quinta-feira, agosto 15, 2013

As pragas do Egito

Nestes dias de verão, volto a recorrer a textos do passado para evocar o presente. Aqui fica um post de há um ano e meio, que creio curioso revisitar:

Há uns anos, visitei, na sua casa no Cairo, um antigo e proeminente embaixador egípcio, que havia tido uma carreira brilhante, iniciada nos tempos de Gamal Abdel Nasser, que se prolongara pelo mandato de Anwar Al Sadat e se concluíra sob a égide de Hosny Mubarak. Era um homem altamente preparado, com imenso "mundo", que havia feito o circuito das mais importantes missões diplomáticas egípcias.

A conversa derivou, a certo passo, para a política, tendo eu evocado a sucessão de Mubarak. O tempo - foi há quase dez anos - das "primaveras árabes" estava ainda longe, mas ousei perguntar se não teria chegado o momento para uma abertura do regime, em direção ao pluripartidarismo, atenta a necessidade de esvaziar as tensões políticas.

O meu interlocutor olhou-me nos olhos e, embora nada surpreendido com a minha pergunta, para ele natural num observador ocidental, retorquiu-me: "Infelizmente, ao final desta minha vida, cheguei à conclusão que o Egito só pode ser gerido por um regime autoritário. As pessoas não estão educadas para a democracia e, se acaso esse sistema viesse aqui a ser introduzido, os extremistas islâmicos acabariam por transformar este país num polo de instabilidade. E os primeiros a sofrer seriam vocês, na Europa e na América, podem crer!".

Um amigo irlandês que me acompanhava nessa conversa olhou-me, na tentativa de perceber como iria reagir, já que tinha sido eu a suscitar a questão. Por respeito pelo idoso diplomata, arranjei um circunlóquio para evitar contraditá-lo, para lhe louvar as vantagens da liberdade, para lhe dizer que, também entre nós, havia quem dissesse que o povo português não estava preparado para a democracia e que, afinal, o sistema tinha-nos conquistado, sem sobressaltos de maior.

Há pouco mais de um ano, voltei ao Cairo. Recordo-me de ter notado, de forma muito nítida, o aumento de véus na cabeça das mulheres, em especial das jovens adolescentes. Confirmei que essa crescente tendência estava a impor-se, com muita rapidez, desde a minha última visita. Um outro egípcio, bem mais liberal, que tentava ajudar-me a interpretar a evolução do país, simplificou a realidade nestes termos: "Para as jovens egípcias, o véu é hoje uma espécie de farda...". Para logo acrescentar, baixando a voz: "Esperemos que não haja guerra!".

Hoje, lembrei-me destas duas conversas que tive no Egito.

7 comentários:

patricio branco disse...

na verdade, houve beneficio em derrubar e expulsar mubarak do poder? até agora não, certamente.
e o modelo ocidental de democracia serve em qualquer lado? é de impor às cegas, independentemente das virtudes que contem?
os politólogos e outros estudiosos que digam sem preconceitos e em total liberdade intelectual se assim é

Anónimo disse...

Senhor Embaixador. Como será o Mundo daqui a dez anos? De Marrocos ( com as recentes manifestações contra a libertação de um pedófilo espanhol ) até à Indonésia ( o país muçulmano mais populoso do Mundo ) passando por grande parte de África ( incluindo Moçambique ) o Islão, sob formas mais ou menos fundamentalistas, vai tomando o poder. Há poucos oásis - só vejo a Jordânia, a Argélia que não é propriamente uma democracia, e Marrocos justamente, pelo carisma do Rei que aliás agora se encontra fragilizado. Muitos dos actuais aliados do Ocidente são de um obscurantismo feroz, como a Arábia Saudita. O Irão é aquilo que se sabe. O Iraque e o Afeganistão também, com milhares de mortos em atentados sangrentos. Na Tanzânia, atiraram ácido a duas raparigas inglesas. A ex-doce Tunísia vive o que vive. E assim por diante...Com a demografia a dar vantagens aos islamistas, mesmo dentro de certos países da UE. Isto tudo, e as tendências ditatoriais na Hungria e na Rússia entre outros, leva-me a descrer no futuro da democracia, tal como a entendemos desde 1789. Este comentário destina-se a lembrar que o Kosovo talvez seja a médio prazo mais importante do que as batatas, usando uma fórrmula certeira que o Senhor Embaixador recordou há alguns dias.

Bmonteiro disse...

Ilustre embaixador
E não estamos a ver, agora, o que fizeram as elites políticas do regime dito democrático do sacrificado povo português?
Fácil de enganar, nas mãos da demagogia primária dos pp, aliados aos seus grandes mestres de obras.

Anónimo disse...

Ao vermos como as coisas funcionam aqui em Portugal, não sabemos também o que pensar a propósito da preparação do povo português para “administrar” a democracia...
É muito preocupante ouvir certos “desabafos” populares, tão frequentes, tanto nos mais idosos quanto nos mais jovens, de que só um Salazar poderia hoje pôr ordem na coisa...
É de arrepiar ouvir isto: Salazar era patriota, não roubava a Nação, não permitia a bandalheira que agora se vê na governação... E mais: Para que nos serve o direito de protestar se ninguém nos ouve?
É mesmo muito preocupante...
José Barros.

Anónimo disse...

O nosso colega "Rambo" mais uma vez apanhou num Posto confusão da grossa! Mas está a lidar bem com aquilo, ao que se sabe. Ouvi-o ontem na rádio.

Joaquim de Freitas disse...

O Egito é um pais árabe muito antigo com pirâmides e muitos habitantes. A sua ditadura militar era(é) financiada, formada e apoiada pelas democracias do Eixo do Bem. O Eixo do Bem é uma aliança informal de democracias em luta perpétua contra o terrorismo em particular e o isalmismo em geral. Aliás, desde os acordos assinados com Israel, o Egito ditatorial fazia um pouco parte deste Eixo do Bem democrático, com a benção do Tio Sam..

Mas eis que uma revolução derruba a ditadura ( Dégage!) e uma organização islamista, Os Irmãos Muçulmanos, ganha as primeiras eleições livres e democráticas. Entretanto, o Eixo do Bem ataca o estado laico mas repressivo da Síria, que começava precisamente a democratizar-se. O novo presidente islamista egípcio aligna-se imediatamente com o Eixo do Bem que combate os islamistas e o terrorismo aliando-se com os terroristas(!) por conta do Eixo do Bem ( um género de "subempreitada" ! )

Mas eis que, subitamente, os Egípcios saem de novo para a rua. O exército decide então de re-intervir para derrubar o presidente islamista eleito graças a um golpe de estado ainda mais democrático que a democracia.

Este re-retorno à democracia no Egito é imediatamente saudado pelos regimes monárquicos totalitários árabes conhecidos pelo seu islamismo, o seu financiamento de organizações terroristas e o seu ódio visceral à democracia e que fazem desde sempre parte do Eixo do Bem anti-terrorista, anti-islamista e democrático!
Democrático, porque lá nos desertos há muito petróleo e muito gaz. E que graças às rendas destes quase monopólios, já possuem uma parte substancial dos patrimônios dos aliados do Eixo do Bem !

Mesmo se os Americanos tivessem linhas de contacto com a tal Confraria Muçulmana, o exército egípcio é o aliado estratégico por excelência, aquele que tem o olho em cima desta ordem geopolítica que não deve ser perturbada. Camp David tem de ser respeitada, mesmo se isso custar milhares de mortos egípcios!

Quando os Americanos não ousam falar do golpe de estado evidente no Egito, quer dizer que escolheram os militares contra a democracia e que os Israelitas passaram a mensagem e foi compreendida.

A democratização no Egito equivaleria a pôr em questão Camp David. Quando o exército egípcio retoma o poder que tinha concedido, é Camp David que é protegida .

Existe um frase em Francês, que diz que ""ce qui se comprend bien s’énonce clairement" .
Tenho receio de não o ter conseguido!

Anónimo disse...

Podia ter escrito um artigo semelhante sobre a Siria...

De resto a situacao no Egipto nao parece mais calma agora do que a situacao na Siria quando comecou.

O que eu nao entendo (ou talvez entenda) é a defesa dos fundamentalistas neonazis pelo Ocidente, simplesmente escapa-me.

Sera que tudo isto é pelo apenas defender os interesses dos paises do golfo(porque tem petroleo) contra os interesses da russia+irao(porque tem petroleo).


democracia e petroleo que coisas tao lindas!...


bem haja

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