domingo, maio 29, 2011

Grande Porto



Lembrei-me muito do meu tio Óscar, neste fim de semana. Durante a minha infância, o Porto, para mim, identificava-se muito com ele.

Oficial do Exército na reserva, ia, aos domingos, almoçar à messe, na Batalha e, durante a semana, parava as tardes num grupo de amigos, no Rialto, onde aguardava a chegada do "Diário do Norte". Sendo ele portuense, não me recordo se era portista, sequer se se interessava pelo futebol.  Coleccionava "O Tripeiro", que tinha encadernado na estante, e foi pela mão dele que conheci a "Vida Mundial", quando a publicação consistia  apenas numa recolha de artigos traduzidos da imprensa estrangeira e  ainda era editada no Montijo.

Vivia na Ramada Alta, num andar com um cheiro confortável e indefinível, que nunca esqueci, com uma varanda envidraçada, onde se tomava chá e se via a estátua da rotunda da Boavista. Em noites em que as luzes convertiam o Porto num distante sonho cosmopolita para o jovem que, como eu, visitava a cidade, com o deslumbramento dos que viviam para lá do Marão, daquela varanda via-se passar, ao fundo, um comboio. O tio Óscar, que, com carinho, me mostrou e fez para sempre gostar da sua cidade, nunca teve ocasião de cumprir a promessa que me havia feito de me levar um dia nessa linha, até à Póvoa.

Neste sábado, ao sair do aeroporto do Porto, comprei um "Andante"*, o nome irónico dado ao bilhete do Metro de superfície, que também comporta a tal linha férrea que eu via da casa do meu tio Óscar. É uma viagem calma, por vezes com a triste paisagem de traseiras suburbanas que os comboios proporcionam, outras com vista para aquelas moradias de portas altas com uma imensa numeração, bem típicas de certas ruas do Porto. A certo passo, o Metro emerge de um túnel e ouve-se a voz oficiosa: "Verdes". Aparece uma estação a justificar o nome, no meio de vegetação, de que eu nunca ouvira falar. Recordando o tio Óscar, lá fui, por aí adiante, até ao meu destino, a Trindade.

Nessa noite, ao dizer a um amigo, que encontrei num jantar na Alfândega, que estava instalado pelas bandas da Trindade, num novo hotel, ele retorquiu-me, lembrando quando por aí andávamos, há muitos anos: "Vais dormir perto da Alferes Malheiro? Ó diabo! Ainda acabas a noite na "Candeia"..." Esclareci que, a "Candeia", além de ter já fechado há uns tempos, há meio século que não fazia parte dos meus roteiros do Porto. "Então podes ir a um pomar, muito próximo do teu hotel". Porque conheço muito bem a zona, estranhei que por ali houvesse algum pomar. Ele precisou: "É na Gonçalo Cristóvão, tem excelente fruta". Não percebi nada, mas creio que a graça tem alguma coisa a ver com futebol...

Em tempo: correção feita. O "Andante" é o nome do bilhete e não do metro, como eu pensava. Desatenções...

22 comentários:

mCr disse...

Senhor Embaixador:

Gostei do seu post sobre o Porto, e aproveito para lhe deixar duas notas:
1. Andante é o nome do bilhete do Metro, porque ao Metro chamamos-lhe mesmo isso: Metro.
2. Para os lados de Gonçalo Cristóvão, certamente que o seu amigo se referirá a algo parecido com o há muito encerrado Candeia e não a nada relacionado com football.

Cumprimentos,
Miguel C Reis

margarida disse...

Do 'Andante' estamos conversados.
E que bom exemplo, sim senhor, popularmente pela Linha do Aeroporto, a par com os visitantes dos low costs que enxameiam o burgo, mai'lo povo que vai à Feira da Senhora da Hora e, agora, ao festejado Senhor de Matosinhos. Belo exemplo, sem dúvida.
Assim viajassem mais dignatários do poder, junto com as classes trabalhadoras e aqueles - como eu - que gostavam mesmo era de um Maybach com Ambrósio. Mas é a vida...
Não se anda mal no nosso Metro, apesar de tudo. E as paisagens tanto são suburbanas como estimulantes e bonitas. Tem zonas.
Das diversões um nadinha bolorentas que menciona, nada a dizer. Sinais dos tempos.
Agora a animação é mais oxigenada, mais marítima, mais moderna.
Há que acompanhar os tempos, excelência.
Espero que tenha apreciado a estadia e os meus conterrâneos.
:)

patricio branco disse...

"Curta viagem sentimental".
São os sitios, as casas, as pessoas, os cheiros, o comboio que leva a outro sitio, os habitos, o jornal que se lê em casa.
Nas pessoas distinguem-se os familiares e os amigos da familia. Amigos que visitam a casa, casais ou senhoras amigas que vêm conversar. Nos familiares há frequentemente um tio/tia que tem papel significativo e marca os sobrinhos para sempre. Nas memórias, se possivel, deve sempre haver um tio.
Ao ler a entrada, recordei-me do amarcord de fellini onde tambem havia tios.
Bonito texto evocativo da infancia e juventude e do porto de algumas decadas atrás.
E, nota secundária, os metropolitanos deveriam correr à superficie, sempre que fosse possivel. Vamos vendo a paisagem urbana e a luz é a do dia.

Anónimo disse...

Também acho que há uma Ternura que vigora intemporal exclusiva e singular de Tio, é tão bom...

Espero bem surtir esse mesmo efeito nos meus sobrinhos, juro que me esforço...(Por de trás dos pais faço-lhes as vontades, pode até nem ser muito ético... )
Acho Também que o Porto pode ser um tio de Chaves e Bornes...Pronto assim assim...Falta-lhe alguma humildade serena...

Isabel Seixas
Além de que temos a Margarida.

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Margarida: nada de confundir um mero servidor público com um "dignitário do poder".
Quanto a diversões, o tempo escasseia, daí as graças trocadas sobre o passado.
O Porto só trata mal quem o não entende, o que não é o meu caso.

Anónimo disse...

O Miguel C Reis bem pode desenganar-se. O Senhor Embaixador sabia muito bem do que falava quando falou na "fruta"...

T D disse...

Senhor Embaixador,

do Porto, aqui e agora.

1. O Andante tem diversas fórmulas, tanto a de "Navigo" como a de ticket (parisienses). Actualmente aceite na rede do Metro e na da velhinha "STCP". Espero que seja alargado em breve a outros operadores de transporte.

2. O Metro do Porto para além de transporte urbano tem linhas suburbanas como a que vai até à Póvoa. As suas estações, como já pode observar, têm formatos diferentes - desde as simples paragens (tipo autocarro) com a cabeça ao sol mas protegida da chuva e com os pés molhados até à desértica mas grande da Trindade, passando pela azul do Dragão ou a imponente e museológica do Campo 24 de Agosto.

3. A fruta de Gonçalo Cristóvão trás água no bico. Tanto pode ser a "fruta" nocturna como já foi referido como pode ser uma referência às árvores de citrinos que lá se encontram e que os mais apressados e os menos atentos não prestam atenção.

4. O dito Gonçalo que possuia a Quinta de Santo António do Bonjardim, ao que parece, também tinha casa em Vila Real - ver: http://ruasdoporto.blogspot.com/2008/03/rua-gonalo-cristvo.html (coincidência?)

5. O Porto morre-se, senhor Embaixador, o Porto já não reconhece quem o entende. O Porto já tem menos portuenses do que nados no seu seio.

Senhor Embaixador,
Boa estadia no cinzento da Invicta!

margarida disse...

Caro Teo, o Porto é sempiterno e renasce como Fénix a cada década (ou por aí); não vê a quantidade de reconstruções que estão em curso? as novas habitações na Baixa? o comércio que tanto fenece quanto se renova? o bulício cultural para os lados da maternidadde onde nasci eu e tantos portuenses, mesmo no momento em que escrevo estas linhas...
E reconhece, sim, perdoe contariá-lo, o Porto (e qualquer outra cidade mediana e antiga) 'sabe' quem lhe quer bem e tanto sente quem lhe foge como abraça quem regressa ou para aui se muda.
E, à semelhança dessas migrações noutros locais, é natural que portuenses sejamos tanto quem aqui nasce, como quem aqui trabalha, estuda, convive e sonha.
Existe essa figura de sermos 'honorários' de algo que, no caso em apreço, é bem entregue a quem quiser dizer-se 'daqui', mesmo que "apenas" de coração.
Como tive oportunidade de afirmar há dias no blogue 'Grande Hotel' :
O Porto imprime no ADN de quem aqui nasce os sinais da sua originalidade, deixa rasto do nevoeiro acre das manhãs limpas e raios do sol que se atira no mar da Foz à tardinha.
O Porto, na sua singeleza de burgo velho e algo descuidado, tem uma força nítida, um orgulho emproado, um sorriso constante e uma palavra ternamente apimentada para todos os que se dispõem a serem afectuosos para com ele. E os seus.
Talvez que esta urbe provinciana seja menos minha do que eu sou incondicionalmente dela.
Posso admirar Lisboa com ternura de laços de vida e sangue, gostar do pitoresco de Braga e encantar-me com Chaves, mas, mais do que ser daqui, 'sou' aqui.
Ânimo, Teo! Verá como viramos de novo 'isto'!
;)

Excelência, já registei a correcção, merci (encore).
:))

Rui Franco disse...

Se eu vivesse no Porto, passava os fins de semana todos "fora". Que inveja dessas carreiras para a Europa, aí no aeroporto... \:(

Rui Franco disse...

Já agora, fica também o meu testemunho relativamente à cidade:

- Aos 18 fui pela primeira vez ao Porto: achei-o cinzento e triste.

- Aos 26 fui pela segunda vez: gostei muito dos monumentos mas a cidade não me cativou.

- Aos 36 fui pela terceira vez à cidade: e "bim embebecido".

Mas há uma coisa que me rói (agora escreve-se "roi"?) - qual é a melhor vista? A Ribeira a partir de Gaia ou a ponte a partir da Ribeira? Tinha de passar muitas tardes a beber imperiais ao por do sol para chegar a uma conclusão...

Anónimo disse...

O que eu aprendo neste blogue!

Então não é que eu pensava que o Metro do Porto era um carro eléctrico, muito parecido com os que, em Lisboa, vão da Praça da Figueira a Algés?

Carlos Fonseca

Em tempo: Para aqueles que pensem que o meu comentário é uma boca foleira de um alfacinha, esclareço: a minha cidade é Coimbra (a quem parece que acabam de deixar sem comboio, nem Metro), embora resida actualmente no Algarve.

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro Catinga: no Porto, beba finos, não beba imperiais...

Rui Franco disse...

"Imperial/Fino"... por acaso, uma vez corrigiram-me (um pouco em tom de confirmação). Mas foi mesmo só uma vez.

E a "bica" também passou sempre :)

Anónimo disse...

É a "fruta" do Jorge Nuno, ora bem

Rui Franco disse...

Anónimo de Coimbra: o "carro", em si mesmo é, de facto, praticamente a mesma coisa (embora mais modernaço). O tipo de linha (e até a lógica) é que não. Mas, à guiza de brincadeira, também podíamos falar do metro de superfície ao longo do Tejo :)

De repente, lembrei-me de, no começo dos anos 90, ter ido numa visita de estudo ao Porto. Uma vez na Av. dos Aliados, junto a uma passagem subterrânea, um colega meu virou-se para um traseunte e perguntou se era a entrada para o metro (e fê-lo inocentemente). Recebeu logo um muito seco "Aqui, não temos Metro." :)

Agora já têm e é enorme.

Anónimo disse...

"'sou' aqui".
Magistral, querida Maggie.
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Meu caro Embaixador,

E o "cimbalino" estava bem tirado?


Ass: O anónimo das 2.01 do outro dia e das 19.58 de hoje

Helena Oneto disse...

Adorei os tons sépia do Porto do Tio Óscar e o Porto "que deixa rasto do nevoeiro acre das manhãs limpas e raios do sol que se atira no mar da Foz à tardinha".
Belíssimos textos!

Anónimo disse...

Senhor Embaixador: para um "tripeiro" como eu-cuja juventude já vai longe- é. de algum modo comovente,a evocação que V. Exa do Porto do Rialto, do Diario do Norte(também havia o Norte Desportivo)do comboio da linha da Póvoa, três marcos, evidentemente de naturezas diferentes,da minha cidade,e que eu bem conheci.
O "Tripeiro,que julgo ainda existir, era nessa epoca uma publicação onde se podia ler o que de melhor se escrevia sobre a cidade e a sua história.
Conheci muito bem um portuense de nome Antonio Sardinha que durante muitos anos dirigiu,por pura dedicação ao Porto, essa magnífica revista.
Não sou um saudosista mas, Senhor Embaoxador, estou lhe grato que por via da memória,me tenha trazido até ao presente esse passado.
EGR
EGR

Francisco Seixas da Costa disse...

Caro EGR: é capaz de também achar graça, neste blogue a http://duas-ou-tres.blogspot.com/2009/06/piolho.html

EGR disse...

Senhor Embaixador:agradeço ter-me remetido para o texto que V.Exa publicou em Junho de 2009 que tive imenso gosto ler.Permita-me que o felicite pelo périplo descritivo pelos cafés do Porto que efectua bem como pela prodigiosa memoria que um transmontano possui da minha cidade demonstrativa da marca afectiva que ela lhe deixou.
Uma vez mais obrigado.
EGR

Anónimo disse...


O tio Oscae era marido da tia Maria, certo?
Só me recordo do bengalim!!!

Obrigado, António

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