quinta-feira, janeiro 26, 2012

Prognósticos

Com crescente regularidade, amigos e conhecidos portugueses perguntam a minha opinião sobre o possível desfecho das próximas eleições presidenciais francesas. Lamento sempre não poder satisfazer a sua curiosidade, mas a verdade é que um diplomata estrangeiro não sabe, sobre este assunto, mais do que... os franceses, que são quem acabará por escolher o seu presidente, para os cinco anos seguintes. E eles também não sabem...

Se há algo que aprendi na vida diplomática foi relativizar a minha própria opinião. E a não acreditar na minha presciência. Uma das vantagens da rotação regular dos embaixadores, entre os vários postos, tem a ver com a necessidade de produzir olhares novos sobre a realidade local. A experiência mostra que um diplomata que se eterniza num posto, independentemente de poder, por essa via, garantir um grande conhecimento da vida e da sociedade do país, de criar uma rede forte de interlocução e teste de ideias, pode também facilmente acabar por "go native" (isto é, passar a ter as reações de um local) ou perder o rigor na perspetiva de observação das mutações no país onde está acreditado. É que, rotinado numa certa leitura, um diplomata que fique por muito tempo num posto pode não estar aberto ao surgimento de novas realidades ou, confrontado com elas, pode ser tentado a rejeitá-las por as considerar incompatíveis com a grelha de observação em que se viciou.

Há uma história, auto-crítica, que costumo contar, passada comigo em Angola, nos anos 80. À chegada do novo embaixador, António Pinto da França, desenhei-lhe um quadro muito completo da relação de forças no seio do comité central do MPLA. Expliquei-lhe quem era quem, o que cada um representava, qual a política de alianças de grupos que prevalecia, tudo isso com o objetivo de apontar para aquilo que iriam ser as mudanças na liderança angolana, a ocorrerem no próximo congresso do partido.

O novo embaixador tomou nota mas, por si próprio, com os conhecimentos que entretanto foi criando, começou a fazer as suas próprias avaliações e juízos. Passado algum tempo, dei-me conta de que os telegramas que enviava para Lisboa, sobre a situação política interna angolana, começavam a afastar-se da linha que eu tinha como correta. Mais: a sua leitura sobre as personalidades que iam subir ou descer no próximo congresso do MPLA começava a divergir fortemente daquela que eu, observador com mais de três anos da vida política local, considerava dever ser transmitida às nossas autoridades. Isso preocupava-me. As minhas fontes, que tinha por excelentes e testadas, eram perentórias sobre as hipóteses de evolução tendencial do equilíbrio político, mas eu não conseguia convencer disso o meu embaixador. Não querendo contrariá-lo, lembro-me de ter trocado impressões sobre o assunto com outros diplomatas em posto, com vista a que o tentassem chamar à razão, reverter o caminho errado pelo qual prosseguia nas suas análises, cada vez mais diferentes das minhas. Mas não tive qualquer sucesso.

"To make a long story short", como dizem os anglo-saxónicos, as coisas passaram-se exatamente como o embaixador António Pinto da França as estava a ver e não como eu pensava que elas iam ser. O tempo em posto, por vezes, "desajuda" mais do que favorece.

Mas, afinal, qual é a minha perspetiva sobre o que sucederá politicamente em França, neste primeiro e decisivo semestre? O que penso sobre o assunto reservo-o, naturalmente, para as minhas autoridades. Mas devo adiantar que, nesta matéria, é capaz de ser prudente seguir o famoso preceito daquele lateral-direito de uma equipa do norte que, perguntado sobre como via a partida que o seu clube ia disputar, adiantou, com simplória sabedoria: "Prognósticos? Só no fim do jogo".   

13 comentários:

Anónimo disse...

E não nos podemos fiar nas sondagens...
O mais evidente, a esta distância do voto, é que a situação está complexa!
Há contudo uma certeza: o próximo presidente será um dos concorrentes a esta eleição.
José Barros

Mônica disse...

E verdade. Eleição é uma caixinha de surpresa ate na minha cidadezinha interioriana de MG Santo Antonio do Amparo já teve muitas zebrinhas, como no futebol.
com amizade Monica

Anónimo disse...

Senhor Embaixador, que não faça apostas de acordo, mas... Se permanecer em França por mais uns anos, não cairá em nenhuma rotina enganadora, pois as experiências vividas ao longo da carreira também o ajudaram a criar distâncias afectivas aos acontecimentos e aos seus protagonistas. Isso sente-se em: duas ou três coisas. Por mim, só vejo vantagens se continuar por aí... Ventos de mudança podem estar a chegar a França, e já nos habituamos ao "modo" como nos vai dando notícias. Queremos estar em cima dos acontecimentos.

Helena Sacadura Cabral disse...

A coisa não vai ser fácil.
Todos estamos cansados de Sarkozy.
Hollande não tem punch, não seduz. E o político tem que seduzir. Além disso tem o nuclear e alguns apoiantes que deixam muito a desejar.
Le Pen no feminino via servir para dividir.
Os outros não chegam lá...

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Anónimo das 17:13. Dentro de um ano e um dia, por imperativo legal que me parece muito razoável, regressarei a Lisboa, sem quaisquer nostalgias.

Helena Sacadura Cabral disse...

Será que isso significa que amanhã faz anos?
Se sim, ouso mandar-lhe um abraço de parabéns e desejar-lhe que conte muitos, a fazer as coisas que gosta e estão à sua espera.
Se eu estiver viva e os tiver por vizinhos, hei-de poder, então, rir-me com o casal.

Fernando B. disse...

A sua confissão do sucedido em Angola, elevou a estima que tenho por si. Chega quase a ser comovente a forma como a descreve, e o final...Felicito-o pelo seu caracter!
É que nós, cá no rectangulo, só conhecemos as explicações dos economistas. Estes vêm diariamente às TV's, explicar porque não aconteceu nada do que previram !!! Não é a mesma coisa.

Gil disse...

Como disse Louis B. Meyer (o da Metro Gldwin Meyer) "Neves prophetize, specially about the future".

Portugalredecouvertes disse...

Sr. Embaixador,

Se me permite, espero que o novo presidente francês, seja ele quem for, simpatize com a Sra. Anguela e seus súbditos,
como acontece com o Sr. Sarkozy.

Isabel Seixas disse...

Digamos que são prognósticos "reservados".

Anónimo disse...

Safa! Ainda bem que se veio embora. Imagine-se os prejuizos que poderia ter causado à nossa "reconquista" de Angola.

Às tantas, ainda dávamos por nós a negociar com corruptos, a vender empresas a filhos deste e daquele ou a alinhar em branqueamentos de déspotas.

Felizmente, nada disso aconteceu...

Anónimo disse...

No século XVII um chefe de missão diplomática portuguesa escrevia: "um diplomata nas suas informações ao seu governo pode parecer muitas vezes um historiador do futuro mas não sempre porque o que prevê pode não acontecer".

Anónimo disse...

Na politica não há acontecimentos por acaso.
Eu não sou Embaixador nem tenho jeito para isso mas para mim a politica é como o sistema solar !
anda tudo à volta do sol!
Basta entender o "SOL" para entender o que se passará !

Os politicos são como planetas que giram à volta do Sol. Alguns até giram em torno de si mesmo como acontece com a terra. Seja em Angola seja em Portugal, seja em França, o "SOl" é o mesmo e pretende o mesmo !

O Sol é omnipresente , omnipotente e omnisciente ! Onde é que eu já ouvi isto ?

Acho piada as toneladas de linhas que se escrevem para baralhar as coisas de forma a tapar o tal "SOL" . Para a maioria conseguem , mas para mim , é como tapar o "SOL" com a peneira!

Ogman

Os borregos

Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...