sexta-feira, novembro 26, 2010

25 de novembro

Para alguns, será talvez um pouco estranho estar a escrever sobre uma data, dois dias depois da passagem da mesma. Mas, a pedido "de várias famílias" (como se dizia, noutro tempo, noutra imprensa), aqui fica a minha memória breve do 25 de novembro de 1975, já 35 anos depois dessa data.

O chamado "25 de novembro" configura uma espécie de resultante  final de toda a grande confrontação político-militar que se viveu ao longo do ano de 1975, em especial entre Março e Novembro, mas que tinha tido já afloramentos conflituais na questão da lei da "unicidade sindical" e nas discussões em torno do plano económico coordenado por Melo Antunes.

No "11 de março" desse ano, um setor ultra-conservador português, liderado pelo general António de Spínola, havia caído na "ratoeira" de tentar um golpe de Estado, sem preparação, o qual, de certo modo, havia sido antecipado pela chamada "esquerda militar", que então dominava as Forças Armadas. Recordo-me bem da frase proferida pelo almirante Rosa Coutinho, durante a assembleia do Movimento das Forças Armadas, nessa célebre noite: "Sabíamos que estavam a preparar qualquer coisa, assustaram-se e nós ficámos à espera que saltassem. E eles saltaram". Na sequência desse frustrado movimento, a Revolução portuguesa acelerou-se, foram decretadas nacionalizações e foi criado o Conselho da Revolução.

Já no "25 de novembro", seria o desespero de certos setores militares de extrema-esquerda, aliados à ambição irrealista de algumas estruturas civis, que levou a que viessem a cometer um erro simétrico: tentar um golpe militar, sem para tal terem criado um mínimo de condições para o seu sucesso. Neste caso, acabou mesmo por ser a esquerda militar moderada, pela voz de Melo Antunes, que impediu que alguns setores conservadores mais radicais, e outros conjunturalmente radicalizados, viessem a "explorar o sucesso" e, em especial, a promover a ilegalização do Partido Comunista - objetivo que chegou a ser encarado - ao afirmar que "a participação do PCP na construção do socialismo é indispensável".

Entre o "11 de março" e o "25 de novembro", muita água correu sob as pontes políticas da vida portuguesa. Após a forte viragem à esquerda provocada pela derrota do golpe conservador de Março, tiveram lugar eleições para a Assembleia Constituinte, o resultado das quais mostrou, à evidência, que a opinião votante do país estava, esmagadoramente, num registo bem mais moderado do que aquele que prevalecia na respetiva gestão política. A legitimidade revolucionária era, pela primeira vez, posta em causa pela legitimidade eleitoral e esse confronto não deixaria de ter consequências. Fruto da agudização das tensões, o Partido Socialista e o então Partido Popular Democrático (hoje PSD) viriam a abandonar, sucessivamente, o IV governo provisório.

O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, cujo isolamento dentro das Forças Armadas se tornara crescente - e que era considerado como muito dependente do Partido Comunista Português (PCP) - decidiu então formar um novo governo (o V governo provisório) com uma representação política muito limitada, formado pelo PCP e por personalidades, civis e militares, os quais, na prática, eram seus "compagnons de route". Essa fórmula fracassou e, por essa altura, um conjunto moderado de militares - "o grupo dos nove" - afirmou-se como uma crescente alternativa à chamada "esquerda militar" (ligada ao PCP).

Vasco Gonçalves foi afastado e um conjunto diverso de circunstâncias (algumas com caráter bem caricato) acabou por colocar à frente de um novo governo pluripartidário o almirante Pinheiro de Azevedo. Os bloqueios político-sociais prolongaram-se por alguns meses, até que a já referida insensata aventura de alguns militares de extrema-esquerda, com a cumplicidade mais ou menos explícita de setores político-partidários, acabou por provocar uma confrontação, para a qual os setores moderados e conservadores das Forças Armada se haviam, entretanto, preparado. O contra-golpe vitorioso deu-lhes o poder militar e a solução pluripartidária de governo pôde prosseguir até às eleições legislativas de abril do ano seguinte.

O "25 de novembro" terá sido a derrota do "25 de abril", como alguns teimam em dizer? O "25 de novembro" abriu caminho a um desequilíbrio nas Forças Armadas que acabou por vitimar, política e militarmente, os setores moderados que foram responsáveis pelo seu êxito? Ou o "25 de Novembro" representou, no fundo, o "25 de Abril" possível na Europa de então?

Neste retrato, alguns podem dizer que falta a questão colonial e os jogos táticos que, no parecer de muitos, estiveram por detrás de certos "timings" desse fantástico "verão quente". Essa seria uma longa história, na qual seria talvez interessante fazer intervir também os interesses de Moscovo, de Washington e de certas capitais europeias. Mas, mais importante do que revisitar todas as teorias da conspiração - que existiu, vinda de vários setores -, talvez devamos convir em que a história do 25 de novembro acabou bastante bem. Essa é hoje, pelo menos, a minha opinião.

5 comentários:

José Martins disse...

Senhor Embaixador,
Lembrei-me do 25 de Novembro e esqueci o dia.
O 25 de Abril e a seguir o 25 de Novembro de 1975 são coisas do já lá vai lá vai.
Porém embora a mim não me tivesse afectado (regressei a Portugal da Rodésia-Zimbabwe), mas conheci e vivi o drama de milhares de portugueses que chegaram de Moçambique a este país, atravessando a mata, com a roupa do corpo. O crime deles foi o de serem portugueses e sob a bandeira das Quinas viverem num território que já lhes pertencia, porque nasceram lá.
Essa história pouco foi contada. Talvez um dia, mas por mim não porque me arrepio quando leio as "cavaladas" do passado que até ninguém (dizem) os autores culpados.
Saudações de Banguecoque
José Martins

patricio branco disse...

A historia portuguesa contemporânea, incluindo o salazarismo, a transição democratica e o inicio da democracia, tem sido estudada em abundância.
O periodo pós 25 de abril pré constitucional (abril74-maio76)tem no entanto ainda muitas lacunas e mistérios. Certamente que devido parte dos actores estarem ainda vivos (desde as FFAA aos lideres partidários)e haver certa resistencia em "contar tudo" alem da documentação fiavel de arquivos ser reduzida (não falo da jornalistica)
Memórias individuais e independentes como este post são portanto boas contribuições, peças para um puzzle ainda muito incompleto.

Anónimo disse...

Eis a ideia de um leigo: 25/04/1974, data da implantação da democracia; 25/11/1975, data da consolidação da democracia; 1982, data da concretização da democracia (fim do Conselho da Revolução).

António Mascarenhas

patricio branco disse...

A democracia só será completa em portugal quando houver um parlamento com 2 câmaras e circulos uninominais. Na verdade, não sabemos quem são os nossos deputados (os que representam as circunscrições onde vivemos), nem temos contactos com eles nem eles sequer connosco 8o eleitorado). Em cada legislatura, há 10 que falam na AR e vemos na televisão e os outros estão lá só para votar, nem sabemos quem são.Nem eles sabem quem (nós, os eleitores) somos. E gostaria de ver o governo presente 3 ou 4 dias por semana no parlamento, a dar contas. E nos outros dias presentes a trabalhar nos seus circulos, a falar com os cidadãos que representam, etc, etc

Helena Oneto disse...

Todos os 25 de Novembro lembro-me deste. Restam-me imagens confusas e tristes como esta.

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