sábado, setembro 07, 2013

Bombeiros

É um lugar comum mencionar, por estes dias, o trabalho magnífico e esforçado dos bombeiros portugueses. Já por aqui disse, um dia, que cresci numa cidade onde, não só admirávamos as duas corporações de bombeiros, como tomávamos partido por uma dentre elas, numa rivalidade feita de fascínio saudável. Sou, assim, insuspeito de indiferença face a essa atividade com forte dimensão cívica.

Porque digo isto? Para enquadrar melhor a ideia, que venho a alimentar nestas últimas semanas, de que muitos dos infortúnios que têm afetado os nossos bombeiros, com a ocorrência de várias vítimas mortais, pode também ser a consequência de algum amadorismo e, em especial, de falta de uma adequada preparação técnica. O modo como vários desses tristes acidentes ocorreram, pelos relatos ouvidos, pode apontar nesse sentido. Admito estar errado, mas, se assim for, gostava que alguém me explicasse, por exemplo, que tipo de formação orientada para operações em zonas de montanha, com declives e variações eólicas muito específicas, têm os bombeiros que foram deslocados de cidades do sul, como foi o caso dos integrantes das corporações das zonas urbanas na periferia de Lisboa.

Fico com a sensação que, por detrás da justificada emoção com que glorificam os bombeiros que faleceram, pode estar uma história mal contada. Acho que a memória dessas mortes merece a verdade.

15 comentários:

Isabel Seixas disse...

Dá mesmo que pensar...

Anónimo disse...

Este ano tem sido um sofrimento com o número de bombeiros que já perderam a vida por culpa de mentes malévolas.

Isabel BP

Anónimo disse...

Quantas vezes penso o mesmo. Fui escuteiro muitos anos, e um dia, durante um grande incêndio numa Reserva Natural, participei voluntariamente com outros escuteiros, com militares e com talvez uma centena de bombeiros no combate ao incêndio. O meu papel, escusado será dizer, era menor e de mero auxílio em tarefas físicas mais pesadas; estava às ordens dos bombeiros. Contudo, pude infelizmente verificar a falta de preparação e as tácticas completamente improvisadas (não posso esquecer como um militar guiava motu proprio, cigarro ao canto da boca, um tractor de rastos empurrando areia e tudo o que tinha à frente contra a frente do incêndio), que só eram parcialmente superadas pela abnegação. Esta impressão sobre os bombeiros seria agravada quando uma vez, por incúria minha, deslizei por uma ravina e tive que ser socorrido por bombeiros no meio da montanha. Não que eu seja especialista em salvamentos, mas a forma como um dos bombeiros (era voluntário) se lançou, sem luz e com uma corda sem condições, deixou-me perplexo. Fui salvo graças ao bombeiro mas também a uma pessoa que ali se encontrava e que tinha experiência de montanhismo.
Imagino que as minhas palavras sejam fortes, mas parece-me que é um tabu português que deveria ser quebrado. Lembro-me quando há uns anos, ainda nos anos 90, um reportagem de fôlego da RTP abordou esta questão (em vez da crónica falta de meios, debruçou-se sobre a falta de preparação), o escândalo, com tons bem corporativistas, que não se fez. A mesma coisa aconteceu quando o INEM, por guerrilhas, mandou para as televisões a célebre gravação telefónica do condutor de ambulâncias de Favaios.
A preparação poderia seguramente evitar mortes (não faço ideia se é o caso das recentes). Nos países da Europa onde os bombeiros são maioritariamente profissionalizados raramente acontencem mortes em combates a incêndios. Há aqui um nexo de causalidade. Dou um exemplo: a Itália, país meridional e bem desorganizado para tantas coisas, com um clima ainda pior do que o nosso, tem um corpo de bombeiros altamente profissionalizado. É ir aqui a este sítio (http://www.vigilfuoco.it/aspx/page.aspx?IdPage=450) e clicar nos PDF’s à direita para ver as estatísticas dos últimos 12 anos. Procure a palavra “deceduto” e verá que os mortos dos bombeiros profissionais (VV.F) são sempre em número reduzido todos os anos e sempre em menor número do que o de outras forças.
Infelizmente, em Portugal confunde-se a gratidão a muitos por serem voluntários com a exigência de serem competentes e cuidadosos nas suas missões. É uma questão de cultura (e digo-o sem cinismo): estamos em alta no número de acidentes de trabalho (serralheiros que não precisam de andaimes, “deixe-se disso soutor”, electricistas que não desligam o quadro para fazer uma reparação, etc.), por que não deveríamos estar também onde se requer mais voluntariedade do que profissionalismo?
Madjer

Anónimo disse...

Esqueci-me de dizer o mais importante: a incúria de todos os governos dos últimos 20 anos por não terem impulsionado a profissionalização maciça de bombeiros fora de Lisboa e Porto.
Madjer

Anónimo disse...

Ontem integrei um grupo para uma caminhada pedonal pelo interior da Floresta de Fontainebleau. À medida que caminhavamos por esta frondosa Floresta, com muitos restos de madeira seca e podre que por ali ficam perdidos em decomposição como fertilisante, não me saía do pensamento aquela ideia fixa do perigo de incendio! Portanto, há mais de trinta anos que mantenho uma proximidade habitacional com a Floresta e não recordo um único incendio, confidenciei ao guia que conduzia o grupo, uma dinâmica professora de desporto conhecedora daquele património...
- Mas de vez enquanto há um incendio que deflagra aqui ou ali, diz-me ela conhecedora. Há incendios, mas nunca tomam porporções incontroláveis porque a prevenção e a vigilância são eficazes.
As vias de acesso à Floresta estão "traçadas" de forma que o terreno ficou compartimentado por zonas distintas e ao minimo indício de incendio são destacadas quatro corporações de Bombeiros que cercam o fogo em quatro Frentes em simultâneo. E só abandonam o terreno quando têm a certeza da extinção total. Aguardam mesmo vigilância sobre as raízes podem conduzir o incendio para outras áreas...
Pronto. Vou continuar a viver sem medo dos incendios florestais e é esta serenidade que gostava que a prevenção em Portugal pudesse garantir às populações com Floresta próxima.
Recorda-se que a Floresta de Fontainebleau é constituida por uma área de 25000ha e que é frequentada cada ano por vários milhões de visitantes ( à volta de 13milhões) que aqui se vêm extasiar em passeios. Ficou célebre por ter inspirado os artistas do século XIX: pintores impressionistas e escola de Barbizon, fotógrafos, escritores e poetas.
Está estabelecido que há cerca de 35 milhões de anos, o mar ocupava estes espaços, razão pela qual se encontram aqui quantidades impressionnantes de uma areia branca, fina e pura. Os rochedos ocupam por seu turno uma superficie de perto de quatro mil hectares com formas surpreendentes.
O carvalho representa 45% da sua flora; depois vem o pinheiro silvestre, 40%, e a faia 10%. Encontramos também aqui numerosas e variadissimas outras espécies vegetais.
A variedade geológica, acida e calcária, seca e humida, a diversidade de altos-relevos, estão na origem da grande diversidade de espécies no dominio da flora mas também da fauna e encontramos aqui mais de cinquenta espécies de mamiferos.
De entre os grandes mamiferos encontramos o javali e o veado, o cabrito montês e a raposa, e a seguir uma série de outros mamiferos de menor volume. Também muitos e variados reptis e anfibios. Mas nem as cobras nem as rãs incomodam os passeantes. Convidamos ao passeio. Para os que residem em Paris e na grande região parisiense, este passeio têm-no aqui ao lado. Podem adquirir uma carta com dezenas de traçados para todos os "fisicos"...
Compreende-se a prevenção e proteção desta Floresta. Mas isto em nada minimisa a riqueza das portuguesas do Gerez, da Peneda, a Amarela, a de Sintra... e tantas outras que não têm sido protegidas do fogo e são regularmente a atacadas e destruidas. Com uma experiência de décadas a fio de incendios em Portugal, não se compreende esta falta de prevenção.
José Barros

Isabel Seixas disse...

E continuando sob o ponto de vista pedagógico do seu post às vezes penso que não tem continuidade nem correspondência "didática" uma vez que não conseguimos conceber "cata fogos" que sejam eficazes como os antipsicóticos os neuroléticos e os anestésicos na agitação psicomotora para o controle e a imobilização química da fúria das chamas e do sadismo de um fogo que depois de ativado só se rende à devastação ...

A questão que aborda é de uma pertinência e relevância fundamentais na prevenção dos acidentes em serviço destes profissionais.
É Além da "vacina" corta fogo, da limpeza adequada dos terrenos da educação especifica para mais este desiderato da cidadania, que faz todo o sentido a concertação entre académicos e operacionais para de forma proativa rever a eficácia dos planos de prevenção primária dos incêndios e da morte anunciada das nossas fontes de oxigénio...

patricio branco disse...

classe maltratada, os que morreram são martires em todos os sentidos da palavra, carne para canhão, uma administração que não se interessa muito por isto e por eles ou nós, nem com a destruição, nem com o sofrimento, a morte, as perdas, tudo é contabilidade, as dotações para 2014, pelo menos na ram, diminuiram !! etc etc

Anónimo disse...

Caro Embaixador,
Infelizmente, muitas das vezes a formação e o treino dos bombeiros do distrito de Lisboa é superior à dos bombeiros de zonas do interior. Mesmo nos aspectos que focou. Repare que das oito vitimas, apenas duas correspondem a pessoal deslocado, de Alcabideche e do Estoril. Todos os outros seis atuavam nas suas áreas de intervenção ou próximo delas. Naturalmente, há muitos "especialistas" grande parte dos quais não fazem a mínima ideia do que estão a falar. Mas é assim neste sector e em todos os outros.
Melhores cumprimentos de um leitor habitual,
Artur Gomes
Comandante do QH dos Bombeiros do Estoril

Anónimo disse...

Não é difícil detectar as causas da hecatombe de bombeiros neste ano de 2013.
Menos treino, abandono da floresta, escassez e/ou mau estado do equipamento, falta de vigilância...
Entretanto, o descalabro estende-se a toda a vida do país, a Morte deixa os seus rastos em todos os sectores da vida e o Governo, criminoso por acção e omissão, continua impante e autista, panglossianamente, a distribuir benesses pela canalha que o serve.

Unknown disse...

Caro Embaixador,
Apenas, mais uma palavrinha para comentar o que disse o leitor Madjer, antigo escuteiro. Em Itália só existe, de facto, um corpo de bombeiros que é profissional e nacional. Mal comparado, são como a Nossa PSP. Porém, são bombeiros urbanos, pois o grosso do combate a incêndios florestais é feito pelos voluntários da proteção civil. Basta de "especialistas"! Deixem que os inquéritos aos acidentes se façam e depois, então, tirem-se conclusões. Bom, desde que a ANPC, os faça, naturalmente. Artur Gomes

Helena Oneto disse...

Subscrevo tudo: o post e todos os comentários incluindo o do anónimo das 11:08. E pergunto: até quando vamos assistir a esta feroz realidade? Somos realmente um pais subdesenvolvido? ou somos um país onde o fatalismo se sobrepõe ao dever de todos e do Estado?

Anónimo disse...

O que superlativou a minha consternação e incomodo foi a morte de bombeiras. Não ouvi ninguém falar disto, e podem apodar-me do que entenderem.
Eu não admito que mandem mulheres e raparigas combater na frente do fogo. Nem sequer essa hipótese se deveria colocar! Devia ser proibido simplesmente!
Quanto ao mais, só sinto que tenho autoridade para o que disse...

Anónimo disse...

Caro Sr. Artur Gomes,
Longe de ser especialista, tenho por mero acaso um familiar que é “vigile del fuoco”. Se isto não faz de mim um especialista por tabela ou aproximação, dá-me pelo menos algumas luzes, já que tenho de o ouvir em almoços de família e afins. De qualquer modo, basta ler o que é dito aqui: http://documenti.camera.it/leg16/dossier/testi/Am0211a.htm e ainda mais, na página do parlamento italiano, o art. 7 da lei de 21/11/2000: http://www.camera.it/parlam/leggi/00353l.htm.
A competência é mesmo em primeiro lugar (sobretudo em caso de vegetação rasteira; é mesmo assim) e durante todo o ano dos vigili del fuoco (não sei de onde tirou a ideia de que são “bombeiros urbanos”, a menos que não queira dizer que são bombeiros educados e nisso tem a minha concordância), em segundo lugar do Corpo Forestale dello Stato (no Verão e apenas em florestas). A isto juntam-se os voluntários da Proteção civil, que têm pouquíssima formação e desempenham um papel de mero auxílio (em alguns casos é suficiente uma formação de 3 horas...).
Sim, o meu familiar é realmente facundo; além de ser bombeiro profissional tem licenciatura em direito e fala sempre, sempre do seu trabalho.
Como vê, até há mais do que um corpo de bombeiros. Para usar as palavras do Sr. Artur Gomes, Basta de "especialistas"!
Costumo falar apenas do que sei/vivi. Com os melhores cumprimentos,
Madjer

Unknown disse...

Caro Senhor Madjer,
Este não é, certamente o lugar para "esgrimirmos" argumentos. Obrigado por ter rectificado os meus conhecimentos sobre os bombeiros italianos. Porém, eu tenho um familiar médico e isso não faz de mim um expert na matéria. Agora, quanto a bombeiros, como profissional e como voluntário, estou há 43 anos. Ah, e já agora, tenho um mestrado em gestão do território. Continuo a sugerir a necessidade de se aguardar pelos inquéritos antes de se fazerem considerações absurdas sobre o assunto. Mas, naturalmente não me referia ao Senhor. Referia-me a muitos que têm aparecido despropositadamente na imprensa. Mas, o que devia ser discutido quanto antes, é como pode Portugal ter dias de 300 a 400 novas ignições. Sim, novas, todos os dias. Se passarem dez incêndios para o dia seguinte, significa que foram extintos dezenas deles, o que implica pessoal, a esmagadora maioria bombeiros voluntários locais, veículos, helicópteros e coordenação. Com a dimensão do nosso País, não vai encontrar outro igual.
Muito obrigado por esta oportunidade. Pela minha parte, fica aqui totalmente encerrado. Artur Gomes

opjj disse...

Caríssimo, Há uns anos manifestei, junto de TVs que as reportagens sobre incêndios é um convite a tal.
As notícias de manhã à noite são fogos.Recuso-me a esta lavagem cerebral mudando de canal.
A prová-lo, a resposta dum emigrante incendiário, por vingança a uma multa pela polícia.

BH

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...