quarta-feira, junho 27, 2012

Títulos

Faço parte, desde há semanas, de uma comissão, empossada pelo primeiro-ministro português, que tem como mandato proceder à revisão do Conceito estratégico de Defesa nacional. Preside a este grupo o professor Luís Fontoura, uma figura que passou pela política e pelo mundo empresarial, tendo sido das pessoas que, de forma mais determinada, deu um "abanão" positivo à nossa política de promoção das exportações. Homem interessado, desde há muito, pelas questões internacionais, teve nessa área um singular percurso académico, apoiado em várias reflexões publicadas. Por algum tempo, foi secretário de Estado no Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Na abertura da primeira reunião da comissão, Luís Fontoura referiu que o nosso labor seria necessariamente discreto, que não trabalhávamos para obter títulos nos jornais. Ao ouvir a palavra "títulos", na sua boca, fez-se-me luz e lembrei-me do primeiro dia em que o conheci.

Na segunda quinzena de 1973, durante o meu serviço militar, integrei uma visita de estudo ao jornal "A Capital", que se situava então nuns andares da avenida Joaquim António de Aguiar. Desse grupo de garbosos militares faziam parte António Franco, Jaime Nogueira Pinto, Manuel Cavaleiro Brandão e outros seis "soldados-cadetes" que, dentre os cerca de 500 que, em março desse ano, tinham feito a sua incorporação na Escola Prática de Infantaria, em Mafra, haviam sido selecionados para serem formados como futuros oficiais de Ação Psicológica.

A Ação Psicológica era uma das mais interessantes especialidades militares, com disciplinas de Sociologia, Psicologia, Técnicas de propaganda e contra-propaganda, etc. Visitar um jornal estava, assim, no âmbito normal desse curso. E, como jornal, "A Capital" era, à época, um caso singular. Recriado em 1967, num registo de compita com o "Diário de Lisboa", perdera a matriz original e fizera, entretanto, um percurso diferente, distinguindo-se por ser, em Portugal, o primeiro jornal a adotar um estilo gráfico mais agressivo, próximo do de alguns jornais tablóides britânicos. Ao lado dos outros diários lisboetas da tarde, e do "Diário do Norte", do Porto, "A Capital" destacava-se claramente nesse domínio.

Recordo que fomos recebidos por Luis Fontoura, que presidia ao conselho de administração do jornal, e que tinha consigo, como colaborador direto, um grande amigo meu, já desaparecido, o Álvaro Magalhães dos Santos. Apresentou-nos as grandes linhas em que se fundamentava a política do jornal e, à volta disso, lançou-se alguma discussão. A certo ponto, alguém perguntou a Luís Fontoura o que é que ele considerava ser o fator distintivo do jornal, face aos outros similares - o "Diário de Lisboa", o "Diário Popular" e o "República". Sem enveredar pela questão ideológica, talvez subjacente à pergunta, Luís Fontoura retorquiu: "Qual é o único jornal português cujos títulos alguém consegue ler do outro lado da rua? Só "A Capital"."

Era verdade. "A Capital" iniciara o hábito dos títulos fortes, com escassas palavras, que "agarravam" os leitores. O jornal viria a durar mais do que o "República", do que o "Popular " e do que o "Lisboa", mas, ainda que sendo o último sobrevivente dos jornais da tarde, não conseguiu resistir à concorrência noticiosa das rádios e das televisões. Poucos meses depois daquela nossa visita, como a imagem mostra, faria, aliás, um título cuja hábil, prudente e distanciada construção é, em si mesmo, um bom tema de "ação psicológica"...     

3 comentários:

Rui Franco disse...

A Capital era um jornal bem agradável de ler. Nos anos 90, era popularíssimo o seu suplemento de informática, que saía à sexta-feira.

E os bonecos do Maia? Hilariantes!

Anónimo disse...

Acção Psicológica foi a especialização do Dr. Alberto João Jardim no seu tempo de "tropa". Pelo menos às disciplinas desse curso terá dado muita atenção, pois os resultados estão á vista...

patricio branco disse...

nostalgia desses jornais, o lisboa, o popular, a capital, o republica, creio que todos da tarde. boa leitura.jornalismo são. bons colaboradores, ilustradores.

Fora da História

Seria melhor um governo constituído por alguns nomes que foram aventados nos últimos dias mas que, afinal, acabaram por não integrar as esco...