domingo, novembro 21, 2010

Aeroporto

- O embaixador vem? Ó diabo! Então temos carro, telhas ou contínuo!

Não percebi logo a observação irritada do governante português, que eu acompanhava, em resposta à indicação, dada pelo seu chefe de gabinete, de que o nosso embaixador naquela capital europeia, onde mudaríamos de avião, iria aparecer na "sala vip", durante a escala de cerca de duas horas que aí faríamos, vindos sei lá de onde, a caminho de Lisboa. O nosso avião estava prestes a aterrar, pelo que o governante das Necessidades, ao ver a perplexidade que a sua observação provocara em mim, explicou:

- É que os seus colegas, sempre que me apanham de passagem por algum país, fazem de mim uma espécie de "muro das lamentações", trazendo-me os problemas que não conseguem resolver diretamente com os serviços, lá em Lisboa. Como se eu pudesse andar a despachar pelo caminho! É o carro que é velho, é o contínuo que falta, é o orçamento para as obras no telhado! Começo a estar farto!

Nessa como em outras ocasiões, eu notara já que os governantes perdem a paciência, com frequência, quando são "apanhados" para questões de "intendência", no decurso de uma viagem. Muitas vezes cansados, sem nenhumas respostas à mão, reagem mal a terem de tomar conta do pedido ou chamar os membros dos gabinetes que os acompanham para apontar a questão. Muitos anos mais tarde, eu fui vítima desse assédio. Talvez por isso, aprendi: hoje, como embaixador, gabo-me de nunca ter incorrido nesse pecadilho, precisamente porque sei bem "do que a casa gasta"...

Assim, nessa madrugada, à saída do avião, a cara com que o nosso governante olhou para o pobre do meu colega, que se havia tirado dos seus cuidados e dos seus lençóis àquela indigesta hora matutina, estava longe de ser a mais simpática. Seguimos para a "sala vip". Um boa meia-hora depois, vejo o embaixador debruçado sobre o ouvido do governante, que continuava com um ar de poucos amigos.

Regressados ao avião, não me contive:

- Desculpe a minha curiosidade, se calhar não devia estar a perguntar isto. Mas, afinal, o que queria este embaixador? Vi-os numa longa conversa...

O governante sorriu:

- Queria apenas outro posto. E nem pediu "muito". Sempre é melhor que querer reforço do orçamento, do pessoal ou um carro novo. É que quem manda em tudo isso são as Finanças.

Sábias palavras!

8 comentários:

José Martins disse...

Senhor Embaixador,

Eu o “manga de alpaca” de Banguecoque também enfrentei e assisti alguns problemas no aeroporto com a chegada de ministros.
Uma chatice quando essa gente chega a uma missão...
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Por muitos anos lá estava eu a fazer o “check-in/out", carregar as malas, enquanto a delegação se refrescava na sala VIP com a presença das individualidades locais como obriga o protocolo.
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Lá já lá vão uns anos bons, um ministros dos Estrangeiros, português, visitou Banguecoque para assinatura de uns Acordos no Sudeste Asiático.
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Mas o chefe de missão, teria que estar presente, nessa manhã, num reunião, com outros seus homólogos, no palácio do Primeiro-Ministro e, enviou para receber o sr.ministro ao aeroporto o número dois com a recomendação de lhe transmitir a razão porque o embaixador não estava à sua chegada.
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Porém o embaixador, acompanhado da mulher, depois da reunião como o PM, a toda a “brida”, o motorista, dirigiu-se para o aeroporto e o senhor ministro, ainda se encontrava, com a sua delegação, na Sala VIP.
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Foi uma cena do arco-da-velha pelo “raspanete” que passou ao embaixador em frente aos presentes e ainda, disse à mulher para não aceitar o ramo de flores que delicadamente, com o beijo da praxe, lhe iria entregar a embaixatriz.
Poder,poder...a quanto obrigas!
Saudações de Banguecoque
José Martins

Anónimo disse...

vítima desse assédio...

Ai!?...

Isabel seixas

Anónimo disse...

'I've learned that people will forget what you said, people will forget what you did, but people will never forget how you made them feel.'

Citado por
Isabel Seixas

LP disse...

Havia um nome, cognome, alcunha sei lá, uma coisa destas que muitos de nós, camaradas de tropa, chamavamos a este tipo de pessoas como o embaixador: "escovinhas"

E a pessoas como o ministro que não se metiam com a malta das finanças: "paquetes"

Cunha Ribeiro disse...

E nas Finanças manda....
... Quem pode... Ou tem podido.

patricio branco disse...

"carros, telhas e contínuo", boa lista, adivinhada pela experiencia de escalas anteriores.
E a conversa secreta de quem pedia algo mais ao ouvido do governante é uma imagem visual, uma boa caricatura da situação.

Helena Sacadura Cabral disse...

Isabel
Encantou-me a citação. Com sua licença vou apropriar-me dela!

patricio branco disse...

tremenda história a de José Martins, na qual se vê tudo o que caracterizava o ministro: arrogacia, vaidade, necessidade de ser adulado e de lhe prestarem vassalagem, prepotência, etc,

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Pierre Bourguignon foi, ao tempo em que eu era embaixador em França, um dos grandes amigos de Portugal. Deputado à Assembleia Nacional franc...