terça-feira, fevereiro 08, 2011

Cadeiras

Aquele adido cultural, enviado para uma das novas embaixadas abertas num antigo país comunista do leste europeu, estava a revelar-se uma figura um tanto irritante, na constante exibição de uma pretendida omnisciência. A sua escolha fora bastante contestada, mas pressões bem executadas e amigos nos lugares certos no tempo exato haviam-lhe feito ganhar o lugar. Constava mesmo que ainda não tinha acabado o respetivo curso universitário.

A embaixada era pequena, embora nela existisse um espaço que, futuramente, teria condições para vir a ser utilizado para a realização de atividades culturais. Mas a falta de qualquer equipamento tornava, por ora, completamente inútil a presença do adido, o qual, desde a sua chegada, nada mais fazia do que "mandar bocas" e passear-se pelos escritórios. O embaixador e o secretário, numa reação que também não deixava de ter algo de corporativo, estavam já a começar a ficar fartos do indesejado adido.

Um fim de tarde, espojado nos sofás do gabinete do embaixador, o nosso homem desenvolvia as suas já habituais projeções sobre o manancial de ações que, um dia, pretendia levar a cabo, para glória da cultura portuguesa naquelas inóspitas paragens. Tratava-se de mera conversa virtual, que não conseguia convencer os diplomatas, fartos desse desfiar de ilusões e já desconfortáveis com a forçada coabitação com o "dolce fare niente" do cavalheiro, cujo ócio era bem pago pelo erário.

Mas o adido não era pessoa para se deixar abater perante esse palpável ceticismo dos diplomatas e continuava no seu mundo de futuros. Para tornar mais credíveis os seus projetos, simplificava mesmo as necessidades. Nesse dia, para encurtar argumentos, adiantou:

- Estive a pensar e, na prática, só preciso, para começar, de uma mesa e de umas 40 cadeiras.

O embaixador olhava para ele com um ar translúcido de cansaço com a conversa, o que terá encorajado o secretário de embaixada a dizer, em voz baixa:

- Talvez 41...

Intrigado, o chefe da missão olhou para o seu colaborador direto, tentando perceber o preciosismo. O adido também. O secretário não teve então outro remédio senão esclarecer, agora já com um sorriso algo ácido, consciente de que iria degradar para sempre as suas relações com o homem da cultura:

- É que, se você pedir mais uma cadeira, pode acabar o curso...

Garanto a veracidade do essencial desta história.

19 comentários:

Anónimo disse...

"O essencial é invisível aos olhos"
(Antoine de Saint-Exupéry)

41 cadeiras... Mestrado Integrado?...
Isabel Seixas

patricio branco disse...

20 pontos para esse adido que matou 2 coelhos duma cajadada.

Anónimo disse...

Resposta 5 estrelas!!!

Isabel BP

O COSMOPOLITA disse...

Senhor Embaixador, excelente o seu humor real!

Anónimo disse...

Sr. Embaixador, claro que também é para testar... Então se me permite

Caras Senhoras

Já imaginaram... Uma cadeira de configuração preliminar que nos permitisse sonhar...

Era uma vez...
Nem que seja só uma vez...

Um Domingo de manhã(ou folga, ou férias, irrelevante)

Um Marido, mesmo marido daqueles que são mencionados como mandatados por um Deus que no momento da declaração sim assinam uma carta de alforria às tarefas domésticas e infligem a gaiola invisível
a uma qualquer e inepta ingénua a pensar que fez uma grande coisa... Se ainda ó menos fosse transmontana tinha desculpa...

Prossigamos...

Bom dia querida, Hoje podes ficar na cama, ou ir para a banheira com um turbante na cabeça e clara de ovo na face(Faz muito bem, sei que tem albumina uma proteína de alto valor biológico...Oh nem é preciso justificar).

Entretanto o cavalheiro imbuído de boa vontade matrimonial, por uma causa justa dirige-se à cozinha e põe-se a lavar batatas(em 4 águas depois de esfregadas com o esfregão verde)com a casca para uma pré-cozedura em média6 batatas por pessoa, mas depende de cada um, .

Liga o forno nas duas resistências a 220º para pré aquecer e ...
Pega num tabuleiro de ir à mesa e ao forno (pode ser um pirex daqueles que têm uma base de palhinha, há na loja dos 300/chineses aí uns dez Euros e já compram com sorte até dois)
Coloca dois lombos de bacalhau, bem demolhado(está bem, podem sempre compra-lo de uma qualquer marca branca de supermercado),polvilham com alho picado deitam as batatinhas pré-cozidas ao lado, regam com azeite caseiro ou quase, até ..uma altura de azeite até meio dos lombos...Polvilha-se com bastante Broa de milho "esfarelada"
, e vai então ao forno cerca de 3 quartos de hora...O resto do acompanhamento fica à mercê...

Serve-se com um sorriso daqueles de quando se pedia namoro... Lembram-se?...

Já vou trabalhar...

Não fiquem tristes eu também imagino...
Isabel Seixas

Anónimo disse...

Faltaria-lhe uma ou faltariam-lhe mais cadeiras; o certo e que lhe faltava uma pratica de vida.

Anónimo disse...

So não acredito que fosse "adido". Todos são "conselheiros" culturais, porque ganham mais com isso.

Helena Oneto disse...

:)! Ri de bom rir! boa ideia ter vindo aqui esta manhã, assim ja ganhei este dia cinzento!
Adorei, e muito ri também com os comentarios da Isabel Seixas:)!

"pressões bem executadas e amigos nos lugares certos no tempo exato"... mas porque raio não aprendi esta maxima ha uns largos anos atraz??! Hoje, talvez fosse adida:) LOL!

Helena Oneto disse...

333 leitores en 2 anos! ja faz uma boa média:)!

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena: se clicar no "sitemeter" verificará que a média diária de leitores é de 700 e tal pessoas. Como nem toda a gente (coitados!) lê o blogue a um ritmo diário, presume-se que os leitores regulares sejam, pelo menos, três vezes mais. De facto, admiro-me! 333 é apenas o número de seguidores, os quais têm os novos posts acessíveis nas suas contas no momento em que são publicados.
E, já agora, melhoras!

patricio branco disse...

adoro batatas, asim mesmo, sem nada mais, nem bacalhau nem carne.
Batatas tenras cozidas, cortadas às rodelas e salpicadas de alho ou cebola regadas de azeite; batatas assadas com casca esfregada com sal, cortadas às rodelas ou cubos no prato e com azeite; batatas às rodelas salteadas com uns cubinhos de toucinho na frigideira; sopa de batata parmentier; batatas e espargos cozidos, lado a lado no prato com um molho tipo holandês, etc
Isto nada tem a ver com as 41 cadeiras, veio por ler o comentário de IS

Anónimo disse...

Estou como a Helena Oneto, ri a bom rir com o comentário de Isabel Seixas.
O que me espanta nesta história é como é possível “tachos” destes serem concedidos a gente que não trás qualquer mais valia a uma Embaixada. “Cujo ócio era bem pago pelo erário”, como refere o ilustre autor deste Blogue. E assim, tantas vezes, se esbanja, inutilmente, dinheiro público. E continuam a existir casos destes, quer-me cá parecer.
P.Rufino

José Martins disse...

Senhor Embaixador,
Nos anos de 1984 e pouco depois do Embaixador Mello Gouveia assumir gerência do (adormecido) posto de Banguecoque, com ele, dentro do corpo e da alma estavam: Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, Lopo Soares de Albergaria e tantos outros,do passado, governadores da Índia.
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Nessa altura o orçamento de funcionamento do posto era modesto. Conseguiu 120 cadeiras, (oferta da Gulbenkia acrescentado material áudio-visual) e cozendo-se com as linhas tinha, com a oferta de umas caixas de vinho da Sogrape as conferências no grande salão da chancelaria foram bastantes e os temas eram os da expansão portuguesa depois de 1500.
Reitores de universidades, académicos, personalidades ligadas às artes e letras enchiam as cadeiras.
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Vinho à “fartazana” e petiscos portugueses era uma boa forma de atrair convidados à Embaixada de Portugal.
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A minha missão era a de fotógrafo de serviço e com a recomendação do embaixador Mello Gouveia: “tira fotos a grupos, não me tires a mim que sou feio!”
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Teria que procurar vários ângulos subir a uma escada e focar grupos.
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Naturalmente ao outro dia perguntava-me: “olha lá como esteve ontem à noite o evento”?
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Bom senhor embaixador... até deu para uns “tipos” depois comerem uns petiscos e beberem uns copos ferrarem uma “galhada” a trás do painel, enquanto os conferencistas discursavam para a plateia.
Saudações de Banguecoque
José Martins

Anónimo disse...

Caro Senhor José Martins,
O meu caro é um grande ponto! Gosto de ler os seus comentários. Essa do "sou feio" está de rir!
Cordialidade,
P.Rufino

patricio branco disse...

Uma 2a leitura da entrada permite um comentário diferente: o adido cultural foi enviado para a embaixada e vê se que chegou cheio de vontade de trabalhar. Mas não tinha um lugar nem lhe davam serviço, alem de que não era benvindo. Por isso se passeava pelos corredores, mas sempre pensando no que poderia começar a fazer. Um dia, esparramado no sofá do embaixador, lança a sua ideia económica para "desenrascar": tenho um espaço, dêem me a mobilia e posso começar a dar umas liçoes sobre a cultura de portugal a 40 interessados, estou aqui para isso.
O embaixador e o outro funcionário(não sabemos como estavam sentados)que não aceitavam muito bem a presença do cultural, aproveitaram então a ocasião para lhe lançarem o que há tempos estavam desejosos, a 41a cadeira.
Talvez numa 3a leitura eu veja ainda doutra forma esta história exemplar com um interessante conteudo. Temos aí um microcosmo do que é portugal.

Helena Oneto disse...

Oups!... Mas que gaffe imperdoavel, Senhor Embaixador!!
claro que queria dizer 333 seguidores (leitores são muitos milhares por esse mundo fora:))! Acredite que até corei! (espero que me perdoe esta falta de atenção que so se justifica com a quantidade de analgésicos que absorvi nestes ultimos tempos:).
Se o 334 seguidor tivesse chegado mais cedo...
Estou melhor, obrigada:)!

Fui dar uma vista de olhos ao "sitemeter". Um autêntico mouchard!!! so não da o n° de telefone e a cor dos olhos dos visitantes:)! mas oferece-nos de bandeja o "IP address" e demais detalhes... O "sitemeter" é uma filial do wikileaks??:)!

Francisco Seixas da Costa disse...

Cara Helena: ... e lá passámos hoje as 300 mil visitas.

Helena Oneto disse...

Vi o 300.000 chegar no segundo apos ter "publicado" o meu comentario sobre a "India" e ainda estive para o assinalar, mas a infermeira impacientava-se com a injecção na mão... mas faço-o agora: FELICITATIONS!!!

A outra metade dos habitantes deste mundo nem sabe o que perde de não vir aqui... mas tenho esperança que o faça um dia:)!

Anónimo disse...

Sr. Embaixador, também eu ri a bom rir com a sua história das cadeiras.
Não conhecia o seu blogue; soube dele hoje por informação de um nosso amigo comum, o Alain Demoustier. Mas vou passar a lê-lo!
Não se lembrará de mim, mas almoçámos na mesma mesa no casamento da filha do meu compadre João Pimentel, que é minha afilhada.
Elysio Correia Ribeiro

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