quinta-feira, dezembro 06, 2012

O embaixador e o ministro (1)

Há muito que havíamos notado que a relação entre aquele embaixador junto da União Europeia e o seu ministro para a Europa estava longe de correr às mil maravilhas. O "body language" de ambos, mais evidente da parte do embaixador, não deixava margem para dúvidas: apenas se suportavam. E mal.

Ao que se sabia, o diplomata estava escudado ao mais elevado nível na sua capital e o seu conhecimento da máquina comunitária havia-o transformado numa figura indispensável para a continuidade da política europeia do país, o que justificaria a sua prolongada longevidade no cargo. Já os ministros, iam e vinham com os ventos eleitorais. Por isso, ele podia continuar a dar-se ao luxo dessa atitude.

Entre outras cenas e apartes, com que o embaixador não poupava regularmente a figura do ministro durante as conversas com os colegas, ficou famosa a história da chegada de um convite para almoço, a ter lugar no topo do Justus Lipsius, sede do Conselho de ministros da UE, que sempre ocorria no decurso de uma determinada negociação, na segunda metade dos anos 90.

Para a delegação desse país, como era de regra, chegaram, pela mão de um contínuo, dois convites: um em nome do ministro (que, nesse dia, tinha faltado à reunião, por virtude de uma deslocação oficial) e outro para o embaixador, que o substituíra na reunião. 

Quando recebeu os convites, o embaixador olhou para o envelope destinado ao seu governante, e disse bem alto, audível por toda a sala, na qual as pessoas já estavam de pé, prestes a avançar para o almoço:

- Para o ministro X?! Mas o ministro morreu!

E, nesse mesmo instante, rasgou o envelope em quatro pedaços, que lançou ao ar.

O contínuo que havia entregue o convite - um castiço italiano, atarracado, de bigode, rabo de cavalo, brinco na orelha e gravata laça, que, ao contrário de nós, não estava informado da razão da ausência do ministro -  reagiu, surpreendido:

- O quê!? Morreu?! O ministro X morreu?!

O embaixador nem o olhou nem lhe respondeu. Saiu da sala, deixando o contínuo, zeloso na sua tarefa de entrega dos envelopes, a propagar a "revelação" por quem lhos recebia, cujos sorrisos, manifestamente incompatíveis com a "gravidade" do que ouvira, deveria estranhar:

- Parece que o ministro X morreu, sabia?

Nunca cheguei a saber se o ministro em causa chegou a ter conhecimento da ousadia do seu embaixador. Mas, conhecendo-o, bem como à sua total ausência de sentido de humor, imagino que não deva ter gostado minimamente da graça, que eu e outros, testemunhas presenciais da mesma, guardamos na memória desde então.

5 comentários:

Anónimo disse...

Pois é.... que tempos se passaram pela diplomacia deste país. Estaremos a pagar isso agora??? eu não sei

Isabel Seixas disse...

Imagino que tormento o do embaixador
possuido quiçá por desalento e despeito
dando mostras desse seu espontãneo rancor
rasgando o convite do ministro eleito

Que forte sentimento provoca a emoção
de excluir e banir das luzes da ribalta
a presença de um só elemento da ação
Que para cumprimento protocolar faz falta

Agora teria noção esse embaixador
da situação a que se estava a expor
ao antecipar essa certidão de óbito

sem habilitação divina só por ódio
deixa livre nas mãos do destino a desforra...
quem a minha morte sonha, a vida me dobra...

Anónimo disse...

Julgava que os Embaixadores não tinham tanto àvontade nas suas andanças... Até que a vida para os Senhores não é tão é tão má lá por fora...

patricio branco disse...

quem propagou a (falsa) noticia transformando-a em boato foi o continuo, atenção, e é sabido que os italianos perdem a cabeça por um bom boato...

patricio branco disse...

a historia promete continuação com os mesmos personagens, depreendo

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...