terça-feira, setembro 28, 2010

28 de setembro

A data de ontem dirá pouco às novas gerações. Contudo, em 1974, ela foi um dia-charneira na Revolução portuguesa, que assinalou a passagem entre dois tempos políticos bem distintos.

Em perspetiva do tempo, pode dizer-se, com alguma certeza, que o 25 de abril foi produto de um magnífico equívoco, que colocou, lado-a-lado, todos os adversários do regime que então se desmoronou. No 1º de maio que se seguiu, até parecia que todo o país havia saído à rua, talvez com exceção dos pides, da meia-dúzia de nostálgicos empedernidos e dos líderes apeados...

Mas as clivagens nas visões quanto ao futuro do país estiveram sempre presentes. Já no próprio dia 25 de abril, no "posto de comando" do Movimento das Forças Armadas, um conflito emergiu entre o general António de Spínola, convidado para "receber o poder" de Marcelo Caetano, e alguns elementos da "Comissão Coordenadora", que preparara o golpe de Estado, a propósito de certas passagens do Programa do MFA. Os portugueses que viveram esse período lembram-se, com certeza, que foi já muito tarde na noite que a Junta de Salvação Nacional falou ao país, numa muito aguardada emissão televisiva. A definição do texto do "Prograna do MFA", que o país conheceria em pormenor no dia seguinte, foi a razão principal desse atraso.

Daí para a frente, a unidade no seio das Forças Armadas apenas uma figura de retórica. Entre os "spinolistas" e a "Coordenadora" as tensões foram subindo de tom, com pequenas vitórias de parte-a-parte, a equilibrarem o jogo. No campo militar, o "documento Engrácia Antunes" polarizou, a certa altura, o descontentamento dos mais moderados. No seio do 1º "governo provisório", chefiado pelo advogado liberal Palma Carlos, as tensões subiram e as tentativas feitas por alguns no sentido de reforçar a autoridade do executivo, em ligação com Spínola e em oposição à corrente prevalecente no MFA, conduziram à sua queda. O general Spínola sentiu-se progressivamente ultrapassado pela dinâmica que os militares tinham imprimido à descolonização e espalhava pelo país avisos dramáticos à desregulação "anárquica" da vida portuguesa, com especial referência aos atentados aos direitos de propriedade. 

Durante todo o verão de 1974, Spínola foi conclamando à mobilização daquilo a que chamou a "maioria silenciosa" do país. No mês de Setembro, essa agitação, organizada em torno de personalidades conservadoras e de pequenos grupos políticos marcados pela saudosismo "estadonovista", que tinha por óbvio alvo a linha prevalecente do MFA - que confrontava Spínola, favorecia a descolonização e defendia políticas mais "progressistas", um tanto a reboque dos movimentos populares que explodiam pelo país -, acabaria por transformar-se na ideia de uma grande manifestação de apoio ao general e presidente da República, a ter lugar no dia 28 de setembro.

O que se pretendia com essa manifestação? Haveria, por detrás, uma tentativa de provocar um novo golpe militar, correspondendo a uma pretendida "vaga de fundo" de uma "maioria" da população, assustada com a dinâmica da Revolução? Haveria unidades ou comandos militares comprometidos? Haveria civis armados, prontos a criar um ambiente de anarquia, que justificasse uma intervenção autoritária com Spínola à frente? Há várias respostas para estas questões.

De seguro, apenas sabemos o que se passou. O MFA articulou-se com algumas forças sindicais e políticas - da extrema-esquerda a setores do PS - e lançou uma ação preventiva, impedindo os acessos a Lisboa dos potenciais manifestantes, que tinham a intenção de se apresentar em frente do palácio de Belém. Simultaneamente, na noite de 27 para 28 de setembro, o MFA procedeu à detenção de algumas dezenas de pessoas - na esmagadora maioria dos casos personalidades ligadas ao antigo regime - naquilo que aparentou ser mais uma ação de intimidação do que o desarticular de um verdadeiro "golpe reacionário" em preparação.

Como consequência deste novo estado de coisas, que desequilibrou politicamente a relação de forças no país, o general António de Spínola demitiu-se de presidente da República, tendo a chefia do Estado passado a ser assumida pelo general Francisco da Costa Gomes. O primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, que já chefiava o 2º "governo provisório" desde a demissão de Palma Carlos, formou então um 3º "governo provisório", com uma orientação mais "à esquerda", que marcou um novo passo no acelerar da Revolução. Os acontecimentos do dia 11 de março do ano seguinte tornariam ainda mais radical a Revolução portuguesa.

5 comentários:

Lebasiaifos disse...

Senhor Embaixador

Em 1974, nesta data, fazia 7 anos; recordo termos ido em família a um batizado em Ourém e no regresso a Leiria termos sido mandados parar pelo MFA que, com tábuas com pregos colocadas na estrada, fazia uma "operação STOP" para revista dos veículos. O aparato da coisa impressionou-me bastante a ponto de ainda hoje me recordar disso.No entanto, naquela altura, até as crianças estavam fortemente "politizadas"; sabiam quem era o primeiro-ministro e a maioria dos ministros, - apesar das frequentes mudanças - sabiam quem eram os líderes dos principais partidos políticos e até discutiam política entre si e com os adultos. Hoje já não é assim; por um lado, para melhor, porque se verificou uma consolidação democrática que na altura não existia, por outro, para pior, porque representa o completo alheamento e desinteresse das novas gerações pela res publica.
Cumprimentos
Isabel Sofia

José Barros disse...

Nestas duas datas a efusão de sangue foi evitada não se sabe por que milagre porque para a dita manifestação silenciosa do 28 de Setembro parece que havia material bélico que muitos manifestantes levavam consigo. Os militares do 25 de Abril conseguiram guardar os nervos no lugar e mostraram-se particularmente compassivos com Spínola que no seguimento daqueles acontecimentos abandonou o exército levando consigo material que não lhe pertencia sem nunca ter sido julgado por aquele desvio. Melhor para ele ainda porque além de não ser chamado a contas, quando regressou ao País recebeu os salários retroactivos como se nunca tivesse abandonado o posto e foi promovido...

Helena Oneto disse...

Os comentários de Isabel Sofia e de José Barros trazem-me à memória um "incidente" ocorrido em Maio de 1976 no regresso duma viagem pela Europa. Perto da fronteira portuguêsa fomos perseguidos por uma patrulha de polícia espanhola que cercou o automóvel. O chefe dirigiu-se ao condutor (éramos dois casais) e disse: “Fomos alertados por uma outra patrulha que usted fez uma ultrapassagem muito perigosa e que vem a conduzir a alta velocidade”. Mandou-nos sair do carro, apresentar os passaportes e abrir o porta-bagagens. Esta era a terceira vez que éramos revistados “de alto a baixo“, em território espanhol por patrulhas de carabineiros mal humorados. Mais que contrariada, disse para o chefe que ja tinhamos sido revistados e que os colegas da patrulha anterior tinham partido, quando deixaram cair do porta-bagagens, duas garrafas de whisky caríssimas que tinha comprado para o meu pai. Adiantei que tudo o que havia nas malas era só roupa e que não tinhamos nada a declarar. Numa discussão que se eternizava negámos a ultrapassagem e o excesso de velocidade. A certa altura o carabineiro chefe diz: “Sou muito amigo do General Spínola, foi a mim que ele se entregou quando fugiu de helicóptero para aqui!” Aproveitei a deixa e disse: “O meu pai é coronel do exercito e conhece muito bem o General Spínola”. Foi a nossa sorte. Escapámos a duas multas, a carta de condução foi restituída ao seu dono e não revistaram as malas...

Helena Sacadura Cabral disse...

Helena O
Diria que a sua história e a de Isabel Sofia mostram bem os alcatruzes da vida!

LP disse...

Pois, de revolução não era pretendido o 25 de abril de 1974. Confunde-se muito ou por outra, dá jeito, chamar revolução a um pronunciamento; intenção primária da investida das tropas. Durante o desfile dos tanques, chaimites, g3's, willis, Kaiser's e soldados e, perante a curiosidade do povo em saber que desfile era aquele, alguém gritou que "o rei ia nú". Pronto, estragaram tudo: O Prof. Marcelo, que tanto trabalho estava a ter em organizar o sentido da unidade portuguesa com incentivos à responsabilidade social a partir da família, a tentar, com grande esforço, acabar com o "lápis azul" e suas consequências de sublinhado, viu o trabalho esborratado...

E acabo em reticências porque, por aquilo que me apercebo, os leitores deste blog são pessoas inteligentes.

Os EUA, a ONU e Gaza

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