou SAR o Duque de Bragança para mediar o conflito, gesto que muito honrou Portugal e os portugueses lembrando o papel importante que a Casa Real Portuguesa tem prestado na cena internacional (outro exemplo é o caso de Timor-Leste abandonado pelas autoridades portuguesas, mas nunca esquecido pelo Senhor Dom Duarte).

Nessa altura o plano considerava eleições democráticas validadas por observadores internacionais.

Infelizmente, nunca teve o apoio internacional, nem do governos português.

Em conclusão, posso apenas acreditar que o que está em causa na Síria são apenas interesses geoestratégicos (os direitos humanos, como de costume, servem apenas para fazer boa figura e esconder outros interesses).

Cumprimentos.


Anónimo disse...

Caro Senhor Embaixador,

Obrigado por partilhar com os seus leitores as suas opiniões e reflexões sobre vários assuntos de interesse.
Perante a notícia que segue, publicada no Le Soir, fiquei na dúvida se não seria útil discutir-se (dentro do possível) a verdadeira autoria do ataque e não apenas se deve haver ou não intervenção e quando deve ela acontecer.
É que esta não é a única voz a não atribuir o referido ataque ao governo Sírio.

"L’enseignant belge Pierre Piccinin da Prata est arrivé à Bruxelles ce lundi matin à 05h40, en provenance de Rome. Enlevé en Syrie en avril dernier, il a été libéré dimanche soir avec l’Italien Domenico Quirico, journaliste au quotidien La Stampa.

Interrogé par Luc Gilson pour RTL, l’enseignant belge Pierre Piccinin, a indiqué que le gaz sarin n’avait pas été utilisé par le régime de Bachar Al-Assad.

« C’est un devoir moral de le dire. Ce n’est pas le gouvernement de Bachar Al-Assad qui a utilisé le gaz sarin ou autre gaz de combat dans la banlieue de Damas. Nous en sommes certains suite à une conversation que nous avons surprise. Même s’il m’en coûte de le dire parce que depuis mai 2012 je soutiens férocement l’armée syrienne libre dans sa juste lutte pour la démocratie », a déclaré l’enseignant dans une interview qu’il a accordé à RTL.

Por sua vez Domenico Quirico jornalista do La Stampa, também ele libertado hoje, parece ter dúvidas sobre a autoria do ataque e, também, quanto aos métodos e propósitos dos opositores do ditador da Síria.
Oliveira Carvalho

Fada do bosque disse...

Entretanto usou-se o agente laranja, napalm, no Vietnamme, o fósforo na Palestina, bombas incendíárias em Dresden, Colónia e Hamburgo, e urânio contra o Líbano, para não falar no Japão...

Como se costuma dizer, é a Síria que paga o pato?

Que justiceiros! Ainda por cima mentirosos.

Anónimo disse...

Passo a citar:"O jornalista italiano Domenico Quirico, que permaneceu sequestrado por cinco meses na Síria, declarou nesta segunda-feira que chegou a escutar uma conversa de seus sequestradores na qual diziam que "a operação com gás em dois bairros de Damasco" foi perpetrada pelos rebeldes para provocar a intervenção militar do Ocidente. Quirico ofereceu seu testemunho ao jornal italiano La Stampa, do qual é correspondente, em resposta às declarações realizadas por seu companheiro de cativeiro, o professor universitário belga Pierre Piccinin da Prata, que em uma entrevista a uma rádio de seu país, recolhida pelos meios de comunicação italianos, assegurou que o governo de Bashar al-Assad não utilizou gás sarin na periferia de Damasco. "É uma loucura dizer que eu sei que não foi Assad o que utilizou o gás", afirmou Quirico, que ontem à noite voltou à Itália após ser libertado após cinco meses de cativeiro." in "Terra Brasil"
JPS

Anónimo disse...

Fada do Bosque tem toda a razão!
a)Silveira do MNE

Anónimo disse...

Eu cá acho que a hipocrisia do Ocidente devia acabar de vez: deixar que os sunitas matem os chitas e que estes matem os sunitas. Se fizermos tudo o que estiver ao nosso alcance para que tal aconteça ficará para sempre resolvido o problema do fundamentalismo islâmico. A América que dê cabo de Cuba e da Coreia do Norte que já chateiam à tempo demais e a Europa que resolva os seus ( nossos ) problemas que nada têm a ver com a Síria.

Helena Oneto disse...

Perante esta "alternativa", nem diabo queria ser...

Anónimo disse...

antes que seja tarde e o sssunto perca importancia,
o sr embaixador ja reparou na parecenca entre bashar el assad e jacob do bandolim?

ora veja


http://www.youtube.com/watch?v=5yjBHuCJfd0


Anónimo disse...

A Europa, a UE, jà não é "centro" do Mundo !Está decadente no seu malfadado multiculturalismo e "empurrou" a industria para outras paragens, aceitou o comércio livre só no sentido de entrada de produtos da Ásia e congéneres e principalmente cria leis anti-trabalho produtivo de bens !

Vai por um lindo caminho, perdeu os métodos de trabalho e ética dos valores das sociedades com origens cristâs !

Aceitou o dinheiro fácil ds ordem nova do capital selvagem semtem Pátria nem Religiâo !



Alexandre

Anónimo disse...

A 'velha senhora' saúda a Fada do Bosque:

que bom ver a fada
saudades que eu tinha
de moça ilustrada
que reta caminha

e muito me agrada
pois tem como a minha
ideia aclarada
de quanto convinha

saber a verdade
que os donos do mundo
ocultam à gente

o povo se a sabe
afunda-os bem fundo
e há mundo decente

Anónimo disse...

A 'velha senhora' saúda a Fada do Bosque:

que bom ver a fada
saudades que eu tinha
de moça ilustrada
que reta caminha

e muito me agrada
pois tem como a minha
ideia aclarada
de quanto convinha

saber a verdade
que os donos do mundo
ocultam à gente

o povo se a sabe
afunda-os bem fundo
e há mundo decente

Anónimo disse...

A oposição síria no exílio é isto http://www.theguardian.com/commentisfree/2012/jul/12/syrian-opposition-doing-the-talking por isso muito cuidado, com a intelligence...

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Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...